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Ideas and Innovation - Year2020 - Volume35 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2020RBCP0079

RESUMO

A lipoaspiração é um dos procedimentos mais comuns na especialidade de cirurgia plástica. No levantamento da ISAPS de 2018 foi a segunda cirurgia mais realizada em todo o mundo. Devido aos movimentos repetitivos próprios da cirurgia, fricção importante é gerada no local e as consequências são queimaduras cutâneas que podem deixar cicatrizes inestéticas e discromias. O objetivo deste estudo é criar um protótipo de um dispositivo protetor da pele, a partir de um modelo antigo, que sirva a esse propósito, e observar sua funcionalidade e os efeitos da sua utilização na pele de suínos. Os testes foram realizados em animais mortos sem sofrimento disponibilizados pelo setor de Medicina Veterinária da Universidade Positivo. Foram feitas três incisões no abdome do animal para passagem da cânula de lipoaspiração e outras três para a inserção e utilização do protótipo, bem como para comparação com o dispositivo modelo. O tempo estabelecido de movimentos de lipoaspiração foi de vinte minutos, realizados com a cânula de 5mm diretamente em contato com a pele e dentro do protótipo. Foi avaliada a ergonomia do protótipo, facilidade de inserção e travamento adequado na pele com diferentes trações. Observação e avaliação da pele após os procedimentos e medição (cm) das incisões foram realizadas. O protótipo do dispositivo protetor cutâneo de lipoaspiração criado apresentou fácil manuseio e mecanismo de travamento na pele mais eficiente quando comparado ao modelo utilizado. A incisão cutânea para uso do protótipo foi ligeiramente maior e a pele não apresentou sinais de queimadura.

Palavras-chave: Lipectomia; Cirurgia plástica; Cicatriz hipertrófica; Cicatriz; Queimaduras; Estudo comparativo; Inovação

ABSTRACT

Liposuction is one of the most common procedures in the plastic surgery specialty. In the 2018 ISAPS survey, it was the second most performed surgery worldwide. Due to the repetitive movements typical of the surgery, significant friction is generated at the site, and the consequences are skin burns that can leave unsightly scars and dyschromias. This study aims to create a skin protective device prototype from an old model, which serves this purpose, and to observe its functionality and its effects on the pigskin. The tests were carried out on dead animals without suffering provided by the Veterinary Medicine sector at Universidade Positivo. Three incisions were made in the animal's abdomen to pass the liposuction cannula and another three for the insertion and use of the prototype to compare it with the model device. The established time for liposuction movements was twenty minutes, performed with the 5mm cannula directly in contact with the skin and inside the prototype. The prototype's ergonomics, ease of insertion, and good locking on the skin with different tractions were evaluated. Observation and evaluation of the skin were performed after procedures and incisions' measurements (cm). The cutaneous liposuction protective device prototype presented easy handling and a more efficient skin locking mechanism than the model used. The skin incision for using the prototype was slightly larger, and the skin showed no burning signs.

Keywords: Lipectomy; Plastic surgery; Hypertrophic scar; Scar; Burns; Comparative study; Innovation.


INTRODUÇÃO

A lipoaspiração é um dos procedimentos mais comuns na especialidade de Cirurgia Plástica.(1-2 )No levantamento da ISAPS de 2018 foi a segunda cirurgia mais realizada em todo o mundo após mamoplastia de aumento, ficando o Brasil em apenas atrás dos EUA no período em número de lipoaspirações.3

A cirurgia pode ser feita com a técnica tradicional (vácuo), vibrolipoaspiração, ultrassônica e laser lipólise. As incisões são geralmente de 3 a 7 mm. Devido aos movimentos repetidos de vai e vêm necessários para a retirada uniforme da gordura realizados continuamente por minutos ou horas, fricção importante é gerada no local e as consequências são queimaduras cutâneas que podem deixar cicatrizes inestéticas e discromias.1,2,4,5

De modo geral, as queimaduras cutâneas mais graves ocorrem quando a técnica ultrassônica é utilizada, cuja energia gerada pelas ondas de ultrassom eleva muito a temperatura da cânula e do local. Nesta técnica a proteção cutânea é obrigatória.4-5 Entretanto, outras técnicas como vibrolipoaspiração(6 )ou lipoaspiração tradicional também podem causar queimaduras cutâneas.

A utilização de um protetor (portal) que crie uma barreira física entre a pele e a cânula de lipoaspiração é desejável para a melhora dos resultados, principalmente na lipoaspiração ultrasônica.

OBJETIVO

O objetivo deste estudo é criar um protótipo de um dispositivo protetor a partir de um modelo antigo que sirva a esse propósito, e observar sua funcionalidade e os efeitos da sua utilização na pele de suínos.

MÉTODO

Este é um estudo experimental realizado no mês de junho de 2018, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa no Uso de Animais do Centro de Estudos Superiores Positivo Ltda sob o protocolo nº 445 e parecer nº 3424.

Foi utilizado como referência um dispositivo fora de linha (Figura 1), produzido por empresa brasileira (Industra Technologies, São Carlos, Brasil), feito de polipropileno injetável com a necessidade de utilização de moldes para a injeção do material. Este processo requer produção em grande escala para tornar os custos justificáveis. Suas dimensões são de aproximadamente 2,5 cm de altura e 2 cm de largura, com ranhuras que dificultam sua limpeza e cujo mecanismo de inserção/travamento é de rosca. A inserção é feita através de uma incisão cutânea de aproximadamente 1 cm e com uma pinça tipo Kelly, visto que a inserção manual se torna difícil devido ao tamanho reduzido da base do portal. Porém, a necessidade de trocar o lado da pinça Kelly a cada volta da rosca do dispositivo gera um aumento no tempo de inserção e retirada dele.

Figura 1 - Dispositivo modelo em polipropileno. Visão de perfil e basal.

Protótipos foram desenhados em software SolidWorks 3D CAD (Dassault Systèmes SolidWorks Corporation, MA, USA) e impressos em impressora 3D MakerBot Replicator+ (MakerBot Industries, NY, USA) utilizando-se poliácido láctico (PLA) como material de impressão (Figura 2). O design, de criação própria, apresenta 1,9 cm de altura e 2,5 cm de largura. A base do protótipo é arredondada e com ranhuras rasas para facilitar o travamento manual. A rosca, com espiral menos espaçada e com maior diâmetro, visa facilitar sua inserção enquanto aumenta seu potencial de travamento na pele (Figura 2). A diferença entre o mecanismo de rosca do protótipo e do dispositivo modelo fica evidente na visão lateral (Figura 3).

Figura 2 - Protótipo impresso em PLA. Visão de perfil e basal.

Figura 3 - Comparativo do mecanismo de rosca do protótipo (cinza) e do dispositivo modelo (branco).

Os testes em animais foram realizados no Biotério da Universidade Positivo - (Curitiba-PR), em dois suínos disponibilizados pelo setor de Medicina Veterinária da mesma universidade. Os procedimentos foram conduzidos por um dos autores no centro cirúrgico do Biotério, com os animais submetidos à morte indolor assistida logo antes do procedimento. Foram feitas seis incisões no abdome de cada animal sendo três para passagem da cânula de lipoaspiração de 5mm sem proteção e outras três para os testes comparativos de inserção e travamento entre o protótipo e o dispositivo modelo, e em seguida para a utilização do protótipo durante a simulação de lipoaspiração.

Por motivo de comparação, foi estabelecido um tempo de movimentos de lipoaspiração de vinte minutos realizados com a cânula de 5mm diretamente em contato com a pele e dentro do protótipo. Observação e avaliação da pele após os procedimentos e medição (cm) das incisões foram realizadas.

Foi avaliada a ergonomia do protótipo, facilidade de inserção, travamento adequado na pele com diferentes trações (leve e intensa), aspecto da pele após 20 minutos de simulação de lipoaspiração e medida do tamanho da incisão após a simulação.

RESULTADOS

O protótipo apresentou boa ergonomia e movimentação interna da cânula (Figura 4), porém com leve resistência devido ao material da impressão 3D. A inserção pôde ser realizada diretamente com a mão sem a necessidade do uso da pinça Kelly como no modelo antigo, principalmente pelo formato arredondado e tamanho maior da base do dispositivo e pelas suas ranhuras laterais (Figuras 2,3 e 5).

Figura 4 - Protótipo inserido e cânula posicionada.

Figura 5 - Comparativo da base do dispositivo antigo (branco) e do protótipo (cinza).

No teste de tração leve os dois dispositivos tiveram travamento adequado, porém na tração intensa o antigo dispositivo modelo começou a se desprender da pele, já o protótipo manteve o travamento (Figuras 6 e 7). Apenas em uma incisão de um animal o dispositivo antigo permaneceu travado sob tensão intensa. A pele após 20 minutos de simulação de lipoaspiração sem o portal apresentou queimadura adjacente, edema e secreção serosa na incisão. Entretanto, quando em uso do portal, a pele se manteve íntegra e sem alterações. A incisão mínima para a inserção do protótipo (10 mm) foi pouco maior do que a incisão convencional (6 mm). Em duas incisões, sendo uma em cada animal, o tamanho da incisão do protótipo foi de oito e nove milímetros. (Figura 8) Tanto o aspecto das incisões, quando o tamanho médio foram muito similares em todos as incisões restantes dos animais.

Figura 6 - Tração intensa do protótipo (cinza). O dispositivo permaneceu travado na pele.

Figura 7 - Tração intensa do dispositivo antigo (branco). É possível perceber que o dispositivo começa a se desprender, perdendo o travamento.

Figura 8 - Aspecto da pele após 20 minutos de movimentos de lipoaspiração. Parte superior da figura: sem o uso de protetor mostra sinais de queimadura por fricção, com edema e secreção serosa. Incisão de aproximadamente 6mm. Parte inferior da figura: com o uso de protetor a pele permaneceu íntegra, sem sinais de queimadura. Incisão de aproximadamente 10mm.

DISCUSSÃO

O aumento pela procura a cirurgias plásticas em todo mundo e no Brasil é uma realidade comprovada nos últimos levantamentos da ISAPS, sendo a lipoaspiração uma das campeãs neste quesito.3 Este aumento vem acompanhado também da exigência dos pacientes por procedimentos cirúrgicos com menor custo, recuperação mais rápida e, obviamente, melhores resultados. Detalhes como as cicatrizes resultantes de uma lipoaspiração, mesmo que pequenas e bem posicionadas em regiões pouco visíveis, podem ser motivo de queixas. O mercado de trabalho nesta especialidade é extremamente competitivo, desta forma, todos os detalhes devem ser valorizados.

Existem poucos estudos na literatura com dispositivos visando proteger a pele do atrito gerado pela cânula de lipoaspiração, como a utilização de uma secção de seringa de 1 mL na incisão cutânea7-8 ou de uma secção de cânula nasofaríngea de 6.5mm de diâmetro como recurso protetor.(9 )Entretanto, além desses métodos necessitarem de pontos de sutura para fixação da seringa/cânula na pele podendo gerar cicatrizes indesejáveis e aumentar o tempo cirúrgico, esses estudos não apresentam dados sobre cicatrização da incisão ou estudos pré-clínicos, nem uma série de casos clínicos. Eles apenas descrevem o método. Desta forma, o estudo que realizamos talvez seja o primeiro neste sentido, começando pela avaliação experimental.

O fato de o protótipo poder ser produzido através de impressoras 3D abre um leque de opções de materiais, como termoplásticos (PLA, ABS, PET, PEEK, Poliamida), metais (aço, titânio, alumínio, cromo-cobalto, níquel, bronze, cobre), resinas (SLA, PolyJet).10 Este método ainda possibilita uma produção sob demanda, reduzindo tempo, custos operacionais e de fabricação, e proporciona ajustes e melhorias via software a qualquer momento.

Por outro lado somente alguns destes materiais podem ser utilizados na prática cirúrgica por suportarem as temperaturas de uma autoclave (poliamidas, PEEK). Materiais metálicos devem ser evitados por serem grandes condutores de energia mecânica e térmica, aumentando consideravelmente os riscos de queimadura cutânea, justamente o que desejamos evitar.

A impressão 3D dos protótipos, realizada com termoplástico PLA devido a sua facilidade de manipulação e experimentação, deixou pequenas imperfeições e restos de materiais no dispositivo, aumentando o atrito do material com a cânula, assim como a dificuldade na inserção. Contudo, tais imperfeições de impressão poderão ser resolvidas nos próximos protótipos com o ajuste fino dos parâmetros da impressora, ou mesmo na utilização de outro material no produto final ou através de outro método de fabricação como as injetoras por meio de prototipagem prévia. Este último também permitiria uma produção em maior escala.

A escolha do material é fundamental visto que deverá suportar altas temperaturas, ser atóxico e de baixo atrito, permitindo a livre movimentação da cânula, assim como ter um custo competitivo. Por esses motivos, a impressão com termoplástico Poliamida (náilon) e PEEK (poliéter-éter-cetona) pode ser utilizada, porém mais experimentações e estudos precisam ser realizados para se definir o material ideal.

Este estudo demonstrou uma melhoria da performance do protótipo em relação ao dispositivo modelo: melhor ergonomia para manipulação, possibilidade de inserção manual sem uso de pinças, travamento superior sem necessidade de pontos de fixação. Entretanto não houve diferença clínica nos efeitos cutâneos entre os mesmos, nem mesmo no tamanho da incisão necessária para a inserção (10 mm).

Os poucos estudos disponíveis para comparação sobre dispositivos protetores de pele para lipoaspiração mostram apenas relatos de caso, sem estudos pré-clínicos experimentais ou mesmo estudos clínicos randomizados e com um “n” significativo. O próximo passo deve ser a definição do melhor material a ser utilizado e um estudo clínico com o paciente sendo o seu próprio controle, ou seja, utilizar os dispositivos protetores em algumas incisões e comparar com as incisões onde ele não foi utilizado e também com o dispositivo modelo.

Limitações

Uma das maiores limitações deste estudo é o número pequeno de animais e incisões testados, porém tivemos que utilizar o que nos foi oferecido pelo biotério bem como o tempo ofertado para realização do mesmo. A definição do material ideal a ser utilizado em humanos passar por avaliações de toxicidade, facilidade na produção, testes de esterilização, bem como custos a serem estudados com mais aprofundamento.

CONCLUSÃO

O protótipo do dispositivo protetor cutâneo de lipoaspiração criado, apresentou fácil manuseio e mecanismo de travamento na pele mais eficiente quando comparado ao modelo utilizado, sem necessidade de fixação como os encontrados na literatura. A incisão cutânea para uso do protótipo foi ligeiramente maior do que sem, mas igual ao modelo antigo. A pele não apresentou sinais de queimadura por fricção com o uso do protótipo.

Estudos clínicos com “n” significativo devem ser realizados para avaliar a cicatrização no longo prazo, e mais estudos de funcionalidade ser realizados para se definir o material adequado para a confecção desde dispositivo.

REFERÊNCIAS

1. Iverson RE & Pao VS. Liposuction: MOC-PSsm CME. Plast Recons Surg. 2008;121(4):1-11.

2. Matarasso A & Levine SM. Evidence Based Medicine: Liposuction. Plast Recons Surg. 2013;132(6):1697-705.

3. ISAPS. Global Statistics: Full Global Survey Results. 2018 [acesso 05 de março de 2020]. Disponível em: https://www.isaps.org/medical-professionals/isaps-global-statist

4. Graf R, Auersvald A, Damasio RC, Rippel R, Araujo LR, Bigarelli LH, Franck CL. Ultrasound-assisted liposuction: an analysis of 348 cases. Aesthetic Plast Surg. 2003;27(2):146-53.

5. Ablaza VJ, et al. Tissue temperatures during ultrasound-assisted liposuction. Plast Recons Surg. 1998;102(2):534-42.

6. Fodor PB, Vogt PA. Power-assisted Lipoplasty(PAL): A Clinical Pilot Study Comparing PAL to Traditional Liposuction (TL). Aesthetic Plast Surg. 21(1):90-2.

7. Bang J & Song DH. Inexpensive Method of Liposuction Cannula Port-Site Protection, Aesth Plast Surg. 2013;37:843.

8. Khoo LS, Corona GG, Radwanski H, Fernandes VS, Pintanguy IH. Inexpensive Method of Liposuction Cannula Port-Site Protection, Aesth Plast Surg. 2014;38:256-7.

9. Salhi S, Meunier F, Cordoba C. Use of a nasopharyngeal cannula as a skin protector during lipoaspiration. JPRAS Open. 2017;12:87-90.

10. Ngo TD, Kashani A, Imbalzano G, Nguyen KTQ, Hui D. Additive manufacturing (3D printing): A review of materials, methods, applications and challenges. Composites Part B: Engineering. 2018;143:172-96.











1. Universidade Positivo, Departamento de Pós-graduação em Cirurgia Minimamente Invasiva Curitiba, PR, Brasil.

Autor correspondente: Luiz Roberto Reis Araújo, Alameda Presidente Taunay, 1820, Mercês, Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80430-042. E-mail: drluiz@drluizaraujo.com.br

Artigo submetido: 19/04/2019.
Artigo aceito: 05/10/2020.

Conflitos de interesse: não há.

 

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