INTRODUÇÃO
O reparo tecidual é definido como a restauração do tecido após lesão, tanto em termos
de sua conformação quanto de sua função1. A
cicatrização é um processo evolutivo preservado até os dias atuais e inclui
processos como inflamação, proliferação celular e remodelamento da matriz
extracelular2,3. A reparação tecidual incorreta ou anormal da pele causa
situações patológicas, como queloides e cicatrizes hipertróficas. Queloides e
cicatrizes hipertróficas são formas de cicatrizes excessivas, que podem ser causadas
por lesão na pele, queimadura, trauma, irritação, cirurgia,
piercing, entre outros tipos de lesões cutâneas4.
A deposição exacerbada de componentes da matriz extracelular pode ocorrer durante
as
fases de cicatrização e, quando o remodelamento da lesão apresenta progressão da
matriz, ocorre fibrose. A fibrogênese pode ser caracterizada como dinâmica, com grau
variado de plasticidade, que depende também do tecido afetado5. A remodelação do tecido fibrótico depende diretamente da
inflamação crônica e do dano às células teciduais6. Nessas situações patológicas há também inflamação contínua, presença
de miofibroblastos e deposição excessiva de colágeno, fibroblastos, células
inflamatórias e vasos sanguíneos recém-formados7,8. Até hoje, não se sabe a causa
exata dessas situações patológicas, porém diversos tratamentos são utilizados para
induzir a regressão dessas cicatrizes excessivas9. Apesar dos avanços no seu tratamento, muitos pacientes ainda
apresentam efeitos adversos de cicatrizes anormais9.
As galectinas são proteínas que pertencem à família das lectinas e até o momento
foram identificados 15 tipos diferentes. Essas proteínas ligam-se ao β-galactosídeo
e possuem um domínio reconhecedor de ligação a carboidratos (CRD) com capacidade de
reconhecer carboidratos de aproximadamente 130 aminoácidos10,11. Uma forma única
das galectinas, a galectina-3 (gal-3), denominada quimera, surge devido a uma
sequência desordenada e intrínseca presente em seu domínio N-terminal, que permite
a
oligomerização e organização da gal-3 em pentâmeros. A gal-3 possui capacidade
multifuncional em inúmeras condições celulares e patológicas11.
Vários estudos já demonstraram a capacidade da gal-3 em promover reepitelização,
angiogênese, adesão e migração celular, tanto em modelos experimentais murinos
quanto em modelos in vitro, incluindo a participação na regulação
do sistema imunológico12,13,14,15,16,17,18. A capacidade de atuar na interação
célula-matriz torna a gal-3 essencial para a promoção desses processos19. Portanto, a gal-3 desempenha papéis em
diversos processos, como a formação de cicatrizes, mediando o recrutamento de
monócitos, a plasticidade da diferenciação de macrófagos, a interação intercelular
e
a produção de matriz e, assim, indiretamente, na regulação da fibrose20,21,22,23.
Vários fatores podem estar envolvidos no desenvolvimento de cicatrizes excessivas.
Recentemente, alguns artigos sugeriram a participação da gal-3 em diversas situações
patológicas, incluindo fibrose, como fibrose cardíaca e fibrose pulmonar24,25.
Além disso, trabalhos recentes sugerem que a gal-3, em conjunto com a galectina-1,
auxilia na proliferação e sobrevivência dos fibroblastos, que são diretamente
responsáveis pela deposição excessiva de matriz cicatricial26. Portanto, mais estudos são necessários para correlacionar a
expressão e ação da gal-3 no reparo tecidual normal e anormal.
OBJETIVO
O presente estudo tem como objetivo investigar e caracterizar a expressão da gal-3
em
amostras humanas de cicatrizes hipertróficas e queloides, comparando-as com
cicatrizes normais.
MÉTODO
Pacientes e Amostras
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário
Pedro Ernesto, conforme protocolo número 1.900.610. Todos os pacientes foram
informados sobre o estudo; os participantes maiores de 18 anos que consentiram
voluntariamente em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), enquanto os indivíduos entre 13 e 17 anos assinaram o Termo
de Assentimento juntamente com um responsável. Não foram incluídos no estudo
pacientes que optaram por não se submeter ao procedimento cirúrgico para
retirada de cicatrizes, menores de 13 anos ou indivíduos que se recusaram a
assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Cicatrizes normais, queloides e cicatrizes hipertróficas foram coletadas como
amostras de pacientes atendidos no Setor de Cirurgia Plástica do Hospital
Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, RJ, no período de 2015 a 2019,
que desejavam realizar o procedimento para retirada dessas cicatrizes, que não
apresentavam sinais de regressão e não responderam ao tratamento. A
classificação de cicatrizes normais, cicatrizes hipertróficas e queloides foi
feita aplicandose critérios clínicos rigorosos (avaliação feita por médico
treinado).
Para a cirurgia, a pele foi previamente preparada com antissépticos locais como
gluconato de clorexidina 2%, desengordurante e álcool. Os pacientes foram
submetidos a intervenção cirúrgica sob anestesia local com lidocaína a 1% e
adrenalina 1:200.000. A excisão das cicatrizes hipertróficas e inestéticas foi
realizada em fuso abrangendo toda a lesão, enquanto nos casos de cicatrizes
queloides foi realizada ressecção intralesional devido ao risco de recidiva.
Os fragmentos foram fixados em formol a 10% por pelo menos 24 horas. Após fixação
em formalina, os fragmentos foram processados em parafina e transferidos para
lâminas histológicas para análise histopatológica e imuno-histoquímica. Para
análise geral dos tecidos, as amostras foram coradas com hematoxilina e eosina
(HE) e, para observação do sistema de fibras colágenas, as amostras foram
coradas pela técnica Picrosírius Red (PS). As seções HE e PS foram visualizadas
em microscópio Leica DM 500, sob campo claro ou com polarizador,
respectivamente. Após a captura das imagens dos cortes histológicos, as análises
foram realizadas utilizando o programa de captura Future WinJoe versão 1.6
(Future Optics Sci. & Tech. Co, Xiasha, Hangzhou, China).
Imuno-histoquímica
Para identificar miofibroblastos, células importantes na reparação e fibrose
tecidual, bem como na vascularização tecidual, foi realizada a técnica de
imuno-histoquímica utilizando anticorpo contra alfa-actina do músculo liso (α
-SMA; Abcam-UK).
Nesta metodologia, a peroxidase endógena foi bloqueada em solução de peróxido de
hidrogênio a 3% (Proquímios-BR) em metanol por 30 minutos. Isto foi seguido por
lavagens de 5 minutos em água corrente e em solução salina tamponada com fosfato
(PBS) 1x, após o que as amostras foram bloqueadas usando o kit de bloqueio
SpringBio. Após 1 hora, o excesso de solução de bloqueio foi removido e as
secções foram incubadas com o anticorpo monoclonal primário anti α-SMA de
camundongo a uma concentração de 1/100 em albumina de soro bovino a 1% (BSA) em
PBS a 4°C durante a noite; nesta etapa as lâminas do controle negativo foram
incubadas apenas com PBS/BSA a 1%.
Na segunda etapa, o anticorpo primário foi lavado com 1x PBS, depois incubado com
anticorpo secundário anti-IgG de camundongo - HighDef Complement Kit (Cell
Marque-USA) por 30 minutos. A marcação foi revelada com o cromogênio
diaminobenzidina (DAB; Cell Marque-USA) por 5-8 minutos. Os cortes foram lavados
novamente com 1x PBS e contrastados com hematoxilina de Harris (Proquímios-BR).
As lâminas foram lavadas em água corrente, depois em água destilada e, em
seguida, desidratadas, clarificadas e montadas com Entellan (Merck-Ger). As
fatias foram visualizadas em microscópio de campo claro (Leica DM500).
Para identificar a presença de gal-3 nas amostras de cicatrizes, foi realizada
imuno-histoquímica utilizando o anticorpo monoclonal primário anti-gal-3 (Clone
M3/38; American Type Culture Collection-EUA). As amostras foram
desparafinizadas, reidratadas e a recuperação antigênica foi realizada com
solução Trilogy® (1:100 diluída em água destilada; Sigma-USA). As lâminas foram
então passadas em banho de água destilada seguido de solução de peróxido de
hidrogênio a 3% para bloqueio da peroxidase endógena. As lâminas foram novamente
lavadas em banho de água destilada e 3 banhos de PBS+Tween (10%), seguido de
bloqueio do local específico com 16% de leite e 20% de BSA em água destilada por
1 hora.
As secções foram então incubadas com o anticorpo anti-gal-3 numa concentração de
1:100 em PBS/BSA a 1% durante 1 hora; nesta fase, as lâminas para o controle
negativo foram incubadas apenas com PBS/BSA a 1%. As lâminas foram lavadas três
vezes com PBS + Tween seguido de incubação com um anticorpo secundário IgG
anti-camundongo não conjugado (Vector-USA). Foram realizadas três lavagens com
PBS + Tween e, em seguida, para amplificar o sinal do anticorpo secundário, a
estreptavidina peroxidase (Sigma-USA) foi adicionada por 20 minutos. Os cortes
foram lavadas novamente com PBS+Tween e o cromógeno DAB foi adicionado por 20
segundos. O contraste foi realizado com hematoxilina de Harris (Sigma-EUA). Por
fim, foi realizada desidratação e clarificação, as lâminas foram montadas com
Entellan e visualizadas em microscópio (Leica DM 500).
Análise quantitativa de galectina-3 e captura de imagem
Três campos aleatórios de cada lâmina foram fotografados para a epiderme, derme e
tecido subcutâneo. Após a captura das imagens dos cortes histológicos, as
análises foram realizadas utilizando o programa de captura Future WinJoe.
O software Future WinJoe foi utilizado para processar as imagens
digitais capturadas e a densidade de volume das células positivas para gal-3
(%Vv [gal-3]) foi avaliada utilizando um sistema estereológico composto por 36
pontos, conforme descrito anteriormente por Petito et al.27. Vv = PP/PT (%) (PP representa os pontos avaliados que
chegam à estrutura e PT representa o total de pontos presentes na grade). Os
resultados foram expressos como média ± desvio padrão.
Análise estatística
Diferenças significativas entre os grupos foram determinadas pelo teste não
paramétrico de Mann-Whitney, no qual p<0,05 foi considerado
significativo. As análises foram realizadas utilizando o
software GraphPad Prism versão 6.0 (GraphPad Software, San
Diego, CA, EUA).
RESULTADOS
Cicatrizes
Os pacientes foram subdivididos em três grupos (cicatrizes normais, cicatrizes
hipertróficas e queloides) para permitir a análise estatística, conforme mostra
a Tabela 1. Todos os sujeitos do grupo
com cicatriz normal eram mulheres (n=9) e tinham idade entre 20 e 57 anos (média
37,3 anos). A maioria das cicatrizes normais estava localizada na região mamária
(18%) e pélvica (18%), seguida de abdômen inferior (9%), umbigo (9%) e
hipocôndrio (9%). No grupo queloide (n= 16) a maioria dos pacientes eram
mulheres (62,5%) e com idade entre 13 e 66 anos (média 28,3 anos). E a maior
parte dos queloides foi coletada nas orelhas (50,0%), seguida de abdômen
(12,4%), tronco anterior (12,4%), região cervical (6,2%), couro cabeludo (6,2%),
região superciliar (6,2%) e mandíbula (6,2%). Por fim, o grupo de cicatrizes
hipertróficas (n=4) foi composto por 3 mulheres e 1 homem, com idade entre 21 e
61 anos (média 34,25 anos). E essas cicatrizes foram coletadas em cada área
umbilical, pré-auricular, face e ombro. O tempo médio das cicatrizes típicas foi
de 65 meses, enquanto os queloides tiveram em média 83 meses e as cicatrizes
hipertróficas foram em média 30 meses.
Tabela 1. - Dados clínicos sociodemográficos da população envolvida no
estudo.
|
Cicatriz normal (N = 09) |
Queloide (N = 16) |
Cicatriz Hipertrófica (N = 04) |
Anos |
37,33± 12,76 |
28,37±15,31 |
34,25 ±18,46 |
Sexo |
09 (100%) F |
10 (62,5%) F |
03 (75%) F |
00 (0%) M |
06 (37,5%) M |
01 (25%) M |
Cor da pele * |
Branco |
07 |
01 |
01 |
Marrom |
02 |
11 |
01 |
Preto |
00 |
02 |
01 |
SD |
00 |
02 |
01 |
Tabela 1. - Dados clínicos sociodemográficos da população envolvida no
estudo.
Amostras coradas
As amostras coradas com HE de todas as cicatrizes revelaram pequena quantidade de
células na derme reticular demonstrando maior deposição de matriz extracelular.
Além disso, queloides e cicatrizes hipertróficas apresentavam epiderme mais
retilínea e com menos papilas dérmicas em comparação às cicatrizes normais
(Figura 1A, B e C).
Figura 1. - Fotomicrografias de cortes cicatricials normais e excessivos.
Imagens representativas das lâminas analisadas (CN - cicatriz
normal, CH - cicatriz hipertrófica e Q - queloide), capturadas de
cortes corados com hematoxilina e eosina (A, B e C), Picrosírius Red
(D, E e F), e marcação contra a-SMA (G, H e I). A) Asteriscos
destacando a concentração de fibras na derme reticular em comparação
com a derme papilar. As cicatrizes normais também apresentavam mais
papilas dérmicas. B) Asteriscos indicando papilas pouco acentuadas e
distribuídas, com grande deposição de matriz extracelular na derme
reticular. C) Asteriscos demonstrando derme papilar mais retilínea e
com poucas células na derme devido à grande deposição de matriz e
fibras. D) Asteriscos demonstrando fibras mais unidas e
fragmentadas. E) Asteriscos destacando deposição exacerbada de
fibras espessas e aleatórias. F) Asteriscos indicando fibras
dispostas de forma exagerada, com pouca fragmentação. G) Setas
mostrando regiões com vasos na derme reticular. H) Setas mostrando
regiões de alta vascularização e até mesmo infiltrados que podem
sugerir inflamação. I) Setas mostrando regiões com muitos capilares,
intensamente vascularizadas e com asteriscos mostrando regiões com
coloração positiva para miofibroblastos. Barra: 100
μm.
Figura 1. - Fotomicrografias de cortes cicatricials normais e excessivos.
Imagens representativas das lâminas analisadas (CN - cicatriz
normal, CH - cicatriz hipertrófica e Q - queloide), capturadas de
cortes corados com hematoxilina e eosina (A, B e C), Picrosírius Red
(D, E e F), e marcação contra a-SMA (G, H e I). A) Asteriscos
destacando a concentração de fibras na derme reticular em comparação
com a derme papilar. As cicatrizes normais também apresentavam mais
papilas dérmicas. B) Asteriscos indicando papilas pouco acentuadas e
distribuídas, com grande deposição de matriz extracelular na derme
reticular. C) Asteriscos demonstrando derme papilar mais retilínea e
com poucas células na derme devido à grande deposição de matriz e
fibras. D) Asteriscos demonstrando fibras mais unidas e
fragmentadas. E) Asteriscos destacando deposição exacerbada de
fibras espessas e aleatórias. F) Asteriscos indicando fibras
dispostas de forma exagerada, com pouca fragmentação. G) Setas
mostrando regiões com vasos na derme reticular. H) Setas mostrando
regiões de alta vascularização e até mesmo infiltrados que podem
sugerir inflamação. I) Setas mostrando regiões com muitos capilares,
intensamente vascularizadas e com asteriscos mostrando regiões com
coloração positiva para miofibroblastos. Barra: 100
μm.
Ao microscópio de polarização, foi possível observar que todas as amostras
apresentavam fibras espessas e avermelhadas, demonstrando grande deposição de
colágeno na derme reticular. As fibras colágenas da cicatriz normal tendem a ser
fragmentadas e entrelaçadas. Já os queloides e cicatrizes hipertróficas
apresentam fibras mais longas e espessas, depositadas paralelamente à
superfície, proporcionando deposição fibrosa mais exacerbada, irregular e
estratificada (Figura 1D, E e F).
Expressão de α-SMA em amostras de cicatrizes excessivas
Amostras de tecido de cicatrizes normais, queloides e cicatrizes hipertróficas
apresentaram coloração positiva considerável para α-SMA nas paredes dos vasos
sanguíneos; entretanto, as cicatrizes normais apresentaram menor vascularização
em todo o corte, comparadas aos queloides e às cicatrizes hipertróficas,
principalmente na região da derme reticular (Figura 1G, H e I).
Expressão de galectina-3 em amostras de cicatrizes excessivas
Em geral, a expressão de gal-3 foi observada na epiderme e em toda a derme
papilar e áreas da derme reticular. Sua marcação foi mais intensa nas células
dos vasos sanguíneos e glândulas anexas, porém a gal-3 não estava presente em
regiões com deposição de fibras colágenas. Nas cicatrizes normais foi observada
coloração positiva para gal-3 em todo o tecido, principalmente na derme papilar,
enquanto na derme reticular não foi possível detectar coloração relevante nas
regiões de deposição de fibras, apenas positividade ao redor dos vasos
sanguíneos e glândulas sudoríparas (Figura 2A, B e C).
Figura 2. - Fotomicrografias da expressão da galectina-3. Na primeira coluna
(A, B e C) as imagens demonstram amostras de cicatrizes normais (CN)
marcadas para gal-3 e são representativas de cicatrizes normais de 9
pacientes. Na segunda coluna (D, E e F) as imagens demonstram
amostras de queloide (Q) marcadas para gal-3, de 16 pacientes. Na
terceira coluna (G, H e I) as imagens demonstram amostras de
cicatrizes hipertróficas (CH) marcadas para gal-3 e são
representativas de cicatrizes hipertróficas de 4 pacientes. Os
quadrados indicam regiões ampliadas e positivas para gal-3.
Imunoperoxidase anti-galectina-3 com contracoloração de
hematoxilina. Barra: 100 μm.
Figura 2. - Fotomicrografias da expressão da galectina-3. Na primeira coluna
(A, B e C) as imagens demonstram amostras de cicatrizes normais (CN)
marcadas para gal-3 e são representativas de cicatrizes normais de 9
pacientes. Na segunda coluna (D, E e F) as imagens demonstram
amostras de queloide (Q) marcadas para gal-3, de 16 pacientes. Na
terceira coluna (G, H e I) as imagens demonstram amostras de
cicatrizes hipertróficas (CH) marcadas para gal-3 e são
representativas de cicatrizes hipertróficas de 4 pacientes. Os
quadrados indicam regiões ampliadas e positivas para gal-3.
Imunoperoxidase anti-galectina-3 com contracoloração de
hematoxilina. Barra: 100 μm.
Nos queloides, foi observada marcação positiva em todo o epitélio e na derme
papilar, principalmente nos vasos sanguíneos da derme papilar e reticular, além
disso, o grupo queloide apresentou a maior marcação de células gal-3-positivas,
porém, nenhuma marcação positiva foi observada em locais com deposição excessiva
de matriz extracelular (Figura 2D, E e F).
Nas cicatrizes hipertróficas também foi observada coloração positiva para gal-3
nos vasos sanguíneos da derme papilar e reticular, porém não foi observada
marcação positiva na região de deposição de matriz extracelular. Em geral, o
grupo com cicatriz hipertrófica apresentou padrão semelhante ao grupo queloide,
mas com menor número de células positivas para gal-3 (Figura 2G, H e I).
Como o padrão de distribuição da gal-3 foi semelhante entre os grupos estudados,
as células positivas para gal-3 foram quantificadas em seguida por estereologia.
Ao determinar e comparar a expressão de gal-3 em células distribuídas pela
derme, foi possível observar diferença significativa na densidade de volume de
células positivas para gal-3 em queloides em comparação com cicatrizes normais
(p = 0,0075) (Figura 3). No entanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre
a densidade de volume de células positivas para gal-3 entre cicatrizes
hipertróficas e normais, nem entre queloides e cicatrizes hipertróficas. As
amostras do grupo queloide apresentaram 28% de células positivas para gal-3,
enquanto o grupo com cicatriz normal apresentou 18% e o grupo com cicatriz
hipertrófica 22% (Figura 3).
Figura 3. - Gráfico de densidade de volume de células positivas para
galectina-3. O eixo Y do gráfico representa o volume percentual de
gal-3, avaliado por estereologia, em lâminas de imuno-histoquímica
marcadas com anti-gal-3. O eixo X apresenta as formas das cicatrizes
avaliadas neste estudo (CN – cicatriz normal, CH – cicatriz
hipertrófica e Q – queloide). p = 0,0075.
Figura 3. - Gráfico de densidade de volume de células positivas para
galectina-3. O eixo Y do gráfico representa o volume percentual de
gal-3, avaliado por estereologia, em lâminas de imuno-histoquímica
marcadas com anti-gal-3. O eixo X apresenta as formas das cicatrizes
avaliadas neste estudo (CN – cicatriz normal, CH – cicatriz
hipertrófica e Q – queloide). p = 0,0075.
DISCUSSÃO
A galectina-3 foi descrita como tendo um papel em processos inflamatórios e
angiogênicos16,28 e, portanto, está implicada em processos de cicatrização de
feridas, mas seu papel ainda não foi especificamente definido. Também não se sabe
ainda como surgem os queloides e as cicatrizes hipertróficas; o presente estudo teve
como objetivo caracterizar a expressão da gal-3 nas cicatrizes normais e nas
cicatrizes excessivas de humanos.
A cicatrização é um tipo de mecanismo de reparo que é ativado quando ocorre dano
tecidual. Em algumas ocasiões, o processo de cicatrização de feridas cutâneas não
acontece de forma normal, levando à formação de cicatrizes excessivas, como
queloides e cicatrizes hipertróficas. Essa cicatrização excessiva é caracterizada
por inflamação persistente, com recrutamento e remodelamento celular
desequilibrados, o que leva à deposição excessiva de componentes da matriz,
resultando em fibrose5. A fibrose tecidual é
dependente de mediadores-chave e vias moleculares específicas, portanto, a fibrose
pode ocorrer em órgãos completamente diferentes, apenas pela presença desses
mediadores e vias moleculares6.
Galectinas são proteínas conhecidas por terem um domínio reconhecedor de ligação a
carboidratos (CRD). A galectina tipo 3 é a mais diferente das 17 galectinas
conhecidas e mais conhecida por possuir domínios de interação com proteínas e
carboidratos, além da capacidade de pentamerizar, permitindo diferentes interações
com moléculas e tecidos11. Segundo Peiró et
al.6, a gal-3 está relacionada à via da
fibrogênese, inclusive na fibrose cutânea, corroborando os dados encontrados em
nosso estudo, no qual quantificamos mais gal-3 em tecido fibrótico, como queloides.
Além disso, segundo a literatura, a gal-3 também está relacionada à angiogênese e
ao
recrutamento de macrófagos16,21,23.
Portanto, entende-se que esta proteína está diretamente ligada ao processo de
cicatrização. Também, outras galectinas já foram estudadas quanto ao seu papel no
reparo tecidual, como a galectina-1, que tem sido sugerida como tendo potencial
terapêutico, pois sua aplicação subcutânea em locais de feridas acelerava a
cicatrização29.
Arciniegas et al.26 demonstraram a expressão
de gal-3 na lâmina basal e na interface dérmica/ epidérmica, bem como em algumas
células imunes, microvasos, feixes de colágeno e fibroblastos em tecidos queloides,
o que concorda com nossos dados, mas não compara a expressão de gal-3 com amostras
de tecido de cicatrizes normais e cicatrizes hipertróficas.
Os dados apresentados por Amadeu et al.7 e
concordados por Tan et al.8 destacaram a
diferença entre a vascularização das cicatrizes normais e as cicatrizes anormais,
as
cicatrizes hipertróficas e os queloides, em que o tecido das cicatrizes excessivas
se mostrou mais vascularizado. Essa diferença na vascularização corroborou os dados
encontrados em nosso estudo para a expressão do marcador de músculo liso α–SMA e
gal-3 em cicatrizes normais e excessivas. Nosso trabalho também constatou que os
vasos sanguíneos estavam mais presentes nas cicatrizes excessivas e que havia maior
expressão de gal-3 nos vasos sanguíneos das cicatrizes excessivas, além de maior
expressão de gal-3 nos queloides em geral.
Os achados de Mostacada et al.28 sugeriram que
a gal-3 é vital para o recrutamento de macrófagos, influenciando sua ação
eliminatória contra células apoptóticas e microrganismos. Uma diminuição na gal-3
leva, portanto, a uma resposta inflamatória menos pronunciada, devido a um menor
recrutamento de células pró-inflamatórias. Além disso, Sciacchitano et al.11 demonstraram a capacidade da gal-3 de mediar
a ativação de macrófagos induzidos por IL-4, conhecidos como macrófagos ativados
alternativamente, para estimular a fibrose e a produção de matriz. Esses dados
poderiam explicar a maior expressão de gal-3 em queloides em comparação com
cicatrizes normais, mas são necessários mais estudos para compreender completamente
a maior expressão de gal-3 em queloides em comparação com cicatrizes
hipertróficas.
Ainda não foi possível induzir cicatrizes excessivas em modelos animais, portanto,
os
estudos devem basear-se em amostras humanas. O presente estudo foi limitado devido
ao número escasso de amostras, principalmente das cicatrizes hipertróficas, o que
provavelmente impactou a análise estatística na comparação da expressão da gal-3
entre os grupos. Além disso, devido a este pequeno número de amostras, apenas a
análise tecidual foi realizada e nenhuma investigação da gal-3 na via da fibrogênese
pôde ser realizada. Além disso, os cortes já apresentavam estrutura de cicatrização
completa, portanto, o período de modulação celular durante a cicatrização não pôde
ser avaliado. A ausência de amostras de pele normal foi nossa escolha porque este
estudo pretende comparar dois tipos de cicatrizes excessivas na pele humana
(cicatrizes hipertróficas e queloides) com o processo normal de cicatrização de
feridas (cicatrizes normais). Apesar das limitações deste estudo, os resultados
obtidos são valiosos para um estudo piloto.
CONCLUSÃO
Neste estudo, a expressão da proteína gal-3 foi detectada em cicatrizes normais e
anormais, sugerindo seu envolvimento em processos típicos e atípicos de cicatrização
de feridas cutâneas, particularmente na angiogênese e na reepitelização. Apesar da
heterogeneidade das amostras de cicatrizes normais e anormais utilizadas neste
estudo, gal-3 foi identificada e sua expressão apresentou diferenças significativas.
Além disso, a sua expressão foi notavelmente maior na derme dos queloides em
comparação com cicatrizes típicas, indicando um papel fundamental da gal-3 na
formação de queloides. Consequentemente, são necessárias mais investigações para
avaliar a deposição e função da gal-3 ao longo da cascata de cicatrização e em
condições crônicas como diabetes e lesões isquêmicas. Tais estudos podem revelar o
potencial da gal-3 como biomarcador para formação de queloides ou como alvo para
intervenções terapêuticas no tratamento de feridas.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Elaine N. Silva, Igor Rodrigues, Bárbara Dantas, Flavia
Loureiro e Gabriel Marujo pelo suporte técnico e pela coleta de amostras dos
pacientes, respectivamente.
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1. Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Patologia Geral, Laboratório de Imunopatologia, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil
2. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Ciências Biomédicas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Setor
de Cirurgia Plástica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Fiocruz, Laboratório de Imunofarmacologia, Rio
de Janeiro, RJ, Brasil
Autor correspondente: Thaís Porto
Amadeu Av. Professor Manoel 444, 4º andar, Maracanã, Rio de Janeiro,
RJ, Brasil CEP: 20550-170 E-mail: tpamadeu@gmail.com
Artigo submetido: 05/03/2024.
Artigo aceito: 30/04/2024.
Conflitos de interesse: não há.