INTRODUÇÃO
A reconstrução de extensos defeitos da região torácica anterior representa um grande
desafio para os cirurgiões plásticos. Retalhos cutâneos, musculares e miocutâneos
de
vizinhança já foram descritos com sucesso para esse tipo de reparação, assim como
retalhos livres e pediculados de omento1,2.
Em casos de mediastinite pós-cirurgias cardíacas em que as áreas cruentas são muito
extensas e necessitam tecido bem vascularizado para sua cobertura, a utilização
de
retalhos de omento tem se mostrado muito útil, uma vez que podem oferecer uma
cobertura bem ampla, segura do ponto de vista circulatório e com pouca morbidade
para o paciente3-6.
Fazemos o relato de um caso extremamente grave de mediastinite pós-cirurgia cardíaca
em que o paciente apresentava uma área cruenta muito extensa acometendo toda a
região anterior do tórax, com tecido de granulação pobre e exposição de arcos
costais, esterno e pericárdio. Utilizamos a cobertura cutânea com a rotação de
retalho de omento pediculado nos vasos gastroepiploicos esquerdos, seguida de
enxerto de pele parcial em malha em um segundo tempo cirúrgico.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino de 70 anos deu entrada no hospital em setembro de 2016.
Tinha sido submetido à revascularização do miocárdio em março do mesmo ano, em
outro
serviço médico no estado do Pará. Evoluiu com infecção de ferida operatória e
mediastinite, tendo sido submetido a vários debridamentos cirúrgicos e curativos
com
pressão negativa.
Evoluiu ainda com abdome agudo vascular no mês de agosto, portanto, alguns dias antes
de chegar ao nosso serviço. Segundo dados do hospital onde foi realizado o
procedimento, havia extensa necrose de jejuno e íleo, justificando a necessidade
de
ressecção de aproximadamente 3 metros de intestino delgado a partir de 30 cm do
ângulo de Treitz e consequente realização de jejunostomia.
Ao chegar em nosso serviço, encontrava-se em mau estado geral, em uso de drogas
vasoativas para manutenção de pressão arterial e apresentava extensa área cruenta
em
região torácica anterior, ausência do esterno e com exposição de pericárdio, arcos
costais e musculatura intercostal.
A úlcera cutânea media aproximadamente 19 centímetros de largura por 23 centímetros
de extensão no sentido longitudinal e com tecido de granulação muito pobre (Figuras 1 e 2). Apresentava também incisão mediana recente na parede abdominal
superior distando 9 centímetros da úlcera e com deiscência parcial. Na região
peitoral inferior direita havia uma cicatriz também recente em direção
lateroposterior, de aproximadamente 14 centímetros de extensão.
Figura 1 - Área cruenta em parede torácica anterior com exposição de esterno,
arcos costais e pericárdio.
Figura 1 - Área cruenta em parede torácica anterior com exposição de esterno,
arcos costais e pericárdio.
Figura 2 - Área cruenta em parede torácica anterior com exposição de esterno,
arcos costais e pericárdio.
Figura 2 - Área cruenta em parede torácica anterior com exposição de esterno,
arcos costais e pericárdio.
Junto com os cuidados clínicos intensivos para o controle dos focos de infeção
(pulmão e urina) e suporte avançado de vida, iniciaram-se então os cuidados locais
com a ferida. Foram realizados debridamentos cirúrgicos, oxigenoterapia hiperbárica
em câmara monoplace e curativos com pressão negativa utilizando-se espuma com
prata
(KCI).
Após 20 dias da implementação desse esquema terapêutico e com melhora evidente das
condições locais da ferida, o paciente foi submetido à aproximação do esterno
pela
equipe de Cirurgia do Tórax e rotação de retalho de omento por videolaparoscopia
pela equipe de Cirurgia do Aparelho Digestivo. O retalho foi confeccionado baseado
no pedículo vascular da artéria gastroepiploica esquerda e transferido para a
região
torácica por uma ponte de pele entre a incisão abdominal superior prévia e a própria
úlcera. (Figuras 3 e 4).
Figura 3 - Aspecto intraoperatório do retalho de omento já transferido para a
área cruenta.
Figura 3 - Aspecto intraoperatório do retalho de omento já transferido para a
área cruenta.
Figura 4 - Aspecto do retalho de omento no 6º dia de pós-operatório.
Figura 4 - Aspecto do retalho de omento no 6º dia de pós-operatório.
Tomando-se o cuidado de fazer curativos diários bem úmidos para garantir a hidratação
do retalho, aguardamos mais 25 dias para obter um tecido de granulação adequado
e
que possibilitasse uma cobertura cutânea. Foi então realizada a enxertia de pele
parcial em malha retirada da coxa direita com dermátomo elétrico, com integração
de
aproximadamente 90% da área enxertada (Figura 5).
Figura 5 - Aspecto final após a enxertia de pele em malha.
Figura 5 - Aspecto final após a enxertia de pele em malha.
A Figura 5 mostra o aspecto da reconstrução 3
semanas após o enxerto de pele e, no momento em que estávamos programando novo
enxerto de pele na pequena área cruenta residual, o paciente apresentou sangramentos
intestinais recorrentes que evoluíram para instabilidade hemodinâmica e parada
cardiorrespiratória irreversível.
DISCUSSÃO
A mediastinite pós-operatória de cirurgias cardíacas é uma complicação grave e que
requer tratamento multidisciplinar rápido e coordenado entre as várias equipes
envolvidas no intuito de reduzir as altas taxas de morbidade e mortalidade.
Apresenta taxa de incidência de 0,5% a 4% e mortalidade em torno dos 50% dos
casos7. Frente a situações dramáticas como
estas, o objetivo a ser almejado é controle da infecção, estabilização da parede
torácica e cobertura cutânea da ferida assim que possível.
Ao cirurgião plástico cabe inicialmente a realização de procedimentos de caráter
higiênico para a retirada de coleções purulentas e o debridamento de tecidos
desvitalizados, poupando a maior porção de tecido viável possível e já visualizando
uma possibilidade de reconstrução local num futuro próximo. O cirurgião plástico
também é responsável pela orientação e realização dos vários tipos de curativos
existentes hoje no mercado, entre eles, o curativo com pressão negativa, de grande
valia no tratamento de feridas complexas.
Diante de uma ferida torácica limpa e um paciente estável do ponto de vista clínico,
várias são as possibilidades de reconstruções, a depender basicamente do tamanho
do
defeito e das condições da vizinhança da úlcera8. Lesões menores podem ser reconstruídas com retalhos cutâneos ou
fasciocutâneos locais, da própria vizinhança. Apresentam menor morbidade, mas
são
menos confiáveis do ponto de vista circulatório, pois são geralmente retalhos
de
pedículo ao acaso.
Feridas maiores e mais secretivas exigem uma reconstrução com tecido mais
vascularizado e, portanto, mais confiável do ponto de vista circulatório. Nestas
situações, os retalhos musculares e miocutâneos do músculo peitoral maior ou do
músculo grande dorsal são os mais indicados.
A transferência de retalhos de grande omento para a reconstrução de defeitos
torácicos também já foi descrita e bem aceita na literatura mundial, por apresentar
baixa morbidade e grande índice de sucesso.
Por ser tratarem de pacientes sempre em condições graves, todas estas técnicas de
reconstrução constituem cirurgias de alto risco, não havendo um consenso na
literatura sobre qual a melhor opção de retalho para cada classe de paciente.
Acreditamos que cada caso deva ser bem analisado e individualizado na escolha
do
método a ser utilizado.
Relatamos o caso de reconstrução de um extenso defeito torácico anterior, de grandes
proporções e com exposição do pericárdio e todo gradeado costal. Como apresentava
as
bordas da ferida muito afastadas, uma incisão cutânea extensa do lado direito
e com
a musculatura peitoral praticamente ausente e retraída bilateralmente por provável
ressecção prévia, estas estruturas locais não poderiam ser usadas.
Apesar do histórico recente de cirurgia abdominal para ressecção de parte do
intestino delgado, optamos por tentar a utilização do retalho de grande omento.
Para
tal, solicitamos o auxílio de colegas da Cirurgia Geral que, por meio da
videolaparoscopia, conseguiram avaliar as condições do grande omento e confeccionar
um retalho pediculado na artéria gastroepiploica esquerda suficiente para a
cobertura de toda a área cruenta após passar pelo túnel subcutâneo. A integração
do
enxerto de pele em malha 3 semanas após a rotação do retalho complementou a tática
operatória.
A nosso ver, o retalho de grande omento mostrou-se-como uma boa opção diante de suas
propriedades vasculares, linfáticas e imunológicas e de adesão ao sítio
receptor.
Por conta de uma ampla vascularização com uma extensa rede de vasos, há diversas
possibilidades de posicionamento desse tipo retalho. Além disso, há uma grande
produção de fatores angiogênicos, que possibilitam rápida neovascularização e
adesão
do tecido reposicionado à área receptora. Por possuir uma rica rede de tecido
linfático, que promove boa competência imunológica, esse tecido tem papel importante
no combate a infecções locais4.
A literatura mostra que a utilização de retalho do grande omento pode apresentar
complicações no sítio doador como hérnia abdominal, obstrução de intestino delgado,
hemorragias e outras5.
Em nosso meio, Tavares et al.9 publicaram sua
experiência com esse retalho na reconstrução da parede torácica em 2 casos após
ressecções de extensos tumores mamários. Concluíram que se trata de técnica eficaz,
segura e bastante funcional.
CONCLUSÃO
Ainda não há um consenso sobre o melhor tipo de reconstrução nos extensos defeitos
da
parede torácica anterior, mas o retalho de grande omento utilizado no caso se
mostrou como uma boa opção em situações de grande dificuldade (cirurgia abdominal
prévia recente) por conta de sua boa vascularização sanguínea e linfática e
possibilidade de ampla cobertura devido ao seu tamanho e mobilidade.
Apesar de não ser técnica nova, este caso nos pareceu um grande desafio devido à
extensão da lesão e ao fato da possibilidade de utilização deste retalho de omento
mesmo em pacientes com cirurgias abdominais recentes para ressecções
intestinais.
COLABORAÇÕES
OMA
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Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito;
realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou
revisão crítica de seu conteúdo.
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RGA
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Realização das operações e/ou experimentos.
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DO
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Realização das operações e/ou experimentos.
|
CED
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Realização das operações e/ou experimentos.
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PV
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Realização das operações e/ou experimentos.
|
FAH
|
Realização das operações e/ou experimentos.
|
MLMA
|
Concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica
de seu conteúdo.
|
FS
|
Concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica
de seu conteúdo.
|
REFERÊNCIAS
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Semin Plast Surg. 2011;25(1):55-9. DOI: 10.1055/s-0031-1275171 DOI: http://dx.doi.org/10.1055/s-0031-1275171
2. Domene CE, Volpe P, Onari P, Szachnowicz S, Birbojm I, Barreira LF,
et al. Omental flap obtained by laparoscopic surgery for reconstruction of the
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4. Zbuchea A, Racasan O, Oprescu N. Trans-Retroperitoneal Omental Flap
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9. Tavares FMO, Menezes CMGG, Moscozo MVA, Xavier GRS, Oliveira GM,
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of
chest wall. Rev Bras Cir Plast. 2011;26(2):360-5.
1. Hospital 9 de Julho, São Paulo, SP,
Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
3. Faculdade de Medicina, Universidade de São
Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
4. Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP,
Brasil.
Autor correspondente: Otavio Machado de
Almeida
Rua Barata Ribeiro, 490 Cj 51 - Bela Vista
São Paulo, SP,
Brasil CEP 01308-000
E-mail: omadr@terra.com.br
Artigo submetido: 15/08/2017.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.