INTRODUÇÃO
A lipoaspiração é um dos procedimentos mais comuns na especialidade de Cirurgia Plástica.(1-2 )No levantamento da ISAPS de 2018 foi a segunda cirurgia mais realizada em todo o mundo
após mamoplastia de aumento, ficando o Brasil em apenas atrás dos EUA no período em
número de lipoaspirações.3
A cirurgia pode ser feita com a técnica tradicional (vácuo), vibrolipoaspiração, ultrassônica
e laser lipólise. As incisões são geralmente de 3 a 7 mm. Devido aos movimentos repetidos
de vai e vêm necessários para a retirada uniforme da gordura realizados continuamente
por minutos ou horas, fricção importante é gerada no local e as consequências são
queimaduras cutâneas que podem deixar cicatrizes inestéticas e discromias.1,2,4,5
De modo geral, as queimaduras cutâneas mais graves ocorrem quando a técnica ultrassônica
é utilizada, cuja energia gerada pelas ondas de ultrassom eleva muito a temperatura
da cânula e do local. Nesta técnica a proteção cutânea é obrigatória.4-5 Entretanto, outras técnicas como vibrolipoaspiração(6 )ou lipoaspiração tradicional também podem causar queimaduras cutâneas.
A utilização de um protetor (portal) que crie uma barreira física entre a pele e a
cânula de lipoaspiração é desejável para a melhora dos resultados, principalmente
na lipoaspiração ultrasônica.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo é criar um protótipo de um dispositivo protetor a partir de
um modelo antigo que sirva a esse propósito, e observar sua funcionalidade e os efeitos
da sua utilização na pele de suínos.
MÉTODO
Este é um estudo experimental realizado no mês de junho de 2018, aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa no Uso de Animais do Centro de Estudos Superiores Positivo Ltda
sob o protocolo nº 445 e parecer nº 3424.
Foi utilizado como referência um dispositivo fora de linha (Figura 1), produzido por empresa brasileira (Industra Technologies, São Carlos, Brasil), feito
de polipropileno injetável com a necessidade de utilização de moldes para a injeção
do material. Este processo requer produção em grande escala para tornar os custos
justificáveis. Suas dimensões são de aproximadamente 2,5 cm de altura e 2 cm de largura,
com ranhuras que dificultam sua limpeza e cujo mecanismo de inserção/travamento é
de rosca. A inserção é feita através de uma incisão cutânea de aproximadamente 1 cm
e com uma pinça tipo Kelly, visto que a inserção manual se torna difícil devido ao
tamanho reduzido da base do portal. Porém, a necessidade de trocar o lado da pinça
Kelly a cada volta da rosca do dispositivo gera um aumento no tempo de inserção e
retirada dele.
Figura 1 - Dispositivo modelo em polipropileno. Visão de perfil e basal.
Figura 1 - Dispositivo modelo em polipropileno. Visão de perfil e basal.
Protótipos foram desenhados em software SolidWorks 3D CAD (Dassault Systèmes SolidWorks
Corporation, MA, USA) e impressos em impressora 3D MakerBot Replicator+ (MakerBot
Industries, NY, USA) utilizando-se poliácido láctico (PLA) como material de impressão
(Figura 2). O design, de criação própria, apresenta 1,9 cm de altura e 2,5 cm de largura. A
base do protótipo é arredondada e com ranhuras rasas para facilitar o travamento manual.
A rosca, com espiral menos espaçada e com maior diâmetro, visa facilitar sua inserção
enquanto aumenta seu potencial de travamento na pele (Figura 2). A diferença entre o mecanismo de rosca do protótipo e do dispositivo modelo fica
evidente na visão lateral (Figura 3).
Figura 2 - Protótipo impresso em PLA. Visão de perfil e basal.
Figura 2 - Protótipo impresso em PLA. Visão de perfil e basal.
Figura 3 - Comparativo do mecanismo de rosca do protótipo (cinza) e do dispositivo modelo (branco).
Figura 3 - Comparativo do mecanismo de rosca do protótipo (cinza) e do dispositivo modelo (branco).
Os testes em animais foram realizados no Biotério da Universidade Positivo - (Curitiba-PR),
em dois suínos disponibilizados pelo setor de Medicina Veterinária da mesma universidade.
Os procedimentos foram conduzidos por um dos autores no centro cirúrgico do Biotério,
com os animais submetidos à morte indolor assistida logo antes do procedimento. Foram
feitas seis incisões no abdome de cada animal sendo três para passagem da cânula de
lipoaspiração de 5mm sem proteção e outras três para os testes comparativos de inserção
e travamento entre o protótipo e o dispositivo modelo, e em seguida para a utilização
do protótipo durante a simulação de lipoaspiração.
Por motivo de comparação, foi estabelecido um tempo de movimentos de lipoaspiração
de vinte minutos realizados com a cânula de 5mm diretamente em contato com a pele
e dentro do protótipo. Observação e avaliação da pele após os procedimentos e medição
(cm) das incisões foram realizadas.
Foi avaliada a ergonomia do protótipo, facilidade de inserção, travamento adequado
na pele com diferentes trações (leve e intensa), aspecto da pele após 20 minutos de
simulação de lipoaspiração e medida do tamanho da incisão após a simulação.
RESULTADOS
O protótipo apresentou boa ergonomia e movimentação interna da cânula (Figura 4), porém com leve resistência devido ao material da impressão 3D. A inserção pôde
ser realizada diretamente com a mão sem a necessidade do uso da pinça Kelly como no
modelo antigo, principalmente pelo formato arredondado e tamanho maior da base do
dispositivo e pelas suas ranhuras laterais (Figuras 2,3 e 5).
Figura 4 - Protótipo inserido e cânula posicionada.
Figura 4 - Protótipo inserido e cânula posicionada.
Figura 5 - Comparativo da base do dispositivo antigo (branco) e do protótipo (cinza).
Figura 5 - Comparativo da base do dispositivo antigo (branco) e do protótipo (cinza).
No teste de tração leve os dois dispositivos tiveram travamento adequado, porém na
tração intensa o antigo dispositivo modelo começou a se desprender da pele, já o protótipo
manteve o travamento (Figuras 6 e 7). Apenas em uma incisão de um animal o dispositivo antigo permaneceu travado sob
tensão intensa. A pele após 20 minutos de simulação de lipoaspiração sem o portal
apresentou queimadura adjacente, edema e secreção serosa na incisão. Entretanto, quando
em uso do portal, a pele se manteve íntegra e sem alterações. A incisão mínima para
a inserção do protótipo (10 mm) foi pouco maior do que a incisão convencional (6 mm).
Em duas incisões, sendo uma em cada animal, o tamanho da incisão do protótipo foi
de oito e nove milímetros. (Figura 8) Tanto o aspecto das incisões, quando o tamanho médio foram muito similares em todos
as incisões restantes dos animais.
Figura 6 - Tração intensa do protótipo (cinza). O dispositivo permaneceu travado na pele.
Figura 6 - Tração intensa do protótipo (cinza). O dispositivo permaneceu travado na pele.
Figura 7 - Tração intensa do dispositivo antigo (branco). É possível perceber que o dispositivo
começa a se desprender, perdendo o travamento.
Figura 7 - Tração intensa do dispositivo antigo (branco). É possível perceber que o dispositivo
começa a se desprender, perdendo o travamento.
Figura 8 - Aspecto da pele após 20 minutos de movimentos de lipoaspiração. Parte superior da
figura: sem o uso de protetor mostra sinais de queimadura por fricção, com edema e
secreção serosa. Incisão de aproximadamente 6mm. Parte inferior da figura: com o uso
de protetor a pele permaneceu íntegra, sem sinais de queimadura. Incisão de aproximadamente
10mm.
Figura 8 - Aspecto da pele após 20 minutos de movimentos de lipoaspiração. Parte superior da
figura: sem o uso de protetor mostra sinais de queimadura por fricção, com edema e
secreção serosa. Incisão de aproximadamente 6mm. Parte inferior da figura: com o uso
de protetor a pele permaneceu íntegra, sem sinais de queimadura. Incisão de aproximadamente
10mm.
DISCUSSÃO
O aumento pela procura a cirurgias plásticas em todo mundo e no Brasil é uma realidade
comprovada nos últimos levantamentos da ISAPS, sendo a lipoaspiração uma das campeãs
neste quesito.3 Este aumento vem acompanhado também da exigência dos pacientes por procedimentos
cirúrgicos com menor custo, recuperação mais rápida e, obviamente, melhores resultados.
Detalhes como as cicatrizes resultantes de uma lipoaspiração, mesmo que pequenas e
bem posicionadas em regiões pouco visíveis, podem ser motivo de queixas. O mercado
de trabalho nesta especialidade é extremamente competitivo, desta forma, todos os
detalhes devem ser valorizados.
Existem poucos estudos na literatura com dispositivos visando proteger a pele do atrito
gerado pela cânula de lipoaspiração, como a utilização de uma secção de seringa de
1 mL na incisão cutânea7-8 ou de uma secção de cânula nasofaríngea de 6.5mm de diâmetro como recurso protetor.(9 )Entretanto, além desses métodos necessitarem de pontos de sutura para fixação da seringa/cânula
na pele podendo gerar cicatrizes indesejáveis e aumentar o tempo cirúrgico, esses
estudos não apresentam dados sobre cicatrização da incisão ou estudos pré-clínicos,
nem uma série de casos clínicos. Eles apenas descrevem o método. Desta forma, o estudo
que realizamos talvez seja o primeiro neste sentido, começando pela avaliação experimental.
O fato de o protótipo poder ser produzido através de impressoras 3D abre um leque
de opções de materiais, como termoplásticos (PLA, ABS, PET, PEEK, Poliamida), metais
(aço, titânio, alumínio, cromo-cobalto, níquel, bronze, cobre), resinas (SLA, PolyJet).10 Este método ainda possibilita uma produção sob demanda, reduzindo tempo, custos operacionais
e de fabricação, e proporciona ajustes e melhorias via software a qualquer momento.
Por outro lado somente alguns destes materiais podem ser utilizados na prática cirúrgica
por suportarem as temperaturas de uma autoclave (poliamidas, PEEK). Materiais metálicos
devem ser evitados por serem grandes condutores de energia mecânica e térmica, aumentando
consideravelmente os riscos de queimadura cutânea, justamente o que desejamos evitar.
A impressão 3D dos protótipos, realizada com termoplástico PLA devido a sua facilidade
de manipulação e experimentação, deixou pequenas imperfeições e restos de materiais
no dispositivo, aumentando o atrito do material com a cânula, assim como a dificuldade
na inserção. Contudo, tais imperfeições de impressão poderão ser resolvidas nos próximos
protótipos com o ajuste fino dos parâmetros da impressora, ou mesmo na utilização
de outro material no produto final ou através de outro método de fabricação como as
injetoras por meio de prototipagem prévia. Este último também permitiria uma produção
em maior escala.
A escolha do material é fundamental visto que deverá suportar altas temperaturas,
ser atóxico e de baixo atrito, permitindo a livre movimentação da cânula, assim como
ter um custo competitivo. Por esses motivos, a impressão com termoplástico Poliamida
(náilon) e PEEK (poliéter-éter-cetona) pode ser utilizada, porém mais experimentações
e estudos precisam ser realizados para se definir o material ideal.
Este estudo demonstrou uma melhoria da performance do protótipo em relação ao dispositivo
modelo: melhor ergonomia para manipulação, possibilidade de inserção manual sem uso
de pinças, travamento superior sem necessidade de pontos de fixação. Entretanto não
houve diferença clínica nos efeitos cutâneos entre os mesmos, nem mesmo no tamanho
da incisão necessária para a inserção (10 mm).
Os poucos estudos disponíveis para comparação sobre dispositivos protetores de pele
para lipoaspiração mostram apenas relatos de caso, sem estudos pré-clínicos experimentais
ou mesmo estudos clínicos randomizados e com um “n” significativo. O próximo passo
deve ser a definição do melhor material a ser utilizado e um estudo clínico com o
paciente sendo o seu próprio controle, ou seja, utilizar os dispositivos protetores
em algumas incisões e comparar com as incisões onde ele não foi utilizado e também
com o dispositivo modelo.
Limitações
Uma das maiores limitações deste estudo é o número pequeno de animais e incisões testados,
porém tivemos que utilizar o que nos foi oferecido pelo biotério bem como o tempo
ofertado para realização do mesmo. A definição do material ideal a ser utilizado em
humanos passar por avaliações de toxicidade, facilidade na produção, testes de esterilização,
bem como custos a serem estudados com mais aprofundamento.
CONCLUSÃO
O protótipo do dispositivo protetor cutâneo de lipoaspiração criado, apresentou fácil
manuseio e mecanismo de travamento na pele mais eficiente quando comparado ao modelo
utilizado, sem necessidade de fixação como os encontrados na literatura. A incisão
cutânea para uso do protótipo foi ligeiramente maior do que sem, mas igual ao modelo
antigo. A pele não apresentou sinais de queimadura por fricção com o uso do protótipo.
Estudos clínicos com “n” significativo devem ser realizados para avaliar a cicatrização
no longo prazo, e mais estudos de funcionalidade ser realizados para se definir o
material adequado para a confecção desde dispositivo.
REFERÊNCIAS
1. Iverson RE & Pao VS. Liposuction: MOC-PSsm CME. Plast Recons Surg. 2008;121(4):1-11.
2. Matarasso A & Levine SM. Evidence Based Medicine: Liposuction. Plast Recons Surg.
2013;132(6):1697-705.
3. ISAPS. Global Statistics: Full Global Survey Results. 2018 [acesso 05 de março de
2020]. Disponível em: https://www.isaps.org/medical-professionals/isaps-global-statist
4. Graf R, Auersvald A, Damasio RC, Rippel R, Araujo LR, Bigarelli LH, Franck CL. Ultrasound-assisted
liposuction: an analysis of 348 cases. Aesthetic Plast Surg. 2003;27(2):146-53.
5. Ablaza VJ, et al. Tissue temperatures during ultrasound-assisted liposuction. Plast
Recons Surg. 1998;102(2):534-42.
6. Fodor PB, Vogt PA. Power-assisted Lipoplasty(PAL): A Clinical Pilot Study Comparing
PAL to Traditional Liposuction (TL). Aesthetic Plast Surg. 21(1):90-2.
7. Bang J & Song DH. Inexpensive Method of Liposuction Cannula Port-Site Protection,
Aesth Plast Surg. 2013;37:843.
8. Khoo LS, Corona GG, Radwanski H, Fernandes VS, Pintanguy IH. Inexpensive Method of
Liposuction Cannula Port-Site Protection, Aesth Plast Surg. 2014;38:256-7.
9. Salhi S, Meunier F, Cordoba C. Use of a nasopharyngeal cannula as a skin protector
during lipoaspiration. JPRAS Open. 2017;12:87-90.
10. Ngo TD, Kashani A, Imbalzano G, Nguyen KTQ, Hui D. Additive manufacturing (3D printing):
A review of materials, methods, applications and challenges. Composites Part B: Engineering.
2018;143:172-96.
1. Universidade Positivo, Departamento de Pós-graduação em Cirurgia Minimamente Invasiva
Curitiba, PR, Brasil.
Autor correspondente: Luiz Roberto Reis Araújo, Alameda Presidente Taunay, 1820, Mercês, Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80430-042. E-mail:
drluiz@drluizaraujo.com.br
Artigo submetido: 19/04/2019.
Artigo aceito: 05/10/2020.
Conflitos de interesse: não há.