Original Article - Year2018 - Volume33 - Issue 2
Avaliação da influência da radioterapia nas reconstruções de mama com TRAM
Evaluation of the effects of radiotherapy on breast reconstruction with a transverse rectus abdominis myocutaneous flap
RESUMO
Introdução: A radiação influencia negativamente os resultados das reconstruções de mama
que utilizam implantes. No entanto, os efeitos da radiação sobre as
reconstruções de mama apenas com tecidos autólogos ainda não está clara. O
objetivo do trabalho é avaliar as complicações pós-operatórias de pacientes
submetidas à reconstrução de mama com retalho do músculo reto abdominal
(TRAM) imediato e tardio e correlacionar estatisticamente essas complicações
com a presença ou não da radioterapia (RT).
Métodos: Levantamento retrospectivo de prontuários de pacientes submetidas à
reconstrução mamária, das quais 126 pacientes realizaram reconstrução
mamária com TRAM no período de 2004 a 2011. Foram analisadas a presença ou
não de RT e as complicações pós-operatórias nas reconstruções imediatas e
tardias. As pacientes foram divididas em 3 grupos: 1) sem RT (somente TRAM),
2) (TRAMRT), 3) (RTTRAM). Para cada grupo foi avaliada a
presença e ausência de complicações menores e maiores e aplicados testes
estatísticos.
Resultados: Os grupos estudados foram considerados homogêneos quanto a idade e índice de
massa corporal. Houve maior incidência de complicações maiores nos grupos
com RT após o TRAM (29,6%) em relação aos demais grupos: sem RT (23,4%) e RT
antes do TRAM (5,6%). Entretanto, a diferença entre os grupos não se mostra
estatisticamente significativa. Para as Complicações Menores, também não há
evidências de diferenças estatisticamente significativas entre os
grupos.
Conclusão: Nesse estudo a radioterapia adjuvante não se mostrou como fator
potencializador de complicações nas pacientes submetidas à reconstrução
imediata com TRAM pós-mastectomia.
Palavras-chave: Mama/cirurgia; Câncer de mama; Retalhos cirúrgicos; Radioterapia
ABSTRACT
Introduction: Radiation negatively influences the results of breast reconstruction using
implants. However, the effects of radiation on breast reconstruction with
autologous tissue is still unclear. The objective of this study was to
evaluate the postoperative complications in patients who underwent immediate
and late breast reconstruction with a transverse rectus abdominis
myocutaneous (TRAM) flap and statistically correlate these complications
with the use of radiotherapy (RT).
Methods: A retrospective survey of the medical records of patients who underwent
breast reconstruction was conducted. Of the patients, 126 underwent breast
reconstruction with a TRAM flap between 2004 and 2011. The presence or
absence of RT and postoperative complications in the immediate and late
reconstructions was assessed. The patients were divided into 3 groups as
follows: 1) without RT (TRAM alone group), 2) TRAMRT group, and 3)
RTTRAM group. The patients in each group were evaluated for the
presence and absence of minor and major complications, and results were
statistically analyzed.
Results: The groups were considered homogenous for age and body mass index. The
incidence of major complications was higher in the groups with RT after TRAM
(29.6%) than in the other groups, namely the groups without RT (23.4%) and
with RT before TRAM flap reconstruction (5.6%). However, the differences
among the groups were not statistically significant. No evidence of
statistically significant differences in minor complications were found
among the groups.
Conclusion: In this study, adjuvant RT was not a potentiating factor of complications in
the patients who underwent immediate reconstruction with a TRAM flap after
mastectomy.
Keywords: Breast surgery; Breast cancer; Surgical flap; Radiotherapy
INTRODUÇÃO
Desde Hartrampf, em 1982, com a introdução pela primeira vez do retalho de músculo reto abdominal (TRAM) com ilha de pele transversal, este tem se tornado uma das técnicas mais populares de reconstrução de mama1.
Atualmente, as opções cirúrgicas disponíveis para reconstrução de mama envolvem uso de tecido autólogo, isoladamente e em combinação com implante, ou a utilização de próteses e/ou expansores apenas. A escolha é baseada individualmente nas características e preferências dos pacientes, na indicação de terapias adjuvantes e na experiência do médico2.
O uso da radioterapia (RT) no tratamento da neoplasia mamária reduz o risco de recorrência locorregional e proporciona aumento de sobrevida, podendo ser utilizada em combinação com a cirurgia como tratamento adjuvante pós-operatório3,4.
A radioterapia é uma parte integrante da abordagem multidisciplinar do câncer de mama. A literatura recente tem destacado o papel significativo da RT em pacientes de alto risco e risco intermediário. No entanto, a combinação da RT com reconstrução em pacientes pós-mastectomia continua a ser uma questão de controvérsia3,4.
Geralmente, é bem aceito que a radiação influencia negativamente os resultados das reconstruções de mama que utilizam implantes. No entanto, a longo prazo, os efeitos da radiação sobre o resultado da reconstrução de mama apenas com tecidos autólogos ainda não estão claros3.
OBJETIVO
O objetivo do trabalho é avaliar as complicações pós-operatórias de pacientes submetidas à reconstrução de mama com TRAM (imediato e tardio) e correlacionar estatisticamente essas complicações com a presença ou não da radioterapia.
MÉTODOS
Foi realizado um levantamento retrospectivo de prontuários de 424 pacientes submetidas à reconstrução mamária pós-mastectomia para tratamento de câncer de mama, das quais 126 pacientes foram submetidas à reconstrução mamária com TRAM imediata ou tardia realizadas no período de 2004 a 2011. Foram analisadas a presença ou não de RT e as complicações pós-operatórias nas reconstruções imediatas e tardias.
As complicações foram divididas em menores: hematoma, seroma, epidermólise, deiscência e infecção localizada (que não estão relacionadas com a RT) e maiores: necrose do retalho completa ou parcial e esteatonecrose localizada (calcificações da gordura sem comprometimento da pele medindo até 3 cm ao exame clínico). Foi considerado nesse trabalho que a RT pode estar relacionada ao aparecimento das complicações classificadas como maiores. Eventuais complicações na área doadora não foram contabilizadas nesse levantamento.
As pacientes foram divididas em 3 grupos: 1) Pacientes submetidas somente à reconstrução com TRAM imediato ou tardio sem RT (somente TRAM) 2) Pacientes submetidas à mastectomia com reconstrução mamária imediata seguida de RT (TRAM → RT). 3) Pacientes que realizaram mastectomia + RT e posteriormente a reconstrução mamária tardia. (RT→TRAM). Para cada grupo, foi avaliada a presença e ausência de complicações menores e maiores.
Todas as reconstruções foram realizadas por uma única cirurgiã plástica, utilizando sempre a mesma técnica cirúrgica e acompanhadas durante esse período pela mesma. Em todas as pacientes utilizou-se dreno a vácuo na mama e abdome. As medicações e orientações de pós-operatório são todas padronizadas. O fechamento do abdome foi sempre realizado com tela de Prolene. Foram excluídas as pacientes tabagistas e as que realizaram 1ª fase da reconstrução com outra equipe médica.
Os testes estatísticos aplicados foram Qui-quadrado e teste de Games-Howel, sendo os resultados considerados significativos quando p < 0,05.
RESULTADOS
Dos 126 prontuários avaliados foram selecionadas 92 pacientes mulheres para o estudo (após aplicação dos critérios de exclusão) que realizaram reconstrução mamária pela técnica do TRAM. Foram analisados três grupos de pacientes: Sem radiação (n = 47); Com radiação após o TRAM (n = 27); Com radiação antes do TRAM (n = 18). As pacientes estudadas tinham idade entre 35 e 80 anos, com média de 55,81 anos (dp = 9,162). O índice de massa corporal (IMC) ficou entre 23 e 35, com média de 28,16 (dp = 3,387). Os grupos foram considerados homogêneos quanto à idade (p = 0,123) e IMC (p = 0,775), conforme demonstrado na tabela 1. O período de seguimento médio das pacientes foi de 20 meses.
A técnica cirúrgica utilizada foi o TRAM ipsilateral em 98,9% dos casos. Em uma paciente foi realizado reconstrução contralateral por se tratar de paciente com incisão de Kocher do mesmo lado da mastectomia (1,1%). Em três pacientes foi realizado TRAM livre microcirúrgico.
Para a análise das complicações, estas foram divididas em dois tipos: Complicações Menores (não relacionadas à RT) e Complicações Maiores (complicações que podem estar relacionadas à RT). Foi contabilizada a incidência destes tipos de complicações com intuito de observar se a presença da RT e seus efeitos antes e depois da reconstrução influenciaram na incidência de complicações menores e maiores, como mostrado na Tabela 2.
Houve maior incidência de complicações maiores nos grupos com RT após o TRAM (29,6%) (Figura 1) em relação aos demais grupos: sem RT (23,4%) (Figura 2) e RT antes do TRAM (5,6%) (Figura 3). Entretanto, a diferença entre os grupos não se mostra estatisticamente significativa pelo teste do Qui-quadrado. Foram feitas comparações múltiplas entre os grupos (teste de Games-Howel), e também não foi encontrada diferença em nível de significância de 5%.
Similarmente, para as Complicações Menores também não há evidências de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, embora tenha sido observada maior incidência entre as pacientes com radiação antes do TRAM (38,9%), comparados a pacientes sem radiação (21,3%) e com radiação pós-TRAM (29,6%). As comparações múltiplas do teste de Games-Howel também não apontaram diferenças entre os grupos. As figuras 4 e 5 ajudam a ilustrar os resultados.
DISCUSSÃO
A radioterapia adjuvante melhora o prognóstico de pacientes com câncer de mama avançado, nos quais o risco de recorrência locorregional é superior a 25-30%2. A Sociedade Americana de Radiologia Terapêutica e Oncologia e a Sociedade Americana de Oncologia Clínica recomendam radioterapia pós-mastectomia para pacientes com câncer de mama com doença avançada (tumores T3 ou T4) ou para as pacientes que foram submetidas a esvaziamento axilar níveis I, II e/ou III e que apresentaram pelo menos quatro gânglios axilares positivos.
No entanto, o papel da radiação adjuvante no tratamento de pacientes com tumores T1 ou T2 e 1-3 gânglios axilares positivo é controversa2. A radioterapia adjuvante em pacientes com doença locorregional geralmente não é recomendada para mulheres que têm tumores menores que 5 cm de diâmetro e linfonodos axilares negativos4,5.
A obesidade e o tabagismo são os fatores mais importantes observados na literatura que interferem no resultado final em relação às complicações6. Em nosso estudo, o tabagismo foi fator de exclusão e o IMC avaliado revelou-se como um dado homogêneo entre os 3 grupos.
De acordo com Jugenburg et al.5, a radioterapia se administrada antes ou depois da reconstrução de mama tem o potencial de afetar negativamente a forma, simetria, pigmentação e aumentar a incidência de contraturas nas mamas reconstruídas. Em nosso trabalho as mamas reconstruídas com TRAM e irradiadas antes ou após a reconstrução não foram afetadas negativamente pela radioterapia.
Alguns autores reportaram que a associação entre reconstrução com TRAM e RT, independentemente da sequência desses procedimentos, produziu uma taxa de complicações e resultados estéticos semelhantes7. Williams et al.8 demonstraram que não houve diferença significativa nas taxas de complicações globais entre os grupos irradiados, seja antes ou depois de reconstrução (31% vs. 25%, p = 0,749). Em nossa casuística foram identificados resultados semelhantes. Por outro lado, outros autores relatam maior incidência significativa de complicações tardias no grupo de reconstrução imediata quando comparado ao grupo de reconstrução tardia9,10.
Em 2001, pesquisadores do M. D. Anderson publicaram um estudo retrospectivo comparando as taxas de complicações em pacientes submetidos à reconstrução imediata com retalho TRAM antes da RT e reconstrução tardia após RT. A incidência de complicações precoces não diferiu significativamente entre os dois grupos. No entanto, a incidência de complicações tardias (esteatonecrose, perda de volume do retalho, e contratura do retalho) foi significativamente maior no grupo de reconstrução imediata (87,5% vs. 8,6%; p < 0,001)3,11.
O presente estudo revela que, apesar das complicações tardias serem mais prevalentes no grupo de reconstrução imediata, a diferença entre os grupos não se mostra estatisticamente significativa.
CONCLUSÃO
Nesse estudo a radioterapia adjuvante não se mostrou como fator potencializador de complicações nas pacientes submetidas à reconstrução imediata com TRAM pós-mastectomia. Da mesma forma, não houve diferença estatisticamente significante do aparecimento de complicações menores e maiores nos diferentes grupos estudados.
COLABORAÇÕES
MCC |
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
MSB |
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
JPPCF |
Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
DBP |
Análise estatística; aprovação final do manuscrito. |
RCJ |
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
BPE |
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
DMCC |
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo. |
REFERÊNCIAS
1. Kim EK, Eom JS, Ahn SH, Son BH, Lee TJ. Evolution of the pedicled TRAM flap: a prospective study of 500 consecutive cases by a single surgeon in Asian patients. Ann Plast Surg. 2009;63(4):378-82.
2. Leonardi MC, Garusi C, Santoro L, Dell'Acqua V, Rossetto F, Didier F, et al. Impact of medical discipline and observer gender on cosmetic outcome evaluation in breast reconstruction using transverse rectus abdominis myocutaneous (TRAM) flap and radiotherapy. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2010;63(12):2091-7.
3. Kronowitz SJ, Robb GL. Radiation therapy and breast reconstruction: a critical review of the literature. Plast Reconstr Surg. 2009;124(2):395-408.
4. Recht A, Edge SB, Solin LJ, Robinson DS, Estabrook A, Fine RE, et al. Postmastectomy radiotherapy: clinical practice guidelines of the American Society of Clinical Oncology. J Clin Oncol. 2001;19(5):1539-69.
5. Jugenburg M, Disa JJ, Pusic AL, Cordeiro PG. Impact of radiotherapy on breast reconstruction. Clin Plast Surg. 2007;34(1):29-37.
6. Mélega JM, Baroudi R. Radioterapia mamária. In: Mélega JM. Cirurgia Plástica, Fundamentos e Arte. Rio de Janeiro: Medsi; 2003. p. 92-5.
7. Soong IS, Yau TK, Ho CM, Lim BH, Leung S, Yeung RM, et al. Post-mastectomy radiotherapy after immediate autologous breast reconstruction in primary treatment of breast cancers. Clin Oncol (R Coll Radiol). 2004;16(4):283-9.
8. Williams JK, Bostwick J 3rd, Bried JT, Mackay G, Landry J, Benton J. TRAM flap breast reconstruction after radiation treatment. Ann Surg. 1995;221(6):756-64.
9. Alderman AK, Wilkins EG, Kim HM, Lowery JC. Complications in postmastectomy breast reconstruction: two-year results of the Michigan Breast Reconstruction Outcome Study. Plast Reconstr Surg. 2002;109(7):2265-74.
10. Spear SL, Ducic I, Low M, Cuoco F. The effect of radiation on pedicled TRAM flap breast reconstruction: outcomes and implications. Plast Reconstr Surg. 2005;115(1):84-95.
11. Tran NV, Chang DW, Gupta A, Kroll SS, Robb GL. Comparison of immediate and delayed free TRAM flap breast reconstruction in patients receiving postmastectomy radiation therapy. Plast Reconstr Surg. 2001;108(1):78-82.
1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
2. Hospital Daher, Brasília, DF,
Brasil.
Autor correspondente: Marina de Souza
Borgatto
SMHN Quadra 02, Bloco C, Edifício Dr. Crispim, Sala 1315
Brasília, DF, Brasil CEP: 70710-149
E-mail: mborgatto@yahoo.com.br
Artigo submetido: 31/03/2013.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.