INTRODUÇÃO
A dermolipectomia abdominal está entre os procedimentos em cirurgia plástica mais
realizados no mundo, sendo Kelly o primeiro autor a usar a expressão lipectomia
abdominal, em 18991. Ao longo dos anos,
modificações e aperfeiçoamentos nas técnicas cirúrgicas permitiram aprimorar os
resultados estéticos e funcionais, além de reduzir a incidência de complicações
associadas ao procedimento. Um importante marco histórico está atribuído a Saldanha,
que publicou, em 2001, a técnica de lipoabdominoplastia com descolamento seletivo
do
retalho abdominal com associação segura da lipoaspiração com a abdominoplastia2. Atualmente, os procedimentos mais efetuados
para melhorar o contorno abdominal são a lipoaspiração, a miniabdominoplastia, a
abdominoplastia clássica e a lipoabdominoplastia3. Dentre as complicações mais frequentes relacionadas a tais
procedimentos, destacam-se a necrose, as irregularidades do tecido adiposo, os
seromas e hematomas, deiscências, trombose venosa profunda e embolia pulmonar1,2,5.
OBJETIVOS
Reportar um caso de necrose do retalho abdominal após lipoabdominoplastia em uma
paciente previamente hígida do Hospital das Clínicas da UFMG, bem como as medidas
adotadas para tentar amenizar a progressão da área de isquemia e a terapia
sequencial para condução e resolução do caso. Este trabalho também objetiva promover
a reflexão sobre potenciais complicações relacionadas às cirurgias para contorno
abdominal.
MÉTODO
As informações relatadas neste estudo foram obtidas pela revisão e coleta de dados
em
prontuário, registros fotográficos durante o acompanhamento da paciente nas
consultas de pré e pós-operatório e pela revisão da literatura nas bases de dados
Pubmed, SciELO e Medline.
RESULTADOS
A.G.S., feminina, 51 anos, portadora de lipodistrofia e flacidez cutânea de abdome,
além de diástase dos músculos retos abdominais (Figura 1).
Figura 1 - Pré-operatório.
Figura 1 - Pré-operatório.
Paciente previamente hígida, não tabagista e sem alergias conhecidas. Histórico de
três gestações prévias com partos cesarianos, colecistectomia videolaparoscópica e
histerectomia abdominal. IMC 26,5 kg/m2. Sem evidências de hérnias
ventrais ao exame físico e na propedêutica de imagem. Conduzida ao bloco cirúrgico
e
submetida à lipoabdominoplastia com plicatura dos músculos retos abdominais após
descolamento de túnel supraumbilical respeitando-se a parte média dos músculos
reto-abdominais. Realizada infiltração de 1.500 mL de soro fisiológico a 0,9% com
adrenalina a 1/500.000 UI, lipoaspiração de abdome e flancos com cânula 5 mm em um
volume total de 2.500 mL de lipoaspirado. Observado sangramento de bordas após
dermolipectomia, com peso da peça ressecada de 900 gramas. Não foram deixados drenos
ou confeccionados pontos de alívio de tensão descritos por Baroudi. Posicionada
cinta abdominal ao término da cirurgia (Figura 2).
Figura 2 - Pós-operatório imediato.
Figura 2 - Pós-operatório imediato.
A duração do procedimento foi de 4 horas, realizadas medidas antitrombóticas e
antibioticoprofilaxia na indução anestésica. A paciente recebeu alta no 1º dia
pós-operatório (DPO) em boas condições clínicas e sem sinais de complicações em
sítio cirúrgico. No 4º DPO, encontrava-se com isquemia em delimitação da região
suprapúbica mensurada em 14 cm de largura por 8 cm de altura, redução da temperatura
local, além de tatuagem em flanco esquerdo por provável dobra da malha cirúrgica
(Figura 3). Não houve sangramento do
retalho à punção com agulha.
Figura 3 - 4º DPO: isquemia em evolução no abdome inferior.
Figura 3 - 4º DPO: isquemia em evolução no abdome inferior.
Dessa forma, optou-se pela retirada da malha cirúrgica, conduzida a ozonoterapia em
um total de 5 sessões, drenagem linfática manual, e orientada a manter posição
semifletida. No 12º DPO foi realizada drenagem de 260 mL de seroma. A área em
sofrimento, previamente observada, encontrava-se com necrose delimitada (Figura 4).
Figura 4 - 12º DPO: necrose em abdome inferior.
Figura 4 - 12º DPO: necrose em abdome inferior.
A paciente foi conduzida ao bloco cirúrgico no 16º DPO, procedido debridamento dos
tecidos desvitalizados até a aponeurose do músculo reto abdominal, associado ao
descolamento do púbis e do retalho abdominal (Figura 5).
Figura 5 - 16º DPO: debridamento cirúrgico dos tecidos desvitalizados.
Figura 5 - 16º DPO: debridamento cirúrgico dos tecidos desvitalizados.
A paciente foi posicionada com dorso elevado a 60° e realizada a síntese primária
em
três planos do defeito em parede abdominal, após posicionamento de dreno de Penrose
número 1 (Figura 6).
Figura 6 - 16º DPO: síntese primária do defeito em parede abdominal.
Figura 6 - 16º DPO: síntese primária do defeito em parede abdominal.
A paciente recebeu alta no mesmo dia, permaneceu no domicílio em posição semifletida,
evoluiu com epidermólise das bordas da cicatriz, sem deiscência da sutura ou
progressão a necrose. Retirado dreno de Penrose após 4 dias, e os pontos após 21
dias da reabordagem.
DISCUSSÃO
A perda da harmonia corporal, geralmente provocada por alterações pós-gravidez,
sobrepeso, hérnias, cirurgias abdominais prévias e idade avançada, é um dos
principais motivos de insatisfação e da realização da cirurgia plástica do
abdome1. A ânsia por atingir resultados
cada vez mais desafiadores, a execução de cirurgias margeando os limites de
segurança, a escolha de técnica inapropriada e a má indicação cirúrgica são os
principais fatores relacionados à ocorrência de complicações pós-operatórias nas
cirurgias de contorno abdominal4. A escolha de
pacientes muito acima do peso ideal, portadores de diabetes ou insuficiência venosa
de membros inferiores, podem aumentar o risco de eventos adversos, principalmente
aqueles relacionados à irrigação sanguínea3. O
consumo de tabaco está associado a um risco três vezes maior de necrose do retalho
abdominal6. No intraoperatório, o
descolamento excessivo do retalho abdominal, a presença de grande espaço morto e
excesso de tensão na sutura estão atribuídos a complicações locais, como a necrose
do retalho abdominal. A complicação mais comum descrita na literatura é o
seroma5. Infecção, necrose,
irregularidades do tecido adiposo, hematomas, deiscências e deformidades na
cicatriz, trombose venosa profunda e embolia pulmonar também poderão causar a quebra
de expectativa do paciente, colocando em risco a relação médico-paciente1,2. Visando reduzir o risco de necrose do retalho abdominal, conforme
objeto de estudo do caso apresentado, são citados na literatura a lipoaspiração,
como etapa inicial, a realização de suturas de ancoragem preconizadas por Baroudi,
para alívio da tensão e fechamento do espaço morto, além da recomendação de se
evitar procedimentos cirúrgicos combinados6,9. Evitar a
lipoaspiração excessiva, o fechamento sob tensão e o uso de malhas compressivas
muito apertadas reduz o risco de isquemia7,8. A preservação dos
vasos perfurantes com descolamento seletivo do retalho abdominal, como proposto na
lipoabdominaplastia por Saldanha, também demonstrou redução na incidência de
necrose2. Na vigência de necrose
instalada, faz-se necessário o acompanhamento regular do paciente, tanto para apoio
emocional quanto para debridamentos em tempos oportunos. Na maioria dos casos, a
cicatrização por segunda intenção fechará o defeito resultante dentro de semanas a
meses. O uso de terapia por pressão negativa e a oxigenoterapia hiperbárica podem
ser adotados para estimular a neovascularização, proliferação de fibroblastos e
deposição de colágeno, acelerando a cicatrização. A reabordagem cirúrgica para
fechamento seriado ou posterior correção de cicatriz inestética pode ser
necessária6.
CONCLUSÃO
A seleção dos pacientes candidatos à abdominoplastia, por meio de história clínica
e
exame físico detalhados, associados à execução da técnica cirúrgica de forma apurada
e sem desrespeitar seus limites de segurança, permitem a obtenção de resultados
estéticos satisfatórios e, principalmente, com um baixo índice de complicações.
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1. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereço Autor: Gabriel Henrique Gontijo
Carneiro Av. Professor Alfredo Balena, 110, 7º andar - Santa
Efigênia, Belo Horizonte, MG, Brasil CEP 30130-100 E-mail:
gabrielghgc@hotmail.com