INTRODUÇÃO
Fenômenos tromboembólicos podem decorrer de tromboses e/ou tromboflebites venosas
superficiais (TVS) de membros superiores1. A
maioria das tromboses superficiais concorre também com flebite, ao contrário da
trombose venosa profunda (TVP), onde a flebite pode estar ausente2. O tromboembolismo pulmonar (TEP) pode
raramente estar relacionado a TVS de membros inferiores (MMII)1. Existem
poucos relatos de TVS de membros superiores (MMSS) levando a TEP3-7 e não há casos descritos relacionados a cirurgias estéticas.
Neste artigo, relatamos 3 casos de pacientes submetidas à cirurgia plástica mamária
estética que apresentaram TVS de MMSS confirmadas e que evoluíram com TEP.
RELATO DE CASO
Conferir Quadro 1.
Quadro 1 - Detalhes dos casos.
Tipo |
Caso 1 |
Caso 2 |
Caso 3 |
Cirurgia realizada |
Mastopexia de aumento retromuscular (dual
plane) e abdominoplastia
|
Mamoplastia de aumento retro Muscular (dual
plane)
|
Mamoplastia de aumento retro Muscular (dual
plane)
|
Data cirurgia |
19/12/2013 |
16/02/2016 |
Dia 09/8/2017 |
Local da cirurgia |
Hospital Metropolitano de Sarndi (PR) -
Privado
|
Hospital do Câncer - Maringá (PR) - Privado |
Hospital do Câncer - Maringá (PR) - Privado |
Duração da cirurgia |
5 horas e 30 min. |
1h20 min. |
1 hora |
Tipo e Duração da anestesia |
Peridural e Geral 06h30min h |
Geral 1 h 50 min. |
Geral 1 h 30 min. |
Uso de ACO |
Suspenso por 1 mês pré Operatório e após
cirurgia
|
Suspenso apenas após cirurgia |
Não usava |
Quimio profilaxia |
Feito heparina no intraoperatorio e
mantido por 4 dias de pos operatorio
|
não realizada |
não realizada |
Local de punção venosa |
membro superior DIREITO |
membro superior DIREITO |
membro superior ESQUERDO |
Ultrassom de membros superirores |
tromboflebite de veias basílicas e
braquiais BILATERALMENTE
|
tromboflebite de basílica ESQUERDA a nível de
cotovelo
|
presença de imagem sugestiva de resíduos trombóticos
oclusivos em veia mediana do cotovelo DIREITO
|
Ultrassom de membros inferiores |
ausência de trombos em vasos profundos e
superficiais
|
ausência de lesões em veias superficiais e
profundas
|
ausência de lesões em veias superficiais e
profundas
|
Dímero D *ref. positivo = ou > 500
ng/ml) *FEU unidades equivalentes de fibrinogenio)
|
2110,00 ng/ml |
810,0 ng/ml |
4110 ng/ml |
Tomografia pulmonar |
Sinais de Tromboembolismo pulmonar no
terço distal da artéria pulmonar esquerda. Possíveis pequenos
coágulos embolizando o segmento posterior do lobo inferior à
direita
|
Discretas opacidades basais bilaterais, podendo
corresponder à opacidade de decúbito
|
Sinais de TEP no segmento posteior do lobo inferior
direito
|
Cintilografia pulomnar |
Não realizada |
1. Presença de áreas focais, com diminuição
da perfusão sanguínea, de padrão subsegmentar dispersas no segmento
posterior do lobo superior direito, superior do lobo inferior
direito, lateral do lobo médio e lateral do lobo inferior esquedro,
de padrão subsegmentar, discordantes do padrão inalatório. Alta
probabilidade de tromboembolismo pumonar.
|
Não realizada |
2 . Presença de áreas focais de
hipocaptação do radiotraçador localizadas nas porções mais basais do
pulmão direito, sugerindo processo parenquimatoso
(atelectasia?)
|
Investigação para trombofilia |
Negativa |
POSITIVA, com diagnóstico de síndrome de
anticorpo antifosfolípide (mutação pontual C677T : Mutado
heterozigoto), anticorpos IgM Cardiolipina 64,0 MPL-U e após 6
meses 57,0 MPL-U (Positivo superior a 40)
|
Negativa |
Outros exames |
- |
Ecocardiograma normal |
- |
Quadro 1 - Detalhes dos casos.
Caso 1. Paciente feminina 31 anos, sem comorbidades, submetida à
mastopexia de aumento retromuscular e abdominoplastia sem lipoaspiração. Usou
meias
elásticas durante o procedimento e por mais 1 semana, dispositivo antitrombo por
24
horas, heparinização subcutânea no intra e pós-operatório por 4 dias (heparina
de 10
a 15 mil U/dia) e contracepção suspensa por 30 dias previamente à cirurgia. Após
15
dias apresentou dor em membros superiores e no 18º dia dispneia súbita com
diagnóstico de TEP (Figuras 1 e 2). Internada por 7 dias, 5 deles em unidade de
terapia intensiva, para suplementação de oxigênio (sem intubação orotraqueal),
observação e anticoagulação. Evoluiu sem sequelas.
Figura 1 - Caso 1: Tomografia Computadorizada Pulmonar: Seta indicando falha de
enchimento em artéria pulmonar esquerda
Figura 1 - Caso 1: Tomografia Computadorizada Pulmonar: Seta indicando falha de
enchimento em artéria pulmonar esquerda
Figura 2 - Caso 1: Tomografia Computadorizada Pulmonar: Seta indicando derrame
pleural em lobo inferior esquerdo
Figura 2 - Caso 1: Tomografia Computadorizada Pulmonar: Seta indicando derrame
pleural em lobo inferior esquerdo
Caso 2. Paciente feminina 35 anos, sem comorbidades, submetida à
mamoplastia de aumento retromuscular. Sem queixas até o 10º dia de pós-operatório,
apresentou quadro súbito dispneico, confirmando-se TEP (Figura 3). Internada por 3 dias para observação, suplementação
de oxigênio (sem intubação orotraqueal) e anticoagulação. Evoluiu sem sequelas.
Suspensão do anticoncepcional (ACO) apenas após a cirurgia.
Figura 3 - Caso 2: Cintilografia Pulmonar: Presença de áreas focais, com
diminuição da perfusão sanguínea, de padrão subsegmentar dispersas no
segmento posterior do lobo superior direito, superior do lobo inferior
direito, lateral do lobo médio e lateral do lobo inferior esquerdo, de
padrão subsegmentar, discordantes do padrão inalatório.
Figura 3 - Caso 2: Cintilografia Pulmonar: Presença de áreas focais, com
diminuição da perfusão sanguínea, de padrão subsegmentar dispersas no
segmento posterior do lobo superior direito, superior do lobo inferior
direito, lateral do lobo médio e lateral do lobo inferior esquerdo, de
padrão subsegmentar, discordantes do padrão inalatório.
Caso 3. Paciente feminina 17 anos, sem comorbidades, submetida à
mamoplastia de aumento retromuscular. Sem queixas até o 6º dia de pós-operatório,
quando apresentou dispneia súbita, confirmando-se TEP (Figura 4). Esteve internada por 5 dias, dois em unidade de terapia
intensiva, para observação, suplementação de oxigênio (sem intubação orotraqueal)
e
anticoagulação. Evoluiu sem sequelas. História familiar de embolia pós-operatória
em
avô e tio.
Figura 4 - Caso 3: Tomografia Computadorizada Pulmonar: Setas indicando falhas
de enchimento em artérias segmentares de lobo inferior direito.
Figura 4 - Caso 3: Tomografia Computadorizada Pulmonar: Setas indicando falhas
de enchimento em artérias segmentares de lobo inferior direito.
DISCUSSÃO
TEP é especialmente temido pós-cirurgias estéticas. Nos casos descritos, surpreende
o
fato da fonte embólica ser de MMSS (Figura 5).
Figura 5 - Representação esquemática das veias superficiais e profundas do
membro superior
Figura 5 - Representação esquemática das veias superficiais e profundas do
membro superior
A TVS é doença frequente, geralmente identificando-se cordão palpável (melhor sinal
com valor preditivo positivo), hiperemiado, doloroso e quente no trajeto da veia
superficial1. Em casos mais graves de MMSS, pode estender-se até
veias axilares. No caso 1 a trombose alcançou veias braquiais.
TEP secundário à TVS de membros superiores é raro na ausência de TVP4. A TVS provavelmente é pouco detectada e é
pelo menos 2 a 3 vezes mais frequente que a profunda. Usualmente resolve-se de
maneira espontânea. Em MMII as TVS evoluem em 20 a 33% para TEP assintomático
e em 2
a 13% para sintomático. Não existem dados para MMSS.
Nos casos 1 e 3 a tomografia computadorizada (TC) foi compatível e no caso 2 a
cintilografia pulmonar confirmou o diagnóstico de TEP (TC inconclusiva). A Doppler
ultrassonografia de MMSS alterada associou-se à ausência de trombos em MMII.
Confirmaram-se, portanto, TEPs decorrentes de TVS de membro superior (clínica
compatível, dímero-D positivo e TC ou cintilografia pulmonar comprovando TEP)8. Ademais, as pacientes melhoraram após
anticoagulação.
Como causa de fenômenos tromboembólicos de MMSS encontra-se especialmente o uso de
cateteres venosos centrais (quimioterapia, antibioticoterapia prolongada ou nutrição
parenteral) e também os cateteres venosos periféricos (muitas vezes “banalizados”
na
medicina convencional)9. Chama a atenção, nos
casos 2 e 3, que a TVS foi contralateral ao membro puncionado, e no caso 1,
bilateral.
Vários trabalhos sugerem escore preditivo de parâmetros de segurança em cirurgia
plástica10,11. Entretanto, apenas no caso 1 a cirurgia
teve duração de mais de 4 horas e nos demais foram próximo a 1 hora. Apesar das
medidas preventivas para tromboembolismo, a paciente 1 apresentou TVS de MMSS
bilateral que se estendeu para profunda, provavelmente pela imobilização prolongada
e demora no diagnóstico.
A pesquisa de trombofilia pré-operatória é questionável (raridade destas situações
e
excessivo custo). Deve apenas ser realizada no caso de fenômenos tromboembólicos
inexplicados9,12.
Trombofilia hereditária (Quadro 2) e uso de
contraceptivos orais tem um risco maior de tromboembolismo, cerca de 2 a 20
vezes12. O caso 2 apresentava trombofilia
adquirida (sem diagnóstico prévio) e uso de contracepção oral.
Quadro 2 - Classificação das trombofilias.
Classificação das trombofilias13 |
Hereditárias |
Deficiência da antitrombina deficiência da proteína C
Deficiência da proteína S deficiência de proteína
Z resistência APC (APCR) Mutação fator V Leiden
(R506Q) Mutação do gene da protrombina G20210A Mutação
da MTHFR (variantes 677C>T e 1298A>C) Mutação PAI-1
675G>A (4G/5G) e 844A>G Disfibrinogenémias Fator IX
elevado Fator XI elevado
|
Adquiridas |
Síndrome de anticorpos antifosfolípidos (SAAF) |
Mistas/combinadas |
Hiperhomocisteínemia atividade elevada do fator VIII
aumento do fibrinogénio
|
Outras trombofilias |
ACE Ins/del fibrinogénio (455G>A) fator XIII
(Val34Leu) APOE (Cys112Arg e Arg158Cys) EPCR
(4678G/C)
|
Quadro 2 - Classificação das trombofilias.
Na literatura há descrição de caso de TEP por TVS em paciente usando hormonioterapia
apenas4. Hormonioterapia ou contracepção
oral aumenta em até quatro vezes a chance de tromboembolismo. Destarte a importância
da suspensão hormonal, mesmo em casos de menor risco10.
A quimioprofilaxia mais importante na trombose venosa seria com agentes
fibrinolíticos (heparina ou heparina de baixo peso molecular), enquanto na arterial
se baseia no uso de antiagregantes plaquetários10.
A profilaxia mecânica (meias elásticas, aparelhos pneumáticos intermitentes) diminui
a estase e distensão venosa. O aparelho pneumático tem pequena atividade
fibrinolítica10. Indica-se iniciá-lo 30
minutos antes da indução anestésica até a alta do paciente, em cirurgias maiores
que
1 hora10.
Não existem relatos de TEP pós-cirurgia plástica proveniente de TVS de MMSS,
provavelmente porque em geral são casos leves ou assintomáticos. Entretanto, vários
fatores poderiam justificar essas complicações:
inadequada posição dos MMSS durante o intraoperatório;
imobilização pós-operatória, especialmente em casos de implante mamário
retromuscular (pós-operatório geralmente mais doloroso);
imobilização exagerada dos membros e/ou flexão inapropriada dos mesmos,
por exemplo, pelo tempo excessivo de dispositivos eletrônicos (aparelhos
celulares ou computadores), levando a uma postura inadequada para a
drenagem e consequente estase local. Nestes casos utilizou-se faixa
elástica (para não deslocamento) acima das próteses.
CONCLUSÃO
A cirurgia estética de aumento mamário com implantes, embora usualmente não seja uma
cirurgia longa, também pode levar a complicações não locais. A tromboflebite
superficial, desencadeada pelo repouso em excesso e/ou pela punção venosa, muitas
vezes é menosprezada e pode evoluir com trombose de vasos maiores ou mesmo TEP.
No pré-operatório, sugere-se seguir os protocolos de profilaxia para tromboembolismo.
No intraoperatório, recomenda-se que a posição dos braços deva ser constantemente
monitorizada, bem como o uso de meias elásticas, aparelho pneumático nos MMII
e
quimioprofilaxia. Sugere-se também no pós-operatório vigilância dos MMSS, para
evitar o edema excessivo, e pesquisa ativa para tromboflebites.
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12. Lima J, Borges A. Rastreio de trombofilias. Bol SPHM. 2012
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1. Clínica Dra.Márcia Balbina L. Hoyos,
Cirurgia Plástica, Maringá, PR, Brasil.
Autor correspondente: Márcia Balbina Lorenzo
Hoyos, Avenida Doutor Luiz Teixeira Mendes, 2418, Zona 05, Maringá,
PR, Brasil. CEP: 87015-001. E-mail: mblhoyos@gmail.com
Artigo submetido: 20/11/2019.
Artigo aceito: 15/07/2020.
Conflitos de interesse: não há.