ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year1997 - Volume12 - Issue 2

RESUMO

A apresentação deste estudo visa tornar mais claro o entendimento do processo de torção a que é submetido todo o pedículo vascular que nutre a ilha de tecido dermo-adiposo abdominal no momento em que esta é modelada no compartimento torácico da antiga mastectomia, com a finalidade de criarmos uma neo-mama. Desde os trabalhos originais do uso de retalhos miocutâneos nas reconstruções mamárias que não observamos qualquer referência aos cuidados que devemos tomar para agredir o menos possível o pedículo (uni) ou os pedículos (bi) que garantem a circulação arterial e venosa desse retalho. Conseguimos demonstrar através de modelos em espuma exatamente o que se passa in vivo, e a sua correlação visual com os tempos cirúrgicos correspondentes. O retalho Bilateral tem um comportamento tridimensional bastante diferente do unilateral com possibilidades mais limitadas para uma boa modelagem. Todas as posições foram facilmente identificadas e daí o melhor entendimento daquelas consideradas de maior ou menor circulatório para o retalho. Passamos a compreender o porquê de certas perdas superficiais em retalhos que pareciam tão bem nutridos e com frequência de natureza venosa. A finalidade deste estudo foi sedimentar as posições de maior segurança com o tram-flap nas reconstruções mamárias, através da maior compreensão tridimensional do arco de rotação e das torções do pedículo muscular.

Palavras-chave: Retalho abdominal; Reconstruções mamárias; Reto abdominal

ABSTRACT

This study aims at facilitating the understanding of the torsion process applied to the whole vascular pedicle which nourishes the island of abdominal dermal-adipose tissue at the moment in which it is shaped in the thoracic compartment of the previous mastectomy to create a new breast. Since the original works published about the utilization of myocutaneous flaps in breast reconstructions, we have not observed any references to the care which must be taken to apply the least aggressive possible approach to the unipedicle or bipedicles which warrant the arterial and venous circulation of this flap. By means of foam models, we have displayed exactly what happens in vivo, and their visual correlation with the corresponding surgical times. The bilateral flap presents a tridimensional behaviour quite different from the unilateral one, with more limited possibilities for a good shaping. All positions were easily identified, permitting a better understanding of those which present greater or smaller circulatory risk for the flap. We have finally understood the reason for some superficial losses in flaps which seemed so well nourished, frequently of a venous nature. This study purpose was sedimentating the tram-flap safest positions in breast reconstructions, by means of agreater understanding of the muscular pedicle rotation are and torsions.

Keywords: Abdominal Flap, Breast Reconstruction, Rectoabdominal


INTRODUÇÃO

Desde os trabalhos originais de Holmström, Hartrampf, Dreaver, Vieira Chveid e Kogut(1, 2, 3, 4) que não observamos qualquer referência na literatura a respeito dos problemas circulatórios que por ventura pudessem surgir de possíveis torções do pedículo vascular do reto abdominal no momento da modelagem que todo este conjunto sofre para obtermos uma nova mama. Todas as complicações sempre são relacionadas a problemas vasculares possivelmente relativos à desvascularização excessiva do músculo, ou secção indevida da artéria epigástrica superior ou hematomas, ou infecções e até mesmo variações anatômicas inesperadas. Essas causas realmente podem levar àlguma forma de insucesso, porém, é extremamente comum termos uma cianose imediata do retalho que nos alerta para alguma coisa de anormal que esteja ocorrendo no pré-operatório, sem que tenhamos identificado o motivo específico. Reposicionamos o retalho novamente, às vezes até trazendo-o de volta ao abdome, e verificamos que a circulação se recupera efetivamente. Ao observarmos este fato começamos a acreditar que o giro de 180º que o retalho sofre para migrar do abdome para o tórax, aliado a duas torções do pedículo vascular muscular, poderiam contibuir para alguma forma de interrupção circulatória estrutural. Isto estaria na dependência de alguns fatores ligados à anatomia do músculo em si, tais como sua largura e comprimento, assim como da própria característica da paciente em ser brevilínea, longilínea e com uma área receptora mais ou menos lesada pela mastectomia.


MATERIAL E MÉTODO

Confeccionamos 3 moldes básicos em espuma. Um representando a linha abdominal completa com os dois músculos. Outro representando o hemi-abdome com o seu músculo correspondente para transposição homolateral. Baseados em critérios amplamente já discutidos de territórios vasculares e suas dominâncias, enumeramos as regiões cutâneas da linha abdominal da seguinte forma:

- região 1 - aquela que corresponde às perfurantes periumbelicais;

- região 2 - aquela que corresponde à região vizinha homolateral;

- região 3 - aquela que corresponde à região vizinha contralateral;

- região 4 - aquela que corresponde à ponta contralateral.

Essa setorização numérica corresponde à importância vascular na ilha cutânea em relação às perfurantes do reto abdominal unilateral. Quando estamos usando o retalho bilateral, esta setorização apresentará apenas as regiões 1 e 2, para cada um dos músculos.


Molde Bilateral

Submetemos este conjunto a um movimento de baixo para cima, em 180º, exatamente como no procedimento cirúrgico e verificamos a 1ª torção. Em seguida, colocamos a ilha de espuma (abdome) voltada para fora com o umbigo para cima transversal (posição 2112). Constatamos a 2a torção. Iniciamos um movimento de rotação horária de toda a ilha obliqualizando e verticalizando-a. Identificamos o efeito sobre o pedículo. A partir desse momento, ao continuarmos o movimento, iremos horizontalizar novamente a ilha, porém, com o umbigo para baixo e o músculo contralateral passando pela frente do homolateral, ou seja, deixam de ficar em paralelo para ficarem numa 3ª torsão. que também pode ser obtida com o movimento contrário e nesse caso o músculo contralateral passará por baixo do homolateral. Todo esse processo foi realizado para uma mastectomia direita. Ao realizarmos para uma mastectomia esquerda, todo o processo descrito será exatamente o inverso, ou seja, na rotação anti-horária é que o contralateral passa pela frente do homolateral.


Molde Unilateral Contralateral

A 1ª torção é verificada também no movimento de 180º. A 2ª torção se verifica ao colocarmos a ilha de pele voltada para fora estabelecendo a posição 312 em que o umbigo está para baixo. Esta posição pode ser obtida tanto com uma rotação para um lado quanto para o outro. Mas, se colocarmos o umbigo voltado para cima, obtemos a posição 213 transversal. Poderemos obter várias posições intermediárias ao obliqualizarmos a ilha no sentido horário (mastectomia direita) ou anti-horário (mastectomia esquerda).


Fig. 1. Modelo em espuma para rotação contralateral.


Fig. 2. Rotação superior para a posição 312. Rotação interna.


Fig. 3. Rotação superior para a posição 312. Rotação externa.


Fig. 4. Rotação superior para a posição 213. Transversa. Perigosa.


Fig. 5. Rotação superior para a posição 213. Oblíqua. Desfaz a torção atrás do retalho.


Fig. 6. Modelo em espuma para rotação homolateral. Inicia na posição 312.


Fig. 7. Rotação superior para a posição 213. Rotação externa ou interna.


Fig. 8. Correspondência visual in vivo.


Fig. 9. Rotação superior para a posição 312 sem torção atrás do retalho.



Molde Unilateral Homolateral

A 1ª torção também é verificada no movimento de 180º. Com a 2ª torção a ilha de pele se volta para fora, e isso, tanto para um lado quanto para o outro, sendo que o umbigo está para baixo. Esta posição é a 213 transversa. Se o umbigo for colocado para cima, teremos a posição 312 transversa. Ambas, como no casos do contralateral, poderão sofrer vários movimentos de obliqualização.


DISCUSSÃO

Ao verificarmos no modelo em espuma o que se passa junto ao músculo podemos ter uma perfeita noção tridimensional de todo o conjunto e das possibilidades estruturais das diversas posições da ilha cutânea.

A 1ª torção ocorre de maneira sistemática em todos os grupos e corresponde à base do músculo junto ao gradil costal na saída da artéria epigástrica superior. É feita de forma suave apesar de ser em 180º e não traz qualquer incoveniente para a adaptação do molde e automaticamente o mesmo se passa in vivo. Nesta posição, ao exteriorizarmos a ilha de pele para fora do tórax, ela se encontrará voltada para dentro. Neste momento, podemos verificar nítidas diferenças entre o que ocorre com o bilateral e o unilateral. No molde bilateral, para que a cicatriz umbilical fique para baixo, basta rodarmos todo o conjunto para um lado ou outro. Aqui verificamos que isto pode ser feito colocando-se o músculo contralateral por trás ou pela frente do homolateral. Com isso, a ilha de pele (espuma) fica exteriorizada e com o umbigo para baixo. Se a rotação coloca o contralateral por trás, conseguimos um melhor alcance da ponta que irá para a infraclavicular e axila. Ou seja, uma melhor obliquação. Mas se o contralateral passar pela frente do homo, teremos uma nítida limitação deste alcance, pois a torsão imposta no setor das perfurantes é muito grande. Ao optarmos pela colocação do umbigo para cima, teremos desde a posição transversal 2112 até a verticalização completa. Passamos por várias obliquações horárias (nos casos de deformidades à direita) ou anti-horárias (à esquerda). Neste modelo, as obliquações contrárias a essas descritas foram extremamente limitadas pelo arco de rotação do contralateral. Quer dizer, o homo tem maior alcance sempre para a axila e a região infraclavicular com menor tensão. Os músculos acabam se adaptando em paralelo e se desfaz o cotovelo na perigosa região das perfurantes, cotovelo este que aparece nitidamente na posição totalmente transversa e que pode gerar problemas de retorno venoso por compressão. Vários autores como nós, entre eles MAXWELL, optam pela posição obliqualizada quase vertical com a cicatriz umbelical voltada para cima e para dentro, pois assim conseguem um ótimo preenchimento infraclavicular e axilar, e a possibilidade de excesso de retalho nas porções mais inferiores da neo-mama. O defeito da cicatriz umbilical deve ser esquecido como parâmetro para a modelagem pois na enorme maioria das vezes ele será sepultado sob a pele torácica. Já a posição 2112 com o umbigo para baixo terá o forte fator limitante do contralateral passando pela frente do homo e, portanto, o mais indicado será que esta passagem se dê por trás.

Quando utilizamos o unilateral contralateral, observamos que, ao exteriorizarmos a pele com o umbigo voltado para baixo, temos a posição 312 sem qualquer cotovelo muscular nas perfurantes, e podemos fazer obliqualizações horárias e anti-horárias na dependência do caso (isto para os defeitos à esquerda). O mesmo princípio se aplica à direita, porém a posição passa a ser 213. O que observamos com o contralateral é que as áreas 3 e 1 ficam sempre mediais no tórax e podem facilmente preencher as porções mais inferiores da neo-mama que darão todo o cone mamário, sem perder altura para a axila e intraclavicular. Estas posições 312 e 213 são obtidas pelo simples giro completo da ilha de pele que estava voltada para dentro, tanto para a esquerda quanto para a direita. A área 2 fica voltada obrigatoriamente para cima e/ou para fora. Mas, se exteriorizarmos a ilha de pele (espuma) com o umbigo para cima significa a posição 213 para um defeito à esquerda e 312 para à direita. Criamos, assim, novamente, um cotovelo muscular perigoso junto das perfurantes que pode ser desfeito por obliqualizações segundo a necessidade. Aqui observamos que o maior volume do retalho vai para cima e para fora, exatamente contrário às nossas necessidades. No caso de um homolateral à direita, ao exteriorizarmos a ilha de pele com o umbigo para baixo temos a posição 213, sem qualquer cotovelo, porém com maior volume de tecido nas porções laterais da neo-mama. Mas como o alcance é muito maior, podemos, através de obliqualizações, ter uma boa variedade de posicionamento. Ao optarmos para o umbigo em cima teremos a posição 312, em que vemos a formação novamente do cotovelo muscular e que necessita ser desfeito, e nesse caso a obliqualização deve ser feita com área 2 para cima e para fora. Esta posição é muito boa com fácil modelagem, porém existe uma pequena redução de alcance do retalho, que não chega a ser um fator limitante. Devemos considerar nos unilaterais o posicionamento da cicatriz umbelical como de importância na modelagem futura da neo-mama, pois com frequência, por trabalharmos com menos tecido, acabamos por deixar exposta a cicatriz, ou seja, não a sepultamos sob a pele do tórax à semelhança do que ocorre nos bilaterais. Neste aspecto é sempre interessante deixá-la voltada para baixo pensando-se num futuro refinamento.


Fig. 10. In vivo.


Fig. 11. In vivo.


Fig. 12. Modelo em espuma para rotação bilateral. Inicia com 2112.


Fig. 13. Rotação superior verticalizada músculos em paralelo sem torção.


Fig. 14. Rotação superior obliqualizada músculo em paralelo sem torção.


Fig. 15. Rotação superior transversa com umbigo para cima. Perigosa. Torção do pedículo em joelho atrás do retalho.


Fig. 16. Rotação superior com o umbigo para baixo. O músculo contralateral passando por trás do homolateral. Maior alcance na axila.


Fig. 17. Rotação superior com o umbigo para baixo. O músculo contralateral passando para frente do homolateral. Alcance redizido na axila.



CONCLUSÕES

A interpretação tridimensional em moldes de espuma para os diversos posicionamentos e arcos de rotação do TRAM-flap nos possibilitou chegar às seguintes conclusões:

Para o reto Bilateral:

1. Maior alcance se a ponta homo lateral for colocada supero-lateral;

2. O músculo contralateral deve passar por trás do homo ao se optar pela cicatriz umbelical para baixo;

3. O músculo contralateral ao passar pela frente do homo, com a cicatriz umbelical para baixo, limita o alcance da ponta da axila;

4. O retalho com a cicatriz umbelical para baixo determina um entrecruzamento obrigatório das bandas musculares;

5. O retalho com a cicatriz umbelical para cima, quando transverso, determina um perigoso cotovelo muscular na altura das perfurantes;

6. A posição tridimensional mais adequada é a que os músculos ficam em paralelo com obliquação da região das perfurantes, e o umbigo fica supero-interno, com a ponta homo para cima;

7. A cicatriz umbelical não deve ser considerada isoladamente na escolha da melhor posição estética, pois pode resultar em estrangulamento do pedículo e futuro sofrimento venoso.

8. A opção pela cicatriz umbelical para baixo deve ser feita com o contralateral passando por trás do homo;

9. A 1ª e a 2ª torções do músculo não são suficientes para levar à insuficiência vascular, mas sim o acotovelamento do setor das perfurantes, ou cruzamento forçado das bandas musculares.

Para o reto Unilateral contralateral:

1. Alcance mais limitado do que o homolateral;

2. A posição do umbigo para baixo faz com que as regiões 3 e 1 fiquem mediais no tórax e, portanto, facilitando a modelagem da neo-mama que necessita de mais tecido nas suas porções inferiores;

3. O umbigo para baixo dá maior alcance ao retalho e sem cotovelo das perfurantes, exatamente o contrário quando o umbigo está para cima;

4. O umbigo para cima, além de limitar o retalho, coloca as regiões 3 e 1 lateralmente, prejudicando a modelagem.

Para o Reto Unilateral Homolateral:

1. Maior alcance no tórax;

2. Com o umbigo para baixo, oferece a área 3 e 1 para as laterais da neo-mama, porém sem acovelamento vascular;

3. Com o umbigo para cima, oferece a área 3 e 1 para as porções inferiores da neo-mama, mas com cotovelo que deve ser desfeito pela obliqualização e colocação da área 2 na lateral;

4. Mesmo com o umbigo para cima que determina cotovelo vascular e encurta o alcance, a modelagem é sempre possível;

5. Nos unilaterais de modo geral, o umbigo para baixo deve ser considerado na modelagem, pois com frequência não temos tecido suficiente para sepultá-lo sob a pele torácica. E, nesse aspecto, o contralateral tem mais vantagens, apesar de menor alcance.


BIBLIOGRAFIA

1. DREAVER, M. J. - Total Breast Reconstruction. Ann Plast Surg, 7:54, 1981.

2. HARTRAMPF, C. R.; SCHEFLAN, M. and BLACK, P. W. - Breast Reconstruction with a Transverse Abdominal Island Flap. Plast and Reconstruct. Surg, 69:216, 1982.

3. VIEIRA, R.; CHVEID, M.; e KOGUT, J. - Reconstrução Mamária com Reto abdomina. Simpósio de Abdominoplastia em São Paulo, Anais, 1982.

4. HOLMSTÖM, H. - The Free abdominoplasty Flap and its use in Breast Reconstruction: An experimental Study and clinical case report. Scoand. J. Plast. Reconstruct. Surg. 13:423, 1979.

5. ROBBINS, T. H. - Rectus abdominis myocutaneous flap for Breast Reconstruction. Austr. N. Z. J. Surg. 49:527, 1979.





I - Cirurgião Plástico e Mastologista do INCa - RJ
Cirurgião Plástico e Mastologista do Hospital Israelita Albert Sabin
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Mastologia

Instituto Nacional do Câncer do RJ
Serviço de Cirurgia Plástica Reconstrutora

Endereço para Correspondência:
Mauricio Chveid
Praça da Cruz Vermelha, 23 - Centro
Rio de Janeiro - RJ 20230-130

 

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