INTRODUÇÃO
A abdominoplastia é a sexta cirurgia estética mais frequente no mundo, realizada em
aproximadamente 800 mil pacientes por ano. O objetivo principal desse procedimento
é
remodelar o contorno corpóreo, por meio da retirada de tecido e gordura redundantes
na parede abdominal1. A técnica é,
frequentemente, combinada à lipoaspiração e à mastopexia, no intuito de maximizar
os
resultados desejados. Apesar do aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas e da
condução clínica perioperatória, esses procedimentos continuam suscetíveis a raras
e
catastróficas complicações, cujo entendimento é imprescindível ao adequado manejo
dos casos e à relação saudável entre médico e paciente.
RELATO DE CASO
A.C.A.S., 34 anos, feminina, G2P2A0, dois partos cesários (há 9 e 2 anos),
ex-tabagista (há 9 anos), submetida a mastopexia + abdominoplastia +
vibrolipoaspiração com enxertia, em outubro de 2018. Hipotireoidea, síndrome do
intestino irritável, transtorno de ansiedade. Altura: 1,68 m; peso: 67 kg; IMC: 23,6
kg/m2 ; PGC: 34,4%; ASA II; Goldman I. Revisões laboratoriais,
radiografia de tórax e Doppler de MMII sem achados.
- 6º DPO: início de flogose e drenagem de secreção em toda ferida
operatória, evoluindo com necrose de ferida operatória, especialmente de
região mamária, poupando aréolas. Foi reinternada e submetida a
reabordagem cirúrgica em 10º DPO para desbridamento, retirada de prótese
e nova sutura (gluconato → náilon) e biópsia/cultura. Solicitados
exames complementares e parecer da infectologia.
- Culturas negativas, revisão laboratorial atípica, sem critérios
infecciosos evidentes, anátomo não conclusivo, mas afastando pioderma
gangrenoso. Iniciada antibioticoterapia (ceftriaxona e clindamicina) e
terapia adjuvante com oxigenoterapia hiperbárica.
- A paciente evoluiu lenta e gradativamente bem após reabordagem
cirúrgica. Mantida em observação clínica e feito egistro fotográfico até
90º DPO. Percurso clínico pós-operatório registrado na Figura 1.
Figura 1 - Percurso clínico – registro fotográfico
2.
Figura 1 - Percurso clínico – registro fotográfico
2.
DISCUSSÃO
A abdominoplastia é frequentemente combinada a outras técnicas, sejam abdominais
(como plicatura e rotação de musculaturas) ou em outros sítios (mamopexia,
lipoaspiração e enxertia). A prática de cirurgias combinadas sabidamente aumenta a
morbidade, levando a maior tempo de internação, maior índice de transfusão sanguínea
no intra e pós-operatório, maior incidência de infecções graves e
tromboembolismo2. Entretanto, desde que
bem programado, é seguro realizar cirurgias combinadas à abdominoplastia, sobretudo
com bom senso para avaliar o custo-benefício do procedimento3,4,5.
Dentre as complicações mais comuns associadas à abdominoplastia (simples ou
combinada) (Tabela 1), são citados: seroma,
infecção de ferida, deiscência de sutura, hematoma e trombose venosa profunda
(TVP)1. Sobre a necrose tecidual, esta tem
menor incidência e é frequentemente causada por processo infeccioso adjacente, que
leva à má perfusão do retalho. O principal fator de risco é a história de tabagismo,
que aumenta o risco de necrose em três vezes. A epidermólise é uma variante de menor
gravidade, em que seu curso natural é a reepitelização espontânea. Já o pioderma
gangrenoso (PG), envolve derme e subcutâneo com diagnóstico difícil e fisiopatogenia
ainda não entendida3. A evolução é arrastada e
procedimentos cirúrgicos são contraindicados pelo risco de deflagrarem mesma
resposta necrótica. Retalhos também são evitados, pela mesma possibilidade de
detonar processo similar na área doadora. A incidência de reoperações para atingir
resultado estético aceitável nos quadros de necrose é menor que 1%, o que
representa, felizmente, um bom indicador prognóstico ao paciente que adquire esta
afecção6-8.
Tabela 1 - Incidência de complicações pós-operatórias na abdominoplastia
2.
Incidência de Complicações na
abdominoplastia - Literatura
|
Complicação |
Incidência |
Seroma |
1,0-4,2% |
Hematoma |
5,0-6,1% |
Deiscência |
3,0-5,4% |
Necrose |
4,8-6,0% |
TVP |
1,0-1,1% |
Transfusão sanguínea |
3,4-17,6% |
Epidermólise |
5,5-12,82% |
Infecção |
2,2-7,3% |
Embolia pulmonar |
0,5-0,8% |
Óbito |
0,0-0,0% |
Tabela 1 - Incidência de complicações pós-operatórias na abdominoplastia
2.
A paciente deste caso clínico apresentou evolução inicial rápida de necrose em ferida
operatória, ectoscopicamente compatível com pioderma gangrenoso, uma vez que houve
predileção pelo tecido mamário (mais traumatizado), com preservação de aréolas, sem
secreções tipicamente infecciosas. Entretanto, após cuidadosa avaliação por três
infectologistas, esse diagnóstico foi afastado, devido à histologia negativa para
dermatose neutrofílica (característica do PG), culturas negativas e ausência de
piora da lesão após reabordagem cirúrgica com desbridamento. Após exclusão desse
diagnóstico, foi aventada a hipótese de reação alérgica, seja ao fio absorvível
(Monosyn® – gliconato: 72% de ácido glicolida, 14% de carbono de trimetileno,
14% de caprolactona) ou ao curativo (Durafiber® – 80% de fibras de
etilsulfonato de celulose, 20% de fibras de celulose, 0,35-1,20 mg/cm2 de
nitrato de prata). Por outro lado, estas hipóteses também não foram mantidas, uma
vez que a paciente tem história de exposição prévia ao mesmo fio cirúrgico e a área
de necrose foi evidentemente menor que a área de exposição epidérmica ao
curativo.
CONCLUSÃO
As necroses após abdominoplastia (simples e combinada a mastopexia) são raras, mas
acabam por representar situação catastrófica ao doente e à equipe médica, uma vez
que o procedimento é eletivo e de caráter predominantemente estético. O diagnóstico
etiológico é difícil e, como demonstrado, nem sempre pode ser alcançado, mesmo
durante prolongada e onerosa propedêutica. Nesse manejo, torna-se imprescindível o
cuidado do cirurgião em afastar as principais causas (como infecção de sítio
cirúrgico, respostas alérgicas e pioderma gangrenoso), mantendo o paciente sempre
amparado no processo, em meio ao contato clínico direto e ao suporte propedêutico
contínuo e imediato, no intuito de garantir uma relação saudável médico-paciente e,
não menos importante, se resguardar quanto aos aspectos éticos e profissionais.
REFERÊNCIAS
1. Vidal P, Berner JE, Will PA. Managing complications in
abdominoplasty: a literature review. Arch Plast Surg. 2017;
44:457-68.
2. Jatene PRS, Jatene MCV, Barbora ALD. Abdominoplastia: experiência
clínica, complicações e revisão da literatura. Rev Soc Bras Cir Plást. 2005;
20(2):65-71.
3. Furtado JG, Furtado GB. Pioderma gangrenoso em mastoplastia e
abdominoplastia. Rev Soc Bras Cir Plást. 2010; 25(4):725-7.
4. Porchat CA, Santos EG, Neto GPB. Complicações pós-operatórias em
pacientes submetidos à abdominoplastia isolada e combinadas a outras cirurgias
do abdome. Col Bras Cir. 2004; 31(6):368-72.
5. Rosseto M, Costa SC, Narvárez PLV, Nakagawa CM. Pioderma gangrenoso
em abdominoplastia: relato de caso. Ver. Bras. Cir. Plást. 2015;
30(2):654-7.
6. Winocour J, Gupta V, Ramirez JR, Shack RB, Grotting JC.
Abdominoplasty: risck factors, comlication rates and safety of combined
procedures. Am Soc Plast Surg. 2015; 136:597-606.
7. Santos M, Rabelo RF, Chirano CA. Pioderma gandrenoso - apresentação
clínica de difícil diagnóstico. An Bras Derm. 2011;
86(1):153-6.
8. Neligan PC, Gurtner GC. Cirurgia plástica: princípios. Rio de
Janeiro: Elsevier; 2015.
1. Hospital Governador Israel Pinheiro, Belo
Horizonte, MG, Brasil.
Endereço Autor: Felipe Gustavo Gomes
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