ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2021 - Volume36 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2021RBCP0034

RESUMO

Introdução: A infecção pelo vírus COVID-19 é um impacto severo à saúde no ano de 2020. A repercussão direta é facilmente mensurada através de suas taxas de morbidade e mortalidade. Sua repercussão indireta na saúde ainda é pouco mensurada e este é o objetivo deste estudo.
Métodos: Determinar os números de internações para tratamentos gerais, para tratamento de neoplasias e para câncer de pele malignos no SUS, de 2008 a 2020, no departamento de informática do SUS.
Resultados: O paralelismo dos dados referentes aos três grupos acima selecionados permitiu observar uma redução drástica no número de internações no SUS entre os mesmos meses de 2019 e 2020: queda de 10,60% nas internações gerais, 58,65% nas internações por neoplasia e 156% nas internações por câncer de pele maligno. A redução agravou-se gradativamente no ano de 2020 a partir do mês de janeiro. No mês de junho de 2020, os números de internações para tratamento de câncer de pele refletem valores de 12 anos atrás.
Conclusão: O acompanhamento da série histórica de internações no SUS fornece um valor palpável que serve como base para se compreender o direcionamento das medidas de saúde. As implicações indiretas da COVID-19 podem ter um desfecho tão trágico quanto a sua mortalidade, pois repercutem na disponibilidade de serviços de saúde especializados. Serviços de grande especialização como o tratamento de câncer em caráter hospitalar atendem casos complexos e sua indisponibilidade pode refletir em aumento de mortalidade por estas causas - um impacto indireto da COVID-19.

Palavras-chave: Infecções por coronavírus; Neoplasias cutâneas; Melanoma; Carcinoma basocelular; Neoplasias

ABSTRACT

Introduction: COVID-19 virus infection was a severe health impact in 2020. The direct repercussion is easily measured through its morbidity and mortality rates. Its indirect repercussion on health is still little measured, and this is the objective of this study.
Methods: To determine the number of hospitalizations for general treatments, for the treatment of neoplasms and malignant skin cancer in the SUS, from 2008 to 2020, in the department of informatics of the SUS.
Results: The parallelism of the data referring to the three groups selected above allowed to observe a drastic reduction in the number of hospitalizations in the SUS between the same months of 2019 and 2020: a decrease of 10.60% in general hospitalizations, 58.65% in hospitalizations for neoplasia and 156% in hospitalizations for malignant skin cancer. The reduction gradually worsened in 2020 from January. In June 2020, the number of hospitalizations for skin cancer treatment reflected values from 12 years ago.
Conclusion: The follow-up of the historical series of hospitalizations in the SUS provides a tangible value that serves as a basis for understanding the direction of health measures. The indirect implications of COVID-19 may have an outcome as tragic as its mortality, as they impact specialized health services availability. Services of great specialization such as hospital cancer treatment attend complex cases, and their unavailability may reflect an increase in mortality from these causes - an indirect impact of COVID-19.

Keywords: Coronavirus infections; Skin neoplasms; Melanoma; Basal cell carcinoma; Neoplasms.


INTRODUÇÃO

As neoplasias de pele constituem-se em um grupo amplo de doenças, sendo que as neoplasias malignas recebem maior ênfase clínica em virtude de sua epidemiologia e desfechos que são em grande parte preveníveis com tratamento precoce. Os cânceres de pele são as neoplasias mais comuns no mundo, com uma incidência estimada de 2 a 3 milhões no tipo não melanoma e 132.000 no tipo melanoma por ano1. Estima-se que 1 em cada 3 cânceres diagnosticados ocorra na pele1.

O Brasil espelha a epidemiologia global e apresenta uma incidência anual estimada de 185.380 casos para 2020, com 4.120 óbitos em 2018. Neste cenário, o câncer de pele é a neoplasia com maior incidência anual2,3.

As neoplasias são a segunda causa de mortalidade no Brasil, porém a maioria dos cânceres de pele possui bom prognóstico quando diagnosticados e tratados precocemente2. Esta é a razão pela qual a manutenção e melhoria dos programas de abordagem de cânceres são importantes.

O ano de 2020 está sendo marcado pelas fatalidades e mudanças exigidas para o enfrentamento ao vírus COVID-19. Sendo assim, justifica-se a importância deste estudo, uma vez que é necessário que, dado o impacto no tratamento das neoplasias de pele por influência da pandemia de COVID-19, é importante que se procure meios que minimizem as suas consequências.

OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho é mensurar a evolução das internações em geral, por neoplasias e câncer de pele no período de 2008-2020, e, a partir destes dados, quantificar o impacto no número de internações para tratamento de câncer de pele.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo epidemiológico no banco de dados do DATASUS (TABNET) englobando os municípios brasileiros, no período de janeiro de 2008 a junho de 2020, quanto às internações hospitalares, eletivas e urgentes, para tratamento dos capítulos CID-10, “neoplasia maligna da pele” e “outras neoplasias malignas da pele”4.

Seguiu-se a resolução normativa número 510, de 07 de abril de 2016, do Ministério da Saúde, que define as pesquisas que utilizam informações de acesso público, feitas em bancos de dados, cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação individual e não precisam passar pelo comitê de ética em pesquisa (CEP)5.

O sistema de informação do Ministério da Saúde já publicou dados referentes aos seis primeiros meses de 2020 e, por esta razão, foi o período de escolha apurado para criar um paralelismo com os anos anteriores quanto ao número de internações nos grupos escolhidos, caráter da internação (eletivo x urgência) e evoluções percentuais. Tais dados foram analisados pelos autores deste estudo em reuniões na Santa Casa de Montes Claros.

RESULTADOS

As internações realizadas no Sistema Único de Saúde, entre janeiro a junho de 2008 a 2020, foram tabeladas e analisadas, resultando nas figuras 1A, 1B e 1C e na tabela 1. Houve aumento no número total de internações por todas as causas de 2008-2019: número total de internações aumentou 10,60%, número de internações por neoplasias aumentou 58,65% e número total de internações por câncer de pele aumentou 156,24%.

Figura 1 - Evolução anual das internações no Brasil de janeiro a junho de 2008 a 2020. A. Evidencia a evolução das internações por todos as causas, por neoplasias e câncer de pele no SUS, nos 6 primeiros meses de cada ano, em milhões; B e C. São específicos de neoplasias e cânceres de pele, respectivamente, nos 6 primeiros meses de cada ano, em milhares.

Tabela 1 - Número de internações gerais, neoplasias e câncer de pele no Brasil nos seis primeiros meses (2008-2020).
Ano Todas as internações Neoplasias Câncer de pele
2008 5.495.649 272.415 10.820
2009 5.518.042 278.240 11.639
2010 5.717.400 302.015 13.095
2011 5.730.321 310.662 13.702
2012 5.666.376 330.234 14.947
2013 5.596.107 335.941 16.000
2014 5.654.255 354.641 17.426
2015 5.747.574 371.718 18.954
2016 5.746.614 380.344 20.680
2017 5.747.733 393.835 22.933
2018 5.921.025 411.028 25.592
2019 6.077.975 432.190 27.725
2020 4.455.777 319.297 18.567
Tabela 1 - Número de internações gerais, neoplasias e câncer de pele no Brasil nos seis primeiros meses (2008-2020).

Os seis primeiros meses de 2020 apresentaram uma redução numérica de internações nos três grupos quando comparadas aos mesmos meses de 2019: internações gerais reduziram em 26,69%, as internações por todas as neoplasias reduziram 26,12%, enquanto as neoplasias malignas de pele reduziram em 33,03%.

As variações percentuais sobre o ano anterior, nos seis primeiros meses de cada ano, de 2008-2020, estão registradas na figura 2.

Figura 2 - Variação percentual das internações no Brasil de janeiro a junho de 2008 a 2020.

Os números de internações por câncer de pele estudados nos primeiros seis meses do período estão representados na figura 3 e na tabela 2.

Figura 3 - Número de internações para tratamento de câncer de pele nos seis primeiros meses de cada ano, de 2008 a 2020, no Brasil.

Tabela 2 - Internações para tratamento de câncer de pele no Brasil nos seis primeiros meses (2008-2020).
Ano
2008
Janeiro
1.750
Fevereiro
1.591
Março
1.867
Abril
1.917
Maio
1.800
Junho
1.895
2009 1.638 1.591 2.155 2.017 2.149 2.089
2010 1.877 1.798 2.510 2.177 2.395 2.338
2011 2.119 2.294 2.310 2.165 2.581 2.233
2012 2.222 2.128 2.690 2.561 2.889 2.457
2013 2.409 2.200 2.640 3.027 2.821 2.903
2014 2.627 2.821 2.760 3.003 3.257 2.958
2015 2.764 2.551 3.588 3.199 3.442 3.410
2016 2.918 2.970  3.774 3.593 3.683 3.742
2017 3.234 3.214 4.336 3.619 4.490 4.040
2018 3.923 3.714 4.412 4.585 4.478 4.480
2019 4.235 4.492 4.491 4.800 5.205 4.502
2020 4.482 4.150 3.738 2.156 2.328 1.713

Fonte: DATASUS, 20201.

Tabela 2 - Internações para tratamento de câncer de pele no Brasil nos seis primeiros meses (2008-2020).

A figura 4 mostra a evolução das internações eletivas e urgentes para tratamento de câncer de pele de janeiro a junho de 2008 a 2020.

Figura 4 - Evolução numérica das internações eletivas e urgentes para tratamento de câncer de pele de janeiro a junho de 2008 a 2020.

DISCUSSÃO

O impacto direto e indireto da infecção da COVID-19 ainda não é totalmente conhecido. Entre os possíveis resultados indiretos teorizados encontra-se uma redução da disponibilidade de internações a outras doenças, devido à escassez de recursos do SUS ou seu contingenciamento. Outro estudo francês, ainda em andamento, confirma em seus relatórios preliminares uma tendência semelhante, com drástica redução em termos de triagem (-86%), diagnóstico (-39%) e tratamento cirúrgico (-30%), quando comparado ao mesmo período de 20196.

A análise das figuras 1 e 2 e da tabela 1 revelou que houve um aumento das internações nos 3 grupos de 2008 a 2019: internações gerais aumentaram em 582.326 (10,60%), internações por câncer em geral aumentaram em 159.775 (58,65%) e internações por câncer de pele aumentaram 16.905 (156,24%).

A comparação dos seis primeiros meses dos anos de 2019 e 2020 revelou redução no número total e proporcional das internações: internações gerais diminuíram em 1.622.198 (26,69%), câncer em geral em 112.893 (26,12%) e câncer de pele em 9.158 (33,03%).

A queda no número de internações demostra como o tratamento dos cânceres de pele podem ter sido afetados, à semelhança do que ocorreu na Inglaterra, onde houve uma redução estatisticamente significativa dos diagnósticos de câncer de pele de 68,61%7.

As internações mensais por câncer de pele no ano de 2020 reduziram gradativamente. O mês de janeiro de 2020 ainda apresentou um aumento em relação ao ano de 2019, enquanto os meses de fevereiro, março, abril, maio e junho de 2020 equiparavam-se em número de internações com os mesmos meses de 2019, 2016, 2010 e anterior a 2008, respectivamente. O impacto desta mudança é melhor compreendido na figura 5.

Figura 5 - Variação mensal das internações por câncer de pele nos seis primeiros meses, de 2008 a 2020, no Brasil.

Em consonância com outras projeções internacionais, essa tendência na redução de número de casos atendidos pode levar a um diagnóstico tardio, com pior prognóstico nesses cânceres8.

A figura 4 mostra que as taxas de cirurgias eletivas e urgentes mantiveram a sua tendência geral de queda desde o ano de 2008 (40% de cirurgias urgentes) até 2020 (19,88%), com pequenas variâncias, o que mostra que não houve urgencialização de casos eletivos.

Diante da ausência de diagnóstico e tratamento adequado, pode-se assistir a um aumento considerável na gravidade casos, conforme estudos de Tejera-Vaquerizo et al. (2020)9, que estimaram aumento do tamanho e profundidade de carcinoma de células escamosas e melanomas na Espanha durante a pandemia. Notou-se nesse estudo a projeção e redução da sobrevida em 5 anos de 5,2% para carcinoma espinocelular (CEC) e até 30,2% meses para o melanoma, quando há um atraso de 3 meses no diagnóstico.

CONCLUSÃO

Este estudo mostra que o contingenciamento de recursos do SUS conduziu a uma redução do número total de internações, retornando a patamares mensais menores do que há 12 anos. Este dado isolado é um importante indício do impacto indireto da pandemia da COVID-19, pois representa um dado real, mensurável e atualizado sobre a mudança das abordagens às outras patologias neste período singular.

Devido ao atraso nas várias etapas de abordagem dos cânceres de pele, esforços devem ser tomados a fim de minimizar o impacto da pandemia. Nesse contexto, podemos destacar a padronização de condutas, conforme diretrizes elaboradas por instituições, como a National Comprehensive Cancer Network 10. Além disso, faz-se necessário facilitar o acesso do paciente ao sistema de saúde, sendo a telemedicina, citada em diversas fontes como facilitadora do acompanhamento desses casos7,11,12.

No caso específico de câncer de pele com necessidade de reconstrução em ambiente hospitalar (e não apenas ambulatorial), trata-se de pacientes com lesões complexas, nas quais alguns meses podem representar indubitavelmente a diferença entre uma cirurgia curativa ou apenas higienização oncológica (paliativa). As curvas de mortalidade, por doenças agudas e crônicas, apresentadas nos próximos anos irão atestar o significado desta queda das internações.

COLABORAÇÕES

IFV

Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Coleta de Dados, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

TRWC

Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Validação, Visualização

LRS

Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Conceitualização, Redação - Revisão e Edição

LAT

Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

OJDM

Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Conceitualização, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

DFS

Análise estatística, Coleta de Dados

DSR

Análise estatística, Coleta de Dados, Gerenciamento de Recursos, Redação - Revisão e Edição

PCA

Análise estatística, Coleta de Dados, Metodologia

REFERÊNCIAS

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3. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Câncer de pele melanoma [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): Ministério da Saúde/INCA; 2020; [acesso em 2020 Ago 20]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-melanoma

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1. FAMINAS-BH, Faculdade de Medicina, Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Hospital Santa Casa de Caridade de Montes Claros, Cirurgia Plástica, Montes Claros, MG, Brasil.
3. Hospital Socor, Cirurgia Plástica, Belo Horizonte, MG, Brasil.
4. Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE, Faculdade de Medicina, Montes Claros, MG, Brasil.
5. Hospital Dilson Godinho, Departamento de Cirurgia Plástica, Montes Claros, MG, Brasil.

Instituição: Hospital Santa Casa de Caridade de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil.

Autor correspondente: Isabella de Fátima Vilela, Avenida Raja Gabaglia , 1123, Luxemburgo, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30380-403. E-mail: isaffarma@gmail.com

Artigo submetido: 15/09/2020.
Artigo aceito: 19/11/2020.

Conflitos de interesse: não há.

 

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