ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Osteoradionecrosis in face: pathophysiology, diagnosis and treatment
Osteorradionecrose em face: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento
Reviw Article -
Year2010 -
Volume25 -
Issue
2
Johnny Leandro Conduta Borda Aldunate1, Pedro Soler Coltro2, Fábio de Freitas Busnardo3, Marcus Castro Ferreira4
ABSTRACT
Osteoradionecrosis is one of the most severe complications from radiotherapy used for treatment of head and neck cancer. It is a disease in which irradiated bone become necrotic and exposed by losing skin and mucosal barrier, remaining without healing. Osteoradionecrosis in face affect mandible in the most of cases, followed by maxilla. The most important risk factors are radiation dose, tumor staging, and presence of periodontal diseases and teeth extractions. Clinical signs and symptoms for diagnosis include local pain, trismus, halitosis, bone exposition, drainage of secretion and fistulization to skin or mucosa. Conservative management can be used in initial cases, for example antibiotics and antifibrotics drugs. More complex cases need for a surgical approach that involves radical debridement of necrotic bone and soft-tissues, associated with a reconstructive surgery. Among the options to reconstruct mandible, the most used are free flaps composed by bone tissues, like fibula flap, iliac crest flap, scapula flap and radial forearm flap. To maxilla, the most used are ântero-lateral thigh flap and radial forearm flap. These flaps are tissues well-vascularized, which provide appropriate filling and cutaneous coverage of the remaining defect. As osteoradionecrosis has an extreme difficult treatment, efforts must be directed to its prevention.
Keywords:
Osteonecrosis. Radiation injuries. Mandible. Maxilla. Reconstruction. Surgical flaps.
RESUMO
A osteorradionecrose é uma das mais graves complicações da radioterapia utilizada para o tratamento das neoplasias de cabeça e pescoço. Trata-se de uma doença na qual o osso irradiado torna-se desvitalizado e exposto através da perda da integridade da pele e da mucosa, persistindo sem cicatrização. A osteorradionecrose da face acomete a mandíbula na grande maioria dos casos, seguida da maxila. Os fatores de risco mais importantes são a dose de radiação utilizada, o estadiamento tumoral, a presença de doenças periodontais e extrações dentárias. As características clínicas para o diagnóstico incluem dor local, trismo, halitose, exposição óssea, drenagem de secreção e fistulização para pele ou mucosa. As medidas conservadoras podem ser utilizadas nos casos iniciais, como antibioticoterapia e drogas antifibróticas. Já os casos mais complexos exigem abordagem cirúrgica, com desbridamento radical dos tecidos ósseos e partes moles desvitalizados, associado à reconstrução. Dentre as opções existentes para reconstrução da mandíbula, as mais utilizadas são os retalhos livres de tecido ósseo, como o retalho de fíbula, de crista ilíaca, de escápula e radial do antebraço. Já para a maxila, os mais usados são os retalhos ântero-lateral da coxa e radial do antebraço. Trata-se de tecidos bem vascularizados, que fornecem preenchimento e cobertura cutânea adequada do defeito remanescente. Como a osteorradionecrose apresenta um tratamento de extrema complexidade, os esforços devem ser direcionados para sua prevenção.
Palavras-chave:
Osteonecrose. Lesões por radiação. Mandíbula. Maxila. Reconstrução. Retalhos cirúrgicos.
INTRODUÇÃO
Anualmente, ocorrem mais de 8 milhões de novos casos de câncer no mundo, sendo que aproximadamente 900 mil são de casos de neoplasias malignas das vias aerodigestivas superiores1,2. Os tumores de cabeça e pescoço representam, aproximadamente, 10% dos tumores malignos, sendo 40% deles de cavidade oral, 25% de laringe, 15% de faringe, 7% de glândulas salivares e 13% nos demais locais3.
O tratamento atualmente preconizado para essas neoplasias é a cirurgia, associada ou não à radioterapia2,3. Contudo, apesar dos bons resultados obtidos com a radioterapia, surgiram complicações oriundas de sua utilização, resultando em queda na qualidade de vida, interferência na terapêutica e aumento da morbidade2,4. Tais complicações podem manifestar-se durante o tratamento - sendo normalmente reversíveis - ou tardiamente, após alguns anos do término da radioterapia5. As principais complicações do uso da radioterapia são as mucosites, candidíase, disgeusia, cáries, necrose de tecidos moles e xerostomia; dentre elas, uma das mais graves e temidas é, sem dúvida, a osteorradionecrose2,6.
Apesar de um melhor controle dos fatores de risco, visto atualmente como maior atenção aos cuidados de higiene oral e de saúde dentária, e dos avanços modernos dos métodos de radioterapia, a osteorradionecrose permanece como realidade em nossos dias.
Esse trabalho tem como objetivo realizar uma revisão da literatura científica sobre a osteorradionecrose de face, enfatizando sua fisiopatologia, os dados que levam ao diagnóstico e suas modalidades terapêuticas, discutindo o impacto e a eficiência de tais tratamentos.
DEFINIÇÃO
O termo osteorradionecrose foi primeiramente descrito por Regaud, em 1922, mas foi Ewing, em 1926, que denominou as alterações ósseas após a irradiação, chamando de "osteíte de radiação". Além dessa nomenclatura, outros termos como necrose óssea avascular e necrose por irradiação também são usados para denominar a osteoradionecrose6,7.
A exata definição de osteorradionecrose ainda não é um consenso, o que muitas vezes é um fator que complica seu estudo. Trata-se de uma doença na qual o osso irradiado torna-se desvitalizado e exposto através da perda da integridade da pele e da mucosa, persistindo sem cicatrização por um período mínimo de três meses4,6.
Contudo, diversos autores têm apresentado outras definições, utilizando principalmente o critério temporal para o diagnóstico. Epstein et al.8 definiram a osteorradionecrose como ulceração ou necrose da membrana, com exposição do osso necrótico por mais de três meses, na ausência de doença metastática ou recorrente. Harris a definiu como o tecido ósseo irradiado que não consegue reparar-se num período superior a três meses, na ausência de tumor local, enquanto Max utilizou seis meses como intervalo de tempo mínimo. Para Wong et al.9 trata-se de uma necrose isquêmica induzida pela radiação, com cicatrização lenta e associada à necrose de tecidos moles, na ausência de necrose do tumor primário, recorrência e de doença metastática. Pode estar associada com infecção local e pode causar fratura patológica.
Outros autores, como Støre e Boysen10-12, utilizaram critérios radiológicos e definiram osteorradionecrose como necrose óssea dentro do campo de irradiação, com exclusão de recorrência tumoral. Histologicamente, os achados de endarterite, hipovascularização, hialinização, trombose e fibrose definem osteoradionecrose.
INCIDÊNCIA
Dentre os tumores de cavidade oral tratados com radioterapia, a osteorradionecrose atinge em 90% dos casos a mandíbula, seguido da maxila7. Outros ossos da face, como o frontal e o zigoma, são raramente acometidos.
Historicamente, a osteorradionecrose da mandíbula apresentava taxa de incidência de 2% a 22% dos casos tratados com radioterapia. Entretanto, essas taxas vêm apresentando um declínio, variando atualmente por volta de 5%, devido ao advento de novas técnicas de radioterapia e de cuidados preventivos de higiene oral6.
FISIOPATOLOGIA
Inicialmente, acreditava-se que os três fatores que contribuíam para o desenvolvimento da osteorradionecrose eram a radiação, o trauma e a infecção4,6. Contudo, Marx e Klinge introduziram o conceito não-infeccioso da osteorradionecrose ao demonstrarem a presença de bactérias apenas nas zonas mais superficiais das lesões4.
Em 1983, Marx descreveu a primeira teoria fisiopatológica sobre a osteorradionecrose, sendo a mais aceita desde então. Segundo ele, a radiação causaria uma endarterite, resultando em hipoxia do tecido, hipocelularidade e hipovascularização, o que levaria a um distúrbio de cicatrização e exposição tecidual. Além disso, a terapia com radiação reduziria a proliferação da medula óssea, do colágeno, das células endoteliais e do periósteo6. É com base nessa explicação que foi iniciado o uso de oxigênio hiperbárico no tratamento da osteorradionecrose.
Devido a novas evidências, sabe-se também que os osteoclastos sofrem efeitos relacionados com a radiação, promovendo uma supressão do "turnover" ósseo, levando a alterações do remodelamento ósseo e a lesão tecidual. Esse distúrbio dos osteoclastos surge em estágios precoces da doença, ainda na ausência de anormalidades vasculares. Para sustentar essa teoria, alguns autores notaram uma alta incidência de lesões na mandíbula semelhantes à osteorradionecrose em pacientes que faziam uso de medicações da classe dos bifosfonados6,13,14.
Recentemente, uma terceira teoria propôs que a disfunção vascular seria decorrente de reações nas células endoteliais devido à radiação, sendo que essas disfunções vasculares ajudariam a promover a fase pré-fibrótica inicial. Um outro conceito relacionado a essa "teoria do processo fibroatrófico" são as alterações fibroblásticas do interstício, as quais ocorreriam em devido à desregulação da proliferação e do metabolismo dos fibroblastos, decorrente dos radicais livres de oxigênio produzidos com a radioterapia. Com base nessa teoria, postulou-se o uso de drogas antioxidantes e antifibróticas no tratamento da osteorradionecrose6,15-17.
FATORES DE RISCO
Diversos fatores estão associados ao surgimento da osteorradionecrose, sendo alguns deles relacionados ao tratamento oncológico (tipo e duração do tratamento, dose e campo de radiação), ao paciente (extração dentária durante e após a radioterapia, má higiene oral, doenças periodontais, estado nutricional, idade) e ao tumor (localização e estadio da doença)4,6,18-20.
A dose de radiação representa um dos mais importantes fatores de risco para osteorradionecrose, sendo que quanto maior a dose, maior o risco21-23. A maioria dos casos da doença ocorre em doses maiores que 60 Gy, e existem poucos relatos de casos após doses menores que 50Gy3,4,6.
Quanto à forma de aplicação da radioterapia, Notani et al.24 acreditam que a radioterapia externa seja mais agressiva no desenvolvimento de osteorradionecrose. No entanto, Teng et al.6 acreditam que o risco da doença é maior quando a braquiterapia é utilizada.
A localização e estadio do tumor são importantes fatores de risco para a doença, sendo que os tumores de amídalas, laringe, assoalho da boca, orofaringe e aqueles tumores com estadios mais avançados foram associados a maior risco de osteorradionecrose. Supõe-se que tal associação deva-se à menor distância do tumor ao tecido ósseo e também à maior quantidade de radiação para conseguir penetrar em regiões de localização mais profunda4,6.
Um dos mais importantes fatores de risco para osteorradionecrose são as doenças periodontais e as extrações dentárias efetuadas pouco antes, durante ou após a radioterapia4,6,25. Alguns estudos evidenciaram que as extrações dentárias realizadas depois da radioterapia dobram o risco de desenvolver a doença quando comparadas àquelas realizadas antes da radioterapia. Berner et al. evidenciaram uma taxa de 45% de doença em pacientes que realizaram extração dentária após a radioterapia, enquanto que aqueles que realizaram a extração antes da radioterapia tiveram uma incidência por volta de 12%. Contudo, um estudo conduzido por Chang et al.26 demonstrou não haver redução da incidência de osteorradionecrose nos pacientes submetidos à extração dentária antes da radioterapia. A doença também apresenta aumento da incidência quando associado com cáries dentárias não tratadas na zona irradiada e periodontites ativas4,21,25,27.
DIAGNÓSTICO
Há uma grande variedade de sinais e sintomas que caracterizam a osteorradionecrose, que vão desde erosão óssea superficial até fratura patológica6,9. As características clínicas mais comuns para o diagnóstico são dor local, trismo, halitose, exposição óssea, drenagem de secreção e fistulização para pele ou mucosa. Contudo, muitos casos são assintomáticos, sendo suspeitados pela presença de uma área com osso desvitalizado.
A maioria desses sinais e sintomas surge após meses ou até anos depois da exposição à radiação. Quando o início dos sintomas ocorre em um intervalo menor que dois anos após a radiação, a doença é chamada de precoce e, geralmente, está relacionada a altas doses de radiação. Quando o intervalo após a radiação e início dos sintomas é maior que dois anos, é dita osteorradionecrose tardia, e acredita-se que esteja relacionada a um trauma em um ambiente com tecido que tenha sofrido hipoxia6.
Os exames de imagem também são importantes e possibilitam a identificação de lesões ósseas sugestivas de necrose, mesmo nos casos que apresentam mucosa oral íntegra. As alterações radiológicas são de surgimento tardio, pois requerem uma desmineralização óssea de 12% a 30% para que ocorra sua identificação. A radiografia pode mostrar uma área osteolítica pouco definida, com a cortical destruída, perda da densidade óssea e presença de regiões indicativas de sequestro ósseo. A tomografia computadorizada é o exame de escolha, pois fornece dados mais confiáveis da extensão do acometimento ósseo e colabora para o planejamento cirúrgico. Outros exames também podem ser solicitados, como ressonância magnética e cintilografia óssea10.
Deve-se sempre realizar o diagnóstico diferencial da osteorradionecrose com uma recorrência da neoplasia, pois além das características clínicas se confundirem, um dos sintomas típicos da recidiva tumoral é o surgimento de uma ferida de difícil cicatrização. Em um estudo de Hao et al.28, 21% dos casos suspeitos de osteorradionecrose eram, na verdade, uma recidiva da neoplasia, mostrando que é de extrema importância o estudo histopatológico para o diagnóstico definitivo4,19,28.
Portanto, o diagnóstico da osteorradionecrose deve contemplar os seguintes tópicos:
sinais e sintomas como dor, drenagem de secreção, fístulas, úlceras da mucosa oral com exposição óssea; necrose óssea visualizada em exame radiológico; ausência de recidiva tumoral.
Já foram propostas diversas classificações para a osteorradionecrose. Os Quadros 1 a 3 mostram as classificações propostas por Notani et al.24, Støre et al.11 e Epstein et al.8, respectivamente. Ainda não existe um consenso quanto à classificação mais adequada para a doença.
TRATAMENTO CONSERVADOR
O tratamento da osteorradionecrose depende de sua extensão e baseia-se em uma combinação de medidas conservadoras e ressecção cirúrgica4,6,7.
Dentre as medidas conservadoras, a mais utilizada é a antibioticoterapia tópica ou sistêmica. Também já foram utilizados irrigação local, oxigenioterapia hiperbárica e, mais recentemente, medicamentos derivados das metilxantinas e antioxidantes15-17. Além disso, a suspensão do etilismo, do tabagismo, de próteses traumáticas e a melhoria da higiene oral também são importantes4,6,7.
A oxigenioterapia hiperbárica é o tipo de tratamento que mais gera controvérsias. Propõe-se que a terapia com oxigênio hiperbárico aumentaria a oferta de oxigênio aos tecidos em hipoxia, o que estimularia a proliferação de fibroblastos, formação de colágeno e a angiogênese4,6,7,18,21. Por muitos anos, seu uso foi preconizado no pré e pós-operatório de pacientes com alto risco de serem submetidos à extração dentária ou à intervenção cirúrgica. Além disso, também era utilizada nas pequenas lesões, em conjunto com as outras medidas conservadoras, no intuito de evitar ressecções cirúrgicas extensas da mandíbula4,6.
Muitos estudos colaboraram para a difusão dessa terapia, como os realizados por Bui et al.29, que encontraram uma taxa de 81% de resposta da osteorradionecrose ao tratamento com oxigenioterapia hiperbárica, associado à diminuição dos sintomas dos pacientes. Marx et al. compararam a oxigenioterapia hiperbárica à penicilina na prevenção da osteorradionecrose após extração dentária, evidenciando que o grupo que utilizou apenas oxigenioterapia hiperbárica apresentou incidência da doença de 5%, enquanto que no grupo que usou apenas penicilina a taxa foi de 29,9%.
Por outro lado, também surgiram estudos que questionaram o real efeito da oxigenioterapia na osteorradionecrose, principalmente para os casos em estado avançado. Como exemplo, um estudo conduzido por Gal et al.30 demonstrou que pacientes submetidos à ressecção e à reconstrução com retalho livre osteocutâneo sem usar oxigenioterapia hiperbárica apresentaram menos complicações do que aqueles que a utilizaram.
Sabe-se que a oxigenioterapia não é aceita por diversos profissionais, e boa parte deles não a recomenda devido à ausência de resultados mais consistentes5,9,16,17. Além disso, a oxigenioterapia é um procedimento de alto custo e que consome bastante tempo. Estima-se que o custo de uma sessão de 90 minutos de câmara hiperbárica custe em torno de 300 a 400 dólares. Dessa forma, o custo de 30 sessões recomendadas para prevenir osteorradionecrose após extração dentária estaria em torno de 9.000 a 12.000 dólares21.
Outro fator importante a ser considerado é o risco inerente ao uso da oxigenioterapia hiperbárica, já que Giebfried et al. demonstraram uma taxa de 7,8% de complicações após um período de 15 anos de tratamento (3,4% de tonturas, 2,2% de disfunção da tuba auditiva, 1,1% de acidente vascular encefálico e 1,1% de insuficiência miocárdica). Sendo assim, apesar desse tratamento ter sido utilizado por diversos autores e em diferentes fases do tratamento, sua indicação ainda é bastante controversa16,17.
Baseado na "teoria do processo fibroatrófico", iniciou-se o uso de novos medicamentos. A pentoxifilina, um derivado da metilxantina, mostrou redução da viscosidade sanguínea, levando ao aumento da oxigenação tecidual e à inibição da fibrose. Alguns estudos testaram sua eficácia, mostrando boa resposta clínica, redução da fibrose e da necrose, exceto quando havia exposição óssea. Já quanto aos antioxidantes, como tocoferol e superóxido dismutase, que atuam capturando os radicais livres de oxigênio, foi observada uma eficácia moderada. Quando foram associados pentoxifilina e tocoferol (agentes antifibróticos sinérgicos), observou-se regressão das lesões ósseas6,15,16,17.
TRATAMENTO CIRÚRGICO
Aproximadamente metade dos pacientes que apresentam osteorradionecrose necessita de ressecção cirúrgica. O primeiro passo do tratamento é o desbridamento cirúrgico, sendo que todos os tecidos desvitalizados devem ser ressecados e o suprimento sanguíneo aos tecidos restantes deve ser otimizado. Estudos propuseram que o tempo entre a radioterapia e o surgimento da osteorradionecrose poderia orientar a extensão do desbridamento cirúrgico. Contudo, a quantidade de tecido ósseo a ser ressecada é uma decisão do cirurgião, que deve levar em conta a vitalidade do osso remanescente6. O desbridamento deve ser feito de forma radical, com remoção de todo o tecido desvitalizado, preparando o leito para os passos seguintes do tratamento. A confirmação histológica da ausência de recorrência tumoral deve sempre ser realizada19.
Após o desbridamento, o defeito remanescente requer a cobertura com tecido bem vascularizado e, de preferência, não proveniente de área irradiada. Retalhos locais ou enxertos têm aplicabilidade limitada, pois a maioria dos defeitos produzidos no desbridamento e na ressecção são amplos, o que necessita de tecidos com volume e dimensão maiores18,19.
A opção mais efetiva para reconstrução de defeitos em cabeça e pescoço é a transferência microcirúrgica de retalhos livres, que permite o uso de tecidos distantes de várias dimensões e composições. Tais retalhos são capazes de preencher a cavidade resultante após o desbridamento em tempo único, com menor morbidade12,31,32.
Um estudo de Kelishadi et al., com pacientes submetidos ao tratamento da osteorradionecrose craniofacial com retalhos microcirúrgicos previamente associados ou não com oxigenoterapia hiperbárica, demonstrou aumento dos custos hospitalares em até 25.000 dólares nos pacientes que receberam a oxigenoterapia hiperbárica. Portanto, o tratamento da osteorradionecrose com retalhos microcirúrgicos não é apenas definitivo, mas também muito efetivo em termos de custos hospitalares33.
No tratamento cirúrgico da osteorradionecrose da mandíbula - o osso da face mais comumente acometido - as modalidades mais utilizadas são a necrosectomia e a mandibulectomia segmentar ou total associada à reconstrução com tecidos livres. De acordo com diversos autores, o tratamento de escolha seria a ressecção segmentar da mandíbula, seguida de reconstrução com retalho livre de tecido ósseo6,12,17,18,31.
Dentre as opções de reconstrução mandibular, podem ser utilizados os retalhos ósseos e os materiais aloplásticos. Há uma grande variedade de retalhos livres que são usados, dentre eles o retalho osteomiocutâneo de fíbula, de crista ilíaca, de escápula, retalho radial do antebraço, e outros17,22,34. Quando forem usados materiais aloplásticos, eles devem ser substituídos por tecido ósseo em um período de um ano, preferencialmente6,18.
Um dos retalhos mais utilizados para reconstrução mandibular é o retalho osteomiocutâneo de fíbula, por diversas vantagens: quantidade adequada de tecido ósseo (alta densidade de osso cortical), possibilidade de ser elevado simultaneamente com a ressecção tumoral, mínima morbidade da área doadora, capacidade de suportar múltiplas osteotomias para permitir um contorno adequado, dentre outras18,19.
Além disso, também podem ser usados dois retalhos livres combinados, como o retalho fibular para o defeito ósseo associado com o retalho ântero-lateral da coxa para cobertura cutânea externa. Tal combinação proporciona um melhor alinhamento ósseo e um fechamento cutâneo sem tensão, o que é importante para prevenção de infecção e fístula salivar19.
As opções para reconstrução de maxila, após seu adequado desbridamento, variam conforme a extensão do defeito remanescente. Os retalhos cutâneos radial do antebraço e ântero-lateral da coxa podem ser usados para cobertura de cavidades pequenas e superficiais, que podem até ser preenchidas por partes desepidermizadas do retalho. Já os retalhos miocutâneos são preferidos em defeitos maiores, pois proporcionam um volume adequado de cobertura cutânea e preenchimento do espaço morto18. A reconstrução do osso frontal pode ser feita com materiais aloplásticos ou com retalho livre de tecido ósseo ou miocutâneo.
Portanto, após desbridamento do tecido desvitalizado em pacientes com osteorradionecrose em estágio avançado, a reconstrução do defeito resultante com retalho livre é a opção mais viável e com resultados muito satisfatórios, sendo também efetiva quanto aos custos hospitalares33-38.
PREVENÇÃO
Apesar das diversas técnicas existentes, a osteorradionecrose é uma doença de extrema complexidade no seu tratamento, o que torna muito importante os esforços para sua prevenção. É de fundamental importância que haja colaboração da equipe cirúrgica, do radioterapeuta e do próprio paciente, para que o objetivo principal seja atingido.
Antes do procedimento, o cirurgião deve enfatizar ao paciente as orientações básicas e a importância de um bom cuidado dentário. O tratamento cirúrgico deve ser realizado o mais precoce possível, tentando manter a integridade óssea e conservando o periósteo sempre que possível. Após a mandibulectomia, a reconstrução deve ser, preferencialmente, imediata e com retalho de tecido ósseo. Quando a cirurgia ocorrer após a radioterapia, é importante que seja usado antibiótico de largo espectro4,7,21,25.
O radioterapeuta, quando possível, deve excluir a mandíbula da região alvo da radioterapia, sendo que nos casos em que isso não é possível deve-se assegurar que o osso receba doses baixas. Para isso, usa-se a radioterapia conformacional, que permite doses maiores em uma área menor, o que poupa dos efeitos colaterais tecidos saudáveis adjacentes.
Quanto ao paciente, cabe a ele manter uma participação regular nos exames de controle e apresentar dedicação nos cuidados de higiene oral e de saúde dentária, evitando o surgimento de placas e doenças periodontais4,7,21,25.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A osteorradionecrose é uma complicação de difícil manejo que surge após a radioterapia. Apesar de ser uma entidade bem conhecida pelos profissionais de saúde que lidam com o tratamento de neoplasias de cabeça e pescoço, a doença apresenta muitas controvérsias, desde sua classificação até sua melhor forma terapêutica. Dentre as diversas medidas, pode ser utilizada uma conduta conservadora nas lesões iniciais, até ressecção radical seguida de reconstrução naquelas mais avançadas. Devido a tal complexidade, os esforços devem ser direcionados para sua prevenção. Em uma revisão de 73 artigos sobre o tratamento da osteorradionecrose entre 1975 e 2007, Pitak-Arnnop et al.17 demonstraram que a maioria dos estudos oferecia um fraco nível de evidência. Portanto, são necessários novos trabalhos que forneçam resultados mais consistentes, com maior nível de evidência.
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1. Médico Residente de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).
2. Médico Preceptor de Cirurgia Plástica do HC-FMUSP.
3. Médico Assistente Doutor da Disciplina de Cirurgia Plástica da FMUSP e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo "Octávio Frias de Oliveira (ICESP).
4. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da FMUSP.
Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Correspondência para:
Pedro Soler Coltro
Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 171 apto 618 - Cerqueira César
São Paulo, SP, Brasil - CEP: 05403-010
E-mail: pscoltro@hotmail.com
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 7/6/2009
Artigo aceito: 17/7/2009
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