ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Review Article - Year2022 - Volume37 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2022RBCP0015

RESUMO

Apesar dos mais de 60 anos de história, dezenas de estudos e grandes amostras populacionais, nos últimos anos diversos pacientes têm retornado ao consultório do cirurgião plástico. Apresentam dúvidas a respeito do silicone, algumas devido aos relatos recentes de BIA-ALCL (Anaplastic Large Cell Lymphoma), mas a grande maioria pela possibilidade de sintomas sistêmicos relacionados aos implantes e que despertam o desejo da sua remoção. Procedimento conhecido como explante. Este fenômeno, cujas dúvidas são inúmeras e as respostas mínimas, é conhecido na literatura mundial como Breast Implant Illness (BII). Na Internet e redes sociais, centenas de sinais e sintomas têm sido relacionados às próteses de silicone, usualmente inespecíficos. Os sintomas mais comuns referidos pelas pacientes são fadiga crônica, artralgia, confusão mental, mialgia, perda de memória, dificuldade de concentração e olhos secos. Até o momento, não existem testes diagnósticos para BII, nenhum método baseado em evidência científica para diferenciá-la de outras condições e há muito pouco conhecimento a respeito do seu início, curso, fatores de risco, causas e manejo adequado. A opção pela retirada dos implantes vem crescendo vertiginosamente nos últimos anos, sendo uma das dez cirurgias mais realizadas nos Estados Unidos no ano passado. A literatura mostra taxas de melhora dos sintomas variáveis após o explante e as pacientes mostram-se, via de regra, satisfeitas com seu resultado estético e apresentam níveis de ansiedade e estresse menores após o procedimento. São necessários estudos prospectivos, randomizados bem desenhados correlacionando períodos distintos das pacientes, desde o pré-operatório do implante até o pós-explante.

Palavras-chave: Implante mamário; Mamoplastia; Elastômeros de silicone; Doenças mamárias; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Mama

ABSTRACT

Despite more than 60 years of history, numerous studies and large population samples, in recent years, several patients have returned to the plastic surgeons office. They have doubts about the silicone, some due to the recent reports of BIAALCL, but the vast majority due to the possibility of systemic symptoms related to the implants and which arouse the desire for its removal. Procedure known as explant. This phenomenon, whose doubts are numerous and the responses are minimal, is known in the world literature as Breast Implant Illness (BII). On the Internet and social networks, hundreds of signs and symptoms have been related to silicone implants, usually nonspecific. The most common symptoms reported by patients are chronic fatigue, arthralgia, mental confusion, myalgia, memory loss, difficulty concentrating and dry eyes. So far, there are no diagnostic tests for BII, no method based on scientific evidence to differentiate it from other conditions, and there is very little knowledge about its onset, course, risk factors, causes and proper management. The option for removing the implants has been growing dramatically in recent years, being one of the ten most performed surgeries in the United States last year. The literature shows variable improvement rates after the explantation and the patients are, as a rule, satisfied with their aesthetic result and have lower levels of anxiety and stress after the procedure. Prospective, well-designed randomized studies correlating different periods are necessary, from the preoperative period of the implant until after the explantation.

Keywords: Breast implantation; Mammaplasty; Silicone elastomers; Breast diseases; Reconstructive surgical procedures; Breast.


INTRODUÇÃO

Os implantes de silicone estão disponíveis no mercado mundial desde meados da década de 1960 e, de lá para cá, muitos estudos, questionamentos e incertezas pairaram no ar, desde a moratória do silicone nos Estados Unidos até a falência da Dow Corning e o escândalo mundial da PIP. A despeito dos entraves ao longo dos anos, somente em 2019, foram realizadas cerca de 280.000 cirurgias com implantes mamários nos Estados Unidos, totalizando aproximadamente 50 milhões de mulheres com implantes de silicone em todo o mundo1,2.

Apesar dos mais de 60 anos de história, dezenas de estudos e grandes amostras populacionais, nos últimos anos diversos pacientes têm retornado ao consultório do cirurgião plástico. Apresentam dúvidas a respeito do silicone, algumas devido aos relatos recentes de BIA-ALCL (Anaplastic Large Cell Lymphoma), mas a grande maioria pela possibilidade de sintomas sistêmicos relacionados aos implantes e que despertam o desejo da sua remoção. Procedimento conhecido como explante. Este fenômeno, cujas dúvidas são inúmeras e as respostas mínimas, é conhecido na literatura mundial como Breast Implant Illness (BII) (doença do silicone - em tradução livre)1,3,4.

Síndrome ASIA

Em virtude do aumento da prevalência e incidência de doenças autoimunes na população mundial, Yehuda Schoenfeld descreveu em 2011 a síndrome ASIA (Autoimmune Syndrome Induced by Adjuvants), na qual determinados adjuvantes (agentes estimulantes inespecíficos do sistema imune), tais como alúmen, prístino, infecção e, também, o silicone, agiriam como indutores de sintomas autoimunes em pacientes geneticamente predispostos. Desta forma, a BII seria um subtipo da síndrome ASIA5,6.

A partir desta publicação e dos critérios dia­gnósticos propostos pelo autor, alguns estudos com casuísticas pequenas tentaram relacionar de maneira direta os implantes de silicone à presença de sintomas sistêmicos. Até o momento, no entanto, a associação entre implantes de silicone e os sintomas é incerta. Não é claro se esses sintomas não seriam desenvolvidos mesmo se os implantes não tivessem sido colocados7-9.

O importante a se considerar a partir desses estudos epidemiológicos é que, embora um aumentado risco de doença do tecido conjuntivo relacionada a implantes tenha sido excluído, o tamanho das amostras era muito pequeno para excluir um aumento em doenças extremamente raras do tecido conjuntivo5.

Silicone não é considerado um material inerte, visto que diversos efeitos imunológicos já foram relatados. O gel de silicone pode migrar através da ruptura do elastômero ou até mesmo com sua membrana intacta - fenômeno chamado gel bleed, e que clinicamente pode ser detectável através de adenomegalias axilares e mediastinais, com características já bem descritas de acúmulo de gel de silicone (siliconomas), independentemente da coesividade e do tipo de elastômero2,10.

A partículas de silicone podem ser fagocitadas por macrófagos e desencadear resposta imune através da ativação de linfócitos B e T. Os mecanismos pelos quais desenvolve um fenômeno autoimune são inúmeros e incluem a desregulação da imunidade inata e adaptativa naqueles pacientes geneticamente predispostos à autoimunidade. Há, atualmente, dificuldade de se identificar tais pacientes sob risco, no entanto, deve-se analisar com critério o implante de silicone naqueles pacientes com histórico prévio de doença induzida por outro adjuvante, doença autoimune instalada, alergias graves ou história familiar importante para doenças autoimunes5,10.

Breast Implant Illness

Apesar da síndrome ASIA ter sido descrita há uma década, estamos vivenciando nos últimos anos um novo momento. É grande a procura de pacientes que já possuem implantes de silicone e que relatam apresen­tar sintomas sistêmicos. Hoje, o alcance e a influência da TV foram reduzidos pela Internet, sobretudo pelas redes sociais, onde grupos de discussão sobre diversos problemas médicos tornaram-se populares. Embora alguns fóruns possam ser, de fato, profícuos, outros podem promover o compartilhamento de informações incorretas por pessoas não qualificadas11.

Com o “boom” - ou “viralização” - do assunto na Internet e redes sociais, centenas de sinais e sintomas têm sido relacionados aos implantes de silicone, usualmente inespecíficos (Quadro 1). Segundo Lee et al.12, os sintomas mais comuns referidos pelas pacientes são fadiga crônica, artralgia, confusão mental, mialgia, perda de memória, dificuldade de concentração e olhos secos.

Quadro 1 - Sintomas Relacionados a BII.
Ansiedade Depressão Ganho de peso
Queda de cabelo Fadiga crônica Alteração visual
Distúrbios do sono Zumbidos Envelhecimento precoce
Queda da libido Artralgia Mialgia
Urgência urinária Fibromialgia Rash cutâneo
Palpitações Febre Síndrome de Raynaud
Síndrome do Pânico Síndrome do intestino irritável Intolerância a lactose
Tireoidite Perda de memória Boca seca
Quadro 1 - Sintomas Relacionados a BII.

Até o momento, não existem testes diagnósticos para BII, nenhum método baseado em evidência científica para diferenciá-la de outras condições que compartilham sintomas semelhantes (síndrome do intestino irritável e fibromialgia, por exemplo) e há muito pouco conhecimento a respeito do seu início, curso, fatores de risco, causas e manejo adequado.

Um pequeno estudo analisou cápsulas após explante e mostrou parecer haver relação entre a presença de biofilme - sobretudo pela bactéria P. acnes. Esta bactéria, que já foi relacionada ao desenvolvimento de outras doenças reumáticas, causaria irritação crônica na cápsula e serviria como um gatilho para os sintomas1,12,13.

Embora o impulso do cirurgião seja dissuadir a paciente e desencorajar a remoção do implante, devemos lembrar que é dela este direito. Assim como o teve ao optar pela inclusão do seu implante. Quando um paciente procura seu médico para questionar a respeito dos seus implantes, esta representa uma oportunidade de abordar suas preocupações, fornecer educação científica e tratar caso haja algum problema.

É importante que se ofereça real assistência àquelas que precisam de orientação e cuidado. Uma das principais queixas das mulheres diagnosticadas com BII é a respeito da falta de informação no momento do implante. Muitas referem que não foram orientadas quanto aos riscos do procedimento, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento de sintomas, o BIA-ALCL e, principalmente, de que os implantes não são vitalícios11,14,15.

Confiança é o alicerce para o bom relacionamento médico-paciente e ela é pautada na crença de que o médico está trabalhando para o melhor do paciente. A quebra ocorre quando o paciente percebe que seu médico cometeu algum erro técnico ou de julgamento. Não ouvir as queixas das pacientes, dar-lhes rótulos ou assumir uma postura antipática irá afastá-las do consultório do cirurgião plástico, gerará descrédito à especialidade e aumentará as taxas de litígio11,14.

É importante lembrar que, apesar de exa­ustivamente estudadas, sob diversos prismas, a comunidade científica nunca olhou de forma específica para a relação direta entre os implantes de silicone e sintomas sistêmicos. Não há até o momento estudos prospectivos com boa evidência científica que confirmem ou refutem esta hipótese. Até lá, faz-se mister que sejamos médicos, acima de cirurgiões plásticos, e que tratemos nossas pacientes com toda a atenção e respeito que merecem9.

Apesar de termos poucas respostas no presente momento, o papel do cirurgião plástico é tentar diferenciar as pacientes que de fato podem estar desenvolvendo uma doença autoimune em virtude do implante mamário daquelas que foram induzidas a se diagnosticar com os sintomas. A falta de métodos diagnósticos reforça a importância da anamnese e do exame clínico criteriosos, além de entender o contexto de vida da paciente. Tal diferenciação é extremamente importante, a fim de evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias1,16.

Newby et al.1, ao aplicarem questionários para três grupos distintos de mulheres (com BII; submetidas aos explante; sem sintomas), verificaram que 98% das participantes utilizam redes de apoio na Internet, como grupos de Facebook e Instagram, e que 62% refere que os grupos as tornaram mais alertas para o diagnóstico e com medo da possibilidade de desenvolver os sintomas. Além disso, mostraram que as pacientes autorreferidas com BII possuem índices de ansiedade e depressão superiores às mulheres submetidas ao explante e às assintomáticas, respectivamente. Os mesmos autores referem que as pacientes optam pela realização do explante em média 10 anos após a cirurgia primária, apesar de referirem o início dos sintomas dentro dos primeiros 2 anos, sendo que estes se tornam piores com o passar do tempo1.

Explante

A opção pela retirada dos implantes vem crescendo vertiginosamente nos últimos anos, sendo uma das dez cirurgias mais realizadas nos Estados Unidos no ano passado. Da mesma forma que o diagnóstico comumente é feito através de grupos de redes sociais, o tratamento também é indicado por este meio, por isso, é comum as pacientes chegarem ao consultório solicitando a realização do “explante com capsulectomia en bloc”. A terminologia “en bloc” é restrita a patologias oncológicas e, no contexto dos implantes de silicone, está indicada apenas nos casos de linfomas de células anaplásicas (BIA-ALCL)15-17.

A ressecção “en bloc” consiste na ressecção do implante, sua cápsula e tecidos adjacentes (margem de segurança), sem a violação da cápsula. No contexto da BII, não há evidência de doença da cápsula e a incidência de patologias capsulares é extremamente baixa (0,2%). A realização da capsulectomia total deve ser feita preferencialmente (Figuras 1 to 2), desde que tecnicamente factível e segura. Atenção especial deve ser dada quanto aos implantes no plano retromuscular, sempre pesar a relação risco-benefício, haja vista a possibilidade de perfuração da parede torácica, pneumotórax e até óbito17.

Figura 1 - Capsulectomia total bilateral com cápsulas intactas (popularmente chamadas en bloc).

Figura 2 - Explante de prótese de silicone.

A literatura mostra taxas de melhora dos sintomas variáveis após o explante. Rohrich et al.8 mostraram melhora progressiva nos índices de qualidade de vida e de dores no corpo em pacientes submetidas ao explante nos primeiros 6 meses de pós-operatório, quando comparadas ao grupo controle. De Boer et al.18 mostraram uma taxa de melhora dos sintomas de 63% após um período de observação de 14 meses após o explante.

Magnusson et al.3, por sua vez, estratificaram as pacientes em três categorias distintas de prognóstico após o explante. Pacientes sem evidência de doença reumática ou autoimune (tipo A) apresentam o melhor prognóstico, com melhora de até 80% dos sintomas físicos e 93% dos fatores psicológicos. Mulheres com evidência de doença reumática, sem doença autoimune (tipo B), tendem a apresentar breve melhora dos sintomas, mas sofrem recorrência deles após 6 a 12 meses (“período de Lua de Mel”). Já as mulheres que possuem diagnóstico confirmado de doença autoimune (tipo C) possuem a pior evolução, não tendo melhora dos sintomas, tampouco dos marcadores sorológicos. Da mesma forma, Lee et al.12 mostraram que boa parte dos pacientes apresentam melhora dos sintomas mais comuns após o explante com capsulectomia, exceto os pacientes com diagnóstico de doença autoimune.

Por outro lado, Newby et al.1 demonstraram que mulheres que submeteram a cirurgia de explante apresentavam sintomas físicos mais graves e pior saúde mental em comparação ao grupo controle, embora os sintomas mostrem-se mais leves que as pacientes com BII e com seus implantes. Os autores concluem que tais resultados sugerem que o explante pode não ser a cura para a BII, e que os sintomas podem não se resolver completamente1.

Após o explante, as pacientes mostram-se, via de regra, satisfeitas com seu resultado estético e apresentam níveis de ansiedade e estresse menores após o procedimento3,8.

CONCLUSÃO

A relação entre implantes mamários de silicone e doenças sistêmicas, incluindo doenças autoimunes, foi postulada, estudada e discutida desde os anos 1960, mas o debate continua até hoje. São necessários estudos prospectivos, randomizados bem desenhados correlacionando períodos distintos das pacientes, desde o pré-operatório do implante até o pós-explante.

Apesar de estarmos vivendo no mundo das lives, do 5G e das respostas instantâneas, a boa ciência segue caminhando em velocidade mais lenta. As respostas as quais todos, médicos e pacientes, almejam levarão alguns anos para chegar, à medida que estudos sejam desenvolvidos com o fim específico de olhar para os sintomas e sua relação direta com os implantes de silicone.

Até lá, devemos ter calma e ponderação. Na medicina séria, não há espaço para sensacionalismos, modismos ou fomento ao pânico. Nosso papel funda­mental é acolher as pacientes, ouvir suas queixas, explicar-lhes o que se tem de evidência no momento e quais os riscos do procedimento de explante. Cabe a elas a decisão.

É importante que o impulso não faça parte do processo decisório. Não se deve realizar o implante, tampouco o explante por pressão externa ou por um post de autoria anônima nas redes sociais. Todas as informações, riscos, expectativas de resultado e possíveis benefícios devem ser esclarecidos no pré-operatório, juntamente com um termo de consentim­ento bem redigido. A omissão de alguma informação poderá ser fatal na relação médico-paciente e na perda de confiança na especialidade. Trata-se de um procedimento cirúrgico e, como tal, deve ser respeitado, pois não é isento de riscos.

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1. Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Cirurgia Plástica e Queimaduras, Florianópolis, SC, Brasil.
2. Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, Paraná, Brasil.

COLABORAÇÕES
RVJ Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição.
AG Preparação do original, Redação - Revisão e Edição.

Autor correspondente: Ricardo Votto Júnior, Avenida Osvaldo Rodrigues Cabral 1570, sala 208, Florianópolis, SC, Brasil, CEP 88015-710, E-mail: ricardo.votto@ufsc.br

Artigo submetido: 14/04/2021.
Artigo aceito: 15/10/2021.

Conflitos de interesse: não há.

 

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