Original Article - Year2018 - Volume33 - Issue 2
Fissura labiopalatina: avaliação do impacto psicológico utilizando a Escala de Autoestima de Rosenberg
Cleft lip and palate: evaluation of the psychological impact using the Rosenberg self-esteem scale
RESUMO
Introdução: A fissura labiopalatina é a malformação mais frequente da região da cabeça e
afeta mais de 10 milhões de pessoas no mundo. O objetivo do estudo foi
avaliar a autoestima em pacientes portadores de fissura labiopalatina em
acompanhamento no Serviço de Cirurgia Plástica Craniomaxilofacial do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre, comparando-os com indivíduos não
fissurados.
Métodos: Estudo transversal contemporâneo, com 160 participantes, sendo 80 pacientes
com fissura labiopalatina já submetidos a procedimentos cirúrgicos
relacionados à afecção e, como grupo controle, 80 alunos e funcionários da
rede pública de ensino. Um questionário para caracterizar o grupo e a escala
de autoestima de Rosenberg foram utilizados para a coleta de dados.
Resultados: Houve diferença significativa entre os grupos quanto ao estado civil,
escolaridade e repetência escolar. Os pacientes com fissura labiopalatina
apresentam níveis de autoestima menores em relação a indivíduos não
afetados. Dentre eles, os subgrupos dos indivíduos com fissura bilateral,
fissura completa, do gênero feminino, classe econômica D/E, baixa
escolaridade, situação familiar reconstituída na infância e com resultados
não satisfatórios em relação à comunicação, dentição e cicatriz de lábio
também mostraram níveis de autoestima menores.
Conclusão: Houve relação significativa entre fissura labiopalatina e baixa
autoestima.
Palavras-chave: Fenda labial; Saúde mental; Anormalidades congênitas; Autoimagem; Enfermagem
ABSTRACT
Introduction: Cleft lip and palate is the most frequent malformation of the head region and
affects more than 10 million people worldwide. This study aims at evaluating
the self-esteem in patients with cleft lip and palate and comparing that
with the self-esteem of non-affected individuals during follow-up at the
Department of Craniomaxillofacial Plastic Surgery of the Hospital de
Clínicas of Porto Alegre.
Methods: This is a cross-sectional, contemporary study with 160 participants,
comprising 80 patients with cleft lip and palate who have already undergone
surgical procedures for correcting the condition and 80 non-affected
students and employees of the public-school system as a control group. We
used a questionnaire to characterize the group and the Rosenberg self-esteem
scale for data collection.
Results: There was a significant difference between groups in terms of marital status,
schooling, and school retention. Patients with a cleft lip and palate had
lower levels of self-esteem than non-affected individuals. Among them, the
individuals with bilateral clefts or complete clefts; female gender;
economic strata of D/E; low level of schooling; families reconstituted
during childhood; and with unsatisfactory results concerning communication,
dentition, and lip scar also showed lower levels of self-esteem.
Conclusion: There was a significant relationship between cleft lip and palate and low
self-esteem.
Keywords: Cleft lip; Mental health; Congenital abnormalities; Self-image; Nursing
INTRODUÇÃO
A fissura labiopalatina (FLP) é uma anomalia congênita que afeta aproximadamente um para cada 700 nascidos vivos1. Essas deformidades podem produzir problemas funcionais na arcada dentária, mastigação, respiração e audição2. A dificuldade de comunicação eficiente e o comprometimento da aparência física tornam o indivíduo com fissura labiopalatina possível alvo de adjetivos depreciativos num grupo social. A partir dessas alterações físicas e funcionais podem surgir outros danos potenciais na vida de seu portador: os psicossociais3.
A aparência facial tem profunda influência nos ambientes sociais, no desenvolvimento da personalidade e no progresso educacional. Pessoas com FLP podem apresentar níveis desfavoráveis de ansiedade, depressão, fobia social, autoestima e qualidade de vida4.
A mensuração da autoestima tem sido mundialmente realizada por meio da Escala de Autoestima de Rosenberg (RSES), capaz de classificar o nível de autoestima em adolescentes, adultos e idosos5.
A importância do tema e o limitado número de trabalhos utilizando instrumentos de avaliação confiáveis justificam o interesse pelo assunto.
OBJETIVO
Avaliar a autoestima de indivíduos portadores de FLP comparando com indivíduos não afetados pela afecção, levantar possíveis fatores que influenciam na autoestima desses pacientes e identificar subgrupos mais afetados.
MÉTODOS
Estudo transversal contemporâneo, composto por 160 indivíduos, de ambos os sexos, entre 12 e 50 anos de idade, distribuídos em dois grupos: G1 ou grupo exposto, formado por pacientes com FLP, que já realizaram cirurgias relacionadas à afecção, acompanhadas pelo Serviço de Cirurgia Plástica Craniomaxilofacial do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, (HCPA) e G2 ou grupo controle, formado por indivíduos sem FLP, estudantes e funcionários da rede pública de ensino da mesma cidade.
A idade dos indivíduos foi determinada a partir dos 12 anos pela capacidade de compreender as questões da escala de avaliação de autoestima.
Os critérios de exclusão de ambos os grupos foram a presença de qualquer tipo de síndrome ou de disfunção auditiva de origem central. Foram excluídos da pesquisa os indivíduos ou responsáveis legais que não consentiram sua inclusão assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ou que não preencheram adequadamente o questionário.
O grupo G1 foi composto por pacientes que compareceram à consulta no Ambulatório de Fissura Labiopalatina. Os pacientes e/ou familiares foram orientados sobre o estudo e submetidos ao TCLE. Após, foi aplicada a RSES e um questionário estruturado, formulado especificamente para este estudo. Dados também foram compilados no prontuário. Os indivíduos do G2 foram selecionados em uma escola da rede pública pela Secretaria da Educação do município.
Todos os alunos e funcionários da escola receberam envelopes lacrados com a carta de apresentação do estudo, o questionário estruturado e o TCLE. Para inclusão dos alunos menores de 18 anos, foi enviada a documentação para pais ou responsáveis. Após o retorno das documentações, foi realizado o sorteio de 50 alunos menores de 18 anos e 30 indivíduos maiores de 18 anos. Na escola, em sala reservada, individualmente, foi aplicada a RSES.
A coleta de dados foi realizada no período de agosto a dezembro de 2012.
Para o levantamento de dados, foi elaborado um questionário para cada grupo da pesquisa. Para o G2, havia questões sobre dados pessoais e perguntas relacionadas a escolaridade, repetência escolar, classe econômica e situação familiar. Para o G1, além das questões citadas acima, foram indagados itens relacionados à classificação da FLP, procedimentos cirúrgicos e instituições de saúde onde foram realizados.
Realizada a avaliação dos resultados em relação à comunicação, dentição, funcionalidade e estética de lábio e nariz com a equipe assistente: fonoaudióloga, odontólogo, otorrinolaringologista e cirurgião plástico, respectivamente. Os pacientes foram questionados em relação à opinião pessoal quanto aos resultados.
A RSES, utilizada neste estudo, é um instrumento desenvolvido para a avaliação da autoestima global. A RSES é constituída por 10 itens, com questões relativas aos sentimentos de respeito e aceitação de si mesmo. Foi adaptado para o português, com bons índices psicométricos. A soma dos 10 itens proporciona a cotação da escala, cuja pontuação total oscila entre 10 e 40. Os resultados foram categorizados, configurando autoestima alta, normal e baixa6.
Este estudo e o TCLE foram aprovados no Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e seu Comitê de Ética em Pesquisa, sob o protocolo de número 11-0021. Para realizar a pesquisa na escola, foi solicitada autorização à Secretaria da Educação de Porto Alegre. Para o uso da RSES, não há necessidade de uma permissão.
RESULTADOS
Inicialmente, buscou-se caracterizar a amostra, conforme Tabela 1. Trata-se de uma amostra majoritariamente homogênea, com grupos não pareados. Houve diferença significativa entre os grupos apenas quanto a estado civil, escolaridade e repetência escolar.
Variáveis | Amostra total (n = 160) |
Grupo Fissura Labiopalatina (n = 80) |
Grupo Controle (n = 80) |
Valor-p* |
---|---|---|---|---|
Faixa etária | ||||
12-18 | 103 (64,4) | 53 (66,3) | 50 (62,5) | 0,741 |
≥ 19 | 57 (35,6) | 27 (33,8) | 30 (37,5) | |
Sexo | ||||
Masculino | 75 (46,9) | 42 (52,5) | 33 (41,3) | 0,205 |
Feminino | 85 (53,1) | 38 (47,5) | 47 (58,8) | |
Estado civil | ||||
Solteiro | 128 (80,0) | 71 (88,8)† | 57 (71,3) | 0,015 |
Casado | 25 (15,6) | 8 (10,0) | 17 (21,3)† | |
Divorciado/Viúvo | 7 (4,4) | 1 (1,3) | 6 (7,5) | |
Escolaridade | ||||
Fundamental incompleto | 71 (44,4) | 50 (62,5)† | 21 (26,3) | <0,001 |
Fundamental completo | 32 (20,0) | 10 (12,5) | 22 (27,5)† | |
Ensino médio/superior | 57 (35,6) | 20 (25,0) | 37 (46,3)† | |
Repetência escolar | ||||
Sim | 59 (36,9) | 41 (51,3) | 18 (22,5) | <0,001 |
Não | 101 (63,1) | 39 (48,8) | 62 (77,5) | |
Classe econômica | ||||
E | 36 (22,5) | 17 (21,3) | 19 (23,8) | 0,730 |
D | 48 (30,0) | 22 (27,5) | 26 (32,5) | |
C | 69 (43,1) | 38 (47,5) | 31 (38,8) | |
B | 7 (4,4) | 3 (3,8) | 4 (5,0) | |
Situação familiar na infância | ||||
Nuclear | 106 (66,3) | 59 (73,8) | 47 (58,8) | 0,133 |
Reconstituída | 44 (27,5) | 17 (21,3) | 27 (33,8) | |
Outros | 10 (6,3) | 4 (5,0) | 6 (7,5) | |
Situação familiar atual | ||||
Nuclear | 88 (55,0) | 48 (60,0) | 40 (50,0) | 0,203 |
Reconstituída | 53 (33,1) | 25 (31,3) | 28 (35,0) | |
Outros | 10 (6,3) | 2 (2,5) | 8 (10,0) | |
Mora sozinho | 9 (5,6) | 5 (6,3) | 4 (5,0) |
Analisando-se a relação entre a fissura labiopalatina e a autoestima, houve associação significativa (p = 0,046). O grupo com FLP teve uma proporção significativamente maior de autoestima normal e baixa, como pode ser visto na Figura 1.
Na análise do grupo com FLP mostrada na Tabela 2, quando avaliada a autoestima baixa, as variáveis que permaneceram associadas foram o grupo de indivíduos com FLP do sexo feminino, com ensino fundamental incompleto ou ensino fundamental completo, de classes D/E e com família reconstituída na infância.
Variáveis | Autoestima normal | Autoestima baixa | ||
---|---|---|---|---|
OR ajustado (IC 95%) |
Valor-p | OR ajustado (IC 95%) |
Valor-p | |
Grupo FLP | 2,20 (0,90-5,40) |
0,085 | 3,86 (1,15-12,9) |
0,028 |
Sexo feminino | 1,82 (0,80-4,13) |
0,153 | 3,18 (1,07-9,50) |
0,038 |
Nível de escolaridade | ||||
Fundamental incompleto | 1,70 (0,63-4,55) |
0,293 | 4,74 (1,11-20,2) |
0,035 |
Fundamental completo | 1,01 (0,33-3,13) |
0,989 | 5,29 (1,16-24,1) |
0,032 |
Com repetência escolar | 1,53 (0,56-4,16) |
0,405 | 0,64 (0,18-2,27) |
0,491 |
Classe D/E | 1,35 (0,59-3,08) |
0,483 | 4,44 (1,40-14,1) |
0,012 |
Situação familiar infância | ||||
Nuclear | 1,0 | 1,0 | ||
Reconstituída | 1,63 (0,58-4,56) |
0,353 | 4,19 (1,16-15,1) |
0,029 |
Outra | 0,38 (0,07-1,97) |
0,250 | 1,08 (0,18-6,63) |
0,934 |
A Tabela 3 caracteriza o grupo em estudo. Em relação à classificação da fissura, 64 (80,0%) são fissuras de lábio e palato, 56 (70,0%) são unilaterais e 65 (81,2%) são completas. Dos procedimentos cirúrgicos relacionados à FLP, 47 indivíduos (58,8%) foram operados somente pelo Serviço de Cirurgia Plástica do HCPA, enquanto 14 (17,5%) realizaram todas as cirurgias em outra (s) instituição(ões), mas foram encaminhados e estão em acompanhamento no Ambulatório de Fissura Labiopalatina; dezenove (23,8%) pacientes realizaram procedimentos cirúrgicos em outra(s) instituição(ões) e no Serviço de Cirurgia Plástica.
Variáveis | Amostra total (n = 80) |
---|---|
Classificação da fissura | |
Lábio e palato | 64 (80,0) |
Lábio | 12 (15,0) |
Palato | 4 (5,0) |
Unilateral | 56 (70,0) |
Bilateral | 24 (30,0) |
Completa | 65 (81,2) |
Incompleta | 15 (18,8) |
Cirurgia reparadora | |
Somente cirurgia lábio | 12 (15,0) |
Somente cirurgia palato | 4 (5,0) |
Cirurgia lábio + palato | 64 (80,0) |
Tratamento | |
Somente no HCPA | 47 (58,8) |
Outra(s) instituição(ões) e no HCPA | 33 (41,2) |
Avaliação dos resultados pela equipe assistencial quanto a: | |
Comunicação | |
Bom | 31 (38,8) |
Regular | 19 (23,8) |
Ruim | 30 (37,5) |
Dentição | |
Bom | 36 (45,0) |
Regular | 12 (15,0) |
Ruim | 32 (40,0) |
Lábio | |
Bom | 39 (48,8) |
Regular | 21 (26,3) |
Ruim | 20 (25,0) |
Nariz | |
Bom | 53 (66,3) |
Regular | 13 (16,3) |
Ruim | 14 (17,5) |
Resultado do paciente | |
Satisfeito | 20 (25,0) |
Insatisfeito | 60 (75,0) |
O que quer mudar | |
Comunicação | 21 (26,3) |
Dentes | 35 (43,8) |
Lábio | 31 (38,8) |
Nariz | 17 (21,3) |
De acordo com a equipe assistencial dos pacientes com FLP, a qualidade da comunicação de 31 (38,8%) pacientes é considerada boa e 30 (37,5%) são avaliadas como ruim. Em relação à dentição dos afetados, 36 (45,0%) são avaliadas como boas e 32 (40,0%) ruins. A cicatriz do lábio, ainda segundo a equipe, de 39 (48,8%) indivíduos é considerada boa, enquanto que a estética do nariz é considerada boa em 53 (66,3%) dos afetados.
Dos pacientes com FLP, 60 (75,0%) estão insatisfeitos com um ou mais itens avaliados, sendo que a dentição aparece com os maiores índices de insatisfação - 35 (43,8%) -, seguida pela cicatriz do lábio, que é 31 (38,8%). Queixas em relação à comunicação e à estética do nariz aparecem em menores escores, como mostra a Tabela 3.
A Tabela 4 descreve a associação entre a autoestima baixa e a classificação da fissura (p = 0,026). Os pacientes que fizeram somente cirurgia de lábio (FL) estão associados a uma autoestima mais alta em relação aos demais (p = 0,047). Também se pode observar que houve associação entre as variáveis qualidade da comunicação e dentição em relação à autoestima (p < 0,001 e p = 0,031, respectivamente).
Variáveis | Autoestima alta (n = 15) |
Autoestima normal (n = 47) |
Autoestima baixa (n = 18) |
Valor-p |
---|---|---|---|---|
Classificação da fissura | ||||
Lábio e palato | 10 (66,7) | 39(83,0) | 15 (83,3) | 0,241 |
Lábio | 5 (33,3) | 5 (10,6) | 2 (11,1) | |
Palato | 0 (0,0) | 3 (6,4) | 1 (5,6) | |
Unilateral | 12 (80,0) | 36 (76,6) | 8 (44,4) | 0,026 |
Bilateral | 3 (20,0) | 11 (23,4) | 10 (55,6) | |
Completa | 11 (73,3) | 38 (80,9) | 16 (88,9) | 0,519 |
Incompleta | 4 (26,7) | 9 (19,1) | 2 (11,1) | |
Cirurgia reparadora | ||||
Lábio | 6 (40,0) | 4 (8,5) | 2 (11,1) | 0,047 |
Palato | 0 (0,0) | 3 (6,4) | 1 (5,6) | |
Lábio + Palato | 9 (60,0) | 40 (85,1) | 15 (83,3) | |
Avaliação dos resultados pela equipe assistencial quanto a: | ||||
Comunicação | ||||
Bom | 11 (73,3) | 18 (38,3) | 2 (11,1) | < 0,001 |
Regular | 3 (20,0) | 14 (29,8) | 2 (11,1) | |
Ruim | 1 (6,7) | 15 (31,9) | 14 (77,8) | |
Dentição | ||||
Bom | 11 (73,3) | 18 (38,3) | 7 (38,9) | 0,031 |
Regular | 0 (0,0) | 11 (23,4) | 1 (5,6) | |
Ruim | 4 (26,7) | 18 (38,3) | 10 (55,6) | |
Lábio | ||||
Bom | 12 (80,0) | 22 (46,8) | 5 (27,8) | 0,052 |
Regular | 2 (13,3) | 12 (25,5) | 7 (38,9) | |
Ruim | 1 (6,7) | 13 (27,7) | 6 (33,3) | |
Nariz | ||||
Bom | 13 (86,7) | 31 (66,0) | 9 (50,0) | 0,112 |
Regular | 1 (6,7) | 6 (12,8) | 6 (33,3) | |
Ruim | 1 (6,7) | 10 (21,3) | 3 (16,7) | |
Resultado do paciente | ||||
Satisfeito | 10 (66,7) | 10 (21,3) | 0 (0,0) | < 0,001 |
Insatisfeito | 5 (33,3) | 37 (78,7) | 18 (100) | |
O que quer mudar | ||||
Comunicação | 0 (0,0) | 9 (19,1) | 12 (66,7) | < 0,001 |
Dentes | 3 (20,0) | 21 (44,7) | 11 (61,1) | 0,059 |
Lábio | 1 (6,7) | 19 (40,4) | 11 (61,1) | 0,006 |
Nariz | 2 (13,3) | 10 (21,3) | 5 (27,8) | 0,600 |
Indivíduos que querem melhorar os resultados da comunicação e a cicatriz do lábio apresentam maior probabilidade de autoestima baixa (p < 0,001 e p = 0,006, respectivamente). Todos os afetados com baixa autoestima querem melhorar seus resultados (p < 0,001).
DISCUSSÃO
A percepção do portador de fissura labiopalatina, em relação ao impacto causado pela afecção na sua vida, é reconhecida como importante indicador de saúde. Há um notável consenso no relato dos portadores de FLP quanto às dificuldades enfrentadas e ao conjunto de emoções negativas envolvidas, como ansiedade, medo da avaliação social, baixa autoestima, imagem corporal desfavorável e fobia social7,8.
A autoestima é considerada como um importante indicador de saúde mental9 e um dos fatores que mais interferem nas relações humanas, no progresso escolar e no desenvolvimento psicossocial. A RSES é atualmente o instrumento para avaliação da autoestima mais amplamente utilizado em nível mundial6, sendo amplamente aceita na comunidade científica.
Os resultados desse estudo apontam que pacientes com fissura labiopalatina, quando comparados a indivíduos não afetados, possuem maior proporção a serem solteiros, com baixa escolaridade e apresentam maior incidência de repetência escolar.
Alguns estudos10,11 apontam a interferência da fissura labiopalatina no rendimento escolar dos afetados e, consequentemente, tais indivíduos também apresentam maiores índices de repetência escolar. Os aspectos emocionais das crianças com FLP interferem na aprendizagem nos primeiros anos letivos. Não há indícios que relacionem a deformidade facial ao déficit intelectual; ao contrário, as crianças com fissura labiopalatina têm condições intelectuais idênticas às de crianças consideradas normais para bom desempenho escolar.
A escola é o primeiro contato extrafamiliar de convivência social das crianças, e a estética facial é a primeira análise que se faz de um indivíduo. As crianças com FLP não são poupadas de críticas pelos seus colegas, influenciando negativamente a sua vida acadêmica, social e afetiva. O fracasso escolar também pode estar relacionado a alterações na função auditiva e/ou na comunicação, essenciais para o processo de aprendizagem.
Indo ao encontro desses resultados, percebeu-se que o adulto jovem portador de FLP sente maior dificuldade para um relacionamento interpessoal e afetivo12. Este fato evidencia-se na adolescência, pois é nessa fase que surge maior preocupação com a aparência física. Se o indivíduo não se sente satisfeito com a aparência, ele produz um sentimento de inferioridade e torna-se inseguro.
Na análise da autoestima, observou-se os índices significativos de baixa autoestima em relação ao sexo feminino. Estudos apontam que o gênero feminino expressa maior insatisfação com a aparência e esse sentimento é justificado pois há uma pressão da sociedade para ter uma aparência atraente13,14. Com isso, mulheres com FLP sentem-se inferiorizadas, favorecendo a dificuldade nas interações sociais e afetivas.
Na análise em relação à estrutura familiar, observou-se a associação de baixa autoestima em pacientes com fissura labiopalatina cuja família não estava constituída pelo pai e pela mãe durante a infância. A experiência da separação dos pais ou a não convivência com uma das partes causa danos psicoemocionais em todas as crianças, com diferentes graus de intensidade.
É provável que, para o indivíduo com FLP, vivenciar essa situação tem uma repercussão ainda mais negativa, pois, além de conviver com as dificuldades relacionadas à afecção, a falta da estrutura familiar provoca sentimentos de insegurança. A estrutura familiar na infância, para os pacientes fissurados, representa um ponto significativo, pois os pais assumem importante papel no tratamento.
Já na fase adulta, as fissuras labiais interferem na inserção no meio socioeconômico do afetado15. Os resultados deste estudo demonstram que as classes econômicas mais desfavorecidas (classes D/E) apresentam maior índice de baixa autoestima.
Pode-se afirmar que indivíduos com FLP que vivenciam a exclusão social, juntamente com os problemas já mencionados, terão dificuldades em relação ao sucesso profissional, pois o mercado de trabalho, além de exigir competência técnica e emocional, busca pessoas com capacidade de liderança e facilidade de comunicação.
Na avaliação dos fatores relacionados à afecção, houve associação entre as fissuras de lábio e/ou palato bilaterais com a autoestima baixa. As fissuras bilaterais causam maiores danos estéticos, sendo mais difícil proporcionar resultados satisfatórios aos pacientes. Ainda em relação à classificação da fissura, a maioria dos indivíduos que realizaram cirurgia labial, sem comprometimento do palato, apresenta alta autoestima.
Os pacientes que manifestaram insatisfação em relação à estética do lábio e à fonação apresentam maior probabilidade de autoestima baixa. Todos os pacientes com baixa autoestima querem melhorar os resultados relacionados à estética - do lábio, do nariz ou da dentição - ou, ainda, aspectos funcionais relacionados à comunicação.
Esses resultados estão em conformidade com outras pesquisas relacionadas ao tema, pois toda a problemática do paciente com FLP, relacionada à comunicação, à cicatriz do lábio e à dentição, demonstra que está diretamente relacionada com a autoestima desses indivíduos.
CONCLUSÃO
Os indivíduos com FLP apresentam níveis baixos de autoestima, quando comparados a indivíduos não afetados.
Dentre os pacientes com FLP, o subgrupo dos indivíduos com fissura bilateral, fissura completa, do gênero feminino, classe econômica D/E, baixa escolaridade, situação familiar reconstituída na infância e com resultados não satisfatórios em relação à comunicação, à dentição e à cicatriz de lábio também apresentam índices menores de autoestima.
Os indivíduos com fissura labiopalatina apresentam uma significativa fragilidade psicoemocional que deve ser incluída no seu tratamento. Além da assistência médica, fonoaudiológica, odontológica, de enfermeiros e geneticistas, necessitam de apoio psicológico ao longo do crescimento, desenvolvimento e reabilitação da afecção.
COLABORAÇÕES
AG |
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
SSC |
Análise e/ou interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
MVMC |
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
REFERÊNCIAS
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1. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto
Alegre, RS, Brasil.
2. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Autor correspondente: Alesandra
Glaeser
Rua João Ernesto Schmidt, 251/701
Porto Alegre, RS, Brasil
CEP 91210-125
E-mail: aglaeser@hcpa.edu.br
Artigo submetido: 10/11/2017.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.