INTRODUÇÃO
Recentemente, houve um aumento na incidência de câncer vulvar. Esse aumento se deve,
possivelmente, ao aumento de casos em mulheres jovens e está relacionado ao
papilomavírus humano em associação com a neoplasia intraepitelial vulvar. Apesar
disso, a maioria das pacientes são mais acometidas com idade maior que 50 anos
e
frequentemente associado a outras comorbidades1.
O câncer de vulva é uma neoplasia rara, correspondendo de 3% a 5% das neoplasias
malignas do trato genital feminino. Os defeitos originários do tratamento cirúrgico
dessas lesões mais complexos devem ser individualizados de acordo com as estruturas
perdidas ou expostas1.
Atualmente, a cirurgia representa o esteio isolado do tratamento, ou às vezes, em
combinação com a quimioterapia e radioterapia, para tumores localmente avançados
e
com doença recorrente. A reconstrução de tecido mole da vulva após a ressecção
de
malignidades é um desafio, pois a função dos órgãos perineais deve ser preservada
e
a área reconstruída deve manter uma aparência estética aceitável. Numerosos retalhos
foram projetados para a reconstrução vulvar, contudo, o uso de retalhos locais
é
geralmente suficiente na fase primária após uma vulvectomia radical2.
OBJETIVO
O objetivo deste relato foi demonstrar a aplicabilidade de técnicas cirúrgicas de
reconstrução vulvoperineal imediata pós-ressecção oncológica com retalhos
fasciocutâneos de coxa e da região glútea realizadas pelo Serviço de Cirurgia
de
Oncologia e Cirurgia Plástica do Hospital de Amor Amazônia, em Porto Velho, RO,
e
analisar os resultados obtidos decorrentes do seu emprego.
MÉTODO
Descrevemos aqui um caso de uma paciente S.G.T., 54 anos, branca, natural de Porto
Velho RO, com queixa de prurido vulvar e vaginal há 10 meses, com nodulação na
região de grandes lábios. Realizada colposcopia de todo o trato genital inferior,
sendo observada lesão condilomatosa em pequeno e grande lábios direito. Realizada
biópsia do colo uterino com anatomopatológico da colpocitologia evidenciando lesão
escamosa intraepitelial de baixo grau (NIC-1). Foi submetida à exérese de lesão
condilomatosa e cauterização de lesão residual com anatomopatológico de carcinoma
espinocelular, moderadamente diferenciado, invasão presente, margens cirúrgicas
comprometidas pela neoplasia.
Foi encaminhada ao serviço de Ginecologia Oncológica do Hospital de Amor Amazônia
e
constatada a presença de área eritematosa de 14,0x5,0cm em região perineal direita
e
nodulação endurecida e esbranquiçada de aproximadamente 3,5cm em área de biópsia
prévia, noduloulcerativa, exofítica. Toque vaginal e toque retal sem alterações.
Ausência de linfonodos palpáveis na região inguinal.
A tomografia computadorizada (TC) de tórax e abdome não foram visualizadas
alterações. Na ressonância nuclear magnética (RNM) de pelve, foi identificada
espessamento de 1,9cm da região vulvar sem acometimento de planos gordurosos.
A
paciente foi submetida à biópsia de bordas da lesão para confirmação diagnóstica
e o
resultado do anatomopatológico foi: 1. Nódulo vulvar à direita - carcinoma
espinocelular; 2. Borda glútea direita - NIV III in situ; 3. Borda
perianal esquerda - NIV III in situ.
RESULTADOS
A cirurgia realizada pela equipe da Ginecologia Oncológica foi colostomia em alça
em
sigmoide (para proteção da área de reconstrução) e vulvectomia total à direita,
com
a retirada de toda lesão visível e pesquisa de linfonodo sentinela em região
inguinal direita, ampliação das margens da vulva à esquerda (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Lesão noduloulcerativa exofítica vulvar à direita e pesquisa de
linfonodo sentinela.
Figura 1 - Lesão noduloulcerativa exofítica vulvar à direita e pesquisa de
linfonodo sentinela.
Figura 2 - Defeito pós-vulvectomia total à direita e ampliação das margens da
vulva à esquerda (visão intraoperatória).
Figura 2 - Defeito pós-vulvectomia total à direita e ampliação das margens da
vulva à esquerda (visão intraoperatória).
A opção de fechamento primário foi descartada e a Cirurgia Plástica optou por
reconstrução imediata da vulva com retalhos fasciocutâneos tipo V-Y posterior
de
coxa à direita e retalho fasciocutâneo de região glútea à esquerda (Figuras 3 e 4). Paciente evolui bem, recebendo alta hospitalar no 3º dia de
pós-operatório, não apresentando deiscência nem perda dos retalhos no pós-operatório
imediato ou tardio (Figura 5).
Figura 3 - Confecção do retalho fasciocutâneo em avanço V-Y posterior da coxa à
direita (visão intraoperatória).
Figura 3 - Confecção do retalho fasciocutâneo em avanço V-Y posterior da coxa à
direita (visão intraoperatória).
Figura 4 - Retalho fasciocutâneo em avanço V-Y posterior da coxa direita e da
região glútea esquerda.
Figura 4 - Retalho fasciocutâneo em avanço V-Y posterior da coxa direita e da
região glútea esquerda.
Figura 5 - Pós-operatório de reconstrução de vulvectomia com retalho
fasciocutâneo posterior da coxa direita e região glútea
esquerda.
Figura 5 - Pós-operatório de reconstrução de vulvectomia com retalho
fasciocutâneo posterior da coxa direita e região glútea
esquerda.
A ressecção cirúrgica com bordas ampliadas melhora os índices de margens livres do
tumor de vulva e continua sendo o tratamento padrão. Pode ser associado a outras
terapias coadjuvantes. A reconstrução imediata do defeito se faz necessária após
a
ressecção de tumores extensos, uma vez que a permanência de ulcerações aumenta
a
morbidade e as taxas de complicações secundárias2.
DISCUSSÃO
No início do século XX, pacientes com tumores malignos de vulva eram submetidas a
ressecções perineais e a reconstrução ocorria por segunda intenção. Na década
de 40,
com os conhecimentos oncológicos, optou-se pelo fechamento primário. Nesse período,
as taxas de sucesso eram baixas devido à tensão excessiva e à contaminação local.
A
reconstrução utilizando-se enxertos de pele parcial ou total surgiu nas décadas
de
50 e 60. Somente nos anos 70 e 80, a reconstrução vulvar atingiu progressos com
a
ideia dos retalhos baseados em territórios vasculares3.
Conforme relatam Franco et al.4, o conhecimento dos territórios vasculares de McCraw permitiu um
grande avanço nas reconstruções vulvares imediatas com a utilização de grandes
retalhos locais. Durante o planejamento da reconstrução, o cirurgião deve optar
por
uma técnica que mantenha a função dos órgãos e que sua aparência estética esteja
aceitável4.
Na literatura, há descrições de numerosos retalhos para a reconstrução vulvar,
geralmente baseados na circulação dos ramos da artéria pudenda interna. Outras
opções, além dos fasciocutâneos para reconstrução vulvar, são retalho miocutâneo
do
reto abdominal, do grácil e microcirúrgicos4,5.
No caso relatado, optou-se em realizar o retalho fasciocutâneo utilizando a técnica
V-Y. Lee et al6. introduziram
e apresentaram casos utilizando essa técnica com bons resultados. Desde então,
esse
método ganhou popularidade e atualmente é usado como tratamento em várias
ressecções. A vantagem da técnica V-Y é que a base do retalho pode ser mais larga
e
requer menor dissecção para atingir a linha média. Outra vantagem é que os ramos
do
nervo pudendo são preservados e, dessa maneira, os retalhos permanecem sensíveis
no
pós-operatório6.
Lazzaro et al.7 defendem que a
escolha dos retalhos também deve se basear na localização e no tamanho da área
gerada pela ressecção. No caso descrito, o defeito exigiu a realização de dois
retalhos, um maior para a região vulvar direita e um menor para a região vulvar
esquerda e, mesmo sendo bilateral, o retalho com menores taxas de complicações
e
morbidades é o fasciocutâneo V-Y. Já lesões circunferenciais ou que acometam também
o reto irão exigir maior quantidade de tecidos para preencher o defeito. Nesses
casos, a escolha preferencial deve ser com retalhos miocutâneos, entre eles, o
do
músculo reto abdominal7.
Alguns estudos relatam que os retalhos miocutâneos do reto apresentam maiores taxas
de morbidades, além de exigir cuidado para evitar constrição ou tensão no pedículo
vascular, já que esta é a principal causa de insucesso. Outra causa que se mostrou
como fator de risco para a cicatrização insatisfatória após reconstrução com o
reto
abdominal foi a obesidade. Nas pacientes obesas, elegeu-se os retalhos
fasciocutâneos V-Y bilaterais8.
Nos casos de pacientes submetidas à radioterapia prévia deve se optar pelo retalho
reto abdominal ou microcirúrgico, visto que áreas previamente irradiadas apresentam
má cicatrização e baixa vascularização, aumentando o risco de deiscência e de
complicações nos fasciocutâneos9,10.
Os retalhos microcirúrgicos deverão ser a escolha na impossibilidade de uso dos
retalhos anteriores, pois apresentam altas taxas de complicações e custos
elevados11,12.
CONCLUSÃO
Observa-se assim que reconstrução vulvar é possível no mesmo tempo cirúrgico e que
o
retalho fasciocutâneo apresenta-se como uma boa opção terapêutica. É uma técnica
de
fácil execução cirúrgica, com bons resultados funcionais, apresentando pequenos
índices de complicações, permitindo também o retorno da função sexual, manutenção
da
qualidade de vida e melhoria da autoimagem corporal. Defeitos que requerem áreas
de
pequena a moderada cobertura ou até mesmo defeitos bilaterais podem ser
reconstruídos de forma confiável com esse retalho, dispensado o uso de outras
técnicas cirúrgicas.
REFERÊNCIAS
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cervix, and endometrium. Int J Gynaecol Obstet. 2009;105(2):103-4. Erratum in:
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4. Franco D, Almeida G, Arnaut Júnior M, Arbex G, Furtado Y, Franco T.
Análise do emprego de retalhos fasciocutâneos para reconstrução vulvar imediata.
Rev Col Bras Cir. 2012;39(1):54-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-69912012000100011
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1. Hospital de Base Ary Pinheiro, Universidade
Federal de Rondônia, Porto Velho, RO, Brasil.
2. Hospital do Amor Amazônia, Porto Velho, RO,
Brasil.
Endereço Autor: Hugo Rogerio Nunes
Filho
Rodovia BR 364, Km 16 Sentido
Candeias do Jamari, RO, Brasil
CEP 76834-899
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