INTRODUÇÃO
As primeiras descrições de retalhos na história da cirurgia plástica (século VI -
AC) foram para reconstrução nasal na Índia antiga; a técnica ficou conhecida como
retalho médio frontal ou método indiano. Gaspare Tagliacozzi, em 1597, descreveu uma
nova opção de reconstrução do nariz: retalho cutâneo direto do membro superior, denominado
método italiano1. Dieffenbach descreveu o retalho nasogeniano e Converse o retalho de escalpo baseado
na artéria superficial temporal2-4.
A asa nasal sempre foi uma grande dificuldade reconstrutiva devido a sua pele fina
que, após reconstruída, normalmente necessitava de refinamentos cirúrgicos para melhor
aparência. Buscando uma alternativa para correção desses defeitos, em que a pele apresentaria
características semelhantes da asa nasal e possibilitaria a reconstrução em tempo
cirúrgico único, deparamos com o retalho nasogeniano de pedículo inferior.
OBJETIVO
Demonstrar a viabilidade do retalho nasogeniano de base inferior para reconstrução
da asa nasal após retirada de tumores cutâneos.
MÉTODOS
O trabalho foi realizado com dados primários obtidos por estudo retrospectivo de 20
casos de reconstrução de asa nasal com utilização de retalho nasogeniano de pedículo
inferior, após retirada de carcinoma basocelular, no período entre 2008 e 2019. Os
pacientes foram operados no Hospital de Câncer de Campo Grande Alfredo Abrão, MS.
Foram analisados os resultados do pós-operatório imediato, com sete, 30 e 90 dias
de pós-operatório e após 1 ano e a ocorrência ou não de complicações.
Foram selecionados os casos de pacientes com tumor restrito à asa nasal, que tenham
sido biopsiados anteriormente com diagnóstico positivo para carcinoma basocelular
e que concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo
foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Câncer de Campo Grande Alfredo Abrão
(n.º 002.2021).
Técnica cirúrgica
Após demarcação do tumor com margens de segurança oncológicas com azul de metileno,
a área tumoral foi anestesiada com solução de Klein modificada [100 ml de SF a 0,9%
+ 1 ampola de adrenalina (solução milesimal) + 20 ml de lidocaína a 2% (sem vasoconstritor)
+ 4 ml de bicarbonato de Na+ a 8,4%] + bloqueio do nervo infraorbitário associado
a sedação com midazolan e fentanil feito pelo anestesista.
Após a vasoconstrição, o tumor foi ressecado e foi realizada hemostasia rigorosa da
área excisada.
A busca de uma pele fina, semelhante à da asa nasal, levou-nos a utilizar a pele do
dorso nasal lateral. Demarcamos o retalho a ser confeccionado, este estendendo-se
da asa nasal ao canto interno do olho, preservando a área do ligamento cantal interno
e do canal lacrimal. Em seguida, confeccionamos o retalho cutâneo nasogeniano de pedículo
inferior (Figura 1A) e promovemos a rotação para o seu novo leito (Figura 1B), no qual este foi suturado com nylon 5.0. A área doadora do mesmo foi suturada,
após leve descolamento e hemostasia, com vicryl 4.0 e nylon 5.0, gerando uma cicatriz
sem tensão (Figura 1C).
Figura 1 - Sequência técnica de retalho de transposição. A: Excisão do tumor e confecção do retalho;
B: Rotação do retalho; C: Pós-operatório imediato.
Figura 1 - Sequência técnica de retalho de transposição. A: Excisão do tumor e confecção do retalho;
B: Rotação do retalho; C: Pós-operatório imediato.
A tumoração excisada foi enviada para exame anatomopatológico para confirmação das
margens de segurança.
RESULTADOS
Durante 11 anos, foram analisados e operados 20 casos de pacientes com necessidade
de reconstrução de asa nasal após exérese de carcinoma basocelular, sendo 13 (65%)
do sexo masculino e 7 (35%) do sexo feminino. A idade dos pacientes variou entre 45
e 80 anos, sendo que 50% ocupou a faixa etária de 61 a 70 anos. Todos os pacientes
apresentaram Fitzpatrick entre I e III. Dos pacientes operados, apenas 7 (35%) necessitaram
de refinamentos, sendo estes realizados em apenas um tempo cirúrgico adicional (Figura 2). No pós-operatório imediato, dois pacientes apresentaram cobertura parcial do defeito,
outros dois pacientes apresentaram complicações, sendo uma infecção e outra coloração
inestética do retalho.
Figura 2 - Distribuição dos pacientes pela necessidade de refinamento cirúrgico (N=20).
Figura 2 - Distribuição dos pacientes pela necessidade de refinamento cirúrgico (N=20).
Na consulta após 60 dias, um paciente evoluiu com cicatriz inestética e dois tiveram
desaparecimento parcial do sulco nasogeniano. No acompanhamento até um ano após as
cirurgias, treze pacientes (65%) não apresentaram nenhum tipo de complicação e nenhum
paciente evoluiu com necrose (Figura 3).
Figura 3 - Complicações nos retalhos no pós-operatório (N=20).
Figura 3 - Complicações nos retalhos no pós-operatório (N=20).
As Figuras 4 to 5 ilustram a técnica cirúrgica e as Figuras 6 to 7 ilustram o acompanhamento a longo prazo de alguns casos da casuística.
Figura 4 - A: Demarcação do retalho; B: Excisão do tumor e confecção do retalho; C: Pós-operatório
imediato.
Figura 4 - A: Demarcação do retalho; B: Excisão do tumor e confecção do retalho; C: Pós-operatório
imediato.
Figura 5 - A: Excisão do tumor e demarcação do retalho; B: Confecção e rotação do retalho; C:
Pós-operatório imediato.
Figura 5 - A: Excisão do tumor e demarcação do retalho; B: Confecção e rotação do retalho; C:
Pós-operatório imediato.
Figura 6 - A: Pós-operatório imediato; B: Sete dias de pós-operatório; C: 30 dias de pós-operatório.
Figura 6 - A: Pós-operatório imediato; B: Sete dias de pós-operatório; C: 30 dias de pós-operatório.
Figura 7 - A: Pós-operatório de 90 dias; B: Pós-operatório de um ano.
Figura 7 - A: Pós-operatório de 90 dias; B: Pós-operatório de um ano.
DISCUSSÃO
Na literatura, existe um grande arsenal descrito para reconstrução do nariz. Entretanto,
a asa nasal, devido ao seus limites e formato côncavo, representa um desafio ao cirurgião
para preservar sua função aliada a um resultado estético satisfatório.
Alguns autores referiram como mais utilizado para esta subunidade nasal (asa nasal)
o retalho bilobado (44%), seguido do retalho em V-Y e do retalho nasogeniano de pedículo
superior5; outros autores relataram predomínio da utilização do retalho nasogeniano de pedículo
superior (55,84%)6,7. No presente estudo, não encontramos, na literatura, casuística do retalho nasogeniano
de pedículo inferior para servir de comparação com o nosso trabalho.
O retalho nasogeniano de pedículo inferior é baseado, no desenho, ao retalho romboide
de Limberg. Este, que considera a área de ressecção como um losango, propõe a confecção
do retalho paralelo a um dos quatro eixos da lesão, fazendo com que o “V” da área
doadora se feche por aproximação ao rodar o retalho. O retalho nasogeniano de pedículo
inferior, em sua essência, é o retalho de Limberg desenhado no eixo mais adequado
para a correção do defeito da asa nasal.
A espessura da pele é um dos fatores limitantes para que a reconstrução fique esteticamente
semelhante à da asa nasal. O retalho médio-frontal é uma opção para grandes reconstruções
que englobam mais da metade do nariz, inclusive as asas nasais, sendo descrito como
o mais adequado pela segurança, quantidade de pele obtida e semelhança nas características
cutâneas8; entretanto, o mesmo exige várias cirurgias de refinamento em pacientes
caucasianos para melhoria estética devido à espessura deste retalho. O retalho nasogeniano
de pedículo inferior, apesar de possuir como limitação a sua área de cobertura, restringindo-se
a defeitos na asa nasal, apresentou espessura de pele praticamente compatível à espessura
anterior, não necessitando refinamentos para afinar o retalho em 70% dos casos realizados.
Segundo Gokrem et al.9, o retalho miocutâneo V-Y de avançamento é uma opção para reconstrução
nasal de pequenos e médios defeitos, evitando as desvantagens do retalho frontal e
apresentando como vantagens a segurança e as características semelhantes entre a área
doadora e receptora, podendo ser utilizado em várias regiões do nariz. Todavia, exige
grande experiência do cirurgião para garantir a viabilidade deste retalho em razão
do estreito pedículo. Em contraste, o retalho nasogeniano de pedículo inferior é de
fácil confecção, não necessitando de grande experiência do cirurgião para executá-lo.
Segundo Laitano et al.5, o retalho bilobado apresenta a vantagem de ser um procedimento
simples, realizado em um único estágio, com bons resultados estéticos e funcionais
e alto grau de aceitação pelos pacientes, ao contrário do retalho nasogeniano de pedículo
superior. O retalho bilobado para reconstrução da asa nasal apresentou as mesmas especificidades
quando comparado ao retalho nasogeniano de pedículo inferior.
O retalho de interpolação para correção da asa nasal, citado por Sakai et al.10, promove
a preservação do sulco nasogeniano, entretanto, quando o paciente é homem pode ocorrer
transferência de folículos pilosos, o que não acontece com o retalho nasogeniano de
pedículo inferior, devido sua pele não conter folículos pilosos.
CONCLUSÃO
O retalho nasogeniano de base inferior mostrou ser um retalho viável à reconstrução
da asa nasal pela qualidade de pele, fácil execução e índices mínimos de complicações.
Colaborações |
MR |
Aprovação final do manuscrito, Concepção e desenho do estudo, Metodologia, Realização
das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição, Supervisão
|
DNS |
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Redação - Revisão
e Edição
|
ALCL |
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Redação - Preparação
do original, Redação - Revisão e Edição, Visualização
|
ALCL |
Aprovação final do manuscrito, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão
e Edição
|
ACR |
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Redação - Revisão
e Edição
|
REFERÊNCIAS
1. Mélega JM, Viterbo F, Mendes FH. Cirurgia plástica: os princípios e a atualidade.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
2. Ferreira LM. Cirurgia Plástica. Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar - Unifesp
Escola Paulista de Medicina. São Paulo: Manole; 2007. p 3-11; 355-60; 663-83.
3. Herbert DC, Harrison RG. Nasolabial subcutaneous pedicle flaps. Br J Plast Surg. 1975;28(2):85-9.
4. Converse JM. Reconstruction of the nose by the scalping flap technique. Surg Clin
North Am. 1959;39(2):335-65.
5. Laitano FF, Teixeira LF, Siqueira EJ, Alvarez GSe, Martins PDE, Oliveira MP. Uso de
retalho cutâneo para reconstrução nasal após ressecção neoplásica. Rev Bras Cir Plást.
2012;27(2):217-22.
6. Souza Filho MV, Kobig RN, Barros PB, Dibe MJA, Leal PRA. Reconstrução nasal: análise
de 253 casos realizados no Instituto Nacional de Câncer. Rev Bras Cancerol. 2002;48(2):239-45.
7. Moura BB, Signore FL, Buzzo TE, Watanabe LP, Fischler R, Freitas JOG. Reconstrução
nasal: análise de série de casos. Rev Bras Cir Plást. 2016;31(3):368-72.
8. Cintra HPL, Bouchama A, Holanda T, Jaimovich CA, Pitanguy I. Uso do retalho médio-frontal
na reconstrução do nariz.. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(2):212-7.
9. Gokrem S, Tuncali D, Akbuga U, Terzioglu A, Aslan G. Reconstruction of small to medium
defects in the soft tissues of the nose with nasalis musculocutaneous V-Y advancement
flaps. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2006;40(3):140-7. DOI: 10.1080/02844310500491575
10. Sakai RL, Tavares LCV, Komatsu CA, Faiwichoq L. Retalho nasogeniano de interpolação
na reconstrução da asa nasal após ressecção de tumores cutâneos. Rev Bras Cir Plást.
2018;33(2):217-21.
1. Hospital de Câncer de Campo Grande Alfredo Abrão, Serviço de Cirurgia Plástica,
Campo Grande, MS, Brasil.
2. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Cirurgia Plástica, Campo Grande, MS,
Brasil.
3. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Medicina, Campo Grande, MS, Brasil.
4. Universidade Anhanguera-Uniderp, Medicina, Campo Grande, MS, Brasil.
5. Universidade de Marília, Medicina, Marília, SP, Brasil.
Autor correspondente: Marcelo Rosseto, Rua Raul Pires Barbosa, 1477, Chácara Cachoeira, Campo Grande, MS, Brasil., CEP:
79040- 150, E-mail: marcelorosseto@yahoo.com.br
Artigo submetido: 05/03/2021.
Artigo aceito: 14/07/2021.
Conflitos de interesse: não há.