INTRODUÇÃO
Os implantes de silicone estão disponíveis no mercado mundial desde meados da década
de 1960 e, de lá para cá, muitos estudos, questionamentos e incertezas pairaram no
ar, desde a moratória do silicone nos Estados Unidos até a falência da Dow Corning
e o escândalo mundial da PIP. A despeito dos entraves ao longo dos anos, somente em
2019, foram realizadas cerca de 280.000 cirurgias com implantes mamários nos Estados
Unidos, totalizando aproximadamente 50 milhões de mulheres com implantes de silicone
em todo o mundo1,2.
Apesar dos mais de 60 anos de história, dezenas de estudos e grandes amostras populacionais,
nos últimos anos diversos pacientes têm retornado ao consultório do cirurgião plástico.
Apresentam dúvidas a respeito do silicone, algumas devido aos relatos recentes de
BIA-ALCL (Anaplastic Large Cell Lymphoma), mas a grande maioria pela possibilidade de sintomas sistêmicos relacionados aos
implantes e que despertam o desejo da sua remoção. Procedimento conhecido como explante.
Este fenômeno, cujas dúvidas são inúmeras e as respostas mínimas, é conhecido na literatura
mundial como Breast Implant Illness (BII) (doença do silicone - em tradução livre)1,3,4.
Síndrome ASIA
Em virtude do aumento da prevalência e incidência de doenças autoimunes na população
mundial, Yehuda Schoenfeld descreveu em 2011 a síndrome ASIA (Autoimmune Syndrome Induced by Adjuvants), na qual determinados adjuvantes (agentes estimulantes inespecíficos do sistema
imune), tais como alúmen, prístino, infecção e, também, o silicone, agiriam como indutores
de sintomas autoimunes em pacientes geneticamente predispostos. Desta forma, a BII
seria um subtipo da síndrome ASIA5,6.
A partir desta publicação e dos critérios diagnósticos propostos pelo autor, alguns
estudos com casuísticas pequenas tentaram relacionar de maneira direta os implantes
de silicone à presença de sintomas sistêmicos. Até o momento, no entanto, a associação
entre implantes de silicone e os sintomas é incerta. Não é claro se esses sintomas
não seriam desenvolvidos mesmo se os implantes não tivessem sido colocados7-9.
O importante a se considerar a partir desses estudos epidemiológicos é que, embora
um aumentado risco de doença do tecido conjuntivo relacionada a implantes tenha sido
excluído, o tamanho das amostras era muito pequeno para excluir um aumento em doenças
extremamente raras do tecido conjuntivo5.
Silicone não é considerado um material inerte, visto que diversos efeitos imunológicos
já foram relatados. O gel de silicone pode migrar através da ruptura do elastômero
ou até mesmo com sua membrana intacta - fenômeno chamado gel bleed, e que clinicamente pode ser detectável através de adenomegalias axilares e mediastinais,
com características já bem descritas de acúmulo de gel de silicone (siliconomas),
independentemente da coesividade e do tipo de elastômero2,10.
A partículas de silicone podem ser fagocitadas por macrófagos e desencadear resposta
imune através da ativação de linfócitos B e T. Os mecanismos pelos quais desenvolve
um fenômeno autoimune são inúmeros e incluem a desregulação da imunidade inata e adaptativa
naqueles pacientes geneticamente predispostos à autoimunidade. Há, atualmente, dificuldade
de se identificar tais pacientes sob risco, no entanto, deve-se analisar com critério
o implante de silicone naqueles pacientes com histórico prévio de doença induzida
por outro adjuvante, doença autoimune instalada, alergias graves ou história familiar
importante para doenças autoimunes5,10.
Breast Implant Illness
Apesar da síndrome ASIA ter sido descrita há uma década, estamos vivenciando nos últimos
anos um novo momento. É grande a procura de pacientes que já possuem implantes de
silicone e que relatam apresentar sintomas sistêmicos. Hoje, o alcance e a influência
da TV foram reduzidos pela Internet, sobretudo pelas redes sociais, onde grupos de
discussão sobre diversos problemas médicos tornaram-se populares. Embora alguns fóruns
possam ser, de fato, profícuos, outros podem promover o compartilhamento de informações
incorretas por pessoas não qualificadas11.
Com o “boom” - ou “viralização” - do assunto na Internet e redes sociais, centenas de sinais
e sintomas têm sido relacionados aos implantes de silicone, usualmente inespecíficos
(Quadro 1). Segundo Lee et al.12, os sintomas mais comuns referidos pelas pacientes são fadiga crônica, artralgia,
confusão mental, mialgia, perda de memória, dificuldade de concentração e olhos secos.
Quadro 1 - Sintomas Relacionados a BII.
Ansiedade |
Depressão |
Ganho de peso |
Queda de cabelo |
Fadiga crônica |
Alteração visual |
Distúrbios do sono |
Zumbidos |
Envelhecimento precoce |
Queda da libido |
Artralgia |
Mialgia |
Urgência urinária |
Fibromialgia |
Rash cutâneo |
Palpitações |
Febre |
Síndrome de Raynaud |
Síndrome do Pânico |
Síndrome do intestino irritável |
Intolerância a lactose |
Tireoidite |
Perda de memória |
Boca seca |
Quadro 1 - Sintomas Relacionados a BII.
Até o momento, não existem testes diagnósticos para BII, nenhum método baseado em
evidência científica para diferenciá-la de outras condições que compartilham sintomas
semelhantes (síndrome do intestino irritável e fibromialgia, por exemplo) e há muito
pouco conhecimento a respeito do seu início, curso, fatores de risco, causas e manejo
adequado.
Um pequeno estudo analisou cápsulas após explante e mostrou parecer haver relação
entre a presença de biofilme - sobretudo pela bactéria P. acnes. Esta bactéria, que já foi relacionada ao desenvolvimento de outras doenças reumáticas,
causaria irritação crônica na cápsula e serviria como um gatilho para os sintomas1,12,13.
Embora o impulso do cirurgião seja dissuadir a paciente e desencorajar a remoção do
implante, devemos lembrar que é dela este direito. Assim como o teve ao optar pela
inclusão do seu implante. Quando um paciente procura seu médico para questionar a
respeito dos seus implantes, esta representa uma oportunidade de abordar suas preocupações,
fornecer educação científica e tratar caso haja algum problema.
É importante que se ofereça real assistência àquelas que precisam de orientação e
cuidado. Uma das principais queixas das mulheres diagnosticadas com BII é a respeito
da falta de informação no momento do implante. Muitas referem que não foram orientadas
quanto aos riscos do procedimento, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento
de sintomas, o BIA-ALCL e, principalmente, de que os implantes não são vitalícios11,14,15.
Confiança é o alicerce para o bom relacionamento médico-paciente e ela é pautada na
crença de que o médico está trabalhando para o melhor do paciente. A quebra ocorre
quando o paciente percebe que seu médico cometeu algum erro técnico ou de julgamento.
Não ouvir as queixas das pacientes, dar-lhes rótulos ou assumir uma postura antipática
irá afastá-las do consultório do cirurgião plástico, gerará descrédito à especialidade
e aumentará as taxas de litígio11,14.
É importante lembrar que, apesar de exaustivamente estudadas, sob diversos prismas,
a comunidade científica nunca olhou de forma específica para a relação direta entre
os implantes de silicone e sintomas sistêmicos. Não há até o momento estudos prospectivos
com boa evidência científica que confirmem ou refutem esta hipótese. Até lá, faz-se
mister que sejamos médicos, acima de cirurgiões plásticos, e que tratemos nossas pacientes
com toda a atenção e respeito que merecem9.
Apesar de termos poucas respostas no presente momento, o papel do cirurgião plástico
é tentar diferenciar as pacientes que de fato podem estar desenvolvendo uma doença
autoimune em virtude do implante mamário daquelas que foram induzidas a se diagnosticar
com os sintomas. A falta de métodos diagnósticos reforça a importância da anamnese
e do exame clínico criteriosos, além de entender o contexto de vida da paciente. Tal
diferenciação é extremamente importante, a fim de evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias1,16.
Newby et al.1, ao aplicarem questionários para três grupos distintos de mulheres (com BII; submetidas
aos explante; sem sintomas), verificaram que 98% das participantes utilizam redes
de apoio na Internet, como grupos de Facebook e Instagram, e que 62% refere que os
grupos as tornaram mais alertas para o diagnóstico e com medo da possibilidade de
desenvolver os sintomas. Além disso, mostraram que as pacientes autorreferidas com
BII possuem índices de ansiedade e depressão superiores às mulheres submetidas ao
explante e às assintomáticas, respectivamente. Os mesmos autores referem que as pacientes
optam pela realização do explante em média 10 anos após a cirurgia primária, apesar
de referirem o início dos sintomas dentro dos primeiros 2 anos, sendo que estes se
tornam piores com o passar do tempo1.
Explante
A opção pela retirada dos implantes vem crescendo vertiginosamente nos últimos anos,
sendo uma das dez cirurgias mais realizadas nos Estados Unidos no ano passado. Da
mesma forma que o diagnóstico comumente é feito através de grupos de redes sociais,
o tratamento também é indicado por este meio, por isso, é comum as pacientes chegarem
ao consultório solicitando a realização do “explante com capsulectomia en bloc”. A terminologia “en bloc” é restrita a patologias oncológicas e, no contexto dos implantes de silicone, está
indicada apenas nos casos de linfomas de células anaplásicas (BIA-ALCL)15-17.
A ressecção “en bloc” consiste na ressecção do implante, sua cápsula e tecidos adjacentes (margem de segurança),
sem a violação da cápsula. No contexto da BII, não há evidência de doença da cápsula
e a incidência de patologias capsulares é extremamente baixa (0,2%). A realização
da capsulectomia total deve ser feita preferencialmente (Figuras 1 to 2), desde que tecnicamente factível e segura. Atenção especial deve ser dada quanto
aos implantes no plano retromuscular, sempre pesar a relação risco-benefício, haja
vista a possibilidade de perfuração da parede torácica, pneumotórax e até óbito17.
Figura 1 - Capsulectomia total bilateral com cápsulas intactas (popularmente chamadas en bloc).
Figura 1 - Capsulectomia total bilateral com cápsulas intactas (popularmente chamadas en bloc).
Figura 2 - Explante de prótese de silicone.
Figura 2 - Explante de prótese de silicone.
A literatura mostra taxas de melhora dos sintomas variáveis após o explante. Rohrich
et al.8 mostraram melhora progressiva nos índices de qualidade de vida e de dores no corpo
em pacientes submetidas ao explante nos primeiros 6 meses de pós-operatório, quando
comparadas ao grupo controle. De Boer et al.18 mostraram uma taxa de melhora dos sintomas de 63% após um período de observação de
14 meses após o explante.
Magnusson et al.3, por sua vez, estratificaram as pacientes em três categorias distintas de prognóstico
após o explante. Pacientes sem evidência de doença reumática ou autoimune (tipo A)
apresentam o melhor prognóstico, com melhora de até 80% dos sintomas físicos e 93%
dos fatores psicológicos. Mulheres com evidência de doença reumática, sem doença autoimune
(tipo B), tendem a apresentar breve melhora dos sintomas, mas sofrem recorrência deles
após 6 a 12 meses (“período de Lua de Mel”). Já as mulheres que possuem diagnóstico
confirmado de doença autoimune (tipo C) possuem a pior evolução, não tendo melhora
dos sintomas, tampouco dos marcadores sorológicos. Da mesma forma, Lee et al.12 mostraram que boa parte dos pacientes apresentam melhora dos sintomas mais comuns
após o explante com capsulectomia, exceto os pacientes com diagnóstico de doença autoimune.
Por outro lado, Newby et al.1 demonstraram que mulheres que submeteram a cirurgia de explante apresentavam sintomas
físicos mais graves e pior saúde mental em comparação ao grupo controle, embora os
sintomas mostrem-se mais leves que as pacientes com BII e com seus implantes. Os autores
concluem que tais resultados sugerem que o explante pode não ser a cura para a BII,
e que os sintomas podem não se resolver completamente1.
Após o explante, as pacientes mostram-se, via de regra, satisfeitas com seu resultado
estético e apresentam níveis de ansiedade e estresse menores após o procedimento3,8.
CONCLUSÃO
A relação entre implantes mamários de silicone e doenças sistêmicas, incluindo doenças
autoimunes, foi postulada, estudada e discutida desde os anos 1960, mas o debate continua
até hoje. São necessários estudos prospectivos, randomizados bem desenhados correlacionando
períodos distintos das pacientes, desde o pré-operatório do implante até o pós-explante.
Apesar de estarmos vivendo no mundo das lives, do 5G e das respostas instantâneas, a boa ciência segue caminhando em velocidade
mais lenta. As respostas as quais todos, médicos e pacientes, almejam levarão alguns
anos para chegar, à medida que estudos sejam desenvolvidos com o fim específico de
olhar para os sintomas e sua relação direta com os implantes de silicone.
Até lá, devemos ter calma e ponderação. Na medicina séria, não há espaço para sensacionalismos,
modismos ou fomento ao pânico. Nosso papel fundamental é acolher as pacientes, ouvir
suas queixas, explicar-lhes o que se tem de evidência no momento e quais os riscos
do procedimento de explante. Cabe a elas a decisão.
É importante que o impulso não faça parte do processo decisório. Não se deve realizar
o implante, tampouco o explante por pressão externa ou por um post de autoria anônima nas redes sociais. Todas as informações, riscos, expectativas
de resultado e possíveis benefícios devem ser esclarecidos no pré-operatório, juntamente
com um termo de consentimento bem redigido. A omissão de alguma informação poderá
ser fatal na relação médico-paciente e na perda de confiança na especialidade. Trata-se
de um procedimento cirúrgico e, como tal, deve ser respeitado, pois não é isento de
riscos.
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1. Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Cirurgia Plástica e Queimaduras,
Florianópolis, SC, Brasil.
2. Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, Paraná, Brasil.
Autor correspondente: Ricardo Votto Júnior, Avenida Osvaldo Rodrigues Cabral 1570, sala 208, Florianópolis, SC, Brasil, CEP
88015-710, E-mail: ricardo.votto@ufsc.br
Artigo submetido: 14/04/2021.
Artigo aceito: 15/10/2021.
Conflitos de interesse: não há.