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Case Report - Year2018 - Volume33 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0105

RESUMO

Apresentamos o caso de um paciente de 70 anos de idade que evoluiu com extenso defeito cutâneo em parede torácica anterior após ter sido submetido a revascularização do miocárdio e mediastinite pós-operatória. Pela impossibilidade de utilização de retalhos cutâneos e musculares da região, fizemos a reconstrução com a rotação de retalho de omento baseado na artéria gastroepiploica esquerda e enxerto de pele em malha.

Palavras-chave: Omento; Parede torácica; Retalhos cirúrgicos; Mediastinite

ABSTRACT

We report the case of a 70-year-old patient who developed an extensive skin defect in the anterior chest wall after undergoing myocardial revascularization and postoperative mediastinitis. Owing to the impossibility of using cutaneous and muscular flaps on the region, we performed the reconstruction with an omentum flap based on the left gastroepiploic artery and meshed skin graft.

Keywords: Omentum; Chest wall; Surgical flap; Mediastinitis


INTRODUÇÃO

A reconstrução de extensos defeitos da região torácica anterior representa um grande desafio para os cirurgiões plásticos. Retalhos cutâneos, musculares e miocutâneos de vizinhança já foram descritos com sucesso para esse tipo de reparação, assim como retalhos livres e pediculados de omento1,2.

Em casos de mediastinite pós-cirurgias cardíacas em que as áreas cruentas são muito extensas e necessitam tecido bem vascularizado para sua cobertura, a utilização de retalhos de omento tem se mostrado muito útil, uma vez que podem oferecer uma cobertura bem ampla, segura do ponto de vista circulatório e com pouca morbidade para o paciente3-6.

Fazemos o relato de um caso extremamente grave de mediastinite pós-cirurgia cardíaca em que o paciente apresentava uma área cruenta muito extensa acometendo toda a região anterior do tórax, com tecido de granulação pobre e exposição de arcos costais, esterno e pericárdio. Utilizamos a cobertura cutânea com a rotação de retalho de omento pediculado nos vasos gastroepiploicos esquerdos, seguida de enxerto de pele parcial em malha em um segundo tempo cirúrgico.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino de 70 anos deu entrada no hospital em setembro de 2016. Tinha sido submetido à revascularização do miocárdio em março do mesmo ano, em outro serviço médico no estado do Pará. Evoluiu com infecção de ferida operatória e mediastinite, tendo sido submetido a vários debridamentos cirúrgicos e curativos com pressão negativa.

Evoluiu ainda com abdome agudo vascular no mês de agosto, portanto, alguns dias antes de chegar ao nosso serviço. Segundo dados do hospital onde foi realizado o procedimento, havia extensa necrose de jejuno e íleo, justificando a necessidade de ressecção de aproximadamente 3 metros de intestino delgado a partir de 30 cm do ângulo de Treitz e consequente realização de jejunostomia.

Ao chegar em nosso serviço, encontrava-se em mau estado geral, em uso de drogas vasoativas para manutenção de pressão arterial e apresentava extensa área cruenta em região torácica anterior, ausência do esterno e com exposição de pericárdio, arcos costais e musculatura intercostal.

A úlcera cutânea media aproximadamente 19 centímetros de largura por 23 centímetros de extensão no sentido longitudinal e com tecido de granulação muito pobre (Figuras 1 e 2). Apresentava também incisão mediana recente na parede abdominal superior distando 9 centímetros da úlcera e com deiscência parcial. Na região peitoral inferior direita havia uma cicatriz também recente em direção lateroposterior, de aproximadamente 14 centímetros de extensão.

Figura 1 - Área cruenta em parede torácica anterior com exposição de esterno, arcos costais e pericárdio.

Figura 2 - Área cruenta em parede torácica anterior com exposição de esterno, arcos costais e pericárdio.

Junto com os cuidados clínicos intensivos para o controle dos focos de infeção (pulmão e urina) e suporte avançado de vida, iniciaram-se então os cuidados locais com a ferida. Foram realizados debridamentos cirúrgicos, oxigenoterapia hiperbárica em câmara monoplace e curativos com pressão negativa utilizando-se espuma com prata (KCI).

Após 20 dias da implementação desse esquema terapêutico e com melhora evidente das condições locais da ferida, o paciente foi submetido à aproximação do esterno pela equipe de Cirurgia do Tórax e rotação de retalho de omento por videolaparoscopia pela equipe de Cirurgia do Aparelho Digestivo. O retalho foi confeccionado baseado no pedículo vascular da artéria gastroepiploica esquerda e transferido para a região torácica por uma ponte de pele entre a incisão abdominal superior prévia e a própria úlcera. (Figuras 3 e 4).

Figura 3 - Aspecto intraoperatório do retalho de omento já transferido para a área cruenta.

Figura 4 - Aspecto do retalho de omento no 6º dia de pós-operatório.

Tomando-se o cuidado de fazer curativos diários bem úmidos para garantir a hidratação do retalho, aguardamos mais 25 dias para obter um tecido de granulação adequado e que possibilitasse uma cobertura cutânea. Foi então realizada a enxertia de pele parcial em malha retirada da coxa direita com dermátomo elétrico, com integração de aproximadamente 90% da área enxertada (Figura 5).

Figura 5 - Aspecto final após a enxertia de pele em malha.

A Figura 5 mostra o aspecto da reconstrução 3 semanas após o enxerto de pele e, no momento em que estávamos programando novo enxerto de pele na pequena área cruenta residual, o paciente apresentou sangramentos intestinais recorrentes que evoluíram para instabilidade hemodinâmica e parada cardiorrespiratória irreversível.

DISCUSSÃO

A mediastinite pós-operatória de cirurgias cardíacas é uma complicação grave e que requer tratamento multidisciplinar rápido e coordenado entre as várias equipes envolvidas no intuito de reduzir as altas taxas de morbidade e mortalidade. Apresenta taxa de incidência de 0,5% a 4% e mortalidade em torno dos 50% dos casos7. Frente a situações dramáticas como estas, o objetivo a ser almejado é controle da infecção, estabilização da parede torácica e cobertura cutânea da ferida assim que possível.

Ao cirurgião plástico cabe inicialmente a realização de procedimentos de caráter higiênico para a retirada de coleções purulentas e o debridamento de tecidos desvitalizados, poupando a maior porção de tecido viável possível e já visualizando uma possibilidade de reconstrução local num futuro próximo. O cirurgião plástico também é responsável pela orientação e realização dos vários tipos de curativos existentes hoje no mercado, entre eles, o curativo com pressão negativa, de grande valia no tratamento de feridas complexas.

Diante de uma ferida torácica limpa e um paciente estável do ponto de vista clínico, várias são as possibilidades de reconstruções, a depender basicamente do tamanho do defeito e das condições da vizinhança da úlcera8. Lesões menores podem ser reconstruídas com retalhos cutâneos ou fasciocutâneos locais, da própria vizinhança. Apresentam menor morbidade, mas são menos confiáveis do ponto de vista circulatório, pois são geralmente retalhos de pedículo ao acaso.

Feridas maiores e mais secretivas exigem uma reconstrução com tecido mais vascularizado e, portanto, mais confiável do ponto de vista circulatório. Nestas situações, os retalhos musculares e miocutâneos do músculo peitoral maior ou do músculo grande dorsal são os mais indicados.

A transferência de retalhos de grande omento para a reconstrução de defeitos torácicos também já foi descrita e bem aceita na literatura mundial, por apresentar baixa morbidade e grande índice de sucesso.

Por ser tratarem de pacientes sempre em condições graves, todas estas técnicas de reconstrução constituem cirurgias de alto risco, não havendo um consenso na literatura sobre qual a melhor opção de retalho para cada classe de paciente. Acreditamos que cada caso deva ser bem analisado e individualizado na escolha do método a ser utilizado.

Relatamos o caso de reconstrução de um extenso defeito torácico anterior, de grandes proporções e com exposição do pericárdio e todo gradeado costal. Como apresentava as bordas da ferida muito afastadas, uma incisão cutânea extensa do lado direito e com a musculatura peitoral praticamente ausente e retraída bilateralmente por provável ressecção prévia, estas estruturas locais não poderiam ser usadas.

Apesar do histórico recente de cirurgia abdominal para ressecção de parte do intestino delgado, optamos por tentar a utilização do retalho de grande omento. Para tal, solicitamos o auxílio de colegas da Cirurgia Geral que, por meio da videolaparoscopia, conseguiram avaliar as condições do grande omento e confeccionar um retalho pediculado na artéria gastroepiploica esquerda suficiente para a cobertura de toda a área cruenta após passar pelo túnel subcutâneo. A integração do enxerto de pele em malha 3 semanas após a rotação do retalho complementou a tática operatória.

A nosso ver, o retalho de grande omento mostrou-se-como uma boa opção diante de suas propriedades vasculares, linfáticas e imunológicas e de adesão ao sítio receptor.

Por conta de uma ampla vascularização com uma extensa rede de vasos, há diversas possibilidades de posicionamento desse tipo retalho. Além disso, há uma grande produção de fatores angiogênicos, que possibilitam rápida neovascularização e adesão do tecido reposicionado à área receptora. Por possuir uma rica rede de tecido linfático, que promove boa competência imunológica, esse tecido tem papel importante no combate a infecções locais4.

A literatura mostra que a utilização de retalho do grande omento pode apresentar complicações no sítio doador como hérnia abdominal, obstrução de intestino delgado, hemorragias e outras5.

Em nosso meio, Tavares et al.9 publicaram sua experiência com esse retalho na reconstrução da parede torácica em 2 casos após ressecções de extensos tumores mamários. Concluíram que se trata de técnica eficaz, segura e bastante funcional.

CONCLUSÃO

Ainda não há um consenso sobre o melhor tipo de reconstrução nos extensos defeitos da parede torácica anterior, mas o retalho de grande omento utilizado no caso se mostrou como uma boa opção em situações de grande dificuldade (cirurgia abdominal prévia recente) por conta de sua boa vascularização sanguínea e linfática e possibilidade de ampla cobertura devido ao seu tamanho e mobilidade.

Apesar de não ser técnica nova, este caso nos pareceu um grande desafio devido à extensão da lesão e ao fato da possibilidade de utilização deste retalho de omento mesmo em pacientes com cirurgias abdominais recentes para ressecções intestinais.

COLABORAÇÕES

OMA

Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

RGA

Realização das operações e/ou experimentos.

DO

Realização das operações e/ou experimentos.

CED

Realização das operações e/ou experimentos.

PV

Realização das operações e/ou experimentos.

FAH

Realização das operações e/ou experimentos.

MLMA

Concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

FS

Concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

REFERÊNCIAS

1. Matros E, Disa JJ. Uncommon flaps for chest wall reconstruction. Semin Plast Surg. 2011;25(1):55-9. DOI: 10.1055/s-0031-1275171 DOI: http://dx.doi.org/10.1055/s-0031-1275171

2. Domene CE, Volpe P, Onari P, Szachnowicz S, Birbojm I, Barreira LF, et al. Omental flap obtained by laparoscopic surgery for reconstruction of the chest wall. Surg Laparosc Endosc. 1998;8(3):215-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00019509-199806000-00011

3. van Wingerden JJ, Lapid O, Boonstra PW, de Mol BA. Muscle flaps or omental flap in the management of deep sternal wound infection. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2011;13(2):179-87. DOI: 10.1510/icvts.2011.270652 DOI: http://dx.doi.org/10.1510/icvts.2011.270652

4. Zbuchea A, Racasan O, Oprescu N. Trans-Retroperitoneal Omental Flap for Reconstruction of a LargeThoraco-Dorsal Defect, Following Oncological Resection - Case Report and Literature Review. Chirurgia (Bucur). 2016;111(2):161-4.

5. Hamid UI, Parissis H. Treatment of severe mediastinitis following cardiac surgery with omental flaps. BMJ Case Rep. 2011;2011. pii: bcr0320113971. DOI: 10.1136/bcr.03.2011.3971 DOI: http://dx.doi.org/10.1136/bcr.03.2011.3971

6. Spindler N, Etz CD, Misfeld M, Josten C, Mohr FW, Langer S. Omental flap as a salvage procedure in deep sternal wound infection. Ther Clin Risk Manag. 2017;13:1077-83. DOI: 10.2147/TCRM.S134869 DOI: http://dx.doi.org/10.2147/TCRM.S134869

7. Toumpoulis IK, Anagnostopoulos CE, Derose JJ Jr, Swistel DG. The impact of deep sternal wound infection on long-term survival after coronary artery bypass grafting. Chest. 2005;127(2):464-71. PMID: 15705983 DOI: http://dx.doi.org/10.1378/chest.127.2.464

8. Kaul P. Sternal reconstruction after post-sternotomy mediastinites. J Cardiothorac Surg. 2017;12(1):94. DOI: http://dx.doi.org/10.1186/s13019-017-0656-7

9. Tavares FMO, Menezes CMGG, Moscozo MVA, Xavier GRS, Oliveira GM, Amorim Jr MAP, et al. Omental flap: an alternative in reconstructive surgery of chest wall. Rev Bras Cir Plast. 2011;26(2):360-5.











1. Hospital 9 de Julho, São Paulo, SP, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil.
3. Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
4. Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil.

Instituição: Hospital 9 de Julho, São Paulo, SP, Brasil.

Autor correspondente: Otavio Machado de Almeida
Rua Barata Ribeiro, 490 Cj 51 - Bela Vista
São Paulo, SP, Brasil CEP 01308-000
E-mail: omadr@terra.com.br

Artigo submetido: 15/08/2017.
Artigo aceito: 17/05/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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