INTRODUÇÃO
A fissura labiopalatina (FLP) é uma anomalia congênita que afeta aproximadamente um
para cada 700 nascidos vivos1. Essas
deformidades podem produzir problemas funcionais na arcada dentária, mastigação,
respiração e audição2. A dificuldade de
comunicação eficiente e o comprometimento da aparência física tornam o indivíduo
com
fissura labiopalatina possível alvo de adjetivos depreciativos num grupo social.
A
partir dessas alterações físicas e funcionais podem surgir outros danos potenciais
na vida de seu portador: os psicossociais3.
A aparência facial tem profunda influência nos ambientes sociais, no desenvolvimento
da personalidade e no progresso educacional. Pessoas com FLP podem apresentar
níveis
desfavoráveis de ansiedade, depressão, fobia social, autoestima e qualidade de
vida4.
A mensuração da autoestima tem sido mundialmente realizada por meio da Escala de
Autoestima de Rosenberg (RSES), capaz de classificar o nível de autoestima em
adolescentes, adultos e idosos5.
A importância do tema e o limitado número de trabalhos utilizando instrumentos de
avaliação confiáveis justificam o interesse pelo assunto.
OBJETIVO
Avaliar a autoestima de indivíduos portadores de FLP comparando com indivíduos não
afetados pela afecção, levantar possíveis fatores que influenciam na autoestima
desses pacientes e identificar subgrupos mais afetados.
MÉTODOS
Estudo transversal contemporâneo, composto por 160 indivíduos, de ambos os sexos,
entre 12 e 50 anos de idade, distribuídos em dois grupos: G1 ou grupo exposto,
formado por pacientes com FLP, que já realizaram cirurgias relacionadas à afecção,
acompanhadas pelo Serviço de Cirurgia Plástica Craniomaxilofacial do Hospital
de
Clínicas de Porto Alegre, RS, (HCPA) e G2 ou grupo controle, formado por indivíduos
sem FLP, estudantes e funcionários da rede pública de ensino da mesma cidade.
A idade dos indivíduos foi determinada a partir dos 12 anos pela capacidade de
compreender as questões da escala de avaliação de autoestima.
Os critérios de exclusão de ambos os grupos foram a presença de qualquer tipo de
síndrome ou de disfunção auditiva de origem central. Foram excluídos da pesquisa
os
indivíduos ou responsáveis legais que não consentiram sua inclusão assinando o
Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ou que não preencheram adequadamente
o
questionário.
O grupo G1 foi composto por pacientes que compareceram à consulta no Ambulatório de
Fissura Labiopalatina. Os pacientes e/ou familiares foram orientados sobre o estudo
e submetidos ao TCLE. Após, foi aplicada a RSES e um questionário estruturado,
formulado especificamente para este estudo. Dados também foram compilados no
prontuário. Os indivíduos do G2 foram selecionados em uma escola da rede pública
pela Secretaria da Educação do município.
Todos os alunos e funcionários da escola receberam envelopes lacrados com a carta
de
apresentação do estudo, o questionário estruturado e o TCLE. Para inclusão dos
alunos menores de 18 anos, foi enviada a documentação para pais ou responsáveis.
Após o retorno das documentações, foi realizado o sorteio de 50 alunos menores
de 18
anos e 30 indivíduos maiores de 18 anos. Na escola, em sala reservada,
individualmente, foi aplicada a RSES.
A coleta de dados foi realizada no período de agosto a dezembro de 2012.
Para o levantamento de dados, foi elaborado um questionário para cada grupo da
pesquisa. Para o G2, havia questões sobre dados pessoais e perguntas relacionadas
a
escolaridade, repetência escolar, classe econômica e situação familiar. Para o
G1,
além das questões citadas acima, foram indagados itens relacionados à classificação
da FLP, procedimentos cirúrgicos e instituições de saúde onde foram realizados.
Realizada a avaliação dos resultados em relação à comunicação, dentição,
funcionalidade e estética de lábio e nariz com a equipe assistente: fonoaudióloga,
odontólogo, otorrinolaringologista e cirurgião plástico, respectivamente. Os
pacientes foram questionados em relação à opinião pessoal quanto aos resultados.
A RSES, utilizada neste estudo, é um instrumento desenvolvido para a avaliação da
autoestima global. A RSES é constituída por 10 itens, com questões relativas aos
sentimentos de respeito e aceitação de si mesmo. Foi adaptado para o português,
com
bons índices psicométricos. A soma dos 10 itens proporciona a cotação da escala,
cuja pontuação total oscila entre 10 e 40. Os resultados foram categorizados,
configurando autoestima alta, normal e baixa6.
Este estudo e o TCLE foram aprovados no Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre e seu Comitê de Ética em Pesquisa, sob o protocolo
de
número 11-0021. Para realizar a pesquisa na escola, foi solicitada autorização
à
Secretaria da Educação de Porto Alegre. Para o uso da RSES, não há necessidade
de
uma permissão.
RESULTADOS
Inicialmente, buscou-se caracterizar a amostra, conforme Tabela 1. Trata-se de uma amostra majoritariamente homogênea,
com grupos não pareados. Houve diferença significativa entre os grupos apenas
quanto
a estado civil, escolaridade e repetência escolar.
Tabela 1 - Caracterização da amostra.
Variáveis |
Amostra total (n = 160)
|
Grupo Fissura Labiopalatina (n = 80)
|
Grupo Controle (n = 80)
|
Valor-p*
|
Faixa etária |
|
|
|
|
12-18 |
103 (64,4) |
53 (66,3) |
50 (62,5) |
0,741 |
≥ 19 |
57 (35,6) |
27 (33,8) |
30 (37,5) |
Sexo |
|
|
|
|
Masculino |
75 (46,9) |
42 (52,5) |
33 (41,3) |
0,205 |
Feminino |
85 (53,1) |
38 (47,5) |
47 (58,8) |
Estado civil |
|
|
|
|
Solteiro |
128 (80,0) |
71 (88,8)† |
57 (71,3) |
0,015 |
Casado |
25 (15,6) |
8 (10,0) |
17 (21,3)† |
Divorciado/Viúvo |
7 (4,4) |
1 (1,3) |
6 (7,5) |
Escolaridade |
|
|
|
|
Fundamental incompleto |
71 (44,4) |
50 (62,5)† |
21 (26,3) |
<0,001 |
Fundamental completo |
32 (20,0) |
10 (12,5) |
22 (27,5)† |
Ensino médio/superior |
57 (35,6) |
20 (25,0) |
37 (46,3)† |
Repetência escolar |
|
|
|
|
Sim |
59 (36,9) |
41 (51,3) |
18 (22,5) |
<0,001 |
Não |
101 (63,1) |
39 (48,8) |
62 (77,5) |
Classe econômica |
|
|
|
|
E |
36 (22,5) |
17 (21,3) |
19 (23,8) |
0,730 |
D |
48 (30,0) |
22 (27,5) |
26 (32,5) |
C |
69 (43,1) |
38 (47,5) |
31 (38,8) |
B |
7 (4,4) |
3 (3,8) |
4 (5,0) |
Situação familiar na infância |
|
|
|
|
Nuclear |
106 (66,3) |
59 (73,8) |
47 (58,8) |
0,133 |
Reconstituída |
44 (27,5) |
17 (21,3) |
27 (33,8) |
Outros |
10 (6,3) |
4 (5,0) |
6 (7,5) |
Situação familiar atual |
|
|
|
|
Nuclear |
88 (55,0) |
48 (60,0) |
40 (50,0) |
0,203 |
Reconstituída |
53 (33,1) |
25 (31,3) |
28 (35,0) |
Outros |
10 (6,3) |
2 (2,5) |
8 (10,0) |
Mora sozinho |
9 (5,6) |
5 (6,3) |
4 (5,0) |
Tabela 1 - Caracterização da amostra.
Analisando-se a relação entre a fissura labiopalatina e a autoestima, houve
associação significativa (p = 0,046). O grupo com FLP teve uma
proporção significativamente maior de autoestima normal e baixa, como pode ser
visto
na Figura 1.
Figura 1 - Associação entre autoestima e fissura labiopalatina.
Figura 1 - Associação entre autoestima e fissura labiopalatina.
Na análise do grupo com FLP mostrada na Tabela 2, quando avaliada a autoestima baixa, as variáveis que permaneceram
associadas foram o grupo de indivíduos com FLP do sexo feminino, com ensino
fundamental incompleto ou ensino fundamental completo, de classes D/E e com família
reconstituída na infância.
Tabela 2 - Análise de Regressão Logística Multinomial para avaliar fatores
independentemente associados com a autoestima normal e baixa.
Variáveis |
Autoestima normal |
Autoestima baixa |
OR ajustado (IC 95%)
|
Valor-p |
OR ajustado (IC 95%)
|
Valor-p |
Grupo FLP |
2,20 (0,90-5,40)
|
0,085 |
3,86 (1,15-12,9)
|
0,028 |
Sexo feminino |
1,82 (0,80-4,13)
|
0,153 |
3,18 (1,07-9,50)
|
0,038 |
Nível de escolaridade |
|
|
|
|
Fundamental incompleto |
1,70 (0,63-4,55)
|
0,293 |
4,74 (1,11-20,2)
|
0,035 |
Fundamental completo |
1,01 (0,33-3,13)
|
0,989 |
5,29 (1,16-24,1)
|
0,032 |
Com repetência escolar |
1,53 (0,56-4,16)
|
0,405 |
0,64 (0,18-2,27)
|
0,491 |
Classe D/E |
1,35 (0,59-3,08)
|
0,483 |
4,44 (1,40-14,1)
|
0,012 |
Situação familiar infância |
|
|
|
|
Nuclear |
1,0 |
|
1,0 |
|
Reconstituída |
1,63 (0,58-4,56)
|
0,353 |
4,19 (1,16-15,1)
|
0,029 |
Outra |
0,38 (0,07-1,97)
|
0,250 |
1,08 (0,18-6,63)
|
0,934 |
Tabela 2 - Análise de Regressão Logística Multinomial para avaliar fatores
independentemente associados com a autoestima normal e baixa.
A Tabela 3 caracteriza o grupo em estudo. Em
relação à classificação da fissura, 64 (80,0%) são fissuras de lábio e palato,
56
(70,0%) são unilaterais e 65 (81,2%) são completas. Dos procedimentos cirúrgicos
relacionados à FLP, 47 indivíduos (58,8%) foram operados somente pelo Serviço
de
Cirurgia Plástica do HCPA, enquanto 14 (17,5%) realizaram todas as cirurgias em
outra (s) instituição(ões), mas foram encaminhados e estão em acompanhamento no
Ambulatório de Fissura Labiopalatina; dezenove (23,8%) pacientes realizaram
procedimentos cirúrgicos em outra(s) instituição(ões) e no Serviço de Cirurgia
Plástica.
Tabela 3 - Caracterização do grupo FLP.
Variáveis |
Amostra total (n = 80) |
Classificação da fissura |
|
Lábio e palato |
64 (80,0) |
Lábio |
12 (15,0) |
Palato |
4 (5,0) |
Unilateral |
56 (70,0) |
Bilateral |
24 (30,0) |
Completa |
65 (81,2) |
Incompleta |
15 (18,8) |
Cirurgia reparadora |
|
Somente cirurgia lábio |
12 (15,0) |
Somente cirurgia palato |
4 (5,0) |
Cirurgia lábio + palato |
64 (80,0) |
Tratamento |
|
Somente no HCPA |
47 (58,8) |
Outra(s) instituição(ões) e no HCPA |
33 (41,2) |
Avaliação dos resultados pela equipe assistencial
quanto a:
|
|
Comunicação |
|
Bom |
31 (38,8) |
Regular |
19 (23,8) |
Ruim |
30 (37,5) |
Dentição |
|
Bom |
36 (45,0) |
Regular |
12 (15,0) |
Ruim |
32 (40,0) |
Lábio |
|
Bom |
39 (48,8) |
Regular |
21 (26,3) |
Ruim |
20 (25,0) |
Nariz |
|
Bom |
53 (66,3) |
Regular |
13 (16,3) |
Ruim |
14 (17,5) |
Resultado do paciente |
|
Satisfeito |
20 (25,0) |
Insatisfeito |
60 (75,0) |
O que quer mudar |
|
Comunicação |
21 (26,3) |
Dentes |
35 (43,8) |
Lábio |
31 (38,8) |
Nariz |
17 (21,3) |
Tabela 3 - Caracterização do grupo FLP.
De acordo com a equipe assistencial dos pacientes com FLP, a qualidade da comunicação
de 31 (38,8%) pacientes é considerada boa e 30 (37,5%) são avaliadas como ruim.
Em
relação à dentição dos afetados, 36 (45,0%) são avaliadas como boas e 32 (40,0%)
ruins. A cicatriz do lábio, ainda segundo a equipe, de 39 (48,8%) indivíduos é
considerada boa, enquanto que a estética do nariz é considerada boa em 53 (66,3%)
dos afetados.
Dos pacientes com FLP, 60 (75,0%) estão insatisfeitos com um ou mais itens avaliados,
sendo que a dentição aparece com os maiores índices de insatisfação - 35 (43,8%)
-,
seguida pela cicatriz do lábio, que é 31 (38,8%). Queixas em relação à comunicação
e
à estética do nariz aparecem em menores escores, como mostra a Tabela 3.
A Tabela 4 descreve a associação entre a
autoestima baixa e a classificação da fissura (p = 0,026). Os
pacientes que fizeram somente cirurgia de lábio (FL) estão associados a uma
autoestima mais alta em relação aos demais (p = 0,047). Também se
pode observar que houve associação entre as variáveis qualidade da
comunicação e dentição em relação à autoestima
(p < 0,001 e p = 0,031,
respectivamente).
Tabela 4 - Associação das variáveis do grupo com fissura labiopalatina com a
autoestima.
Variáveis |
Autoestima alta (n = 15)
|
Autoestima normal (n = 47)
|
Autoestima baixa (n = 18)
|
Valor-p |
Classificação da fissura |
|
|
|
|
Lábio e palato |
10 (66,7) |
39(83,0) |
15 (83,3) |
0,241 |
Lábio |
5 (33,3) |
5 (10,6) |
2 (11,1) |
Palato |
0 (0,0) |
3 (6,4) |
1 (5,6) |
Unilateral |
12 (80,0) |
36 (76,6) |
8 (44,4) |
0,026 |
Bilateral |
3 (20,0) |
11 (23,4) |
10 (55,6) |
Completa |
11 (73,3) |
38 (80,9) |
16 (88,9) |
0,519 |
Incompleta |
4 (26,7) |
9 (19,1) |
2 (11,1) |
Cirurgia reparadora |
|
|
|
|
Lábio |
6 (40,0) |
4 (8,5) |
2 (11,1) |
0,047 |
Palato |
0 (0,0) |
3 (6,4) |
1 (5,6) |
Lábio + Palato |
9 (60,0) |
40 (85,1) |
15 (83,3) |
Avaliação dos resultados pela equipe
assistencial quanto a:
|
Comunicação |
|
|
|
|
Bom |
11 (73,3) |
18 (38,3) |
2 (11,1) |
< 0,001 |
Regular |
3 (20,0) |
14 (29,8) |
2 (11,1) |
Ruim |
1 (6,7) |
15 (31,9) |
14 (77,8) |
Dentição |
|
|
|
|
Bom |
11 (73,3) |
18 (38,3) |
7 (38,9) |
0,031 |
Regular |
0 (0,0) |
11 (23,4) |
1 (5,6) |
Ruim |
4 (26,7) |
18 (38,3) |
10 (55,6) |
Lábio |
|
|
|
|
Bom |
12 (80,0) |
22 (46,8) |
5 (27,8) |
0,052 |
Regular |
2 (13,3) |
12 (25,5) |
7 (38,9) |
Ruim |
1 (6,7) |
13 (27,7) |
6 (33,3) |
Nariz |
|
|
|
|
Bom |
13 (86,7) |
31 (66,0) |
9 (50,0) |
0,112 |
Regular |
1 (6,7) |
6 (12,8) |
6 (33,3) |
Ruim |
1 (6,7) |
10 (21,3) |
3 (16,7) |
Resultado do paciente |
|
|
|
|
Satisfeito |
10 (66,7) |
10 (21,3) |
0 (0,0) |
< 0,001 |
Insatisfeito |
5 (33,3) |
37 (78,7) |
18 (100) |
O que quer mudar |
|
|
|
|
Comunicação |
0 (0,0) |
9 (19,1) |
12 (66,7) |
< 0,001 |
Dentes |
3 (20,0) |
21 (44,7) |
11 (61,1) |
0,059 |
Lábio |
1 (6,7) |
19 (40,4) |
11 (61,1) |
0,006 |
Nariz |
2 (13,3) |
10 (21,3) |
5 (27,8) |
0,600 |
Tabela 4 - Associação das variáveis do grupo com fissura labiopalatina com a
autoestima.
Indivíduos que querem melhorar os resultados da comunicação e a cicatriz do lábio
apresentam maior probabilidade de autoestima baixa (p < 0,001 e
p = 0,006, respectivamente). Todos os afetados com baixa
autoestima querem melhorar seus resultados (p < 0,001).
DISCUSSÃO
A percepção do portador de fissura labiopalatina, em relação ao impacto causado pela
afecção na sua vida, é reconhecida como importante indicador de saúde. Há um notável
consenso no relato dos portadores de FLP quanto às dificuldades enfrentadas e
ao
conjunto de emoções negativas envolvidas, como ansiedade, medo da avaliação social,
baixa autoestima, imagem corporal desfavorável e fobia social7,8.
A autoestima é considerada como um importante indicador de saúde mental9 e um dos fatores que mais interferem nas
relações humanas, no progresso escolar e no desenvolvimento psicossocial. A RSES
é
atualmente o instrumento para avaliação da autoestima mais amplamente utilizado
em
nível mundial6, sendo amplamente aceita na
comunidade científica.
Os resultados desse estudo apontam que pacientes com fissura labiopalatina, quando
comparados a indivíduos não afetados, possuem maior proporção a serem solteiros,
com
baixa escolaridade e apresentam maior incidência de repetência escolar.
Alguns estudos10,11 apontam a interferência da fissura
labiopalatina no rendimento escolar dos afetados e, consequentemente, tais
indivíduos também apresentam maiores índices de repetência escolar. Os aspectos
emocionais das crianças com FLP interferem na aprendizagem nos primeiros anos
letivos. Não há indícios que relacionem a deformidade facial ao déficit intelectual;
ao contrário, as crianças com fissura labiopalatina têm condições intelectuais
idênticas às de crianças consideradas normais para bom desempenho escolar.
A escola é o primeiro contato extrafamiliar de convivência social das crianças, e
a
estética facial é a primeira análise que se faz de um indivíduo. As crianças com
FLP
não são poupadas de críticas pelos seus colegas, influenciando negativamente a
sua
vida acadêmica, social e afetiva. O fracasso escolar também pode estar relacionado
a
alterações na função auditiva e/ou na comunicação, essenciais para o processo
de
aprendizagem.
Indo ao encontro desses resultados, percebeu-se que o adulto jovem portador de FLP
sente maior dificuldade para um relacionamento interpessoal e afetivo12. Este fato evidencia-se na adolescência,
pois é nessa fase que surge maior preocupação com a aparência física. Se o indivíduo
não se sente satisfeito com a aparência, ele produz um sentimento de inferioridade
e
torna-se inseguro.
Na análise da autoestima, observou-se os índices significativos de baixa autoestima
em relação ao sexo feminino. Estudos apontam que o gênero feminino expressa maior
insatisfação com a aparência e esse sentimento é justificado pois há uma pressão
da
sociedade para ter uma aparência atraente13,14. Com isso,
mulheres com FLP sentem-se inferiorizadas, favorecendo a dificuldade nas interações
sociais e afetivas.
Na análise em relação à estrutura familiar, observou-se a associação de baixa
autoestima em pacientes com fissura labiopalatina cuja família não estava
constituída pelo pai e pela mãe durante a infância. A experiência da separação
dos
pais ou a não convivência com uma das partes causa danos psicoemocionais em todas
as
crianças, com diferentes graus de intensidade.
É provável que, para o indivíduo com FLP, vivenciar essa situação tem uma repercussão
ainda mais negativa, pois, além de conviver com as dificuldades relacionadas à
afecção, a falta da estrutura familiar provoca sentimentos de insegurança. A
estrutura familiar na infância, para os pacientes fissurados, representa um ponto
significativo, pois os pais assumem importante papel no tratamento.
Já na fase adulta, as fissuras labiais interferem na inserção no meio socioeconômico
do afetado15. Os resultados deste estudo
demonstram que as classes econômicas mais desfavorecidas (classes D/E) apresentam
maior índice de baixa autoestima.
Pode-se afirmar que indivíduos com FLP que vivenciam a exclusão social, juntamente
com os problemas já mencionados, terão dificuldades em relação ao sucesso
profissional, pois o mercado de trabalho, além de exigir competência técnica e
emocional, busca pessoas com capacidade de liderança e facilidade de
comunicação.
Na avaliação dos fatores relacionados à afecção, houve associação entre as fissuras
de lábio e/ou palato bilaterais com a autoestima baixa. As fissuras bilaterais
causam maiores danos estéticos, sendo mais difícil proporcionar resultados
satisfatórios aos pacientes. Ainda em relação à classificação da fissura, a maioria
dos indivíduos que realizaram cirurgia labial, sem comprometimento do palato,
apresenta alta autoestima.
Os pacientes que manifestaram insatisfação em relação à estética do lábio e à fonação
apresentam maior probabilidade de autoestima baixa. Todos os pacientes com baixa
autoestima querem melhorar os resultados relacionados à estética - do lábio, do
nariz ou da dentição - ou, ainda, aspectos funcionais relacionados à
comunicação.
Esses resultados estão em conformidade com outras pesquisas relacionadas ao tema,
pois toda a problemática do paciente com FLP, relacionada à comunicação, à cicatriz
do lábio e à dentição, demonstra que está diretamente relacionada com a autoestima
desses indivíduos.
CONCLUSÃO
Os indivíduos com FLP apresentam níveis baixos de autoestima, quando comparados a
indivíduos não afetados.
Dentre os pacientes com FLP, o subgrupo dos indivíduos com fissura bilateral, fissura
completa, do gênero feminino, classe econômica D/E, baixa escolaridade, situação
familiar reconstituída na infância e com resultados não satisfatórios em relação
à
comunicação, à dentição e à cicatriz de lábio também apresentam índices menores
de
autoestima.
Os indivíduos com fissura labiopalatina apresentam uma significativa fragilidade
psicoemocional que deve ser incluída no seu tratamento. Além da assistência médica,
fonoaudiológica, odontológica, de enfermeiros e geneticistas, necessitam de apoio
psicológico ao longo do crescimento, desenvolvimento e reabilitação da afecção.
COLABORAÇÕES
AG
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e
desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu
conteúdo.
|
SSC
|
Análise e/ou interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo;
redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
MVMC
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e
desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu
conteúdo.
|
REFERÊNCIAS
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understanding genetic and environmental influences. Nat Rev Genet.
2011;12(3):167-78. DOI: http://dx.doi.org/10.1038/nrg2933
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palate: a systematic review and meta-analysis. Cleft Palate Craniofac J.
2012;49(2):194-200. DOI: http://dx.doi.org/10.1597/10-043
3. Chuo CB, Searle Y, Jeremy A, Richard BM, Sharp I, Slator R. The
continuing multidisciplinary needs of adult patients with cleft lip and/or
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1. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto
Alegre, RS, Brasil.
2. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Autor correspondente: Alesandra
Glaeser
Rua João Ernesto Schmidt, 251/701
Porto Alegre, RS, Brasil
CEP 91210-125
E-mail: aglaeser@hcpa.edu.br
Artigo submetido: 10/11/2017.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.