INTRODUÇÃO
A cirurgia de contorno corporal ganhou muito destaque nos últimos anos devido ao
aumento no número de pacientes submetidos a cirurgias bariátricas, que evoluem com
grande perda ponderal e dismorfismo corporal e procuram, posteriormente, a equipe
de
cirurgia plástica para realizar as cirurgias reparadoras1. Em 1940, Somalo foi o pioneiro do termo “Belt Lipectomy”,
porém com pouco descolamento da parede abdominal2. Já em 1961, Gonzalez-Ulloa descreve, detalhadamente, a
abdominoplastia circunferencial, que se trata da abordagem anterior e posterior das
regiões de abdômen, flanco, cintura, culotes e nádegas1.
Observa-se que pacientes pós-bariátricos possuem importante flacidez cutânea,
associada, apesar da grande perda de peso, a acúmulos de gordura em regiões
profundas3. Além disso, tais pacientes
costumam apresentar contratilidade cutânea de pior qualidade, devido ao estiramento
da pele com lesão das fibras elásticas, seja por perda ponderal excessiva ou por
envelhecimento cutâneo. Assim, lançamos mão da associação de técnicas cirúrgicas em
busca da melhoria do contorno corporal4.
Lockwood contribuiu com grande evolução nas técnicas de abdominoplastia
circunferencial ao descrever em 1995 a abdominoplastia de alta tensão lateral,
ressaltando que a frouxidão dos tecidos moles era componente direto nos resultados
desta cirurgia e deveria ser tratada com aumento da ressecção lateral da pele,
reparo do sistema fascial superficial e lipoaspiração significativa do dorso e
flanco sempre que necessário. Reconhecendo, assim, que todo o tronco deveria ser
tratado como uma unidade estética5.
Ao analisar a anatomia da região dos flancos, Lockwood cita a fáscia superficial que
separa a gordura superficial da gordura profunda, gerando áreas de aderência em
tronco e sendo importantes referências anatômicas da superfície corporal. O autor
afirma ser possível observar variações anatômicas desta fáscia entre pacientes do
sexo masculino e feminino e entre pacientes magras e obesas6.
OBJETIVO
O objetivo do estudo é detalhar a anatomia da fáscia toracolombar, e descrever a
técnica de flancoplastia realizada em nosso serviço de cirurgia plástica, para
melhoria do contorno corporal em pacientes submetidos a abdominoplastia
circunferencial.
MÉTODO
Foi realizada uma revisão da literatura para melhor elucidação da região anatômica
que envolve a gordura profunda à fáscia toracolombar. Feito então um paralelo entre
a técnica de flancoplastia realizada de rotina em nosso serviço de cirurgia plástica
do Hospital Daher Lago Sul, em Brasília-DF, para pacientes pós-bariátricos
submetidos a abdominoplastia 360º ou 270º. Exames tomográficos foram correlacionados
com o encontrado no intraoperatório destes pacientes.
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Daher Lago Sul
e registrado na Plataforma Brasil sob o número CAAE: 68265323.9.0000.0257
(http://aplicacap.saude.gov.br/plataformabrasil).
RESULTADOS
Muito se conhece sobre a anatomia da musculatura abdominal, porém pouco se cita a
respeito da fáscia toracolombar na literatura. A fáscia toracolombar é uma membrana
de tecido conjuntivo de revestimento profundo que se estende do plano subdérmico até
a fáscia muscular subjacente, cobrindo os músculos profundos da parte posterior do
tronco, envolvendo a gordura superficial e profunda em compartimentos bem
determinados. Ela está presente desde a região torácica, onde está fortemente
aderida à superfície musculoesquelética, fornecendo zonas de aderência7.
O trígono lombocostal é delimitado pela fáscia toracolombar e localiza- se acima da
musculatura lombar. Tal região é facilmente visualizada em tomografias
computadorizadas de abdome ou ressonância nuclear magnética, sendo a tomografia um
exame solicitado de rotina no pré-operatório de pacientes que realizarão
abdominoplastia circunferencial em nosso serviço (Figura 1).
Figura 1 - Tomografia computadorizada de abdome evidenciando a fáscia
toracolombar que delimita o triângulo lombocostal.
Figura 1 - Tomografia computadorizada de abdome evidenciando a fáscia
toracolombar que delimita o triângulo lombocostal.
Anatomicamente, o dorso inferior possui um tecido adiposo mais denso e abundante,
que
dificulta a lipoaspiração da região e aumenta os riscos de perfuração de órgãos como
os rins. Os rins são retroperitoneais e protegidos apenas pela gordura perirrenal
e
pararrenal, fáscia perirrenal e pela parede abdominal em sua face posterior,
composta pelos músculos psoas maior e menor, músculo quadrado do lombo, músculo
latíssimo do dorso, aponeurose toracolombar e por uma quantidade considerável de
tecido adiposo posterior interposto situada na fáscia superficial7.
O trígono de Petit é localizado na parte inferior e lateral da região lombar e
limitado inferiormente pela crista ilíaca, lateralmente pela borda inferior do
músculo oblíquo externo do abdome e medialmente pela borda anterior do músculo
latíssimo do dorso. Sendo assim, é uma região de maior exposição e perigo no momento
da lipoaspiração dos flancos7.
Tais fatores anatômicos tornam a lipoaspiração profunda dos flancos mais complexa,
visto que há maiores chances de perfurações retroperitoneais, quando comparada com
a
flancoplastia. Além disso, trata-se de uma gordura com aspecto mais aderido e denso,
menos fluida que a gordura observada na região de abdome anterior, localizada em
topografia profunda e com difícil angulação para as cânulas de lipoaspiração (Figura 2).
Figura 2 - Tecido adiposo profundo de região dos flancos.
Figura 2 - Tecido adiposo profundo de região dos flancos.
No pré-operatório do paciente que será submetido a abdominoplastia 360º ou 270º é
possível observar, durante a palpação, se haverá necessidade de associar a
flancoplastia para melhoria do contorno corporal. As marcações cirúrgicas são
rotineiramente realizadas com o paciente em posição ortostática e completadas após
indução anestésica, seguindo as marcações habituais de uma abdominoplastia
estendida. Todos os pacientes são operados sob anestesia geral.
No intraoperatório, como rotina do nosso serviço, começamos a cirurgia com a
lipoescultura. Após esta etapa, inicia-se a abdominoplastia 360º ou 270º com o
paciente em decúbito ventral ou lateral, respectivamente. Realiza-se a incisão e
dissecção dos planos cirúrgicos, sendo possível identificar a fáscia toracolombar
e
a projeção da gordura profunda que será excisada (Figura 3A e 3B). Faz-se então uma
marcação com azul de metileno da área a ser excisada e ressecção da mesma (Figura 3C). Após, realizam-se os demais tempos da
cirurgia de contorno corporal, com tração do retalho dermogorduroso e sutura por
planos: gorduroso com fio Nylon 3.0 e pontos simples invertidos, subdérmico com fio
Nylon 4.0 com pontos simples invertido, e intradérmico com fio Nylon 3.0 com pontos
contínuos (Figura 4).
Figuras 3 - A e B. Espessura da gordura profunda em flancos, paciente em decúbito
lateral esquerdo. C: demarcação de área a ser excisada na
flancoplastia.
Figuras 3 - A e B. Espessura da gordura profunda em flancos, paciente em decúbito
lateral esquerdo. C: demarcação de área a ser excisada na
flancoplastia.
Figura 4 - Resultado no intraoperatório podendo-se observar boa definição de
flancos.
Figura 4 - Resultado no intraoperatório podendo-se observar boa definição de
flancos.
Todos os pacientes recebem injeção de gordura nas nádegas, com volume variável a
depender de cada caso, porém sempre em plano subcutâneo e com retroinjeção de
gordura. Dreno a vácuo é colocado bilateralmente com incisões na prega inguinal e
direcionado para a região posterior, sendo fixado com Nylon 4.0 e pontos em
bailarina. Todos os pacientes realizam profilaxia para trombose venosa profunda e
embolia pulmonar no intraoperatório com compressor pneumático e no pós-operatório
com enoxaparina 40mg subcutânea, uma vez ao dia, durante sete dias, iniciando-se no
primeiro dia após a cirurgia, além de deambulação precoce. A Figura 5 evidencia o pré e o resultado no 6º mês de
pós-operatório de uma paciente submetida a essa técnica.
Figura 5 - Pré e pós-operatório (6 meses) de paciente submetida a
abdominoplastia 270º com flancoplastia e injeção de gordura nas nádegas,
mostrando melhora significativa do contorno corporal.
Figura 5 - Pré e pós-operatório (6 meses) de paciente submetida a
abdominoplastia 270º com flancoplastia e injeção de gordura nas nádegas,
mostrando melhora significativa do contorno corporal.
DISCUSSÃO
O aumento da incidência de obesidade na contemporaneidade, aliado à eficácia do
tratamento cirúrgico por meio da cirurgia bariátrica, resulta em uma perda de peso
rápida com consequências estéticas e funcionais que necessitam de correção cirúrgica
para garantir melhorias na qualidade de vida do paciente8. A abdominoplastia associada à flancoplastia é realizada para
restaurar o contorno corporal e melhorar as deformidades individuais de pacientes
pós-bariátricos que apresentam flacidez, redundância de tecidos e lipodistrofia da
região dos flancos. Por conseguinte, a cirurgia plástica reparadora incrementa e
complementa os resultados da cirurgia bariátrica, gerando melhora nos impactos
físicos e psicológicos do paciente9.
A abdominoplastia circunferencial é caracterizada por incisões estendidas completando
360º com o objetivo de remodelar de maneira circunferencial toda a flacidez de
tecido presente na região abdominal, flanco, lateral da coxa, dorso e nádegas no
mesmo momento cirúrgico, bem como, atingir uma remodelagem simultânea da pele4.
A lipoaspiração de flanco e a flancoplastia são cirurgias complementares à
abdominoplastia. A lipoabdominoplastia de flancos é indicada quando não há excesso
cutâneo nas laterais abdominais e na maioria das cirurgias já demonstra bons
resultados. No entanto, pacientes que apresentam grande flacidez cutânea necessitam
de procedimentos adicionais para obter um melhor resultado, como observado por
Cintra et al.10 em seu estudo de casos de 10
anos. O fato de o retalho cutâneo superior ser mais aderido que o retalho inferior
possibilita que este procedimento gere uma elevação da região glútea.
Sergio Levy Silva11, em seu trabalho sobre
variações anatômicas do tecido celular subcutâneo pós perda ponderal, observou que
pacientes bariátricos apresentavam variações macroscópicas e histológicas da camada
areolar e lamelar, além de uma descontinuidade estrutural da fáscia superficial, o
que acarretava em um risco aumentado de perfuração durante a lipoaspiração
profunda.Portanto, conhecer a anatomia desta região possibilita uma melhor decisão
terapêutica e minimiza os riscos de complicações intraoperatórias, tais como lesões
de órgãos retroperitoneais ou lesões vasculares.
Pouco se cita na literatura acerca da exérese da gordura profunda à fascia
toracolombar como um tempo cirúrgico da flancoplastia, além de sua característica
mais aderida e menos suscetível à lipoaspiração. Em nosso serviço foi observado que
tal associação traz melhorias nos resultados de pacientes submetidos a
abdominoplastia com incisões estendidas (Figura 5).
CONCLUSÃO
O conhecimento aprofundado da anatomia da região abdominal e dos flancos possibilita
uma melhor estratégia cirúrgica durante a programação de uma cirurgia de contorno
corporal, especialmente para pacientes que sofreram grandes perdas ponderais.
Ressecar parte da gordura profunda à fáscia toracolombar localizada nos flancos,
quando bem indicada, gera resultados mais satisfatórios e minimiza os riscos
associados à lipoaspiração profunda desta região.
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lipectomy. Clin Plast Surg. 2014;41(4):765-74. DOI: 10.1016/j.
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extremities: a new concept. Plast Reconstr Surg. 1991;87(6):1009-18. DOI:
10.1097/00006534-199106000-00001
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Post-bariatric body contouring surgery: analysis of complications in 180
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10.1590/0100-6991e-20202638
9. Andrade M V, Barbosa EC, Lauck AJM, Noleto DC, Freitas TVM, Hartmann
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10. Cintra W, Modolin M, Rocha RI, Gemperli R. Abdominoplastia
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análise das complicações. Rev Bras Cir Plást. 2021;36(1):21-7.
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pós-perda ponderal. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(4):675-8. DOI:
10.1590/S1983-51752010000400020
1. Hospital Daher Lago Sul, Plastic Surgery -
Brasília - Distrito Federal - Brasil
Autor correspondente: Marcela Santos
Vilela SHIS QI 25 Conjunto 11 Casa 10, Lago Sul, Brasília, D F,
Brasil. CEP: 71660-310 E-mail: marcelasvilela@gmail.com
Artigo submetido: 15/09/2023.
Artigo aceito: 30/04/2024.
Conflitos de interesse: não há.