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Case Report - Year2020 - Volume35 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2020RBCP0082

RESUMO

Os distúrbios fibroproliferativos expressam-se pelas cicatrizes hipertróficas e pelos queloides, sendo estes últimos mais agressivos e derivados de um processo anormal da cicatrização. São multifatoriais relacionando-se com agentes físicos, químicos, biológicos e endógenos. Apresentam predisposição genética, com incidência maior em orientais e negros. As modalidades terapêuticas compreendem, na maioria das vezes: compressão do queloide, criocirurgia, aplicação de placas de silicone, exérese operatória isolada ou seguida de radioterapia, aplicação de laser e injeção intralesional de corticoesteroides. O objetivo do estudo é relatar um caso de distúrbio fibroproliferativo do tipo queloide de grandes dimensões com alta resposta terapêutica e discutir suas etiologias e diversas modalidades terapêuticas.

Palavras-chave: Queloide; Cicatriz; Cirurgia plástica; Cirurgia geral; Pele

ABSTRACT

Fibroproliferative disorders are expressed in hypertrophic scars and keloids, the latter being more aggressive and derived from an abnormal healing process. They are multifactorial and relate to physical, chemical, biological, and endogenous agents. They have a genetic predisposition, with a higher incidence in Asian and black people. The therapeutic modalities comprise most of the times: compression of the keloid, cryosurgery, application of silicone plates, surgical excision isolated or followed by radiotherapy, laser application, and intralesional injection of corticosteroids. The study aims to report a considerable keloidtype fibroproliferative disorder with a high therapeutic response and discuss its etiologies and various therapeutic modalities.

Keywords: Keloid; Scar; Plastic surgery; General surgery; Skin


INTRODUÇÃO

Os distúrbios fibroproliferativos expressam-se pelas cicatrizes hipertróficas e pelos queloides, sendo estes últimos mais agressivos e derivados de um processo anormal da cicatrização. Nesses casos, observa-se um período inflamatório mais prolongado com maior infiltração de fibroblastos portadores de expressão aumentada do gene p632 e do fator beta transformador do crescimento (TGF-â1), levando a deposição excessiva de matriz extracelular. Diferenciam-se das cicatrizes hipertróficas por não respeitarem os limites da cicatriz e não regredirem espontaneamente ou continuarem a progredir após 6 meses de evolução1-3.

Os queloides são multifatoriais relacionando-se com agentes físicos, químicos, biológicos e endógenos. Parece haver predisposição genética, com resposta imunitária exacerbada relacionada a fatores emocionais. Clinicamente pode apresentar-se com dor, prurido de etiologia incerta e grande desconforto estético. A incidência de queloides é maior em pessoas orientais e com pele negra, variando neste último caso de 4,5% a 16%, aproximadamente 15 vezes mais do que em brancos. Sua incidência é maior entre os 10 e 30 anos de idade, sem prevalência entre os sexos3-5.

Existe muita discussão acerca do tratamento ideal para os queloides e, embora existam evidências de que a terapêutica combinada seja mais eficiente que a monoterapia, ainda não há um consenso quanto às características da lesão responsáveis pela melhor resposta terapêutica. As modalidades terapêuticas compreendem, na maioria das vezes: compressão do queloide com ataduras ou malhas elásticas, associadas ou não com placas de silicone; criocirurgia; exérese operatória seguida ou não de radioterapia; radioterapia aplicada de modo isolado; aplicação de laser; e, injeção intralesional de corticoesteroides4,6.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 14 anos, negro, foi encaminhado ao Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (Curitiba/PR, Brasil) por apresentar aumento de volume e prurido em orelha esquerda. O quadro teve início de forma branda 2 anos antes, com massa de 2cm de diâmetro em lóbulo esquerdo, logo após colocação de brincos. Iniciou o tratamento em outro serviço com aplicações intralesionais de triancinolona, em número e dosagem não informados, com resolução parcial do caso. A partir de então apresentou evolução insidiosa, tendo a velocidade de crescimento aumentado e atingido volume expressivo após cerca de 6 meses devido a trauma com desprendimento completo da massa, estendendo o processo anômalo de cicatrização para pavilhão auditivo. Apresenta história familiar positiva para distúrbios cicatriciais e presença de pequenos queloides inativos em outros sítios. No momento da intervenção cirúrgica a lesão apresentava 12x8x3cm de dimensão, superfície brilhante de coloração róseo-clara intercalada com áreas de hipo e hipercromia, aspecto nodular e consistência enrijecida (Figuras 1A e 1B).

Figura 1 - A. Pré-operatório. B. Pré-operatório.

Foi realizada remoção cirúrgica ampla, sutura da pele com MonocrylTM4-0 acompanhada de 10 sessões de radioterapia. Os parâmetros utilizados para analisar a resposta terapêutica foram opinião do paciente em relação ao prurido, redução da hipertrofia do tecido à inspeção e amolecimento da cicatriz à palpação. Sinais de boa resposta terapêutica ocorreram após 7 dias de pós-operatório (Figuras 2A e 2B) com aceitável resultado estético no sexto mês de pós-operatório (Figuras 3A e 3B). Como evento adverso observou-se irregularidades e discreta heterogenicidade crômica em lóbulo inferior.

Figura 2 - A. 7º dia de pós-operatório. B. 7º dia de pós-operatório.

Figura 3 - A. Sexto mês de pós-operatório. B. Sexto mês de pós-operatório.

DISCUSSÃO

No presente caso, a evolução foi compatível com as descrições clássicas, expressando na faixa etária e etnia mais prevalentes, combinado ao episódio traumático prévio e história familiar positiva.

A cirurgia como modalidade isolada de tratamento está praticamente abandonada devido às altas taxas de recidiva, variando entre 45-100% no primeiro ano pós-operatório. A excisão cirúrgica - combinada com injeção de corticoides, radioterapia ou compressão no pós-operatório - apresenta resultados mais animadores. Dentre os corticosteroides intralesionais, a droga de preferência é a triancinolona (TCN). Esta associação baseia-se no mecanismo de ação destas drogas em promover a diminuição na síntese de citocinas, no número e na atividade dos fibroblastos locais1,6,7.

Devido ao insucesso das aplicações intralesionais de corticoide, foi optado pela associação entre a exérese cirúrgica e a radioterapia. A betaterapia teve sua utilização terapêutica reconhecida no início da década de 70 para queloides complexos e baseia-se na emissão de radiação com pouca penetração tecidual; apresenta mecanismo de ação por destruição do material genético nuclear das células em replicação, o que explica a ação proporcional à imaturidade celular. Este fator justifica o seu emprego imediato após a exérese, em um período de até 24h, tendo uma taxa de recidiva em torno de 10%1,7,8.

Como modalidade complementar pode-se incluir a lâmina de silicone, que atua nas lesões por meio do aumento da atividade da colagenase por elevação da temperatura local associada à hidratação do estrato córneo pela oclusão e à carga elétrica negativa que orientaria as fibras de colágeno. Sua eficácia está comprovada nos queloides apenas para as placas confeccionadas com 100% deste material e quando utilizada em associação com a exérese mais corticoide e/ou betaterapia6,8.

O tempo de seguimento do paciente após a cirurgia é ainda curto, mas ele permanece em acompanhamento. A literatura não especifica se há algum tempo necessário de seguimento ou se deve ser ininterrupto, sendo rotineiramente adotado o prazo de 12 meses no serviço dos autores. O tratamento dos queloides pode ser frustrante tanto para o cirurgião plástico quanto para o paciente, visto ser alta a sua taxa de recorrência, uma vez que a nova ferida estará suscetível aos mesmos mecanismos genéticos, imunológicos, mecânicos e bioquímicos da ferida inicial9.

CONCLUSÃO

Dessa forma, conclui-se que o resultado do tratamento foi satisfatório, com significativa redução dimensional e restituição quase completa da anatomia do pavilhão auricular, obtendo satisfação do paciente e levando a uma melhor reinserção social deste. O sinergismo entre a remoção cirúrgica ampla e as sessões de radioterapia levaram à melhora na qualidade clínica e estética da cicatriz queloideana para lóbulo e pavilhão auditivo. Entretanto, devido à alta taxa de recorrência, os distúrbios fibroproliferativos do tipo queloide ainda se mostram como desafio para a comunidade médica em geral, frente à necessidade de se driblar mecanismos etiológicos intrínsecos aos pacientes e inertes às condutas externas.

REFERÊNCIAS

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3. Mélega JM, Viterbo F, Mendes FH. Cirurgia plástica: os princípios e a atualidade. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.

4. Carvalhaes SM, Petroianu A, Ferreira MAT, Barros VM, Lopes RV. Assesment of the treatment of earlobe keloids with triamcinolone injections, surgical resection, and local pressure. Rev Col Bras Cir [Internet]. 2015 Feb; [citado 2015 Fev 4]; 42(1):9-13. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-69912015000200009

5. Hochman B, Farkas CB, Isoldi FC, Ferrara SF, Furtado F, Ferreira LM. Distribuição de queloide e cicatriz hipertrófica segundo fototipos de pele de Fitzpatrick. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(2):185-9.

6. Wolwacz A, César EO, Ciufo MR, Wolwacz Júnior I, Kuyven CR, Deos MF. Opções terapêuticas nas cicatrizes queloidianas. Rev Bras Cir Plást. 2000;15(1):21-4.

7. Oliveira Junior B, Schellini SA, Lastória JC, Carvalho LR, Stolf HO, Oliveira P. Tratamento de queloides usando radioterapia pós-operatória com elétrons: estudo comparativo e randomizado com dois esquemas. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(1):16-26.

8. Fernandes WS, Ferreira RCA. Queloide: uma revisão dos tratamentos atualmente disponíveis. Rev Bras Ciênc Saúde [Internet]. 2014; [citado 2014 Dev 8]; 18(2):181-6. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/18141/12925

9. Metsavaht LO, Garcia CAR. Infiltrações intralesionais de 5-FU no tratamento de queloides, cicatrizes hipertróficas e contraturas. Surg Cosmet Dermatol. 2015 Jan/Mar;7(1):17-24.











1. Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil.

Instituição: Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil.

COLABORAÇÕES

MVASN Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

SMM Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Validação, Visualização

RD Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Realização das operações e/ ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Software, Supervisão, Validação

GLAL Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Coleta de Dados, Gerenciamento de Recursos, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

Autor correspondente: Renata Damin, Rua Padre Anchieta, 1846, Conj. 103, Bigorrilho, Curitiba, PR, Brasil CEP: 80730-000. E-mail: renatadamin@hotmail.com

Artigo submetido: 14/06/2019.
Artigo aceito: 21/10/2019.

Conflitos de interesse: não há.

 

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