ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Lipoaspiração no tratamento do contorno corporal na síndrome de Kobberling-Dunnigan
Liposuction in body-shaping treatment for Kobberling-Dunnigan syndrome
Case Reports -
Year2011 -
Volume26 -
Issue
3
André Ratto Colombo1; Bruna Ferrante Silva2; Luiz Humberto Toyoso Chaem3; Adriano Peduti Batista1; Cynthia Ottaiano Rodrigues Almeida1; Flávio Malaquias Amâncio4
RESUMO
Introdução: A síndrome de Kobberling-Dunnigan caracteriza-se por um conjunto de alterações metabólicas e de distribuição da gordura corporal. O dismorfismo corporal e o aspecto cushingoide trazem repercussões psicológicas e sociais, com dificuldade de ajuste social. Nesses casos, a lipoaspiração é empregada com o objetivo de melhorar o contorno corporal e, consecutivamente, as alterações de autoestima. Os resultados apresentam-se duradouros quando há manutenção do peso. Relato do caso: Paciente do sexo feminino, portadora de síndrome de Kobberling-Dunnigan, submetida a lipoaspiração de dorso, abdome e região cervical, com melhora significativa do contorno corporal e manutenção dos resultados nove meses após a operação.
Palavras-chave:
Lipodistrofia. Lipectomia. Síndrome. Lamina Tipo A/genética.
ABSTRACT
Introduction: Kobberling-Dunnigan syndrome is characterized by a series of alterations in metabolism and body fat distribution. Body dysmorphism and the Cushingoid appearance may have negative social and psychological impacts on the patient, including difficulty with social adaptation. In such cases, liposuction is used with the aim of improving body contour, with consequent improvements in self-esteem. The results are long lasting when body weight is maintained. Case report: Liposuction of the back, abdomen, and cervical regions in a woman with Kobberling-Dunnigan syndrome led to significant improvement in her body shape, and the results were maintained nine months postoperatively.
Keywords:
Lipodystrophy. Lipectomy. Syndrome. Lamin type A/genetics.
INTRODUÇÃO
A síndrome de Kobberling-Dunnigan é uma lipodistrofia congênita parcial, de caráter dominante, decorrente de mutação do gene das lâminas nucleares A/C, associada a resistência à insulina. São descritas duas formas de manifestação fenotípica1: tipo 1, em que há perda da gordura subcutânea confinada a pernas, rosto e tronco, além de hipertrofia muscular, e a genitália é normal; e tipo 2, em que há acúmulo de gordura em toda a extensão do tronco1-3.
A prevalência estimada da síndrome de Kobberling-Dunnigan é de 1:15.000.000. É observada apenas no sexo feminino, segundo estudos genotípicos em cinco famílias acometidas (duas escocesas e três alemãs)1. Sugere-se que seja uma herança dominante ligada ao X, letal na forma homozigótica (XY)1,4. Na apresentação do tipo 2, há perda da gordura das extremidades e acúmulo na face, nas nádegas, no abdome, no tórax e nas regiões inguinal e axilar ainda na puberdade, conferindo à paciente aspecto cushingoide. Há, ainda, acúmulo de gordura em vísceras e músculos. A vulva não é acometida, aparentando hipertrofia de grandes lábios1-3.
A resistência insulínica surge antes mesmo dos sinais clínicos. Há mutação genética das lâminas nucleares A/C, com escassez de tecido adiposo na periferia, que condiciona resistência periférica à insulina por deficiência na remoção de ácidos graxos plasmáticos1. Observa-se diminuição do consumo de glicose na periferia, hiperinsulinemia, hipoleptinemia e diminuição da adiponectina1,2,4,5. Ocorre também dislipidemia do tipo IV associada, em que o colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) está reduzido, com hipertrigliceridemia grave, que pode culminar com o aparecimento de xantomas e pancreatite aguda2. Tardiamente, há degeneração hepática e acantose nigricans1,4. Em alguns casos, ocorre o desenvolvimento de hirsutismo, alterações menstruais e ovários policísticos, sem incapacidade reprodutora. Maior incidência de hipertensão arterial e doença coronária aguda é observada4.
O prognóstico dessa síndrome está relacionado a complicações metabólicas (diabetes melito, dislipidemia) e cardíacas. O dismorfismo corporal presente nessa síndrome traz transtornos psicológicos graves a esses pacientes, com o desenvolvimento de depressão e repulsa ao convívio social4. A lipoaspiração pode ser utilizada para melhorar o contorno corporal, minimizando o estigma dessa síndrome.
O presente trabalho descreve um caso de lipoaspiração no tratamento do dismorfismo corporal em paciente com síndrome de Kobberling-Dunnigan tipo 2, com melhora do quadro e manutenção dos resultados em pós-operatório tardio.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 26 anos de idade, encaminhada pelo Serviço de Endocrinologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil, como portadora de síndrome de Cushing. Apresentava fácies de lua cheia desde os 12 anos de idade, com acentuação aos 18 anos, e era portadora de tireoidite de Hashimoto desde os 8 anos de idade e de hiperparatireoidismo primário diagnosticado aos 22 anos, tratado cirurgicamente após duas crises de cólica renal por hipercalciúria. Apresentava diabetes insulino-dependente há três anos, urticária crônica e dislipidemia grave. Encontrava-se em tratamento para depressão há quatro anos, com o uso de tegretol. Menarca aos 12 anos, com ciclos menstruais regulares, em uso de anticoncepcional há dois anos.
Ao exame físico, a paciente apresentava 46,6 kg, 1,54 m e índice de massa corporal (IMC) de 19,6, proptose bilateral, lagoftalmo, fácie cushingoide, preenchimento de fossa supraclavicular, discreta gibosidade dorsal, pele ressecada e atrófica, sem estrias violáceas. Apresentava, ainda, lipodistrofia centrípeta em face, abdome e flancos, além de hipertrofia de grandes lábios (Figuras 1 a 3).
Figura 1 - Região dorsal: pré-operatório.
Figura 2 - Região abdominal: pré-operatório.
Figura 3 - Região cervical: pré-operatório.
Foi proposta lipoaspiração para tratamento da lipodistrofia corporal, sob anestesia geral, pela técnica não-convencional, em decorrência da existência de acúmulo de gordura visceral, o que dificultou o estabelecimento da espessura da parede abdominal, mesmo após realização de tomografia computadorizada pré-operatória.
A lipoaspiração foi iniciada na camada areolar, progredindo para a lamelar à medida que a redundância de pele permitia melhor pinça, com boa segurança quanto à posição da aponeurose da parede abdominal. Realizou-se a infiltração de 2.000 ml de solução salina com vasoconstritor (1:500.000). Foram lipoaspirados 3.000 ml em topografias de abdome, dorso, região cervical e grandes lábios.
A paciente recebeu alta hospitalar no primeiro dia pós-operatório, com colete compressivo, e encaminhada para a realização de drenagem linfática manual após a primeira semana.
Houve melhora do contorno corporal, com manutenção do peso e resultados pós-operatórios após nove meses de pós-operatório (Figuras 4 a 6).
Figura 4 - Região dorsal: pós-operatório.
Figura 5 - Região abdominal: pós-operatório.
Figura 6 - Região cervical: pós-operatório.
DISCUSSÃO
As lipodistrofias congênitas são passíveis de causar alterações psicológicas graves, além de morbidez aumentada. Na síndrome de Kobberling-Dunnigan tipo 2, as alterações se iniciam na puberdade, levando as pacientes a se sentirem menos atrativas e femininas4. Avaliações periódicas são necessárias para equilíbrio metabólico.
Nesse contexto, a lipoaspiração é um importante artifício na regularização do contorno corporal das pacientes e na recuperação da autoestima1,4. O controle pós-operatório do peso e dietético, além de evitar o retorno da lipodistrofia, evita o agravamento da resistência periférica à insulina.
CONCLUSÃO
A lipoaspiração pode ser associada ao tratamento da lipodistrofia encontrada na síndrome de Kobberling-Dunnigan, com sucesso. Resultados duradouros dependem da manutenção do peso, com auxílio de dieta adequada e avaliações endocrinológicas frequentes.
REFERÊNCIAS
1. Köbberling J, Dunnigan MG. Familial partial lipodystrophy: two types of an X linked dominant syndrome, lethal in the hemizygous state. J Med Genet. 1986;23(2):120-7.
2. Monteiro MP. Causas genéticas. In: GEIR - Grupo de Estudo de Insulino Resistência da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Manual sobre insulino-resistência. 2ª ed. Lisboa: GEIR; 2006. p.39-40.
3. Köbberling J, Tillil H. Empirical risk figures for first degree relatives of non-insulin dependent diabetics. In: Köbberling J, Tattersall R, eds. The genetics of diabetes mellitus. London: Academic Press; 1982. p.201-9.
4. Jackson SN, Howlett TA, McNally PG, O'Rahilly S, Trembath RC. Dunnigan-Kobberling syndrome: an autosomal dominant form of parcial lipodystrophy. QJM. 1997;90(1):27-36.
5. Toledo LS, Giovannetti M. Lipoaspiração e lipoenxertia nas deformidades do abdômen, dorso e flancos. In: Mélega JM, ed. Cirurgia plástica - fundamentos e arte. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p.629-38.
1. Cirurgião plástico, membro especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Uberaba, MG, Brasil.
2. Residente do Serviço de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.
3. Orientador e chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Uberaba, MG, Brasil.
4. Residente do Serviço de Cirurgia Geral da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.
Correspondência para:
André Ratto Colombo
Av. Leopoldino de Oliveira, 2371 - apto 602
Uberaba, MG, Brasil - CEP 38015-000
E-mail: aratto.andre@gmail.com
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 26/7/2009
Artigo aceito: 12/7/2011
Trabalho realizado na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.
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