INTRODUÇÃO
Desde Hartrampf, em 1982, com a introdução pela primeira vez do retalho de músculo
reto abdominal (TRAM) com ilha de pele transversal, este tem se tornado uma das
técnicas mais populares de reconstrução de mama1.
Atualmente, as opções cirúrgicas disponíveis para reconstrução de mama envolvem uso
de tecido autólogo, isoladamente e em combinação com implante, ou a utilização
de
próteses e/ou expansores apenas. A escolha é baseada individualmente nas
características e preferências dos pacientes, na indicação de terapias adjuvantes
e
na experiência do médico2.
O uso da radioterapia (RT) no tratamento da neoplasia mamária reduz o risco de
recorrência locorregional e proporciona aumento de sobrevida, podendo ser utilizada
em combinação com a cirurgia como tratamento adjuvante pós-operatório3,4.
A radioterapia é uma parte integrante da abordagem multidisciplinar do câncer de
mama. A literatura recente tem destacado o papel significativo da RT em pacientes
de
alto risco e risco intermediário. No entanto, a combinação da RT com reconstrução
em
pacientes pós-mastectomia continua a ser uma questão de controvérsia3,4.
Geralmente, é bem aceito que a radiação influencia negativamente os resultados das
reconstruções de mama que utilizam implantes. No entanto, a longo prazo, os efeitos
da radiação sobre o resultado da reconstrução de mama apenas com tecidos autólogos
ainda não estão claros3.
OBJETIVO
O objetivo do trabalho é avaliar as complicações pós-operatórias de pacientes
submetidas à reconstrução de mama com TRAM (imediato e tardio) e correlacionar
estatisticamente essas complicações com a presença ou não da radioterapia.
MÉTODOS
Foi realizado um levantamento retrospectivo de prontuários de 424 pacientes
submetidas à reconstrução mamária pós-mastectomia para tratamento de câncer de
mama,
das quais 126 pacientes foram submetidas à reconstrução mamária com TRAM imediata
ou
tardia realizadas no período de 2004 a 2011. Foram analisadas a presença ou não
de
RT e as complicações pós-operatórias nas reconstruções imediatas e tardias.
As complicações foram divididas em menores: hematoma, seroma, epidermólise,
deiscência e infecção localizada (que não estão relacionadas com a RT) e maiores:
necrose do retalho completa ou parcial e esteatonecrose localizada (calcificações
da
gordura sem comprometimento da pele medindo até 3 cm ao exame clínico). Foi
considerado nesse trabalho que a RT pode estar relacionada ao aparecimento das
complicações classificadas como maiores. Eventuais complicações na área doadora
não
foram contabilizadas nesse levantamento.
As pacientes foram divididas em 3 grupos: 1) Pacientes submetidas somente à
reconstrução com TRAM imediato ou tardio sem RT (somente TRAM) 2) Pacientes
submetidas à mastectomia com reconstrução mamária imediata seguida de RT (TRAM
→ RT). 3) Pacientes que realizaram mastectomia + RT e posteriormente a
reconstrução mamária tardia. (RT→TRAM). Para cada grupo, foi avaliada a
presença e ausência de complicações menores e maiores.
Todas as reconstruções foram realizadas por uma única cirurgiã plástica, utilizando
sempre a mesma técnica cirúrgica e acompanhadas durante esse período pela mesma.
Em
todas as pacientes utilizou-se dreno a vácuo na mama e abdome. As medicações e
orientações de pós-operatório são todas padronizadas. O fechamento do abdome foi
sempre realizado com tela de Prolene. Foram excluídas as pacientes tabagistas
e as
que realizaram 1ª fase da reconstrução com outra equipe médica.
Os testes estatísticos aplicados foram Qui-quadrado e teste de Games-Howel, sendo
os
resultados considerados significativos quando p < 0,05.
RESULTADOS
Dos 126 prontuários avaliados foram selecionadas 92 pacientes mulheres para o estudo
(após aplicação dos critérios de exclusão) que realizaram reconstrução mamária
pela
técnica do TRAM. Foram analisados três grupos de pacientes: Sem radiação (n =
47);
Com radiação após o TRAM (n = 27); Com radiação antes do TRAM (n = 18). As pacientes
estudadas tinham idade entre 35 e 80 anos, com média de 55,81 anos (dp = 9,162).
O
índice de massa corporal (IMC) ficou entre 23 e 35, com média de 28,16 (dp = 3,387).
Os grupos foram considerados homogêneos quanto à idade (p = 0,123) e IMC (p =
0,775), conforme demonstrado na tabela 1. O
período de seguimento médio das pacientes foi de 20 meses.
Tabela 1 - Estatísticas Descritivas da Idade e do IMC das pacientes.
|
Mínimo |
Máximo |
Média |
Desvio Padrão |
Sig. ANOVA entre os Grupos |
IMC |
23 |
35 |
28,16 |
3,387 |
0,123 |
Idade |
35 |
80 |
55,81 |
9,162 |
0,775 |
Tabela 1 - Estatísticas Descritivas da Idade e do IMC das pacientes.
A técnica cirúrgica utilizada foi o TRAM ipsilateral em 98,9% dos casos. Em uma
paciente foi realizado reconstrução contralateral por se tratar de paciente com
incisão de Kocher do mesmo lado da mastectomia (1,1%). Em três pacientes foi
realizado TRAM livre microcirúrgico.
Para a análise das complicações, estas foram divididas em dois tipos: Complicações
Menores (não relacionadas à RT) e Complicações Maiores (complicações que podem
estar
relacionadas à RT). Foi contabilizada a incidência destes tipos de complicações
com
intuito de observar se a presença da RT e seus efeitos antes e depois da
reconstrução influenciaram na incidência de complicações menores e maiores, como
mostrado na Tabela 2.
Tabela 2 - Quantitativo de pacientes com Reconstrução Bilateral por Grupo.
|
|
Grupo |
Sig. Kruskal Wallis |
|
|
Sem Radiação |
Com Radiação após o TRAM |
Com Radiação antes do TRAM |
|
|
N |
% |
N |
% |
N |
% |
|
Bilateral |
Sim |
6 |
12,8 |
4 |
14,8 |
0 |
0 |
0,250 |
Não |
41 |
87,2 |
23 |
85,2 |
18 |
100 |
|
Total |
47 |
100 |
27 |
100 |
18 |
100 |
|
Tabela 2 - Quantitativo de pacientes com Reconstrução Bilateral por Grupo.
Houve maior incidência de complicações maiores nos grupos com RT após o TRAM (29,6%)
(Figura 1) em relação aos demais grupos:
sem RT (23,4%) (Figura 2) e RT antes do TRAM
(5,6%) (Figura 3). Entretanto, a diferença
entre os grupos não se mostra estatisticamente significativa pelo teste do
Qui-quadrado. Foram feitas comparações múltiplas entre os grupos (teste de
Games-Howel), e também não foi encontrada diferença em nível de significância
de
5%.
Figura 1 - A: Imagem do pré-operatório; B: Imagem do
pós-operatório de reconstrução de mama com TRAM bilateral seguido de
radioterapia em mama esquerda.
Figura 1 - A: Imagem do pré-operatório; B: Imagem do
pós-operatório de reconstrução de mama com TRAM bilateral seguido de
radioterapia em mama esquerda.
Figura 2 - A: Imagem do pré-operatório; B: Imagem do
pós-operatório de reconstrução de mama com TRAM em mama direita;
C: Imagem do pósoperatório após a segunda fase da
reconstrução de mama sem radioterapia.
Figura 2 - A: Imagem do pré-operatório; B: Imagem do
pós-operatório de reconstrução de mama com TRAM em mama direita;
C: Imagem do pósoperatório após a segunda fase da
reconstrução de mama sem radioterapia.
Figura 3 - TRAM tardio. A: Imagem do pré-operatório após realização
de radioterapia; B: Imagem do pós-operatório de
reconstrução de mama com TRAM; C: Imagem do pós-operatório
após a segunda fase da reconstrução.
Figura 3 - TRAM tardio. A: Imagem do pré-operatório após realização
de radioterapia; B: Imagem do pós-operatório de
reconstrução de mama com TRAM; C: Imagem do pós-operatório
após a segunda fase da reconstrução.
Similarmente, para as Complicações Menores também não há evidências de diferenças
estatisticamente significativas entre os grupos, embora tenha sido observada maior
incidência entre as pacientes com radiação antes do TRAM (38,9%), comparados a
pacientes sem radiação (21,3%) e com radiação pós-TRAM (29,6%). As comparações
múltiplas do teste de Games-Howel também não apontaram diferenças entre os grupos.
As figuras 4 e 5 ajudam a ilustrar os resultados.
Figura 4 - Incidência de complicações maiores por grupo.
Figura 4 - Incidência de complicações maiores por grupo.
Figura 5 - Incidência de complicações menores por grupos.
Figura 5 - Incidência de complicações menores por grupos.
DISCUSSÃO
A radioterapia adjuvante melhora o prognóstico de pacientes com câncer de mama
avançado, nos quais o risco de recorrência locorregional é superior a 25-30%2. A Sociedade Americana de Radiologia
Terapêutica e Oncologia e a Sociedade Americana de Oncologia Clínica recomendam
radioterapia pós-mastectomia para pacientes com câncer de mama com doença avançada
(tumores T3 ou T4) ou para as pacientes que foram submetidas a esvaziamento axilar
níveis I, II e/ou III e que apresentaram pelo menos quatro gânglios axilares
positivos.
No entanto, o papel da radiação adjuvante no tratamento de pacientes com tumores T1
ou T2 e 1-3 gânglios axilares positivo é controversa2. A radioterapia adjuvante em pacientes com doença locorregional
geralmente não é recomendada para mulheres que têm tumores menores que 5 cm de
diâmetro e linfonodos axilares negativos4,5.
A obesidade e o tabagismo são os fatores mais importantes observados na literatura
que interferem no resultado final em relação às complicações6. Em nosso estudo, o tabagismo foi fator de exclusão e o IMC
avaliado revelou-se como um dado homogêneo entre os 3 grupos.
De acordo com Jugenburg et al.5, a radioterapia
se administrada antes ou depois da reconstrução de mama tem o potencial de afetar
negativamente a forma, simetria, pigmentação e aumentar a incidência de contraturas
nas mamas reconstruídas. Em nosso trabalho as mamas reconstruídas com TRAM e
irradiadas antes ou após a reconstrução não foram afetadas negativamente pela
radioterapia.
Alguns autores reportaram que a associação entre reconstrução com TRAM e RT,
independentemente da sequência desses procedimentos, produziu uma taxa de
complicações e resultados estéticos semelhantes7. Williams et al.8 demonstraram
que não houve diferença significativa nas taxas de complicações globais entre
os
grupos irradiados, seja antes ou depois de reconstrução (31% vs.
25%, p = 0,749). Em nossa casuística foram identificados resultados
semelhantes. Por outro lado, outros autores relatam maior incidência significativa
de complicações tardias no grupo de reconstrução imediata quando comparado ao
grupo
de reconstrução tardia9,10.
Em 2001, pesquisadores do M. D. Anderson publicaram um estudo retrospectivo
comparando as taxas de complicações em pacientes submetidos à reconstrução imediata
com retalho TRAM antes da RT e reconstrução tardia após RT. A incidência de
complicações precoces não diferiu significativamente entre os dois grupos. No
entanto, a incidência de complicações tardias (esteatonecrose, perda de volume
do
retalho, e contratura do retalho) foi significativamente maior no grupo de
reconstrução imediata (87,5% vs. 8,6%; p <
0,001)3,11.
O presente estudo revela que, apesar das complicações tardias serem mais prevalentes
no grupo de reconstrução imediata, a diferença entre os grupos não se mostra
estatisticamente significativa.
CONCLUSÃO
Nesse estudo a radioterapia adjuvante não se mostrou como fator potencializador de
complicações nas pacientes submetidas à reconstrução imediata com TRAM
pós-mastectomia. Da mesma forma, não houve diferença estatisticamente significante
do aparecimento de complicações menores e maiores nos diferentes grupos
estudados.
COLABORAÇÕES
MCC
|
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito;
concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou
experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu
conteúdo.
|
MSB
|
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito;
redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
JPPCF
|
Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão
crítica de seu conteúdo.
|
DBP
|
Análise estatística; aprovação final do manuscrito.
|
RCJ
|
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
BPE
|
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
DMCC
|
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
REFERÊNCIAS
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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
2. Hospital Daher, Brasília, DF,
Brasil.
Autor correspondente: Marina de Souza
Borgatto
SMHN Quadra 02, Bloco C, Edifício Dr. Crispim, Sala 1315
Brasília, DF, Brasil CEP: 70710-149
E-mail: mborgatto@yahoo.com.br
Artigo submetido: 31/03/2013.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.