INTRODUÇÃO
A úlcera plantar ocasionada pela hanseníase é uma lesão neurotrófica localizada na
região plantar, resultante de lesões repetidas por falta de sensibilidade na região.
Acomete várias regiões do pé e em graus diferentes de profundidade e gravidade, pode
levar a amputação de dígitos ou plantar. A hanseníase é uma infecção crônica granulomatosa,
causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, tem alta contagiosidade, baixa morbidade e é endêmica no Brasil. A transmissão da
hanseníase ocorre pelo contato íntimo e prolongado do indivíduo suscetível com o paciente
bacilífero, através da inalação de bacilos. A melhor forma de cessar a transmissão
é o diagnóstico e tratamento precoces1-4. Segundo Araújo, em 20035, o tratamento da hanseníase compreende a quimioterapia específica, supressão dos
surtos reacionais, prevenção de incapacidades físicas, reabilitação física e psicossocial.
Este conjunto de medidas deve ser desenvolvido em serviços de saúde da rede pública
ou particular, mediante notificação de casos à autoridade sanitária competente. As
ações de controle são realizadas em níveis progressivos de complexidade, dispondo-se
centros de referência locais, regionais e nacionais para o apoio da rede básica.
A hanseníase é uma doença crônica cuja lesão nervosa ocasiona alterações sensitivas
e motoras, levando a deformidades e formação de úlceras cutâneas. O potencial incapacitante
da hanseníase está diretamente relacionado à penetração do bacilo álcool-ácido resistente
e gram-positivo nos nervos periféricos, especialmente nas células de Schwann, ocasionando
danos às terminações nervosas livres e alterações na sensibilidade, térmica, dolorosa
e tátil. Quando a sensibilidade protetora estiver comprometida pela doença, associada
as deformidades do pé, consequentes a fraqueza de músculos, traumatismos mecânicos
e uso de calçados inadequados, produzirão hiperqueratoses, fissuras, escoriações,
bolhas, erosões e úlceras crônicas1-5.
O principal motivo da formação da úlcera plantar na hanseníase é devido à perda de
sensibilidade protetora ou anestesia total na região do nervo tibial posterior, associado
à paralisia da musculatura intrínseca, garra de artelhos, perda do coxim normal sob
a cabeça dos metatarsianos e do volume dos músculos intrínsecos, pele anidrótica,
pé caído e alteração na arquitetura óssea, que ocasiona pressão exagerada sob a cabeça
dos metatarsianos e calcâneo, na sustentação e distribuição do peso corpóreo6,7. O comprometimento neural dentro do túnel do tarso pode ocasionar também a compressão
venosa secundária e, algumas vezes, a compressão arterial, determinando a estase no
pé, que facilita a produção de úlceras plantares e retardo na cicatrização. As úlceras
ocorrem mais frequentemente no antepé. A úlceras localizadas na borda lateral do pé
são pouco frequentes e estão relacionadas com pé caído total, ou situações em que
existe paresia dos músculos fibulares, ou posição em varo do pé. Por último a perda
do volume dos músculos intrínsecos da região hipotenar do pé permite que o processo
estilóide ou a base do quinto metatarsiano fiquem proeminentes, ocasionando a formação
de um calo e ulceração no quinto metatarsiano. A úlcera do calcâneo é menos frequente,
porém a mais difícil de ser tratada no pé. Frequentemente ela é de origem traumática,
causada por prego, pedras ou irregularidades nos calçados, caminhadas rápidas ou passos
muito longos que aumentam as forças na área calcânea, na fase de impacto e aumento
das forças de fricção6-8.
No levantamento bibliográfico, de 1978 a 2018, no banco de dados da Biblioteca Virtual
de Saúde com os descritores hanseníase e lesão plantar, foram encontrados 25 artigos,
sendo 12 específicos, e na literatura internacional são poucos os artigos sobre o
tema. Considerando-se que a hanseníase é uma das seis doenças que a Organização Mundial
de Saúde considera como ameaça nos países em desenvolvimento, rara nos países europeus.
Danos aos nervos podem ocorrer antes, durante e após o tratamento da doença; e pode
resultar em incapacidades e desfigurações a longo prazo, associadas ao estigma relacionado
a doença9. A resposta imune e os mecanismos envolvidos na lesão nervosa não são claramente
compreendidos e não há teste preditivo para avaliar a extensão dos danos nervosos
e o melhor tratamento das sequelas3.
OBJETIVO
Descrever o tratamento de série de casos de úlceras plantares consequentes à hanseníase
atendidos em Hospital de Reabilitação.
MÉTODOS
Estudo transversal retrospectivo dos prontuários de pacientes com úlcera plantar atendidos
no Hospital Sarah em Brasília, no período de janeiro de 2006 a janeiro de 2016, com
amostra não probabilística obtida por conveniência correspondente à população alvo
atendida em serviço terciário de saúde.
Os dados foram avaliados quanto ao sexo, procedência, idade, grau de escolaridade,
localização, tempo de evolução, seguimento, intervenções cirúrgicas e não cirúrgicas.
Foram incluídos somente casos de pacientes com úlceras plantares com diagnóstico de
hanseníase. Realizou-se o estudo descritivo de frequências utilizando o Excell. O projeto foi aprovado pelo CEP/APS sob CAAE: 96147018.0.0000.0022, os dados registrados
são parte de grupo de estudo de lesões plantares atendidos no Hospital Sarah Brasília.
RESULTADOS
No período do estudo foram atendidos no programa de reabilitação, do Hospital Sarah
em Brasília, 27 pacientes portadores de úlcera plantar, sendo prevalência de 17 (62,96%)
casos, 10 (37,04%) do sexo masculino e 7 do feminino, faixa etária de 41 a 60 anos
(40,74%), procedentes de Goiás 14 (56%) provenientes das cidades de Formosa, Cidade
Ocidental, Planaltina, Cristalina, Pirenópolis, Iporá, Morrinhos, Pedregal, Santo
Antônio do Descoberto, Luziânia e 8 (32%) do DF; 21 (77,7%) tinha nível de instrução
fundamental incompleto, trabalhavam em atividades gerais e agrícolas (Tabela 1). O exame clínico detalhado do pé foi realizado com avaliação do teste sensorial
com estesiômetro, descrição das deformidades plantares específicas: presença de calos,
úlceras, sinais infecciosos, mobilidade do tornozelo e metatarsofalângica, alterações
sensitivas distais nos quatro membros, alterações tróficas e a presença de garras
(Quadro 1 e Figura 1). O exame radiológico dos pés em AP e perfil foi realizado e quando necessário solicitou-se
tomografia computadorizada e fistulografia. O exame de eletroneuromiografia revelou
principalmente polineuropatia periférica sensitivo-motora predominantemente axonal,
crônica, difusa, pior nos membros inferiores; a região mais cometida foi o primeiro
artelho em 41,94%, seguido de lesões múltiplas (29%), no quinto artelho em 16% e calcâneo
em 12%. O tempo de seguimento foi em média de oito anos, apresentando fechamento completo
de todos os casos, porém com 90% de recorrência das úlceras.
Tabela 1 - Distribuição quanto aos dados sociodemográficos.
|
N |
% |
Sexo |
|
|
Masculino |
17 |
62,96 |
Feminino |
10 |
37,4 |
Faixa Etária |
|
|
<20 |
3 |
11,11 |
21-40 |
8 |
29,63 |
41-60 |
11 |
40,74 |
>60 |
5 |
18,52 |
Procedência |
|
|
GO |
14 |
55,56 |
DF |
8 |
29,63 |
PA |
2 |
7,41 |
MA |
1 |
3,7 |
RR |
1 |
3,7 |
Grau de instrução |
|
|
Analfabeto |
3 |
11,11 |
Ensino fundamental incompleto |
21 |
77,78 |
Ensino médio |
2 |
7,41 |
Ensino superior |
1 |
3,7 |
Tempo de doença |
|
|
< 5 anos |
8 |
29,63 |
6 - 20 anos |
8 |
29,63 |
> 21 anos |
11 |
40,74 |
Profissão |
|
|
Estudante |
5 |
18,52 |
Trabalhador agrícola |
5 |
18,52 |
Serviços gerais |
8 |
29,63 |
Do lar |
3 |
11,11 |
Funcionário público |
1 |
3,7 |
Não informado |
5 |
18,52 |
Classificação |
|
|
Virchow |
20 |
74,1 |
Dimorfa |
2 |
7,41 |
Não identificado |
5 |
18,52 |
Localização da úlcera |
|
|
Primeiro artelho |
13 |
41,94 |
Múltiplas regiões |
9 |
29,3 |
Quinto artelho |
5 |
16,13 |
Calcâneo |
4 |
12,9 |
Tabela 1 - Distribuição quanto aos dados sociodemográficos.
Quadro 1 - Descrição das alterações observadas consequentes a neuropatia hansênica.
Alterações devido a neuropatia hansênica na região plantar |
Perda de sensibilidade protetora ou anestesia |
Hiperqueratoses, fissuras, escoriações, bolhas, erosões e úlceras crônicas |
Deformidade em garra |
Grau 1 - a ponta dos artelhos toca o chão, permitindo a formação de calos e ulceração; |
Grau 2 - os artelhos estão hiperestendidos, de modo que a polpa não toca o chão; |
Grau 3 - as articulações metatarsofalangeanas (MTF) já estão totalmente deslocadas
dorsalmente
|
Paralisia intrínseca |
Atrofia secundária à paralisia dos músculos intrínsecos do pé levam à perda do volume
de partes moles, que normalmente auxiliam no acolchoamento da sola do pé; Alteração
da arquitetura óssea plantar.
|
Comprometimento das fibras autonômicas |
Anidrose e perda de adaptação circulatória reflexa. |
Quadro 1 - Descrição das alterações observadas consequentes a neuropatia hansênica.
Figura 1 - Lesão plantar no primeiro metatarsiano e no hálux.
Figura 1 - Lesão plantar no primeiro metatarsiano e no hálux.
Todos os pacientes se submeteram à programa de reabilitação que incluiu orientações
quanto a doença, prevenção de lesão plantar, avaliação em laboratório de movimento,
avaliação da sensibilidade com estesiômetro, orientação quanto aos curativos e uso
de auxílio locomoção, órteses e próteses. Todos necessitaram em algum momento do processo
evolutivo de procedimento cirúrgico, entre os procedimentos cirúrgicos para 3 (6%)
realizou-se o fechamento cirúrgico da úlcera, com sutura primária em todos os casos,
sendo necessária a incisão longitudinal relaxadora para aproximação central da ferida;
5 (10%) neurólise do nervo tibial, 7 (14%) amputação de artelho, 26 (52%) desbridamento,
8 (16%) tratamento da osteomielite (Figuras 2 e 3); e, um caso de amputação transtibial, devido à gangrena no pé; 90% dos pacientes
receberam mais de um tratamento cirúrgico e 8 (16%) apresentavam úlcera bilateral.
Figura 2 - Paciente 45 anos, submeteu-se a três procedimentos cirúrgicos: amputação segmentar
do primeiro metatarsiano direito; desarticulação do 5º artelho à esquerda; remoção
da falange distal do 2º artelho direito. Durante o acompanhamento apresentou recorrências
anuais, realizou-se bota gessada com estribo, palmilha e órtese (OTP).
Figura 2 - Paciente 45 anos, submeteu-se a três procedimentos cirúrgicos: amputação segmentar
do primeiro metatarsiano direito; desarticulação do 5º artelho à esquerda; remoção
da falange distal do 2º artelho direito. Durante o acompanhamento apresentou recorrências
anuais, realizou-se bota gessada com estribo, palmilha e órtese (OTP).
Figura 3 - Paciente com mal perfurante plantar inicialmente no 1º metatarsiano, necessária a
desarticulação do 1º artelho e fechamento da úlcera; recorrências e intervenções:
desbridamento, amputações de artelhos, curativos, bota gessada com estribo, palmilhas
sob molde e uso de calçado especial; acompanhamento de 10 anos de seguimento.
Figura 3 - Paciente com mal perfurante plantar inicialmente no 1º metatarsiano, necessária a
desarticulação do 1º artelho e fechamento da úlcera; recorrências e intervenções:
desbridamento, amputações de artelhos, curativos, bota gessada com estribo, palmilhas
sob molde e uso de calçado especial; acompanhamento de 10 anos de seguimento.
O tratamento conservador das úlceras plantares consistiu na realização de curativos
com solução fisiológica, solução não alcoólica de iodo a 1% (Povidone) e óleo rico
em ácidos graxos essenciais (AGE); o desbridamento químico com enzimas proteolíticas,
como a papaína, responsáveis por catalisar o processo de cicatrização e promover o
crescimento tecidual, foi empregado em casos com necrose. Em três casos de úlceras
crônicas recorrentes sob a cabeça do primeiro metatarsiano foi realizada a artrodese
da articulação metatarsofalangeana.
O desbridamento mecânico ou cirúrgico foi realizado sob anestesia em ambiente de centro
cirúrgico indicado nos casos de infecção, artrite séptica e absorção óssea. Para estes
casos utilizou-se o mesmo orifício da úlcera empregando azul de metileno como marcador
para corar o tecido de granulação, ampliando-se a incisão quando necessário para melhor
abordagem da ferida, remoção de todo tecido necrótico e osso, sequestros ósseos, fáscia,
cápsula, tendões e outros tecidos moles com odor e aspecto característico de necrose
e infecção. Realizou-se pontos de sutura espaçados para drenagem ou colocação de drenos
de penrose, mantendo-se o paciente internado, em uso de antibioticoterapia conforme cultura
e antibiograma e sem realizar carga sobre a ferida operatória até a melhora do aspecto
da ferida, em média de 60 dias. Nos casos de amputação de artelho, indicados por infecção
e osteomielite, utilizou-se o retalho cutâneo do dedo desarticulado para cobrir a
úlcera.
Vinte e seis pacientes submeteram-se a desbridamentos menores e parciais em ambiente
ambulatorial, porém cada paciente, necessitou de mais de quatro desbridamentos. Para
ambos, tanto em regime de internação quanto ambulatorial, não foi liberado para apoio
plantar até a cicatrização completa da ferida, em média de três meses. O primeiro
curativo foi feito no primeiro pós-operatório e sempre que necessário, prevendo a
possibilidade de sangramento. Nos casos de osteomielite crônica, com grandes áreas
localizadas no primeiro raio e no calcâneo, a ressecção parcial da região com infecção
foi realizada (Figura 4).
Figura 4 - Distribuição dos pacientes portadores de mal perfurante plantar quanto aos procedimentos
cirúrgicos.
Figura 4 - Distribuição dos pacientes portadores de mal perfurante plantar quanto aos procedimentos
cirúrgicos.
Entre os procedimentos não cirúrgicos, todos receberam palmilha sob molde, 20 (41,67%)
ao uso de bota gessada com estribo (Figura 3) e um caso a protetização de membro inferior. Após o desbridamento, ou tratamento
cirúrgico das úlceras, recomendou-se utilizar muletas, aparelho gessado ou bota gessada
com estribo para auxiliar na deambulação até a cicatrização total da ferida. Para
confecção do aparelho gessado, o paciente foi colocado em decúbito ventral ou sentado,
protegendo-se as regiões com possibilidade de pressão, foi trocado semanalmente até
a cicatrização da úlcera, que ocorreu em torno de 3 meses, quando foi confeccionada
palmilha sob molde e orientado calçado especial. Em alguns casos de adultos utilizou-se
a órtese com estribo, porém com pouca aceitação pelos pacientes devido ao desconforto
e dor em outras articulações (Figura 5).
Figura 5 - A. Lesão no cavo plantar; B. Uso de bota gessada com estribo; C. A órtese com estribo, com trocas semanais, tempo de fechamento da lesão em 3 meses.
Figura 5 - A. Lesão no cavo plantar; B. Uso de bota gessada com estribo; C. A órtese com estribo, com trocas semanais, tempo de fechamento da lesão em 3 meses.
DISCUSSÃO
No Brasil, 25,2 mil casos de hanseníase foram registrados em 2016. A incidência, no
entanto, se comparada com o resto do mundo é alta de 12,2 casos por 100 mil, sendo
que a média internacional é de 2,9 mil casos por 100 mil habitantes. De 2012 até 2016,
foram diagnosticados 151.764 novos casos da doença, destes, 84.447 eram homens (55,6%).
No entanto, quando considerado apenas o grau 2 de incapacidade física, mais grave,
com deformidade visível nas mãos, pés e/ou olhos, a diferença se acentua: a incidência
é de 15,17 casos para cada 1 milhão de homens, enquanto no caso das mulheres o número
reduz para 6,072,3,4,9,11.
Neste estudo foi realizado análise retrospectiva no período de 10 anos. No período
do estudo foram admitidos 256 casos portadores de lesão plantar no hospital de reabilitação
do aparelho locomotor, 27 (11%) eram portadores de hanseníase de grau 2 de incapacidade,
que necessitaram de múltiplos procedimentos cirúrgicos e fisioterápicos. Destes, 56%
eram procedentes do estado de Goiás, tinham ensino fundamental incompleto como grau
de instrução (77%) e eram trabalhadores de serviços gerais. Os pacientes foram seguidos
por equipe multidisciplinar formada por cirurgiões ortopédicos, plásticos, radiologistas,
enfermeiros, fisioterapeutas e suporte da oficina ortopédica e técnicos de gesso.
O fenômeno inicial da lesão plantar por neuropatia hansênica foi a insensibilidade
à dor, que ocasionou alterações plantares na estrutura plantar, ulcerações e quadros
infecciosos de repetição. A neuropatia hansênica foi decorrente da invasão bacilar
e do processo inflamatório nos nervos periféricos, classificadas como tipo 2 de incapacidade
e tipo virchowiana de forma clínica. A classificação de incapacidade física na hanseníase
segundo a OMS é definida em 3 categorias: Grau 0 - sem incapacidade, sem anestesia
e sem deformidade visível ou dano aos olhos, mãos ou pés; Grau 1 - somente incapacidade
(anestesia, mas sem deformidade visível ou dano aos olhos, mãos ou pés); Grau 2 -
deformidade visível ou dano ocular (lagoftalmia, iridociclite, opacidade corneana,
deficiência visual grave), mãos (mãos em garra, úlceras, absorção dos dedos, contratura
do polegar e mão inchada), pés (úlceras plantares, pé-drop, inversão do pé, arranhões dos dedos dos pés, absorção dos dedos dos pés, pé colapsado
e calosidades)6. Corroborando com este estudo, Moschioni, em 20106, descreveu a forma virchowiana ou lepromatosa com o maior impacto na incapacidade
física e deformidade, tem 16,5 vezes mais chances de desenvolver a eficiência de grau
2 se quando comparadas às outras formas clínicas6. No membro inferior, o nervo tibial posterior e fibular foram os mais acometidos,
quando há lesão destes nervos o paciente apresenta predisposição à lesão plantar,
que iniciou com lesão superficial, evoluiu para úlcera profunda, osteomielite, até
a artrite séptica e gangrena6,7,9,11,12,13.
O algoritmo proposto por Jeng e Wei, em 199710, para reconstrução nas sequelas de traumatismos plantares podem auxiliar na decisão
da melhor opção, entretanto, vale ressaltar que os motivos principais para surgimento
da úlcera plantar estão relacionados à perda da sensibilidade protetora e alterações
estruturais devido à atrofia muscular. Entretanto, a maioria das feridas são possíveis
de cicatrização por segunda intenção desde que seja realizado o cuidado local e o
repouso, ou seja, evitar apoiar sobre a lesão e a utilização de calçados ou palmilhas
adequados. Ademais estes pacientes apresentam alterações na sensibilidade profunda
e distúrbios dos movimentos para marcha, com pé caído, ocasionando lesões ligamentares,
deformidades em garra, e artropatias neuropáticas. A indicação para o tratamento das
lesões plantares variou com o tempo de evolução, profundidade, diâmetro e grau de
infecção. Nos casos iniciais, maioria atendidos em serviços de saúde primários, postos
de saúde e ambulatórios foi possível a realização de curativos e cuidados locais;
nos casos infectados ou de feridas crônicas foi necessário o desbridamento; nos casos
de absorção e de maior gravidade, a amputação de artelhos. Um caso evoluiu com amputação
transtibial em um membro com comprometimento severo sensitivo, vascular e ósseo, e
apresentava lesões plantares em outro estágio no membro contralateral.
Segundo artigos descritos na literatura, não se recomenda ressecar apenas a cabeça
de um metatarsiano, visto que isto levará ao acúmulo de pressão sobre a próxima cabeça
metatarsiana, apenas transferindo o problema de lugar13-16. Outras técnicas têm demonstrado bom resultado, é a realização de dois retalhos bipediculados
que consiste em ressecar a úlcera, retirar as partes ósseas proeminentes que estejam
infectadas e realizar o retalho bipediculado; outra opção, o retalho sural reverso,
associado à descompressão do nervo tibial posterior, acreditando que com este último
seja possível melhorar a sensibilidade da região acometida, todavia consideramos este
o retalho de maior complexidade, maior volume e com maior risco de complicações16,17. Outras medidas cirúrgicas e fisioterápicas9 tem sido utilizadas, todavia, neste estudo verificou-se a possibilidade de se obter
a cicatrização da ferida com as seguintes medidas: desbridamento, uso de bota gessada
com estribo ou órtese, evitar o apoio plantar e outras medidas, entretanto, o grande
desafio foi na prevenção de recorrências. Corroborando com dados da literatura13, há uma alta taxa de recorrência e reincidência das lesões plantares, observada em
90% dos pacientes com diagnóstico tardio de hanseníase, em grau mais avançado e forma
clínica virchowiana.
Os resultados apresentados neste estudo corroboram com a afirmação de que as recidivas
e complicações que levam a repetidos e prolongados transtornos ao paciente hanseniano
sejam decorrentes de lesões mais graves de grau 2, associado aos cuidados incorretos
com os pés insensíveis, observou-se, que mesmo em serviço formado por equipe multidisciplinar,
orientados e com intervenções múltiplas, foi possível o fechamento completo das feridas,
mas este grupo de pacientes ainda apresentaram alto índice de recorrências e reincidências.
O presente estudo tem limitações quanto à análise epidemiológica da hanseníase em
Brasília, onde o atendimento é realizado em acordo com as diretrizes e o manual técnico
operacional para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde
pública publicado pelo Ministério da Saúde18, ademais, o fato de analisarmos amostra não probabilística obtida por conveniência
correspondente à população alvo atendida em serviço terciário de saúde, dos casos
de portadores de lesões e incapacidade física que requereram técnicas complexas encaminhados
para serviços de reabilitação. Outros estudos comparativos de prevalência e evolução
de lesões plantares com grau semelhante de incapacidade e outros graus são necessários.
Reforçamos ainda a necessidade da prevenção, diagnóstico, controle e tratamento precoce
da doença como principais metas para atenção à hanseníase. Principalmente porque as
grandes endemias constituem um dos desafios à saúde pública, uma vez que atingem principalmente
pessoas menos favorecidas, oriundas da pobreza, isto é, de condições precárias de
vida e a falta de saneamento básico, um dos principais fatores que contribuem para
o aparecimento desta doença5,7,9,10,11,13.
CONCLUSÕES
Os casos admitidos de lesão plantar em serviço de reabilitação consequente a hanseníase
foram mais frequentes em pacientes com mais de 40 anos de idade, sexo masculino, em
grau mais avançado da doença, acometendo principalmente o primeiro artelho e mais
de uma região plantar. Todos necessitaram de procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos,
evoluindo com cicatrização completa da ferida, amputação transtibial em um caso e
de artelhos em sete casos, e 90% dos casos apresentaram recorrência da úlcera após
um ano.
COLABORAÇÕES
KTB
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Investigação
|
GBM
|
Coleta de Dados, Gerenciamento do Projeto, Redação - Revisão e Edição
|
UPyS
|
Análise estatística, Metodologia, Redação - Revisão e Edição
|
AFSSAR
|
Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo, Redação - Revisão e Edição
|
AGR
|
Investigação, Redação - Revisão e Edição
|
CZC
|
Conceitualização, Investigação
|
CFPAS
|
Redação - Revisão e Edição
|
REFERÊNCIAS
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de discapacidad en una cohorte de pacientes en Colombia, 2000-2010. Rev Panam Salud
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1. Hospital Sarah Brasília da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, Brasília, DF,
Brasil.
2. Centro Universitário do Planalto Central Aparecido dos Santos, Brasília, DF, Brasil.
3. Secretaria de Estado de Saúde Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde,
Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente: Katia Torres Batista SMHS 501, Bloco A, Brasília, DF, Brasil. CEP: 70335-901. E-mail: katiatb@terra.com.br
Artigo submetido: 30/4/2019.
Artigo aceito: 21/10/2019.
Conflitos de interesse: não há.