INTRODUÇÃO
Síndrome ASIA é a abreviação em inglês de síndrome autoimune induzida por adjuvantes.
Adjuvantes são todos os materiais estranhos ao organismo que podem desencadear um
processo inflamatório crônico. Descrita em 2011, pelo médico israelense Yehuda Shoenfeld,
a síndrome engloba doenças autoimunes que apresentam sintomas parecidos desencadeadas
por adjuvantes1.
As doenças descritas e seus agentes desencadeadores são: siliconomas (silicone), síndrome
da miofasceíte macrofágica (hidróxido de alumínio), síndrome da Guerra do Golfo (esqualeno)
e fenômenos pós-vacinação (hidróxido de alumínio). Outras substâncias também podem
ser associadas a essa síndrome como iodo, mercúrio, óleo mineral e titânio2,3.
O silicone foi primeiramente introduzido na medicina, em 1947, no uso de curativos
e, desde então, tem sido usado em diversos materiais e próteses. Inicialmente foi
considerado uma substância inerte, estável, com consistência que imitava o tecido
humano e resistente à degradação4,5.
Após o início do uso do silicone na medicina, alguns estudos apontaram que o silicone
injetável desencadeava reações locais graves e que apareciam em locais distantes da
região implantada, sugerindo que o material não era imunologicamente inerte como se
acreditava6,7.
Evidências mostram a associação da inclusão de prótese de mama e doenças relacionadas
com o implante desde a década de 1960, logo após o uso das próteses mamárias de silicone
em reconstruções e cirurgias estéticas8.
Os sintomas mais comuns da Síndrome ASIA são artrites, mialgias, fadiga e manifestações
neurológicas. Na Tabela 1 estão representados os possíveis sintomas9. Normalmente esses sintomas aparecem após alguns anos da inclusão da prótese de mama2.
Tabela 1 - Dados demográficos da população estudada.
Características |
Mediana ou porcentagem |
Idade (anos) |
43 (32-58) |
IMC |
26 (22-29) |
Início dos sintomas após a inclusão da prótese de mama (anos) |
8 (5-23) |
Diabetes |
13% |
Tireoidopatia |
30% |
Alergia prévia |
60% |
Antecedente pessoal de doença autoimune |
30% |
Antecedente familiar de doença autoimune |
20% |
Tabela 1 - Dados demográficos da população estudada.
Para se chegar ao diagnóstico é necessário que haja ao menos 2 critérios maiores ou
1 critério maior e dois menores dos sintomas da Tabela 2. O diagnóstico é essencialmente clínico, através de exame físico e história médica.
Não há marcadores laboratoriais específicos para o diagnóstico da síndrome ASIA1.
Tabela 2 - Porcentagem de pacientes que apresentaram melhora dos sintomas ao longo do tempo.
Sintomas (n) |
Porcentagem de pacientes com melhora do sintoma (n) |
1 mês |
3 meses |
6 meses |
12 meses |
Mialgia (12) |
58% (7) |
67% (8) |
83% (10) |
92% (11) |
Fadiga crônica (12) |
50% (6) |
67% (8) |
83% (10) |
83% (10) |
Artralgia ou artrite (11) |
36% (4) |
54% (6) |
73% (8) |
82% (9) |
Pele e cabelos secos (7) |
43% (3) |
57% (4) |
86% (6) |
86% (6) |
Cefaleia (6) |
33% (2) |
50% (3) |
67% (4) |
67% (4) |
Distúrbio cognitivos (5) |
20% (1) |
60% (3) |
60% (3) |
100% (5) |
Manifestações neurológicas (3) |
0% (0) |
33% (1) |
67% (2) |
67% (2) |
Febre (2) |
0% (0) |
50% (1) |
100% (2) |
100% (2) |
Depressão (1) |
0% (0) |
0% (0) |
100% (1) |
0% (0) |
Prurido (1) |
0% (0) |
100% (1) |
100% (1) |
100% (1) |
Tabela 2 - Porcentagem de pacientes que apresentaram melhora dos sintomas ao longo do tempo.
Os pacientes com maiores riscos de desenvolver síndrome ASIA são aqueles com relato
ou história familiar de doenças autoimunes, história de alergia, doenças atópicas
e deficiência de vitamina D10.
O mecanismo da doença está relacionado às substâncias inflamatórias desencadeadas
pela presença de corpo estranho que ocasionam os sintomas relacionados à doença11.
O tratamento pode ser somente cirúrgico com explante em bloco da prótese mamária de
silicone ou associado à medicação como corticoides, imunossupressores e medicações
biológicas; raramente o tratamento será somente medicamentoso12.
Questionários de avaliação de qualidade de vida têm ajudado muito a analisar e quantificar
os benefícios dos tratamentos médicos. Nas cirurgias das mamas o questionário Breast-Q® tem sido utilizado e validado inclusive para uso na língua portuguesa. O Breast-Q® é um instrumento para avaliação da imagem corporal e qualidade de vida em pacientes
submetidas à cirurgia da mama13-15.
Há poucos trabalhos na literatura médica que avaliam a evolução dos sintomas e da
qualidade de vida de pacientes com síndrome ASIA tratadas exclusivamente com explante
da prótese mamária de silicone.
OBJETIVO
Descrever a evolução dos sintomas e da qualidade de vida de pacientes com síndrome
ASIA que foram submetidas ao explante da prótese mamária de silicone.
MÉTODOS
Foram operadas 15 pacientes sequenciais por demanda do consultório de janeiro de 2017
a dezembro de 2018. Foi gerado pela Plataforma Brasil o protocolo do Comitê de Ética
em Pesquisa de número 33337520.0.0000.8054.
Todas as pacientes foram operadas pelo autor em hospitais da cidade de São Paulo e
apresentavam síndrome ASIA confirmada clinicamente. Foram realizados explante de prótese
de mama em bloco e reconstrução com mastopexia com incisão em T invertido em todas
as pacientes.
As pacientes foram acompanhadas nos retornos do pós-operatório de 1 mês, 3 meses,
6 meses e 1 ano. Em todos os retornos foram feitos os registros fotográficos e observado
a evolução de sintomas relacionados à síndrome ASIA. O questionário de qualidade de
vida utilizado foi a versão traduzida para o português do módulo de redução de mama
do Breast-Q Version 2.0® e aplicado somente no retorno de 1 ano após a cirurgia.
O módulo de redução de mama do Breast-Q® avalia a qualidade de vida e a satisfação da paciente em 10 questionários. Os questionários
são: bem-estar psicossocial, bem-estar sexual, bem-estar físico, satisfação com as
mamas, satisfação com mamilos, satisfação com resultados, satisfação com as informações
passadas, satisfação com o cirurgião, satisfação com a equipe médica e satisfação
com a equipe do consultório.
Como orientado pelo manual de aplicação do Breast-Q®, não é preciso aplicar todos os questionários, os mesmos podem ser aplicados individualmente.
Cada questionário tem uma pontuação de 0 a 100 e não há uma somatória de pontuação
de todos os questionários.
Neste estudo foram aplicados os questionários relacionados à satisfação das mamas,
bem-estar psicossocial, bem-estar sexual e bem-estar físico.
Os questionários do Breast-Q® são de autoria dos médicos Klassen, Pusic e Cano e foram desenvolvidos sob licença
do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, Nova Iorque, EUA13.
RESULTADOS
Os dados demográficos da amostra estudada estão demonstrados na Tabela 1.
A evolução dos sintomas ao longo dos retornos dos pós-operatórios está apresentada
na Tabela 2.
A Figura 1 ilustra a pontuação dos questionários do Breast-Q® antes e depois da cirurgia.
Figura 1 - Pontuação média com desvio padrão do questionário Breast-Q® no pré-operatório e pós-operatório de 1 ano.
Figura 1 - Pontuação média com desvio padrão do questionário Breast-Q® no pré-operatório e pós-operatório de 1 ano.
A Figura 2 mostra o explante de uma paciente que manteve a mesma prótese de mama por 9 anos.
Nesta paciente foi também retirado um fibroadenoma da mama esquerda. A Figura 3 se refere à mesma paciente com fotos de pré e pós-operatório de 6 meses.
Figura 2 - Explante em bloco bilateral (lado esquerdo), abertura de cápsula e exposição de próteses
(lado direito).
Figura 2 - Explante em bloco bilateral (lado esquerdo), abertura de cápsula e exposição de próteses
(lado direito).
Figura 3 - Fotos de pré-operatório (esquerda) e pós-operatório 6 meses (direita) de paciente
submetida à explante em bloco e mastopexia.
Figura 3 - Fotos de pré-operatório (esquerda) e pós-operatório 6 meses (direita) de paciente
submetida à explante em bloco e mastopexia.
DISCUSSÃO
É necessário clarificar alguns termos utilizados. A capsulectomia total envolve a
retirada total da cápsula, porém neste termo não está necessariamente implícito se
a cápsula e a prótese serão retiradas em bloco. Na capsulectomia total o cirurgião
pode abrir a cápsula e retirar a prótese, para posteriormente realizar a retirada
de toda a cápsula.
Por outro lado, o explante em bloco envolve a retirada da prótese e da cápsula em
uma única peça, sem rompimento da cápsula. É a cirurgia preconizada no tratamento
de doenças associadas ao implante de silicone.
A maior crítica em relação à síndrome ASIA se refere aos critérios diagnósticos, que
são poucos específicos e muito abrangentes. Dessa forma, os critérios diagnósticos
podem incluir muitos pacientes com outras doenças autoimunes, bem como uma grande
população que possui esses sintomas sem ter alguma doença autoimune16.
Estudos demonstram que o explante de prótese mamária não é garantia de melhora dos
sintomas da síndrome ASIA. Há pacientes cujos sintomas melhoram definitivamente após
o explante, há outros que os sintomas melhoram temporariamente e aqueles em que os
sintomas não melhoram11,12.
Na amostra estudada, os sintomas mais comuns como mialgia, artralgia, fadiga crônica,
pele e cabelos secos tiveram melhora em mais de 80% dos pacientes operados ao final
de 12 meses de acompanhamento. Houve melhora em 100% das pacientes em sintomas como
distúrbio cognitivo, febre e prurido no retorno com 12 meses da cirurgia.
A porcentagem de pacientes que tiveram melhora mostrou uma tendência de aumento até
os 6 meses da cirurgia, depois se mantiveram estáveis até 12 meses.
Na paciente que apresentava depressão houve uma melhora aos 6 meses de acompanhamento
e depois uma recaída aos 12 meses. Pode-se inferir que a cirurgia teve algum efeito
placebo transitório na paciente ou a prótese de mama não teve relação com a depressão
nesse caso.
No gráfico da pontuação dos questionários do Breast-Q®, pode-se verificar um aumento significativo da pontuação no pós-operatório em comparação
com o pré-operatório. Embora não tenha sido feito uma análise estatística, a melhora
é evidente a ponto de não haver sobreposição da pontuação entre o pré e o pós-operatório,
mesmo considerando o desvio padrão dos gráficos. Houve uma melhora da qualidade de
vida e da satisfação das mamas após o procedimento cirúrgico. A pontuação foi bem
próxima entre os quatro questionários no pós-operatório. As menores pontuações no
pré-operatório foram nos questionários de satisfação das mamas e bem-estar sexual.
Os dados demográficos da amostra estudada evidenciaram pacientes com antecedente de
alergias, antecedente pessoal e familiar de doenças autoimunes e início dos sintomas
em média 8 anos após a inclusão da prótese mamária. Essas características corroboram
com a literatura médica10.
O mecanismo pelo qual pode haver melhora dos sintomas após o explante se dá pela diminuição
da resposta inflamatória por não haver mais o estímulo desencadeado pela presença
do silicone.
No entanto, muitas pacientes ainda podem apresentar sintomas mesmo após o explante.
Isso ocorre pela presença de silicone nos linfonodos e outros órgãos do corpo, devido
à migração de células contendo o silicone. Nestes casos, o silicone ainda se mantém
presente e o estímulo inflamatório continua mesmo após o explante.
A literatura médica pontua que quanto maior o período de tempo que os pacientes apresentem
sintomas relacionados à síndrome ASIA, menor a chance de a cirurgia isoladamente melhorar
os sintomas. Nestes casos, pode ser necessário o tratamento medicamentoso com imunossupressores
em conjunto com a cirurgia11,12.
Há alguns aspectos deste estudo que devem ser considerados. O primeiro é o tamanho
da amostra, que pode não ser representativo da população estudada. A segunda questão
se refere ao fato que não foi realizado testes estatísticos de correlação entre o
explante e a melhora dos sintomas e da qualidade de vida. As variáveis podem estar
associadas, mas não tem uma relação causal.
É necessário deixar claro à paciente que somente o explante de prótese de mama pode
não melhorar os sintomas da síndrome. Além disso, há implicações na retirada da prótese
como perda do resultado estético da mama, a possibilidade de cicatrizes adicionais
e complicações relacionadas a qualquer cirurgia.
CONCLUSÃO
O explante de prótese de mama em pacientes com a síndrome ASIA parece estar associado
à melhora da qualidade de vida e diminuição dos sintomas relacionados à síndrome.
São necessários outros estudos com uma amostra maior e análise estatística para investigar
a correlação causal entre explante de prótese de mama com a melhora da qualidade de
vida e diminuição dos sintomas.
REFERÊNCIAS
1. Shoenfeld Y, Agmon-Levin N. ASIA - autoimmune/inflammatory syndrome induced by adjuvants.
J Autoimm. 2011 Fev;36(1):4-8.
2. Jara LJ, García-Collinot G, Medina G, Cruz-Dominguez MDP, Vera-Lastra O, Carranza-Muleiro
RA, et al. Severe manifestations of autoimmune syndrome induced by adjuvants (Shoenfeld's
syndrome). Immunol Res. 2017 Fev;65(1):8-16.
3. Perricone C, Alessandri C, Valesini G. 'ASIA' - autoimmune/inflammatory syndrome induced
by adjuvants: even and odd. Reumatismo. 2011;63(2):63-6.
4. Brown JB, Fryer MP, Randall P, Lu M. Silicones in plastic surgery; laboratory and
clinical investigations, a preliminary report. Plast Reconstr Surg (1946). 1953 Nov;12(5):374-6.
5. Brown J, Fryer M, Ohlwiler DA. Study and use of synthetic materials, such as silicones
and teflon, as subcutaneous prostheses. Plast Reconstr Surg. 1960;26:264-79.
6. Winer LH, Sternberg TH, Lehman R, Ashley Fl. Tissue reactions to injected silicone
liquids: a report of three cases. Arch Dermatol. 1964 Dez;90:588-93.
7. Bridges AJ, Vasey FB. Silicone breast implants. History, safety, and potential complications.
Arch Intern Med. 1993 Dez;153(23):2638-44.
8. Miyoshi KMT, Kobayashi Y. Hypergammaglobulinemia by prolonged adjuvanticity in men.
Disorders developed after augmentation mammaplasty. Jpn Med J. 1964;2122:9-14.
9. Colaris MJL, Boer M, Van Der Hulst RR, Tervaert JWC. Two hundreds cases of ASIA syndrome
following silicone implants: a comparative study of 30 years and a review of current
literature. Immunol Res. 2017 Fev;65(1):120-8.
10. Goren I, Segal G, Shoenfeld Y. Autoimmune/inflammatory syndrome induced by adjuvant
(ASIA) evolution after silicone implants. Who is at risk?. Clin Rheumatol. 2015 Out;34(10):1661-6.
11. Shoenfeld Y. Video Q&A: what is ASIA? An interview with Yehuda Shoenfeld. BMC Med.
2013;11:118.
12. Boer M, Colaris M, Van Der Hulst RRWJ, Tervaert JWC. Is explantation of silicone breast
implants useful in patients with complaints?. Immunol Res. 2017 Fev;65(1):25-36.
13. Pusic AL, Klassen AF, Scott AM, Klok JA, Cordeiro PG, Cano SJ. Development of a new
patient-reported outcome measure for breast surgery: the BREAST-Q. Plast Reconstr
Surg. 2009 Aug;124(2):345-53.
14. Sbalchiero JC, Cordanto-Nopoulos FR, Silva CHD, Caiado Neto BR, Derchain S. Breast
Q questionnaire, translation process to portuguese language and their application
on breast cancer patients. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(4):549-52.
15. Côrrea MPD, Costa AMD, Côrrea LD, Dornelas MT, Venturelli Júnior EP, Chaoubah A. Assessment
of the quality of life in patients with breast hypertrophy before and after reduction
mammoplasty. Rev Bras Cir Plást. 2019;34(2):204-9.
16. Tervaert JWC. Autoinflammatory/autoimmunity syndrome induced by adjuvants (ASIA; Shoenfeld's
syndrome): a new flame. Autoimmun Rev. 2018 Dez;17(12):1259-64.
1. Clínica Privada, Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Ricardo Eustachio de Miranda, Rua Bandeira Paulista, 530, Itaim Bibi, São Paulo, SP, Brazil. Zip Code: 04532-001.
E-mail: ricardomiranda@hotmail.com
Artigo submetido: 07/05/2020.
Artigo aceito: 19/07/2020.
Conflitos de interesse: não há.