INTRODUÇÃO
Os distúrbios fibroproliferativos expressam-se pelas cicatrizes hipertróficas e pelos
queloides, sendo estes últimos mais agressivos e derivados de um processo anormal
da cicatrização. Nesses casos, observa-se um período inflamatório mais prolongado
com maior infiltração de fibroblastos portadores de expressão aumentada do gene p632
e do fator beta transformador do crescimento (TGF-â1), levando a deposição excessiva
de matriz extracelular. Diferenciam-se das cicatrizes hipertróficas por não respeitarem
os limites da cicatriz e não regredirem espontaneamente ou continuarem a progredir
após 6 meses de evolução1-3.
Os queloides são multifatoriais relacionando-se com agentes físicos, químicos, biológicos
e endógenos. Parece haver predisposição genética, com resposta imunitária exacerbada
relacionada a fatores emocionais. Clinicamente pode apresentar-se com dor, prurido
de etiologia incerta e grande desconforto estético. A incidência de queloides é maior
em pessoas orientais e com pele negra, variando neste último caso de 4,5% a 16%, aproximadamente
15 vezes mais do que em brancos. Sua incidência é maior entre os 10 e 30 anos de idade,
sem prevalência entre os sexos3-5.
Existe muita discussão acerca do tratamento ideal para os queloides e, embora existam
evidências de que a terapêutica combinada seja mais eficiente que a monoterapia, ainda
não há um consenso quanto às características da lesão responsáveis pela melhor resposta
terapêutica. As modalidades terapêuticas compreendem, na maioria das vezes: compressão
do queloide com ataduras ou malhas elásticas, associadas ou não com placas de silicone;
criocirurgia; exérese operatória seguida ou não de radioterapia; radioterapia aplicada
de modo isolado; aplicação de laser; e, injeção intralesional de corticoesteroides4,6.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 14 anos, negro, foi encaminhado ao Serviço de Cirurgia
Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (Curitiba/PR,
Brasil) por apresentar aumento de volume e prurido em orelha esquerda. O quadro teve
início de forma branda 2 anos antes, com massa de 2cm de diâmetro em lóbulo esquerdo,
logo após colocação de brincos. Iniciou o tratamento em outro serviço com aplicações
intralesionais de triancinolona, em número e dosagem não informados, com resolução
parcial do caso. A partir de então apresentou evolução insidiosa, tendo a velocidade
de crescimento aumentado e atingido volume expressivo após cerca de 6 meses devido
a trauma com desprendimento completo da massa, estendendo o processo anômalo de cicatrização
para pavilhão auditivo. Apresenta história familiar positiva para distúrbios cicatriciais
e presença de pequenos queloides inativos em outros sítios. No momento da intervenção
cirúrgica a lesão apresentava 12x8x3cm de dimensão, superfície brilhante de coloração
róseo-clara intercalada com áreas de hipo e hipercromia, aspecto nodular e consistência
enrijecida (Figuras 1A e 1B).
Figura 1 - A. Pré-operatório. B. Pré-operatório.
Figura 1 - A. Pré-operatório. B. Pré-operatório.
Foi realizada remoção cirúrgica ampla, sutura da pele com MonocrylTM4-0 acompanhada de 10 sessões de radioterapia. Os parâmetros utilizados para analisar
a resposta terapêutica foram opinião do paciente em relação ao prurido, redução da
hipertrofia do tecido à inspeção e amolecimento da cicatriz à palpação. Sinais de
boa resposta terapêutica ocorreram após 7 dias de pós-operatório (Figuras 2A e 2B) com aceitável resultado estético no sexto mês de pós-operatório (Figuras 3A e 3B). Como evento adverso observou-se irregularidades e discreta heterogenicidade crômica
em lóbulo inferior.
Figura 2 - A. 7º dia de pós-operatório. B. 7º dia de pós-operatório.
Figura 2 - A. 7º dia de pós-operatório. B. 7º dia de pós-operatório.
Figura 3 - A. Sexto mês de pós-operatório. B. Sexto mês de pós-operatório.
Figura 3 - A. Sexto mês de pós-operatório. B. Sexto mês de pós-operatório.
DISCUSSÃO
No presente caso, a evolução foi compatível com as descrições clássicas, expressando
na faixa etária e etnia mais prevalentes, combinado ao episódio traumático prévio
e história familiar positiva.
A cirurgia como modalidade isolada de tratamento está praticamente abandonada devido
às altas taxas de recidiva, variando entre 45-100% no primeiro ano pós-operatório.
A excisão cirúrgica - combinada com injeção de corticoides, radioterapia ou compressão
no pós-operatório - apresenta resultados mais animadores. Dentre os corticosteroides
intralesionais, a droga de preferência é a triancinolona (TCN). Esta associação baseia-se
no mecanismo de ação destas drogas em promover a diminuição na síntese de citocinas,
no número e na atividade dos fibroblastos locais1,6,7.
Devido ao insucesso das aplicações intralesionais de corticoide, foi optado pela associação
entre a exérese cirúrgica e a radioterapia. A betaterapia teve sua utilização terapêutica
reconhecida no início da década de 70 para queloides complexos e baseia-se na emissão
de radiação com pouca penetração tecidual; apresenta mecanismo de ação por destruição
do material genético nuclear das células em replicação, o que explica a ação proporcional
à imaturidade celular. Este fator justifica o seu emprego imediato após a exérese,
em um período de até 24h, tendo uma taxa de recidiva em torno de 10%1,7,8.
Como modalidade complementar pode-se incluir a lâmina de silicone, que atua nas lesões
por meio do aumento da atividade da colagenase por elevação da temperatura local associada
à hidratação do estrato córneo pela oclusão e à carga elétrica negativa que orientaria
as fibras de colágeno. Sua eficácia está comprovada nos queloides apenas para as placas
confeccionadas com 100% deste material e quando utilizada em associação com a exérese
mais corticoide e/ou betaterapia6,8.
O tempo de seguimento do paciente após a cirurgia é ainda curto, mas ele permanece
em acompanhamento. A literatura não especifica se há algum tempo necessário de seguimento
ou se deve ser ininterrupto, sendo rotineiramente adotado o prazo de 12 meses no serviço
dos autores. O tratamento dos queloides pode ser frustrante tanto para o cirurgião
plástico quanto para o paciente, visto ser alta a sua taxa de recorrência, uma vez
que a nova ferida estará suscetível aos mesmos mecanismos genéticos, imunológicos,
mecânicos e bioquímicos da ferida inicial9.
CONCLUSÃO
Dessa forma, conclui-se que o resultado do tratamento foi satisfatório, com significativa
redução dimensional e restituição quase completa da anatomia do pavilhão auricular,
obtendo satisfação do paciente e levando a uma melhor reinserção social deste. O sinergismo
entre a remoção cirúrgica ampla e as sessões de radioterapia levaram à melhora na
qualidade clínica e estética da cicatriz queloideana para lóbulo e pavilhão auditivo.
Entretanto, devido à alta taxa de recorrência, os distúrbios fibroproliferativos do
tipo queloide ainda se mostram como desafio para a comunidade médica em geral, frente
à necessidade de se driblar mecanismos etiológicos intrínsecos aos pacientes e inertes
às condutas externas.
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
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Rev Col Bras Cir [Internet]. 2015 Feb; [citado 2015 Fev 4]; 42(1):9-13. Disponível
em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-69912015000200009
5. Hochman B, Farkas CB, Isoldi FC, Ferrara SF, Furtado F, Ferreira LM. Distribuição
de queloide e cicatriz hipertrófica segundo fototipos de pele de Fitzpatrick. Rev
Bras Cir Plást. 2012;27(2):185-9.
6. Wolwacz A, César EO, Ciufo MR, Wolwacz Júnior I, Kuyven CR, Deos MF. Opções terapêuticas
nas cicatrizes queloidianas. Rev Bras Cir Plást. 2000;15(1):21-4.
7. Oliveira Junior B, Schellini SA, Lastória JC, Carvalho LR, Stolf HO, Oliveira P. Tratamento
de queloides usando radioterapia pós-operatória com elétrons: estudo comparativo e
randomizado com dois esquemas. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(1):16-26.
8. Fernandes WS, Ferreira RCA. Queloide: uma revisão dos tratamentos atualmente disponíveis.
Rev Bras Ciênc Saúde [Internet]. 2014; [citado 2014 Dev 8]; 18(2):181-6. Disponível
em: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/18141/12925
9. Metsavaht LO, Garcia CAR. Infiltrações intralesionais de 5-FU no tratamento de queloides,
cicatrizes hipertróficas e contraturas. Surg Cosmet Dermatol. 2015 Jan/Mar;7(1):17-24.
1. Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil.
Autor correspondente: Renata Damin, Rua Padre Anchieta, 1846, Conj. 103, Bigorrilho, Curitiba, PR, Brasil CEP: 80730-000.
E-mail: renatadamin@hotmail.com
Artigo submetido: 14/06/2019.
Artigo aceito: 21/10/2019.
Conflitos de interesse: não há.