ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2019 - Volume34 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0230

RESUMO

Introdução: Lesões geradas por queimaduras representam um importante problema de saúde pública, constituindo a quarta causa de morte na infância no Brasil e Estados Unidos. Além disso, poucas são as doenças que trazem prejuízos tão importantes, com considerável morbidade pelo desenvolvimento de sequelas físicas e psicossociais. Diante disso, o objetivo deste estudo é traçar o perfil epidemiológico de crianças de 0-18 anos atendidas em um hospital escola de Curitiba, Paraná.
Métodos: Estudo transversal e retrospectivo realizado através da análise de 625 prontuários de internação de crianças de 0-18 anos vítimas de queimaduras, entre janeiro de 2010 a dezembro de 2017. Foram coletadas informações sobre idade, sexo, tempo de internação, óbito, região corporal atingida, extensão da superfície corporal, grau de profundidade, agente etiológico e abordagem terapêutica.
Resultados: A maior parte da amostra era composta por lactentes (43%), com média de idade de 12,6 anos. O sexo mais afetado foi o masculino e os pacientes permaneceram cerca de 14,5 dias internados. No estudo, 98% das queimaduras apresentaram como etiologia o agente térmico, principalmente por líquido quente. Em relação ao grau de profundidade, a maioria das queimaduras foram de 2º grau (61,3%), atingindo até 25% de superfície corporal queimada (SCQ), sendo o tronco o mais afetado. Dentre as modalidades de tratamento, 44% dos pacientes necessitaram de intervenção cirúrgica com debridamento e enxertia.
Conclusão: Crianças mais novas são mais propensas a sofrerem queimaduras principalmente no ambiente domiciliar e, além disso, uma equipe preparada e capacitada é de crucial importância no prognóstico destes doentes.

Palavras-chave: Queimaduras; Pediatria; Cirurgia plástica; Inquéritos epidemiológicos; Traumatismo múltiplo

ABSTRACT

Introduction: Injuries caused by burns represent a significant public health problem, constituting the fourth leading cause of childhood death in Brazil and the United States. In addition, few diseases carry such substantial losses as burns, with considerable morbidity due to the development of physical and psychosocial sequelae. This study aimed to outline the epidemiological profile of 0-18-year-old children treated for burns at a teaching hospital in Curitiba, Paraná.
Methods: This cross-sectional, retrospective study involved analysis of 625 medical records of 0-18-year-old children who were victims of burns from January 2010 to December 2017. Information was collected on age, sex, length of hospitalization, death, body region affected, burned body surface area (BSA), depth, etiologic agent, and therapeutic approach.
Results: A plurality of the sample were infants (43%), and the average age of the sample was 12.6 years. Most of the sample was comprised males, and the patients remained hospitalized for an average of 14.5 days. Of the burns, 98% were caused by thermal agents, particularly hot liquids. Most burns were second-degree burns (61.3%), reaching up to 25% of the BSA, and the most affected region was the trunk. Among the treatment modalities, 44% of the patients needed surgical intervention with debridement and grafting.
Conclusion: Younger children are more prone to burns, especially in the home environment. A prepared and qualified team is of crucial importance for optimizing outcomes in these patients.

Keywords: Burns; Pediatrics; Surgery, Plastic; Epidemiologic studies; Multiple trauma.


INTRODUÇÃO

Lesões geradas por queimaduras representam um importante problema de saúde pública, constituindo a quarta causa de morte na infância no Brasil e Estados Unidos, atrás apenas de outras causas traumáticas, como acidentes de trânsito e homicídios1,2. Segundo a Sociedade Brasileira de Queimaduras por volta de 1 milhão de acidentes ao ano são motivados por este tipo de lesão no país. Destes, 100.000 pacientes irão procurar atendimento hospitalar e cerca de 2.500 irão falecer direta ou indiretamente de suas lesões2,3.

Por apresentarem imaturidade musculoesquelética e imunológica as crianças encontram-se mais vulneráveis ao óbito. Estima-se que cerca de 70% de todas as mortes causadas por queimaduras nessa faixa etária poderiam ser evitadas1,4. Esse índice de mortalidade deve-se principalmente à infecção e septicemia, assim como à repercussão sistêmica1. Após a destruição primária da barreira de proteção, o trauma térmico leva a liberação de mediadores com extenso dano à integridade capilar e perda acelerada de fluidos, podendo ainda acarretar choque hipovolêmico. Pela desproporção da superfície corporal em relação ao peso, esses indivíduos costumam apresentar repercussões sistêmicas mais frequentemente3,5.

Além disso, poucas são as doenças que trazem prejuízos tão importantes como a queimadura. Esse tipo de lesão resulta em considerável morbidade pelo desenvolvimento de sequelas, estando entre as mais graves a incapacidade funcional, especialmente quando atinge as mãos; as deformidades inestéticas, sobretudo da face; e, também, aquelas de ordem psicossocial3,6.

OBJETIVO

Diante disso, o objetivo deste estudo é traçar o perfil epidemiológico de crianças de 0-18 anos atendidas no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba.

MÉTODOS

Estudo transversal e retrospectivo realizado através da análise de 625 prontuários de internação de crianças de 0-18 anos vítimas de queimaduras admitidas no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, entre janeiro de 2010 a dezembro de 2017. A unidade de queimados atende adultos e crianças oriundos de todo o estado do Paraná e eventualmente de outros estados, com maior demanda proveniente da cidade de Curitiba e região metropolitana. O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba, sob o parecer no. 86160718.4.0000.0103.

Foram coletadas informações sobre idade, sexo, tempo de internação, óbito, região corporal atingida pela queimadura, extensão da superfície corporal queimada, grau de profundidade da queimadura, agente etiológico envolvido, abordagem terapêutica. Os dados referentes a agente causador das queimaduras foram agrupados da seguinte forma: agente químico (queimaduras causadas por álcali ou ácidos); agente térmico (queimaduras causadas por agentes inflamáveis, líquidos quentes, superfície aquecida, brasas e chama direta); e agente elétrico (queimaduras causadas por corrente elétrica).

Os resultados foram expressos em número absoluto e porcentagem, sob a forma de tabelas e gráficos, sendo processados com o software Microsoft Excel 2016.

RESULTADOS

Foram avaliados 625 prontuários de pacientes entre 1 mês e 18 anos de idade nos últimos 7 anos, sendo que 4 (0,6%) foram a óbito. A maior parte da amostra era composta por lactentes (43%), seguido de pré-escolares (36%), adolescentes (11%) e escolares (10%). A média de idade foi 12,6 anos. O sexo mais afetado foi o masculino (60%, n=376), sendo a razão entre os sexos de 1,5:1. Com relação ao tempo de internamento, os pacientes permaneceram cerca de 14,5 dias internados, com estadia máxima em 118 dias. Não há diferença significativa no tempo de internamento entre os grupos de idade (p=0,61). Também não há diferença significativa entre os sexos (p=0,83).

No estudo, 98% (612) das queimaduras apresentaram como etiologia o agente térmico, principalmente por líquido quente em 74% dos casos, obtendo maior expressão em todas as faixas etárias (Tabela 1). Em relação ao grau de profundidade a maioria das queimaduras foram de 2º grau (61,3%), seguido do 3º grau (38,2%) e 1º grau isolado (0,5%).

Tabela 1 - Tipo de queimadura térmica por intervalo de idade.
  Lactente Pré-Escolar Escolar Adolescente
Tipo N % N % N % N %
Agente inflamável 4 2 24 11 17 27 11 17
Brasas 7 3 5 2 0 0 0 0
Chama direta 4 2 29 13 15 24 15 23
Líquido quente 230 88 158 71 28 45 38 58
Superfície aquecida 17 6 6 3 2 3 2 3
Total 262 100 222 100 62 100 66 100

Fonte: Os autores (2018).

Tabela 1 - Tipo de queimadura térmica por intervalo de idade.

Quanto a superfície corporal queimada (SCQ), obtivemos 553 pacientes com 0-25% de SCQ, 69 pacientes com 26-50% de SCQ, 2 pacientes com 51-75% de SCQ e 1 paciente na faixa acima dos 75% de SCQ (Gráfico 1). A região corporal mais atingida foi o tronco (55%) motivando queimaduras de 2º grau em 60% dos casos do segmento. Pacientes com mais de 25% de SCQ ficaram, estatisticamente, 8 dias a mais internados do que pacientes com até 25% de SCQ (p=0,0029).

Gráfico 1 - Intervalos de SCQ. Fonte: Os autores (2018).

Dentre as modalidades de tratamento, 44% (272) dos pacientes necessitaram de intervenção cirúrgica (debridamento e enxertia), sendo os curativos maioria na terapêutica adotada.

Em se tratando de casos mais extremos, as queimaduras térmicas de 3º grau foram geradas em sua maioria por incidentes com líquido quente (38%), em ambos os sexos, com prevalência de pré-escolares (39%). Ainda nos acometimentos mais profundos, quando se relaciona conduta adotada e tipos de queimadura térmica (Tabela 2), nota-se que nos acidentes com líquido quente, curativos (65%) e debridamento (85%) foram as terapêuticas mais empregadas, ao passo que a enxertia por si só teve uma distribuição mais homogênea entre os diversos agentes (p=0,001).

Tabela 2 - Distribuição dos tipos de queimaduras térmicas de 3º grau pela terapêutica adotada
Terapêutica Curativos Debridamento Enxerto
Tipo N % N % N %
Agente  Inflamável 10 9 2 4 18 24
Brasas 3 3 1 2 4 5
Chama  Direta 18 17 4 9 15 20
Líquido Quente 70 65 39 85 33 43
Superfície Aquecida 7 6 0 0 6 8
Total 108 100 46 100 76 100

Fonte: Os autores (2018).

Tabela 2 - Distribuição dos tipos de queimaduras térmicas de 3º grau pela terapêutica adotada

DISCUSSÃO

Historicamente, queimaduras são lesões facilmente evitáveis, principalmente na faixa etária pediátrica, requerendo cuidados básicos dos pais e das próprias crianças. Isso demonstra-se no fato de que 79% das queimaduras ocorreram em crianças até os 6 anos, faixa etária na qual devido ao desenvolvimento neuropsicomotor não há noção adequada de perigo e segurança. Esse dado condiz com outras pesquisas já realizadas, em que menores de 5 anos correspondem à maior parte dos queimados7-11. Verificando-se o sexo dos pacientes, percebe-se uma clara tendência em pacientes masculinos, com uma razão de 1,51 meninos para cada menina com queimaduras, assim como outro centro de estudo, onde constatou-se que 53,4% eram meninos7.

Dentre os tipos de queimaduras, em nosso estudo, os líquidos quentes predominaram em todas as faixas etárias. Isso é congruente com pesquisas realizadas em outros estados brasileiros7,8 e países em desenvolvimento, como a Índia9,12 e o Irã11, bem como em países desenvolvidos, como o Canadá8 e o país de Gales7. Tal achado enquadra-se na chamada síndrome da chaleira quente, que ocorre quando a criança puxa uma panela ou chaleira com água fervente que se encontra sobre o fogão. Esse incidente ilustra a situação socioeconômica brasileira, na qual um grande número de pessoas mora em uma mesma residência, com as crianças aglomerando-se na cozinha junto à mãe.

Quando analisamos as regiões mais atingidas pelas queimaduras, verificamos divergências interessantes. Um estudo canadense demonstrou que existe predominância dessas lesões em quadril e membros inferiores8. Por outro lado, pesquisadores iranianos constataram uma grande quantidade de queimaduras em membros superiores (47% do total de lesões)11. Em contrapartida, em nossa análise e em estudos brasileiros1,2, a região corporal mais atingida foi o tronco, contradizendo as pesquisas internacionais.

Com relação ao tempo de internação destes pacientes, nossa análise, com uma média de 14,5 dias, vai ao encontro de estudos em países em desenvolvimento, com 17,56 dias de internamento médio9. A média de internamento de 2 semanas é reportada ainda por pesquisadores brasileiros2,3. Os pacientes em idade escolar, de 7 a 9 anos, são os que têm a maior média de tempo de internação, com 17,14 dias. O desvio padrão é de 12,02 dias, isso porque existe uma grande variabilidade de extensão, profundidade e localização das queimaduras.

A profundidade da lesão depende da temperatura do agente causal e da duração do contato com o agente. Crianças e idosos apresentam pele mais sensível que a de um adulto, de forma que queimaduras superficiais apresentam rápida progressão para níveis mais profundos e queda do estado geral. Na amostra a maioria das queimaduras era de segundo grau, correspondendo a 61,3% dos pacientes. Isso é corroborado por outros estudos, em que queimaduras de segundo grau acometem entre 50-70% dos queimados8-11.

A grande maioria (89%) dos nossos pacientes tiveram de 0-25% da superfície corporal queimada, com apenas um registro acima de 75% de SCQ. Porém, pacientes com maior superfície corporal atingida trazem maiores custos ao hospital, com necessidades de terapias mais intensivas e internação mais prolongada, requerendo maior atenção aos seus ferimentos. Em pacientes feridos por agentes inflamáveis ou brasas, a terapêutica mais utilizada foi a enxertia. Já a maioria dos pacientes com lesões por chama direta, líquido quente e superfície aquecida, foi tratado com curativos.

CONCLUSÃO

O grande número de crianças envolvidas em acidentes por queimaduras, mesmo nos dias atuais, só vem reforçar a importância de prevenção para este fato, uma vez que geram traumas físicos e psicológicos, em boa parte, irreversíveis. Com esses dados, notamos que crianças mais novas são mais propensas a sofrerem queimaduras e que estas, em sua maioria, acontecem em casa. Isso nos leva a crer que, com medidas simples, como manter líquidos quentes fora do alcance, utilizar aparelhos elétricos sob supervisão e não as deixar sozinhas na cozinha, muitos dos acidentes poderiam ser evitados. Além disso, ter uma equipe preparada e capacitada para atender queimados é de crucial importância no prognóstico destes doentes.

COLABORAÇÕES

MVASN

Aprovação final do manuscrito, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

SMM

Aprovação final do manuscrito, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

RD

Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

CSC

Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Coleta de Dados, Investigação, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição

GLAL

Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Coleta de Dados, Investigação, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

REFERÊNCIAS

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1. Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, Paraná, Brasil.
2. Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.

Instituição: Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, PR, Brasil.

Autor correspondente: Renata Damin Rua Magdalena Taborda Ribas, 728, Curitiba, PR, Brasil. CEP: 81050-350. E-mail: renatadamin@hotmail.com

Artigo submetido: 20/2/2019.
Artigo aceito: 18/4/2019.

Conflitos de interesse: não há.

 

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