ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2018 - Volume33 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0090

RESUMO

Introdução: A radiação influencia negativamente os resultados das reconstruções de mama que utilizam implantes. No entanto, os efeitos da radiação sobre as reconstruções de mama apenas com tecidos autólogos ainda não está clara. O objetivo do trabalho é avaliar as complicações pós-operatórias de pacientes submetidas à reconstrução de mama com retalho do músculo reto abdominal (TRAM) imediato e tardio e correlacionar estatisticamente essas complicações com a presença ou não da radioterapia (RT).
Métodos: Levantamento retrospectivo de prontuários de pacientes submetidas à reconstrução mamária, das quais 126 pacientes realizaram reconstrução mamária com TRAM no período de 2004 a 2011. Foram analisadas a presença ou não de RT e as complicações pós-operatórias nas reconstruções imediatas e tardias. As pacientes foram divididas em 3 grupos: 1) sem RT (somente TRAM), 2) (TRAMRT), 3) (RTTRAM). Para cada grupo foi avaliada a presença e ausência de complicações menores e maiores e aplicados testes estatísticos.
Resultados: Os grupos estudados foram considerados homogêneos quanto a idade e índice de massa corporal. Houve maior incidência de complicações maiores nos grupos com RT após o TRAM (29,6%) em relação aos demais grupos: sem RT (23,4%) e RT antes do TRAM (5,6%). Entretanto, a diferença entre os grupos não se mostra estatisticamente significativa. Para as Complicações Menores, também não há evidências de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.
Conclusão: Nesse estudo a radioterapia adjuvante não se mostrou como fator potencializador de complicações nas pacientes submetidas à reconstrução imediata com TRAM pós-mastectomia.

Palavras-chave: Mama/cirurgia; Câncer de mama; Retalhos cirúrgicos; Radioterapia

ABSTRACT

Introduction: Radiation negatively influences the results of breast reconstruction using implants. However, the effects of radiation on breast reconstruction with autologous tissue is still unclear. The objective of this study was to evaluate the postoperative complications in patients who underwent immediate and late breast reconstruction with a transverse rectus abdominis myocutaneous (TRAM) flap and statistically correlate these complications with the use of radiotherapy (RT).
Methods: A retrospective survey of the medical records of patients who underwent breast reconstruction was conducted. Of the patients, 126 underwent breast reconstruction with a TRAM flap between 2004 and 2011. The presence or absence of RT and postoperative complications in the immediate and late reconstructions was assessed. The patients were divided into 3 groups as follows: 1) without RT (TRAM alone group), 2) TRAMRT group, and 3) RTTRAM group. The patients in each group were evaluated for the presence and absence of minor and major complications, and results were statistically analyzed.
Results: The groups were considered homogenous for age and body mass index. The incidence of major complications was higher in the groups with RT after TRAM (29.6%) than in the other groups, namely the groups without RT (23.4%) and with RT before TRAM flap reconstruction (5.6%). However, the differences among the groups were not statistically significant. No evidence of statistically significant differences in minor complications were found among the groups.
Conclusion: In this study, adjuvant RT was not a potentiating factor of complications in the patients who underwent immediate reconstruction with a TRAM flap after mastectomy.

Keywords: Breast surgery; Breast cancer; Surgical flap; Radiotherapy


INTRODUÇÃO

Desde Hartrampf, em 1982, com a introdução pela primeira vez do retalho de músculo reto abdominal (TRAM) com ilha de pele transversal, este tem se tornado uma das técnicas mais populares de reconstrução de mama1.

Atualmente, as opções cirúrgicas disponíveis para reconstrução de mama envolvem uso de tecido autólogo, isoladamente e em combinação com implante, ou a utilização de próteses e/ou expansores apenas. A escolha é baseada individualmente nas características e preferências dos pacientes, na indicação de terapias adjuvantes e na experiência do médico2.

O uso da radioterapia (RT) no tratamento da neoplasia mamária reduz o risco de recorrência locorregional e proporciona aumento de sobrevida, podendo ser utilizada em combinação com a cirurgia como tratamento adjuvante pós-operatório3,4.

A radioterapia é uma parte integrante da abordagem multidisciplinar do câncer de mama. A literatura recente tem destacado o papel significativo da RT em pacientes de alto risco e risco intermediário. No entanto, a combinação da RT com reconstrução em pacientes pós-mastectomia continua a ser uma questão de controvérsia3,4.

Geralmente, é bem aceito que a radiação influencia negativamente os resultados das reconstruções de mama que utilizam implantes. No entanto, a longo prazo, os efeitos da radiação sobre o resultado da reconstrução de mama apenas com tecidos autólogos ainda não estão claros3.

OBJETIVO

O objetivo do trabalho é avaliar as complicações pós-operatórias de pacientes submetidas à reconstrução de mama com TRAM (imediato e tardio) e correlacionar estatisticamente essas complicações com a presença ou não da radioterapia.

MÉTODOS

Foi realizado um levantamento retrospectivo de prontuários de 424 pacientes submetidas à reconstrução mamária pós-mastectomia para tratamento de câncer de mama, das quais 126 pacientes foram submetidas à reconstrução mamária com TRAM imediata ou tardia realizadas no período de 2004 a 2011. Foram analisadas a presença ou não de RT e as complicações pós-operatórias nas reconstruções imediatas e tardias.

As complicações foram divididas em menores: hematoma, seroma, epidermólise, deiscência e infecção localizada (que não estão relacionadas com a RT) e maiores: necrose do retalho completa ou parcial e esteatonecrose localizada (calcificações da gordura sem comprometimento da pele medindo até 3 cm ao exame clínico). Foi considerado nesse trabalho que a RT pode estar relacionada ao aparecimento das complicações classificadas como maiores. Eventuais complicações na área doadora não foram contabilizadas nesse levantamento.

As pacientes foram divididas em 3 grupos: 1) Pacientes submetidas somente à reconstrução com TRAM imediato ou tardio sem RT (somente TRAM) 2) Pacientes submetidas à mastectomia com reconstrução mamária imediata seguida de RT (TRAM → RT). 3) Pacientes que realizaram mastectomia + RT e posteriormente a reconstrução mamária tardia. (RT→TRAM). Para cada grupo, foi avaliada a presença e ausência de complicações menores e maiores.

Todas as reconstruções foram realizadas por uma única cirurgiã plástica, utilizando sempre a mesma técnica cirúrgica e acompanhadas durante esse período pela mesma. Em todas as pacientes utilizou-se dreno a vácuo na mama e abdome. As medicações e orientações de pós-operatório são todas padronizadas. O fechamento do abdome foi sempre realizado com tela de Prolene. Foram excluídas as pacientes tabagistas e as que realizaram 1ª fase da reconstrução com outra equipe médica.

Os testes estatísticos aplicados foram Qui-quadrado e teste de Games-Howel, sendo os resultados considerados significativos quando p < 0,05.

RESULTADOS

Dos 126 prontuários avaliados foram selecionadas 92 pacientes mulheres para o estudo (após aplicação dos critérios de exclusão) que realizaram reconstrução mamária pela técnica do TRAM. Foram analisados três grupos de pacientes: Sem radiação (n = 47); Com radiação após o TRAM (n = 27); Com radiação antes do TRAM (n = 18). As pacientes estudadas tinham idade entre 35 e 80 anos, com média de 55,81 anos (dp = 9,162). O índice de massa corporal (IMC) ficou entre 23 e 35, com média de 28,16 (dp = 3,387). Os grupos foram considerados homogêneos quanto à idade (p = 0,123) e IMC (p = 0,775), conforme demonstrado na tabela 1. O período de seguimento médio das pacientes foi de 20 meses.

Tabela 1 - Estatísticas Descritivas da Idade e do IMC das pacientes.
  Mínimo Máximo Média Desvio Padrão Sig. ANOVA entre os Grupos
IMC 23 35 28,16 3,387 0,123
Idade 35 80 55,81 9,162 0,775

IMC: Índice de Massa Corporal; ANOVA: Análise de Variância.

Tabela 1 - Estatísticas Descritivas da Idade e do IMC das pacientes.

A técnica cirúrgica utilizada foi o TRAM ipsilateral em 98,9% dos casos. Em uma paciente foi realizado reconstrução contralateral por se tratar de paciente com incisão de Kocher do mesmo lado da mastectomia (1,1%). Em três pacientes foi realizado TRAM livre microcirúrgico.

Para a análise das complicações, estas foram divididas em dois tipos: Complicações Menores (não relacionadas à RT) e Complicações Maiores (complicações que podem estar relacionadas à RT). Foi contabilizada a incidência destes tipos de complicações com intuito de observar se a presença da RT e seus efeitos antes e depois da reconstrução influenciaram na incidência de complicações menores e maiores, como mostrado na Tabela 2.

Tabela 2 - Quantitativo de pacientes com Reconstrução Bilateral por Grupo.
    Grupo Sig. Kruskal Wallis
    Sem Radiação Com Radiação após o TRAM Com Radiação antes do TRAM
    N % N % N %  
Bilateral Sim 6 12,8 4 14,8 0 0 0,250
Não 41 87,2 23 85,2 18 100  
Total 47 100 27 100 18 100  

TRAM: Retalho do Músculo Reto Abdominal.

Tabela 2 - Quantitativo de pacientes com Reconstrução Bilateral por Grupo.

Houve maior incidência de complicações maiores nos grupos com RT após o TRAM (29,6%) (Figura 1) em relação aos demais grupos: sem RT (23,4%) (Figura 2) e RT antes do TRAM (5,6%) (Figura 3). Entretanto, a diferença entre os grupos não se mostra estatisticamente significativa pelo teste do Qui-quadrado. Foram feitas comparações múltiplas entre os grupos (teste de Games-Howel), e também não foi encontrada diferença em nível de significância de 5%.

Figura 1 - A: Imagem do pré-operatório; B: Imagem do pós-operatório de reconstrução de mama com TRAM bilateral seguido de radioterapia em mama esquerda.

Figura 2 - A: Imagem do pré-operatório; B: Imagem do pós-operatório de reconstrução de mama com TRAM em mama direita; C: Imagem do pósoperatório após a segunda fase da reconstrução de mama sem radioterapia.

Figura 3 - TRAM tardio. A: Imagem do pré-operatório após realização de radioterapia; B: Imagem do pós-operatório de reconstrução de mama com TRAM; C: Imagem do pós-operatório após a segunda fase da reconstrução.

Similarmente, para as Complicações Menores também não há evidências de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, embora tenha sido observada maior incidência entre as pacientes com radiação antes do TRAM (38,9%), comparados a pacientes sem radiação (21,3%) e com radiação pós-TRAM (29,6%). As comparações múltiplas do teste de Games-Howel também não apontaram diferenças entre os grupos. As figuras 4 e 5 ajudam a ilustrar os resultados.

Figura 4 - Incidência de complicações maiores por grupo.

Figura 5 - Incidência de complicações menores por grupos.

DISCUSSÃO

A radioterapia adjuvante melhora o prognóstico de pacientes com câncer de mama avançado, nos quais o risco de recorrência locorregional é superior a 25-30%2. A Sociedade Americana de Radiologia Terapêutica e Oncologia e a Sociedade Americana de Oncologia Clínica recomendam radioterapia pós-mastectomia para pacientes com câncer de mama com doença avançada (tumores T3 ou T4) ou para as pacientes que foram submetidas a esvaziamento axilar níveis I, II e/ou III e que apresentaram pelo menos quatro gânglios axilares positivos.

No entanto, o papel da radiação adjuvante no tratamento de pacientes com tumores T1 ou T2 e 1-3 gânglios axilares positivo é controversa2. A radioterapia adjuvante em pacientes com doença locorregional geralmente não é recomendada para mulheres que têm tumores menores que 5 cm de diâmetro e linfonodos axilares negativos4,5.

A obesidade e o tabagismo são os fatores mais importantes observados na literatura que interferem no resultado final em relação às complicações6. Em nosso estudo, o tabagismo foi fator de exclusão e o IMC avaliado revelou-se como um dado homogêneo entre os 3 grupos.

De acordo com Jugenburg et al.5, a radioterapia se administrada antes ou depois da reconstrução de mama tem o potencial de afetar negativamente a forma, simetria, pigmentação e aumentar a incidência de contraturas nas mamas reconstruídas. Em nosso trabalho as mamas reconstruídas com TRAM e irradiadas antes ou após a reconstrução não foram afetadas negativamente pela radioterapia.

Alguns autores reportaram que a associação entre reconstrução com TRAM e RT, independentemente da sequência desses procedimentos, produziu uma taxa de complicações e resultados estéticos semelhantes7. Williams et al.8 demonstraram que não houve diferença significativa nas taxas de complicações globais entre os grupos irradiados, seja antes ou depois de reconstrução (31% vs. 25%, p = 0,749). Em nossa casuística foram identificados resultados semelhantes. Por outro lado, outros autores relatam maior incidência significativa de complicações tardias no grupo de reconstrução imediata quando comparado ao grupo de reconstrução tardia9,10.

Em 2001, pesquisadores do M. D. Anderson publicaram um estudo retrospectivo comparando as taxas de complicações em pacientes submetidos à reconstrução imediata com retalho TRAM antes da RT e reconstrução tardia após RT. A incidência de complicações precoces não diferiu significativamente entre os dois grupos. No entanto, a incidência de complicações tardias (esteatonecrose, perda de volume do retalho, e contratura do retalho) foi significativamente maior no grupo de reconstrução imediata (87,5% vs. 8,6%; p < 0,001)3,11.

O presente estudo revela que, apesar das complicações tardias serem mais prevalentes no grupo de reconstrução imediata, a diferença entre os grupos não se mostra estatisticamente significativa.

CONCLUSÃO

Nesse estudo a radioterapia adjuvante não se mostrou como fator potencializador de complicações nas pacientes submetidas à reconstrução imediata com TRAM pós-mastectomia. Da mesma forma, não houve diferença estatisticamente significante do aparecimento de complicações menores e maiores nos diferentes grupos estudados.

COLABORAÇÕES

MCC

Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

MSB

Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

JPPCF

Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

DBP

Análise estatística; aprovação final do manuscrito.

RCJ

Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

BPE

Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

DMCC

Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

REFERÊNCIAS

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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil.
2. Hospital Daher, Brasília, DF, Brasil.

Instituição: Hospital Daher, Brasília, DF, Brasil.

Autor correspondente: Marina de Souza Borgatto
SMHN Quadra 02, Bloco C, Edifício Dr. Crispim, Sala 1315
Brasília, DF, Brasil CEP: 70710-149
E-mail: mborgatto@yahoo.com.br

Artigo submetido: 31/03/2013.
Artigo aceito: 17/05/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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