INTRODUÇÃO
As neoplasias de pele constituem-se em um grupo amplo de doenças, sendo que as neoplasias
malignas recebem maior ênfase clínica em virtude de sua epidemiologia e desfechos
que são em grande parte preveníveis com tratamento precoce. Os cânceres de pele são
as neoplasias mais comuns no mundo, com uma incidência estimada de 2 a 3 milhões no
tipo não melanoma e 132.000 no tipo melanoma por ano1. Estima-se que 1 em cada 3 cânceres diagnosticados ocorra na pele1.
O Brasil espelha a epidemiologia global e apresenta uma incidência anual estimada
de 185.380 casos para 2020, com 4.120 óbitos em 2018. Neste cenário, o câncer de pele
é a neoplasia com maior incidência anual2,3.
As neoplasias são a segunda causa de mortalidade no Brasil, porém a maioria dos cânceres
de pele possui bom prognóstico quando diagnosticados e tratados precocemente2. Esta é a razão pela qual a manutenção e melhoria dos programas de abordagem de cânceres
são importantes.
O ano de 2020 está sendo marcado pelas fatalidades e mudanças exigidas para o enfrentamento
ao vírus COVID-19. Sendo assim, justifica-se a importância deste estudo, uma vez que
é necessário que, dado o impacto no tratamento das neoplasias de pele por influência
da pandemia de COVID-19, é importante que se procure meios que minimizem as suas consequências.
OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é mensurar a evolução das internações em geral, por neoplasias
e câncer de pele no período de 2008-2020, e, a partir destes dados, quantificar o
impacto no número de internações para tratamento de câncer de pele.
MÉTODOS
Realizou-se um estudo epidemiológico no banco de dados do DATASUS (TABNET) englobando
os municípios brasileiros, no período de janeiro de 2008 a junho de 2020, quanto às
internações hospitalares, eletivas e urgentes, para tratamento dos capítulos CID-10,
“neoplasia maligna da pele” e “outras neoplasias malignas da pele”4.
Seguiu-se a resolução normativa número 510, de 07 de abril de 2016, do Ministério
da Saúde, que define as pesquisas que utilizam informações de acesso público, feitas
em bancos de dados, cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação
individual e não precisam passar pelo comitê de ética em pesquisa (CEP)5.
O sistema de informação do Ministério da Saúde já publicou dados referentes aos seis
primeiros meses de 2020 e, por esta razão, foi o período de escolha apurado para criar
um paralelismo com os anos anteriores quanto ao número de internações nos grupos escolhidos,
caráter da internação (eletivo x urgência) e evoluções percentuais. Tais dados foram
analisados pelos autores deste estudo em reuniões na Santa Casa de Montes Claros.
RESULTADOS
As internações realizadas no Sistema Único de Saúde, entre janeiro a junho de 2008
a 2020, foram tabeladas e analisadas, resultando nas figuras 1A, 1B e 1C e na tabela 1. Houve aumento no número total de internações por todas as causas de 2008-2019: número
total de internações aumentou 10,60%, número de internações por neoplasias aumentou
58,65% e número total de internações por câncer de pele aumentou 156,24%.
Figura 1 - Evolução anual das internações no Brasil de janeiro a junho de 2008 a 2020. A. Evidencia
a evolução das internações por todos as causas, por neoplasias e câncer de pele no
SUS, nos 6 primeiros meses de cada ano, em milhões; B e C. São específicos de neoplasias
e cânceres de pele, respectivamente, nos 6 primeiros meses de cada ano, em milhares.
Figura 1 - Evolução anual das internações no Brasil de janeiro a junho de 2008 a 2020. A. Evidencia
a evolução das internações por todos as causas, por neoplasias e câncer de pele no
SUS, nos 6 primeiros meses de cada ano, em milhões; B e C. São específicos de neoplasias
e cânceres de pele, respectivamente, nos 6 primeiros meses de cada ano, em milhares.
Tabela 1 - Número de internações gerais, neoplasias e câncer de pele no Brasil nos seis primeiros
meses (2008-2020).
Ano |
Todas as internações |
Neoplasias |
Câncer de pele |
2008 |
5.495.649 |
272.415 |
10.820 |
2009 |
5.518.042 |
278.240 |
11.639 |
2010 |
5.717.400 |
302.015 |
13.095 |
2011 |
5.730.321 |
310.662 |
13.702 |
2012 |
5.666.376 |
330.234 |
14.947 |
2013 |
5.596.107 |
335.941 |
16.000 |
2014 |
5.654.255 |
354.641 |
17.426 |
2015 |
5.747.574 |
371.718 |
18.954 |
2016 |
5.746.614 |
380.344 |
20.680 |
2017 |
5.747.733 |
393.835 |
22.933 |
2018 |
5.921.025 |
411.028 |
25.592 |
2019 |
6.077.975 |
432.190 |
27.725 |
2020 |
4.455.777 |
319.297 |
18.567 |
Tabela 1 - Número de internações gerais, neoplasias e câncer de pele no Brasil nos seis primeiros
meses (2008-2020).
Os seis primeiros meses de 2020 apresentaram uma redução numérica de internações nos
três grupos quando comparadas aos mesmos meses de 2019: internações gerais reduziram
em 26,69%, as internações por todas as neoplasias reduziram 26,12%, enquanto as neoplasias
malignas de pele reduziram em 33,03%.
As variações percentuais sobre o ano anterior, nos seis primeiros meses de cada ano,
de 2008-2020, estão registradas na figura 2.
Figura 2 - Variação percentual das internações no Brasil de janeiro a junho de 2008 a 2020.
Figura 2 - Variação percentual das internações no Brasil de janeiro a junho de 2008 a 2020.
Os números de internações por câncer de pele estudados nos primeiros seis meses do
período estão representados na figura 3 e na tabela 2.
Figura 3 - Número de internações para tratamento de câncer de pele nos seis primeiros meses de
cada ano, de 2008 a 2020, no Brasil.
Figura 3 - Número de internações para tratamento de câncer de pele nos seis primeiros meses de
cada ano, de 2008 a 2020, no Brasil.
Tabela 2 - Internações para tratamento de câncer de pele no Brasil nos seis primeiros meses (2008-2020).
Ano 2008
|
Janeiro 1.750
|
Fevereiro 1.591
|
Março 1.867
|
Abril 1.917
|
Maio 1.800
|
Junho 1.895
|
2009 |
1.638 |
1.591 |
2.155 |
2.017 |
2.149 |
2.089 |
2010 |
1.877 |
1.798 |
2.510 |
2.177 |
2.395 |
2.338 |
2011 |
2.119 |
2.294 |
2.310 |
2.165 |
2.581 |
2.233 |
2012 |
2.222 |
2.128 |
2.690 |
2.561 |
2.889 |
2.457 |
2013 |
2.409 |
2.200 |
2.640 |
3.027 |
2.821 |
2.903 |
2014 |
2.627 |
2.821 |
2.760 |
3.003 |
3.257 |
2.958 |
2015 |
2.764 |
2.551 |
3.588 |
3.199 |
3.442 |
3.410 |
2016 |
2.918 |
2.970 |
3.774 |
3.593 |
3.683 |
3.742 |
2017 |
3.234 |
3.214 |
4.336 |
3.619 |
4.490 |
4.040 |
2018 |
3.923 |
3.714 |
4.412 |
4.585 |
4.478 |
4.480 |
2019 |
4.235 |
4.492 |
4.491 |
4.800 |
5.205 |
4.502 |
2020 |
4.482 |
4.150 |
3.738 |
2.156 |
2.328 |
1.713 |
Tabela 2 - Internações para tratamento de câncer de pele no Brasil nos seis primeiros meses (2008-2020).
A figura 4 mostra a evolução das internações eletivas e urgentes para tratamento de câncer de
pele de janeiro a junho de 2008 a 2020.
Figura 4 - Evolução numérica das internações eletivas e urgentes para tratamento de câncer de
pele de janeiro a junho de 2008 a 2020.
Figura 4 - Evolução numérica das internações eletivas e urgentes para tratamento de câncer de
pele de janeiro a junho de 2008 a 2020.
DISCUSSÃO
O impacto direto e indireto da infecção da COVID-19 ainda não é totalmente conhecido.
Entre os possíveis resultados indiretos teorizados encontra-se uma redução da disponibilidade
de internações a outras doenças, devido à escassez de recursos do SUS ou seu contingenciamento.
Outro estudo francês, ainda em andamento, confirma em seus relatórios preliminares
uma tendência semelhante, com drástica redução em termos de triagem (-86%), diagnóstico
(-39%) e tratamento cirúrgico (-30%), quando comparado ao mesmo período de 20196.
A análise das figuras 1 e 2 e da tabela 1 revelou que houve um aumento das internações nos 3 grupos de 2008 a 2019: internações
gerais aumentaram em 582.326 (10,60%), internações por câncer em geral aumentaram
em 159.775 (58,65%) e internações por câncer de pele aumentaram 16.905 (156,24%).
A comparação dos seis primeiros meses dos anos de 2019 e 2020 revelou redução no número
total e proporcional das internações: internações gerais diminuíram em 1.622.198 (26,69%),
câncer em geral em 112.893 (26,12%) e câncer de pele em 9.158 (33,03%).
A queda no número de internações demostra como o tratamento dos cânceres de pele podem
ter sido afetados, à semelhança do que ocorreu na Inglaterra, onde houve uma redução
estatisticamente significativa dos diagnósticos de câncer de pele de 68,61%7.
As internações mensais por câncer de pele no ano de 2020 reduziram gradativamente.
O mês de janeiro de 2020 ainda apresentou um aumento em relação ao ano de 2019, enquanto
os meses de fevereiro, março, abril, maio e junho de 2020 equiparavam-se em número
de internações com os mesmos meses de 2019, 2016, 2010 e anterior a 2008, respectivamente.
O impacto desta mudança é melhor compreendido na figura 5.
Figura 5 - Variação mensal das internações por câncer de pele nos seis primeiros meses, de 2008
a 2020, no Brasil.
Figura 5 - Variação mensal das internações por câncer de pele nos seis primeiros meses, de 2008
a 2020, no Brasil.
Em consonância com outras projeções internacionais, essa tendência na redução de número
de casos atendidos pode levar a um diagnóstico tardio, com pior prognóstico nesses
cânceres8.
A figura 4 mostra que as taxas de cirurgias eletivas e urgentes mantiveram a sua tendência geral
de queda desde o ano de 2008 (40% de cirurgias urgentes) até 2020 (19,88%), com pequenas
variâncias, o que mostra que não houve urgencialização de casos eletivos.
Diante da ausência de diagnóstico e tratamento adequado, pode-se assistir a um aumento
considerável na gravidade casos, conforme estudos de Tejera-Vaquerizo et al. (2020)9, que estimaram aumento do tamanho e profundidade de carcinoma de células escamosas
e melanomas na Espanha durante a pandemia. Notou-se nesse estudo a projeção e redução
da sobrevida em 5 anos de 5,2% para carcinoma espinocelular (CEC) e até 30,2% meses
para o melanoma, quando há um atraso de 3 meses no diagnóstico.
CONCLUSÃO
Este estudo mostra que o contingenciamento de recursos do SUS conduziu a uma redução
do número total de internações, retornando a patamares mensais menores do que há 12
anos. Este dado isolado é um importante indício do impacto indireto da pandemia da
COVID-19, pois representa um dado real, mensurável e atualizado sobre a mudança das
abordagens às outras patologias neste período singular.
Devido ao atraso nas várias etapas de abordagem dos cânceres de pele, esforços devem
ser tomados a fim de minimizar o impacto da pandemia. Nesse contexto, podemos destacar
a padronização de condutas, conforme diretrizes elaboradas por instituições, como
a National Comprehensive Cancer Network
10. Além disso, faz-se necessário facilitar o acesso do paciente ao sistema de saúde,
sendo a telemedicina, citada em diversas fontes como facilitadora do acompanhamento
desses casos7,11,12.
No caso específico de câncer de pele com necessidade de reconstrução em ambiente hospitalar
(e não apenas ambulatorial), trata-se de pacientes com lesões complexas, nas quais
alguns meses podem representar indubitavelmente a diferença entre uma cirurgia curativa
ou apenas higienização oncológica (paliativa). As curvas de mortalidade, por doenças
agudas e crônicas, apresentadas nos próximos anos irão atestar o significado desta
queda das internações.
COLABORAÇÕES
IFV
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Coleta de Dados, Gerenciamento
do Projeto, Investigação, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
TRWC
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento de
Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação
do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Validação, Visualização
|
LRS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Conceitualização, Redação - Revisão e Edição
|
LAT
|
Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização,
Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
OJDM
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Conceitualização,
Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
DFS
|
Análise estatística, Coleta de Dados
|
DSR
|
Análise estatística, Coleta de Dados, Gerenciamento de Recursos, Redação - Revisão
e Edição
|
PCA
|
Análise estatística, Coleta de Dados, Metodologia
|
REFERÊNCIAS
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(INCA). Câncer de pele não melanoma [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): Ministério da
Saúde/INCA; 2020; [acesso em 2020 Ago 20]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-nao-melanoma
3. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva
(INCA). Câncer de pele melanoma [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): Ministério da Saúde/INCA;
2020; [acesso em 2020 Ago 20]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-melanoma
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de saúde, epidemiológicas e morbidade: banco de dados [Internet]. Brasília (DF): Ministério
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Extraordinária, realizada nos dias 06 e 07 de abril de 2016, no uso de suas competências
regimentais e atribuições conferidas pela Lei n o 8.080, de 19 de setembro de 1990,
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1. FAMINAS-BH, Faculdade de Medicina, Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Hospital Santa Casa de Caridade de Montes Claros, Cirurgia Plástica, Montes Claros,
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3. Hospital Socor, Cirurgia Plástica, Belo Horizonte, MG, Brasil.
4. Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE, Faculdade de Medicina, Montes
Claros, MG, Brasil.
5. Hospital Dilson Godinho, Departamento de Cirurgia Plástica, Montes Claros, MG,
Brasil.
Autor correspondente: Isabella de Fátima Vilela, Avenida Raja Gabaglia , 1123, Luxemburgo, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30380-403.
E-mail: isaffarma@gmail.com
Artigo submetido: 15/09/2020.
Artigo aceito: 19/11/2020.
Conflitos de interesse: não há.