INTRODUÇÃO
A presença de defeitos extensos em couro cabeludo apresenta-se como um grande desafio
reconstrutor para o cirurgião plástico1,2. Estes defeitos tem
vasta etiologia como: traumática, queimaduras térmicas ou elétricas, ressecções
tumorais benignas e malignas ou congênitas, sequelas de tratamentos radioterápicos
e
infecções. As deformidades podem variar de pequenos defeitos, que podem ser fechados
primariamente, a defeitos extensos, que requerem a expansão tecidual ou até a
transferência de retalho livre para o seu fechamento.
Destacando-se lesões como o escalpelamento e queimaduras (térmicas ou elétricas),
geram repercussões significativas como a perda de tecido grave, osteomielite crônica
ou sequelas menores como uma alopecia cicatricial.
Em uma paciente jovem do sexo feminino a alopecia cicatricial é um quadro muito
estigmatizante em sua vida social, podendo proporcionar a paciente a vivência de
intenso sofrimento psíquico e social durante todo o tratamento e no decorrer da vida
dos pacientes, já que acarreta danos significativos à autoestima, à identidade, à
percepção corporal, ao humor, à sociabilidade e às relações afetivas globais3.
Um plano de reconstrução bem-sucedido requer um conhecimento profundo da anatomia
relevante, uma análise cuidadosa do defeito e a consideração de diversas opções de
reconstrução. Cada plano de reconstrução deve ser cuidadosamente ajustado à
satisfação das necessidades específicas do paciente e às características da ferida
associada¹.
O cirurgião plástico poderá decidir entre inúmeras técnicas com graus variados de
complexidade, como enxertos de pele, expansores teciduais, retalhos locais ou
livres, entre outras1,4-7. Em se tratando de reconstrução de couro cabeludo em fase tardia para
alopecia cicatricial, a utilização do expansor tecidual com retalho de avanço de
couro cabeludo é uma boa alternativa para restaurar a área de cabelo em topografia
de alopecia.
Desenvolvida em 1976 por Radovan et al e amplamente desenvolvida por Manders a partir
de 1980, a colocação de expansores de tecidos possibilitou o tratamento de regiões
de alopecias através da expansão e avanço das regiões de couro cabeludo pilosas
adjacentes. Os tecidos, uma vez expandidos, são reposicionados na forma de retalhos
de rotação ou avanço com o intuito de cobertura da região do defeito8,9,10.
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de reconstrução de couro cabeludo em fase
tardia com expansor tecidual e posterior retalho de avanço devido a alopecia
cicatricial em paciente feminina de 11 anos vítima de escaldamento por água quente
em região fronto-temporal direita.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, branca, 11 anos de idade, sem comorbidades, vítima de
queimadura térmica por escaldamento com água fervendo, lesão térmica de segundo grau
profundo com aproximadamente 2% de superfície corporal queimada, acometendo região
fronto-temporal direita. Durante a hospitalização da paciente foi realizado curativo
com sulfadiazina de prata 1% sem enxertia local. A paciente em questão evolui com
boa epitelização local e alopecia cicatricial devido a lesão por escaldamento.
Aos 13 anos a paciente comparece ao consultório médico com desejo de melhorar a área
de alopecia cicatricial (Figura 1). No primeiro
ato operatório foi implantado sob o couro cabeludo em plano subgaleal um expansor
tecidual de silicone semilunar de 200cc(ml) (Larguda 14,6cm x Altura 7,6cm x
Projeção 4,3cm) para a expansão tecidual com 40ml de sf 0.9% já colocado neste ato
cirúrgico.
Figura 1 - Pré-operatório.
Figura 1 - Pré-operatório.
Na segunda semana de pós operatório foi instilado semanalmente 20ml durante um
período de 10 semanas até se chegar ao volume de 240ml do expansor (Figura 2). Após a expansão máxima, a paciente foi
submetida a novo procedimento cirúrgico após 10 semanas em que foi retirado o
expansor e confeccionado um retalho de avanço para a região com alopecia cicatricial
(Figura 3). Foi realizada incisão
tricofitica em couro cabeludo para locar o retalho na topografia da costeleta e
contorno do cabelo em região fronto-parietal. Paciente evoluiu bem no pós operatório
precoce e tardio sem complicações (Figura 4 e
5).
Figura 2 - Pós-operatório de implantação e expansão implante.
Figura 2 - Pós-operatório de implantação e expansão implante.
Figura 3 - Retirada do expansor e confecção do retalho.
Figura 3 - Retirada do expansor e confecção do retalho.
Figura 4 - Pós-operatório imediato.
Figura 4 - Pós-operatório imediato.
Figura 5 - Pré e pós-operatório tardio.
Figura 5 - Pré e pós-operatório tardio.
A metodologia vigente foi a análise retrospectiva de prontuário da paciente em
questão. O presente trabalho segue os padrões do comitê de ética de Helsinque e
aprovação do CEP.
DISCUSSÃO
Como no relato de caso em questão o desejo da paciente era é de ter cabelo em área
de
alopecia cicatricial (defeito crônico devido a queimadura térmica por escaldamento)
em região parietal e temporal direita, foi optado por utilizar a expansão tecidual
gradual com posterior confecção de retalho de avanço visto à área desejada para a
restauração capilar local.
A utilização de expansão tecidual é um poderoso recurso, porque possibilita ao
cirurgião substituir um tecido por outro semelhante. A técnica aumenta a quantidade
de tecido disponível localmente, preserva a sensibilidade e mantém os folículos
pilosos e estruturas anexas. Podem ser reconstruídos defeitos até de 50% do escalpo
com mínima distorção da linha capilar1.
Antes da inserção de um expansor tecidual, deve-se ter o cuidado de marcar os
territórios vasculares sobre o couro cabeludo. A colocação do expansor não é ao
acaso1. Neste caso foi preservado a
vascularização dos vasos occiptais e os vasos contralaterais a confecção do retalho
(supratroclear, supraorbital, temporal superficial e auricular posterior)
As principais indicações de expansão tecidual em couro cabeludo são lesões crônicas,
como por exemplo a alopecia cicatricial, condizente com o quadro do nosso paciente.
Também podemos ressaltar algumas contra indicações ao método como: Lesões
traumáticas agudas ou processo infecciosos ativo, devido ao risco de contaminação
do
expansor e, por consequência, extrusão do mesmo e perda do resultado. Está contra
indicado também em crianças menores de 3 anos, pois há imaturidade da calota
craniana, o que pode, durante a expansão acarretar deformidades na estrutura óssea
por mecanismo de pressão externa8.
A expansão tecidual pode ser realizada intraoperatória ou por estágios. Na
intraoperatória, são realizados de 3 a 4 ciclos de inflação e desinflação do
expansor são realizados em 3 a 5min após a colocação do dispositivo, depois disso
é
removido e a ferida é fechada primariamente.
Na técnica por estágios, um dispositivo é colocado na posição subcutânea ou subgaleal
e ligado a uma válvula unidirecional. A expansão tem início 2 semanas após a
colocação. O dispositivo é expandido semanal ou quinzenalmente. A expansão deve ser
continuada até que o retalho expandido seja 20% maior que o tamanho do defeito (para
que sejam levados em conta a curvatura do crânio e a contratura primária do retalho
durante a inserção)1. Esta técnica foi a
utilizada no procedimento cirúrgico com posterior retirada do dispositivo expansor
e
confecção de retalho de avanço para cobertura de área de alopecia cicatricial.
Não houveram complicações cirúrgicas precoces ou tardias neste caso. A paciente
evoluiu bem no procedimento de expansão tecidual, com retornos semanais ao
consultório médico. Após 3 meses foi realizado novo procedimento cirúrgico com
retirada do expansor de couro cabeludo e confeccionado o retalho de avanço.
CONCLUSÃO
A técnica de expansão tecidual de couro cabeludo por estágios e posterior confecção
de retalho de avanço de escalpo demonstrou ser eficaz de restaurar a estrutura
pilosa e linha da implantação capilar da paciente com mínima distorção local,
restituindo a forma e a estética do couro cabeludo da paciente.
REFERÊNCIAS
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http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752012000200011
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8. Mélega JM. Cirurgia plástica: reconstrução de couro cabeludo e
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10. Manders EK, Schenden MJ, Furrey JA, et al: Soft-tissue expansion:
Concepts and complications. Plast Reconstr Surg 1984;
74:493-505.
1. Serviço Prof. Dr. Ricardo Baroudi, Cirurgia
Plástica, Campinas, SP, Brasil.
2. Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
Faculdade de Medicina, Campinas, SP, Brasil.
Autor correspondente: Daniel Nowicki Kaam Avenida
Benjamin Constant, 1971, Apto 1603, Cambuí, Campinas, SP, Brasil. CEP: 13025-005
E-mail: danielnkaam@gmail.com
Artigo submetido: 14/10/2019.
Artigo aceito: 22/02/2020.
Conflitos de interesse: não há.