INTRODUÇÃO
Tonnard et al., em 20131, descreveram o enxerto de gordura nano. Através da emulsificação e filtragem da gordura
lipoaspirada, a injeção intradérmica do enxerto através de agulhas de calibre 27 gauge
se tornou viável. A análise laboratorial mostrou uma completa destruição dos adipócitos
e uma perda total da capacidade de volumização, porém permite o isolamento da fração
vascular estromal da gordura, mantendo íntegro seu potencial regenerativo2. O enxerto de gordura nano melhora a qualidade da pele nos danos secundários ao envelhecimento
e nas sequelas cicatriciais3-5. O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados iniciais do enxerto de gordura
nano com o uso de um dispositivo descartável de baixo custo, propondo uma padronização
da sua utilização conforme a área a ser tratada.
MÉTODOS
Foi realizada uma coorte prospectiva de julho de 2019 a março de 2020. A aprovação
do conselho de revisão institucional do Hospital de Clínicas de Porto Alegre foi concedida,
projeto de número 2008-0058, e este estudo baseado em pesquisa foi conduzido de acordo
com as disposições da declaração de Helsinque. O critério de inclusão foi pacientes
que realizaram enxerto de gordura nano para tratamento da pele. Já o critério de exclusão
foi a realização prévia de algum tratamento invasivo da pele. Foram analisadas 20
pacientes consecutivas que preencheram os pré-requisitos.
Os resultados foram avaliados no 6º mês de pós-operatório. As pacientes responderam
um questionário, classificando de 1 - muito ruim a 10 - excelente, as alterações na
qualidade da pele.
Para retirada do enxerto, optou-se entre a região infraumbilical ou a parte interna
da coxa6. A infiltração é realizada com solução de soro fisiológico e adrenalina na concentração
de 1:300.000. A lipoaspiração é realizada com cânula de 3mm, com furos de 1mm e com
superfície áspera1.
A gordura coletada é lavada e decantada7. A primeira parte é o microenxerto e já está pronta para o uso; a segunda é transferida
30 vezes por cada um dos três transferidores de 2,4mm, 1,8mm e 1,4mm(FAGA). Após as transferências, o enxerto emulsificado estará pronto1. Um percentual do enxerto emulsificado pode ir para a terceira etapa, conforme a
necessidade de volume do enxerto nano. Esta etapa consiste em passar uma vez em cada
um dos três filtros(1,FAGA): 0,5mm, 0,3mm e 0,15mm (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Protocolo de obtenção do enxerto de gordura nano. Fonte: FAGA Medical | Equipamentos
cirúrgicos e produtos médico-hospitalares (http://www.fagamed.com.br/index.php).
Figura 1 - Protocolo de obtenção do enxerto de gordura nano. Fonte: FAGA Medical | Equipamentos
cirúrgicos e produtos médico-hospitalares (http://www.fagamed.com.br/index.php).
Figura 2 - Enxerto de gordura nano (agulha 27 gauge).
Figura 2 - Enxerto de gordura nano (agulha 27 gauge).
Para a aplicação, a gordura é transferida da seringa de 20ml para a de 3ml e acoplada
ao sistema Multineedle 19 agulhas (JM Biotech Co. Ltd., Daegu, Coréia do Sul) (Figuras 3 e 4). A profundidade a ser enxertada é padronizada por região anatômica (Tabela 1 e Figura 5). O sistema é aplicado a 90 graus em relação à pele, para uma penetração completa
de todas agulhas. Uma aplicação de 0,3ml de enxerto nano por ponto é realizado (0,016ml
injetado por cada agulha) (Figura 6). Após finalizar a enxertia, realiza-se massagem da pele com o enxerto nano.
Figura 3 - Sistema Multineedle
Figura 3 - Sistema Multineedle
Figura 4 - Foto ilustrando momento da aplicação do Nanofat Injector - Dispositivo descartável
de baixo custo para enxerto de gordura.
Figura 4 - Foto ilustrando momento da aplicação do Nanofat Injector - Dispositivo descartável
de baixo custo para enxerto de gordura.
Figura 5 - Regiões anatômicas para enxertia.
Figura 5 - Regiões anatômicas para enxertia.
Figura 6 - Aplicação do sistema Multineedle.
Figura 6 - Aplicação do sistema Multineedle.
Tabela 1 - A profundidade a ser enxertada padronizada por região anatômica.
Músculo |
Nº de agulas |
Tamanho |
Frontal |
19 agulhas |
1mm |
Orbital |
19 agulhas |
1mm |
Zigomática |
19 agulhas |
2mm |
Maxilar e Mandibular |
19 agulhas |
2mm |
Perioral |
19 agulhas |
1mm |
Cervical anterior |
19 agulhas |
1mm |
Dorso das mãos |
19 agulhas |
1mm |
Tratamento da pele após radioterapia |
19 agulhas |
2mm |
Tabela 1 - A profundidade a ser enxertada padronizada por região anatômica.
RESULTADOS
As vinte pacientes acompanhadas não apresentaram nenhuma complicação pós-operatória.
O edema após aplicação reduziu entre três e sete dias. Não houve hematoma nem infecção.
As pacientes que realizaram somente enxerto de gordura nano, sem outra cirurgia associada,
conseguiram voltar às suas atividades após 24 horas (Figuras 7 e 8).
Figura 7 - Aspecto pré-operatório de enxertia de gordura nano, após seis meses do procedimento.
Enxertia nano: 6ml perioral e 12ml na região maxilar.
Figura 7 - Aspecto pré-operatório de enxertia de gordura nano, após seis meses do procedimento.
Enxertia nano: 6ml perioral e 12ml na região maxilar.
Figura 8 - Aspecto pós-operatório de enxertia de gordura nano, após seis meses do procedimento.
Enxertia nano: 6ml perioral e 12ml na região maxilar.
Figura 8 - Aspecto pós-operatório de enxertia de gordura nano, após seis meses do procedimento.
Enxertia nano: 6ml perioral e 12ml na região maxilar.
Os escores relatados pelas pacientes com 6 meses foram entre 7 e 10, com média de
8 (Tabela 2).
Tabela 2 - Escores de satisfação (0-10), idade e gênero das pacientes com 6 meses de Pós-operatório.
|
Escore 0-10 6 meses P.O. |
Idade |
Gênero |
MEC |
7 |
54 |
F |
IT |
9 |
44 |
F |
ES |
10 |
53 |
F |
EM |
8 |
53 |
F |
JP |
8 |
50 |
F |
SM |
7 |
43 |
F |
LG |
7 |
44 |
F |
EP |
8 |
52 |
F |
LP |
9 |
67 |
F |
MG |
7 |
63 |
F |
IR |
8 |
64 |
F |
RP |
7 |
60 |
F |
FL |
7 |
61 |
F |
EB |
10 |
74 |
F |
LB |
8 |
54 |
F |
VR |
8 |
59 |
F |
LC |
9 |
58 |
F |
JM |
7 |
55 |
F |
RR |
8 |
48 |
F |
MT |
8 |
76 |
F |
Tabela 2 - Escores de satisfação (0-10), idade e gênero das pacientes com 6 meses de Pós-operatório.
DISCUSSÃO
A indicação do enxerto de gordura nano visando o tratamento da pele vem em uma crescente
mundial. Não encontramos descrito algum artigo com conclusão desfavorável ao seu uso.
As principais vantagens do enxerto nano são a manutenção das células-tronco derivadas
do tecido adiposo (CTTA), além da possibilidade da enxertia intradérmica, o que não
era possível previamente à sua descrição. As CTTA já foram amplamente estudas e seu
potencial regenerativo bem documentado, com diversas aplicações à cirurgia plástica3-5,8. Sesé, em 20192, descreveu que o isolamento de CTTA, quando realizado pelo sistema mecânico de emulsificação,
necessita uma quantidade de gordura dez vezes menor do que o método padrão, o isolamento
enzimático, e produz uma concentração maior de células-tronco, o que explica o seu
potencial regenerativo2. O processo de obtenção do enxerto nano é resumido em três etapas: microenxerto,
gordura emulsificada e enxerto de gordura nano. Apesar de agregar tempo cirúrgico
- devido ao preparo em três etapas -, quando comparado ao enxerto clássico, todas
as etapas geram enxertos com propriedades para tratar diferentes alterações do envelhecimento,
como demonstrado na Figura 1.
Em 2013, Tonnard et al.1 descreveram a aplicação do enxerto nano com agulhas de calibre 27 gauge, porém o
método necessita longo tempo para sua realização, resulta em edema prolongado devido
à formação de “lagos de gordura” subdérmicos e, principalmente, à impossibilidade
de padronizar a profundidade da aplicação. Verpaele et al., em 20199, descreveram um novo método, onde associam o microagulhamento ao depósito do enxerto
nano; para isso, são necessários 8ml e 20 minutos de microagulhamento. O sistema descrito
neste artigo permite padronizar a profundidade da injeção conforme as diferentes áreas
anatômicas10. Com a enxertia padronizada as injeções são uniformemente intradérmicas, reduzindo
o risco de perfuração dos plexos vasculares subdérmicos. Isso explica o menor potencial
de equimoses secundárias ao procedimento, quando comparados aos outros métodos já
descritos1. Ainda, a técnica proposta permite o controle do volume de injeção do enxerto nano,
sendo que com o sistema de 19 agulhas é possível enxertar 8ml em 2 minutos. Cada aplicação
de 0,3ml demanda entre três e cinco segundos, com uma injeção de 0,016ml por ponto,
o que reduz o risco de grandes depósitos, bem como o edema prolongado1. Se o objetivo do cirurgião é o depósito de enxerto nano e não o microagulhamento,
acreditamos ser este o melhor sistema atualmente disponível. Ele permite rápida aplicação,
baixa morbidade, depósito uniforme e profundidade adequada para a região anatômica
selecionada. Por fim, tecnologias de ponta normalmente são associadas a um alto investimento,
mas o sistema descrito tem um custo de R$65 por dispositivo, logo é possível colocá-lo
no orçamento cirúrgico sem inviabilizar a cirurgia.
CONCLUSÃO
A utilização do sistema Smartneedle™ para a enxertia de gordura nano apresenta resultados na satisfação das pacientes
semelhante aos outros métodos de aplicação, permite uma distribuição uniforme e padronizada
do enxerto conforme região anatômica, além de otimizar o tempo cirúrgico.
REFERÊNCIAS
1. Tonnard P, Verpaele A, Peeters G, Hamdi M, Cornelissen M, Declercq H. Nanofat grafting:
basic research and clinical applications. Plast Reconstr Surg. 2013 Oct;132(4):1017-26.
2. Sesé B, Sammartin JM, Ortega B, Matas-Palau A, Llull R. Nanofat cell aggregates: a
nearly constitutive stromal cell inoculum for regenerative site-specific therapies.
Plast Reconstr Surg. 2019 Nov;144(5):1079-88.
3. Oh DS, Kim DH, Roh TS, Yun IS, Kim YS. Correction of dark coloration of the lower
eyelid skin with nanofat grafting. Arch Aesthetic Plast Surg. 2014;20:92-6.
4. Menkes S, Luca M, Soldati G, Polla L. Subcutaneous injections of nanofat adipose-derived
stem cell grafting in facial rejuvenation. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2020 Jan;8(1):e2550.
DOI: https://doi.org/10.1097/GOX.0000000000002550
5. Jan SN, Bashir MM, Khan FA, Hidayat Z, Ansari HH, Sohail M, et al. Unfiltered nanofat
injections rejuvenate postburn scars of face. Ann Plast Surg. 2019 Jan;82(1):28-33.
DOI: https://doi.org/10.1097/SAP.0000000000001631
6. Padoin AV, Braga-Silva J, Martins P, Rezende K, Rezende AR, Grechi B, et al. Sources
of processed lipoaspirate cells: influence of donor site on cell concentration. Plast
Reconstr Surg. 2008 Aug;122(2):614-8. DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e31817d5476
7. Condé-Green A, Amorim NF, Pitanguy I. Influence of decantation, washing and centrifugation
on adipocyte and mesenchymal stem cell content of aspirated adipose tissue: a comparative
study. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2010 Aug;63(8):1375-81.
8. Martins JMP, Oliveira FS, Lima EOC, Dullius D, Durli ICLO, Hiraiwa E, et al. Use of
derived adipose stem cells to reduce complications of cutaneous scarring in smokers.
An experimental model in rats. Acta Cir Bras. 2019;34(6):e201900605. DOI: https://doi.org/10.1590/s0102-865020190060000005
9. Verpaele A, Tonnard P, Jeganathan C, Ramaut L. Nanofat needling: a novel method for
uniform delivery of adipose-derived stromal vascular fraction into the skin: correction.
Plast Reconstr Surg. 2019 Jul;144(1):264. DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0000000000006078
10. Hausauer AK, Josnes DH. PRP e microagulhamento em medicina estética. Rio de Janeiro:
Thieme Revinter Publicações; 2019.
1. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Serviço de Cirurgia Plástica, Porto Alegre,
RS, Brasil.
2. Clínica Privada, Clínica Privada - Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
Autor correspondente:
João Maximiliano Rua Ramiro Barcelos, 2350, Santa Cecília, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90035-003.
E-mail: jmaximilianopm@gmail.com
Artigo submetido: 07/05/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.
Conflitos de interesse: não há.
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