INTRODUÇÃO
Apesar do crescente número de opções cirúrgicas para reconstrução da mama, o retalho
TRAM (retalho do músculo reto abdominal transverso) manteve-se o método mais
utilizado de reconstrução autóloga de mama ao longo dos últimos 30 anos. O uso
de
tecido abdominal autólogo permite uma aparência natural da reconstrução mamária,
proporcionando a sensação do tecido mamário normal, além de melhorar o contorno
corporal1,2.
O TRAM foi descrito pela primeira vez por Holmström, em 20063, e popularizado por Hartrampf et al., em 19874 e Gandolfo, em 19965. O retalho TRAM permite a reconstrução mamária com tecido
análogo, proporcionando aparência e consistência natural e resultados
duradouros3.
Existem muitas técnicas diferentes para a criação de retalhos, como os retalhos TRAM
unipediculados, bipediculados e microcirúrgicos. No entanto, essas técnicas criam
defeitos de vários níveis de gravidade na parede abdominal, sendo a hérnia e o
abaulamento abdominal, as complicações tardias mais comuns5.
A reconstrução da parede abdominal pode ser realizada em diversos níveis de
complexidade, corrigindo discretas perdas de substância tecidual até importantes
defeitos de espessura total, com acometimento visceral1. Dentre as diversas causas de injúria abdominal, destacam-se hérnia
incisional, neoplasia, infecção, irradiação e traumatismo6.
A reconstrução da parede abdominal no local doador do retalho é um grande desafio,
e
não há consenso sobre qual é a melhor técnica para elevação ou fechamento do retalho
da parede abdominal7,8.
Existem muitas técnicas relevantes para o fechamento da parede abdominal anterior,
como a preservação do músculo reto abdominal e a bainha anterior do reto, e a
substituição de estruturas removidas por malhas sintéticas ou enxertos autólogos
e
retalhos, tentando reduzir a morbidade no local doador3,5.
OBJETIVOS
Apresentar um método prático de sistematização de reconstrução da parede abdominal,
visando diminuir a morbidade em pacientes submetidos à reconstrução de mama com
TRAM.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo sobre a técnica cirúrgica de reconstrução de parede
abdominal após reconstrução mamaria com TRAM com uso de tela de polipropileno.
Esta
sistematização é realizada nas reconstruções da parede abdominal em pacientes
da
cirurgia plástica no Hospital Regional de Sobradinho, Distrito Federal. O trabalho
não expõe dados de pacientes, apenas imagens ilustrativas para descrição de técnica,
seguindo os critérios de Helsinque
RESULTADOS
Técnica
Após realizada a confecção do retalho transverso do músculo reto abdominal e sua
transposição para reconstrução mamária, surge um defeito importante no que se
refere à parede abdominal. Ao levantar o retalho, deixa-se no local uma parede
delgada com fragilidade e com grande potencial em evoluir com abaulamento ou
mesmo hérnias abdominais (Figura 1).
Figura 1 - Defeito na parede abdominal após levantar musculatura do reto
abdominal.
Figura 1 - Defeito na parede abdominal após levantar musculatura do reto
abdominal.
Para impedir complicações, como abaulamento e hérnias, realizamos a reconstrução
da parede abdominal com uso de tela de polipropileno. A aproximação das
aponeuroses dos retos com nylon 2.0 pontos em X, é realizada naqueles pacientes
em que existe possibilidade, aumentando ainda mais o reforço do abdome (Figura 2).
Figura 2 - Aproximação das aponeuroses dos retos abdominais.
Figura 2 - Aproximação das aponeuroses dos retos abdominais.
Para facilitar a esquematização, utilizamos as simbologias a seguir:
• A: extremidade inferior, púbis;
• B1 e B2: extremidades laterais, espinhas ilíacas
anterossuperiores;
• C: extremidade superior, altura de aproximadamente 5cm acima da
cicatriz umbilical;
• D: ponto central entre as espinhas ilíacas anterossuperiores.
Inicialmente posicionamos a tela íntegra sobre o defeito abdominal e fixamos o
ponto A com 2 pontos paralelos com nylon 2.0, deixando os fios sem serem
cortados. Em seguida, é realizada a fixação da tela no ponto C com dois pontos
paralelos com nylon 2.0, deixando os fios sem serem cortados. É realizada então
a fixação com nylon 2.0 nos pontos B1 e B2, com o detalhe em passar a agulha
na
tela 2cm mediais aos pontos B1 e B2, onde serão fixados, para causar tração
sobre a tela, deixando a mesma tensa e totalmente esticada. Em seguida, o
excedente da tela é cortado, deixando apenas a porção dentro das áreas fixadas,
formando uma imagem em losango (Figura 3).
Figura 3 - Fixação inicial da tela.
Figura 3 - Fixação inicial da tela.
Após a realização dos pontos cardinais da tela, utilizamos então os mesmos fios,
já amarrados, para realizar a fixação das bordas e meio da tela. Utilizando o
fio de fixação do ponto A, são realizados pontos contínuos na margem inferior
da
tela, numa altura de 2cm acima dos ligamentos inguinais, até os pontos B1 e B2
e
continua até o ponto D, onde então serão amarrados. Os fios dos pontos B1 e B2
são utilizados para realizar as suturas continuas nas bordas superiores da tela
até o ponto C e em seguida são realizadas as suturas continuas nas bissetrizes
dos triângulos formados pelos pontos B1, B2 e C, e então amarrados. Com os fios
do ponto C, são feitas suturas até o ponto D de forma paralela e então amarrados
(Figura 4).
Figura 4 - Aspecto final da tela sobre o defeito abdominal.
Figura 4 - Aspecto final da tela sobre o defeito abdominal.
Em casos cuja fáscia do músculo reto abdominal não pode ser suturada ou em que o
defeito abdominal é de grande área, seja por falta de fáscia durante o
levantamento do retalho muscular ou por hérnias ventrais volumosas, deve ser
colocada outra camada de tela para que se possa garantir o fechamento do feito
abdominal. Nesses casos, a colocação de tela em plano duplo é o recomendado para
evitar recidivas de hérnias ou aparecimento das mesmas.
Após a fixação da tela com a técnica descrita acima, teremos uma parede abdominal
coberta com uma tela de polipropileno, totalmente fixa e bem adaptada (Figura 5).
Figura 5 - A. Foto do defeito após levantamento do retalho; B. Foto após
aproximação das aponeuroses; C. Foto após colocação da tela.
Figura 5 - A. Foto do defeito após levantamento do retalho; B. Foto após
aproximação das aponeuroses; C. Foto após colocação da tela.
DISCUSSÃO
O reto abdominal tem origem anteriormente às faces anteriores da quinta à sétima
cartilagens costais e processo xifoide, se inserindo ao púbis. Se caracteriza
por
ser um músculo longo e segmentado. Sua irrigação é classificada como tipo III
de
Mathes e Nahai (artéria epigástrica superior e inferior), possuindo entre seis
e
dez perfurantes cutâneas; sendo muito usado em reconstruções de mamas, como o
retalho miocutâneo transversal (TRAM)7-9.
As hérnias, principal etiologia de defeitos de parede abdominal na literatura
mundial, possuem uma grande variedade de tratamentos disponíveis. A principal
modalidade para defeitos herniários pequenos seria a síntese primária; nos defeitos
moderados a grandes, pode-se associar a colocação de tela aloplástico10. Segundo a literatura, a incidência de
hérnias e abaulamentos após reconstrução mamária com TRAM atinge cerca de 10%
com o
emprego de tela inabsorvível11.
Uma preocupação importante entre os cirurgiões plásticos que utilizam o TRAM em
reconstruções mamárias de rotina, é a competência da parede abdominal no
pós-operatório. Baixas taxas de hérnias ou abaulamentos, estabilidade abdominal
e
pouca flacidez são as expectativas atuais mais importantes para o fechamento
abdominal de sucesso9. Durante a reconstrução
com TRAM, um defeito segmentário no músculo reto abdominal é deixado e expõe a
região localizada abaixo da linha arqueada de Douglas, que se caracteriza por
ser
frágil por não possuir revestimento aponeurótico. O não fechamento ou a reconstrução
incorreta pode levar a um grande risco de aparecimento de hérnia abdominal ou
abaulamento no local do defeito.
Hartrampf et al., em 19874, relataram em uma
revisão de casos, complicações relacionadas ao fechamento da parede abdominal
sem o
uso de telas, em cirurgias com realização de TRAM, e notaram que esse número estava
associado ao progressivo aperfeiçoamento da técnica cirúrgica8. Outros autores como Suominen, em 199612 e Lallement, em 199413, mostraram em seAFus estudos que o percentual de hérnias e
abaulamentos da região abdominal após o TRAM, com fechamento primário do sítio
doador, era de respectivamente 12,5 a 20% e 20 a 44%10,12, não conseguindo
reproduzir os mesmos resultados publicados por Hartrampf, em 19874.
Kroll e Marchi, em 199214, demonstraram um
decréscimo de 35% de complicações relacionadas a hérnias e abaulamentos com
fechamento primário do sítio abdominal, para 6% após a introdução do uso rotineiro
de telas de Marlex com dois planos de sutura10,4,14, o que foi reafirmado logo a seguir por
Watterson, em 19957, mostrando decréscimo de
16% para 4% de complicações após o uso de telas de polipropileno10,12, chegando alguns autores a publicarem estudos que revelaram uma taxa
de 1,5% de tais complicações com tela de polipropileno, e 0% com uso de malha
de
Gore-Tex5,8,10.
Resultados esses também pouco reprodutíveis, segundo a literatura mundial.
As principais metas cirúrgicas devem incluir a restauração da função e integridade
da
parede musculofascial, obtenção de cobertura cutânea estável de partes moles e
otimização estética15.
Na técnica descrita neste trabalho, realizamos uma sistematização na reconstrução
de
parede abdominal após reconstrução com TRAM, que se caracteriza por ser de fácil
reprodução e aplicabilidade.
CONCLUSÃO
A técnica proposta apresenta grande possibilidade de reprodução, tornando fácil
realizar uma sistematização da mesma. Apresenta vantagens em relação às técnicas
discutidas, tornando-se uma alternativa importante aos cirurgiões plásticos que
fazem reconstrução de mama com TRAM e em grandes defeitos de parede abdominal.
A
sistematização garante boa fixação da tela e diminui o tempo cirúrgico, promovendo
menor exposição e manuseio da tela ao ambiente externo.
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Brasilia, DF, Brasil.
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Brasilia, DF, Brasil.
Autor correspondente: Rafael Sabino Caetano
Costa, Quadra SHIS QI 7, Conjunto F, Área Especial F, Setor de
Habitações Individuais Sul, Brasília, DF, Brasil. CEP: 71615-660. E-mail:
rafaelsabinomed@gmail.com
Artigo submetido: 24/11/2019.
Artigo aceito: 10/01/2021.
Conflitos de interesse: não há.