INTRODUÇÃO
Aproximadamente 5-8% dos tumores cutâneos malignos da cabeça e pescoço localizam-se
no pavilhão auricular, sendo a maioria classificados como carcinomas basocelulares
(75%), seguidos dos carcinomas espinocelulares (25%). Mais raramente, 0,2% dos
tumores cutâneos malignos da cabeça e pescoço são localizados no conduto auditivo
externo (CAE)1,2.
A história de longa exposição solar associada ao fototipo baixo são os principais
fatores de risco para o desenvolvimento dessas lesões. O diagnóstico dessas lesões
tumorais muitas vezes é tardio devido à anatomia complexa da orelha, o que limita
a
visualização dessas lesões, principalmente, localizadas na concha auricular e
no
CAE, sendo de difícil detecção pelo paciente, podendo até passarem despercebidas.
Isso pode modificar o prognóstico da doença, favorecendo a invasão tumoral para
o
CAE, sendo necessária a realização da cirurgia o mais precoce possível para que
esta
não se torne ainda mais complexa, como uma cirurgia que envolva estruturas da
base
de crânio2,3.
A orelha possui, proporcionalmente, grande quantidade de cartilagem em relação à área
da superfície da pele, além de apresentar uma composição tridimensional, o que
dificulta e torna complexo o procedimento de sua reconstrução. O conhecimento
da
anatomia do pavilhão auricular é muito importante para o cirurgião realizar o
adequado planejamento cirúrgico3. Assim, o
diagnóstico precoce, a ressecção da lesão com margens livres e a reconstrução
auricular são os grandes desafios que o cirurgião tem que enfrentar para ter o
êxito
almejado. O sucesso cirúrgico depende não somente da perfeita cobertura cutânea
do
arcabouço cartilaginoso, mas da viabilidade em termos de nutrição para este tecido,
já que muitas vezes pode ser necessária a ressecção do pericôndrio e parte da
cartilagem local1,2,3.
Os defeitos localizados, em particular, na concha auricular podem constituir mais
um
dos desafios reconstrutivos da orelha, pois essa região apresenta uma pele fina
com
escasso tecido subcutâneo que é parcialmente escondida, o que inviabiliza, muitas
vezes, a aproximação direta. Um fator complicador dessas reconstruções é quando
há a
invasão do pericôndrio lateral em fases precoces de sua evolução, tornando inviável
a enxertia cutânea, além de expor a cartilagem ao risco de condricte infecciosa4. A reconstrução de aspectos da concha
auricular apresenta várias opções, como fechamento por segunda intenção e enxertia
até confecção de retalhos locais. Em 1972, Masson descreveu um retalho auricular
posterior ilhado para defeitos de face anterior da concha5.
OBJETIVO
Descrever o caso clínico de um paciente que apresentou carcinoma basocelular,
localizado na concha do pavilhão auricular esquerdo e parte do conduto auditivo
externo, que foi submetido à reconstrução imediata, em tempo único, através do
uso
do retalho auricular posterior ilhado, classicamente conhecido como retalho de
Masson.
MÉTODO
Realizado estudo descritivo retrospectivo de um paciente que apresentou carcinoma
basocelular localizado na concha do pavilhão auricular esquerdo e parte do conduto
auditivo externo, de aproximadamente 3cm de diâmetro, que foi submetido à
reconstrução imediata, em tempo único, através do uso do retalho auricular posterior
ilhado, conhecido como retalho de Masson no Serviço de Cirurgia Plástica em um
hospital terciário na cidade de Fortaleza/Ceará.
RESULTADOS
O paciente apresentou boa evolução pós-operatória, com cicatrização adequada,
mantendo viabilidade do retalho e bom aspecto da área doadora. Isso permitiu um
satisfatório resultado funcional e estético para o paciente. A lesão tumoral foi
totalmente ressecada por meio de cirurgia, demonstrando margens livres no
anatomopatológico (Figura 1 à 5).
Figura 1 - Exérese da lesão com margens.
Figura 1 - Exérese da lesão com margens.
Figura 2 - Marcação do retalho auricular posterior ilhado.
Figura 2 - Marcação do retalho auricular posterior ilhado.
Figura 3 - Pós-operatório imediato da área receptora - transferência do retalho
auricular posterior ilhado para a concha auricular e CAE.
Figura 3 - Pós-operatório imediato da área receptora - transferência do retalho
auricular posterior ilhado para a concha auricular e CAE.
Figura 4 - Pós-operatório imediato da área doadora.
Figura 4 - Pós-operatório imediato da área doadora.
Figura 5 - Pós-operatório de 60 dias da área receptora.
Figura 5 - Pós-operatório de 60 dias da área receptora.
DISCUSSÃO
A anatomia peculiar da orelha através das suas concavidades e convexidades dificulta
tanto a detecção precoce das lesões, quanto a sua ressecção e reconstrução. As
lesões localizadas no pavilhão auricular, especialmente as localizadas na região
inferoanterior da concha e no CAE representam um grande desafio, visto que a
visualização e o acesso dessas lesões são limitados pelo tragus que se encontra
anterior a essas estruturas1,2.
As possibilidades reconstrutivas se baseiam nos enxertos de pele total para defeitos
com ou sem envolvimento cartilaginoso, podendo apresentar resultados inestéticos
como discrepância na cor do enxerto com a da pele local, maior risco de necrose
quando na ausência do pericôndrio e necessidade de outros tempos cirúrgicos. Outra
opção capaz de fornecer possibilidades estéticas mais favoráveis são os retalhos.
Eles necessitam ser finos e ricamente vascularizados, como o retalho retroauricular
que tem um intenso suprimento sanguíneo devido à sua localização, diminuindo as
chances de necrose. As vantagens do uso dos retalhos são as semelhanças nas
características do tecido, a cirurgia ocorrer em estágio único, com resultados
quase
imediatos, tempo curto de procedimento em cirurgiões experientes, baixo risco
de
perda do retalho ou outras complicações, baixo custo do procedimento, resultado
estético superior, além de ser facilmente reprodutível, mesmo em defeitos maiores
da
concha3,4.
O retalho auricular posterior ilhado foi descrito por Masson, em 19725, para reconstrução de defeito auricular
anterior. O aporte vascular desse retalho se baseia nos ramos da artéria temporal
superficial, assim como da artéria auricular posterior, minimizando risco de necrose
do retalho, visto que o pedículo se encontra ao mesmo tempo no centro do retalho
e
no centro da área receptora. Esse retalho é baseado na confecção de um túnel através
da cartilagem auricular para passagem de um retalho pós-auricular do tipo insular
através de um movimento de 180° em torno do seu eixo, isto é, com um padrão de
vascularização axial no qual a base do retalho é composta unicamente pelos vasos
nutritivos, que é então implantado na face anterior da aurícula de modo a cobrir
o
defeito. A área doadora, dessa maneira, é fechada por sutura primária, aproximando
os bordos com bom resultado estético e funcional. Esse retalho apresenta como
vantagens o fato de possibilitar reconstrução de grandes defeitos, ser bem
vascularizado e ser considerado de primeira escolha para a reconstrução conchal
devido à proximidade com o defeito5.
CONCLUSÃO
Lesões que acometam em particular a concha auricular com extensão para conduto
auditivo externo devem ser diagnosticadas o mais precocemente possível, a fim
de que
o tratamento seja realizado prontamente. Caso as lesões tumorais aumentem em
extensão, comprometendo maior área de tecido conchal e tecidos adjacentes, a
proposta cirúrgica se tornará mais complexa, gerando um prognóstico mais reservado
tanto em relação a ressecção, a reconstrução, quanto a própria evolução da
doença.
Assim, o retalho auricular posterior ilhado, retalho de Masson, é uma versátil opção
reconstrutiva para os defeitos de face anterior da orelha que envolvam pericôndrio
e
cartilagem, possibilitando resultados estéticos e funcionais satisfatórios, com
baixo percentual de complicações.
REFERÊNCIAS
1. Arnt R, Gus EI, Deos MFS. Retalho em Porta Giratória na Reconstrução
do Pavilhão Auricular. ACM Arq Catarin Med. 2014;43(Supl
1):9-13.
2. Uribe NC, Terzian LR, Brandão CM, Bastos TC. Abordagem de tumor
cutâneo no conduto auditivo externo. Surg Cosmet Dermatol.
2015;8(1):66-9.
3. Avelar JM. Reconstrução auricular pós-traumatismo. In: Mélega JM,
editor. Cirurgia Plástica, Fundamentos e Arte II - Cirurgia Reparadora de Cabeça
e Pescoço. São Paulo: Guanabara Koogan; 2002. p.994-1006.
4. Branco C, Subtil J, Estibeiro H, Ferreira L, Magalhães M, Olias J.
Carcinoma basocelular do ouvido externo: a propósito de um caso clínico. Rev
Port ORL. 2006;44(2):187-92.
5. Masson J. A simple island flap for reconstruction of concha-helix
defects. Br J Plast Surg. 1972 Oct;25(4):399-403. DOI:
https://doi.org/10.1016/S0007-1226(72)80083-3
1. Hospital Geral de Fortaleza, Papicu, Fortaleza,
CE, Brasil.
2. Hospital Haroldo Juaçaba, Rodolfo Teófilo,
Fortaleza, CE, Brasil.
Endereço Autor: Suelen Rios de Melo, Av.
Paisagística, 100, Edson Queiroz, Fortaleza, CE, Brasil. CEP: 60812-535. E-mail:
suelenrios@oi.com.br