INTRODUÇÃO
O uso do grande omento como retalho apresenta aplicabilidade em vários ramos da
cirurgia moderna. Foi primeiramente descrito em 1896 na confecção de um
shunt porto-sistêmico, por Drummond e Morrison1. No campo da Cirurgia Plástica, ele representa
um grande desafio para os cirurgiões, abrangendo desde cirurgia reparadora de
partes
moles, incluindo as paredes torácica (e.g.: infecções mediastinais)2 e abdominal, até tratamento do linfedema
crônico3,4 e reconstrução mamária5,6.
Quando tratamos da reconstrução da região torácica, a escolha de músculos locais para
confecção de retalho musculares ou miocutâneos (e.g.: músculo peitoral maior)
são,
frequentemente, a primeira opção7, sendo o
retalho de transposição do reto abdominal também utilizado com frequência4. Entretanto, o retalho de omento tem se
mostrado eficaz na reconstrução esternal, especialmente em defeitos irregulares
ou
quando os retalhos musculares falharam8.
OBJETIVO
Demonstrar a utilização do retalho omental como opção na reconstrução esternal em
uma
paciente que sofreu deiscências após esternotomia.
MÉTODO
Revisão de literatura tendo como base os seguintes uniremos MesH: omental
flap; sternum reconstruction; surgery; cardiothoracic surgery, tendo
como base os últimos 5 anos. Os artigos foram selecionados conforme a técnica:
retalhos musculares e miocutâneos, e o retalho omental. O caso descrito refere-se
a
um paciente do sexo masculino, 69 anos, que sofreu três sucessivas deiscências
após
cirurgia cardíaca aberta para revascularização miocárdica (Figura 1). O paciente foi então encaminhado para avaliação da
equipe de cirurgias plástica. A tomografia da parede torácica foi solicitada,
a fim
de descartar coleções retroesternais. O paciente foi então submetido a amplo
desbridamento da ferida operatória em conjunto com a equipe médica assistente
da
cirurgia cardíaca (Figura 2), com posterior
mobilização de retalho omental baseado na artéria gastroepiplóica esquerda (Figura 3). O paciente não apresentava incisões ou
cirurgia prévias na cavidade peritoneal. O retalho omental foi cuidadosamente
dissecado em seu pedículo vascular, e transposto à parede torácica para a
reconstrução do defeito esternal. Um pequeno pertuito na parede abdominal anterior
assegurou a preservação do fluxo sanguíneo através de seu pedículo vascular. Após
a
cirurgia, o paciente permaneceu na unidade de tratamento intensivo por cerca de
72
horas, sendo depois transferido para uma cidade de cuidados intermediários.
Figura 1 - Evidenciando deiscência de esternotomia após cirurgia cardíaca aberta
para revascularização miocárdica.
Figura 1 - Evidenciando deiscência de esternotomia após cirurgia cardíaca aberta
para revascularização miocárdica.
Figura 2 - Abertura de incisão comunicando cavidade abdominal com ferida
operatória.
Figura 2 - Abertura de incisão comunicando cavidade abdominal com ferida
operatória.
Figura 3 - Exposição de omento.
Figura 3 - Exposição de omento.
RESULTADOS
O retalho omental utilizado permitiu o fechamento completo do defeito esternal, com
melhora nos exames de laboratório na série branca e vermelha (Figura 4). Não houve infecção nem deiscência da parede
abdominal. O paciente obteve alta hospitalar após cerca de 25 dias, em bom estado
geral, mas com supervisão da equipe assistente e retornos programados. Nos
pós-operatório tardio, cerca de 60 dias após a cirurgia, observou-se que o orifício
na parede abdominal que permitia a passagem do pedículo vascular do retalho omental
alargou-se, ocasionando a formação de hérnia da parede abdominal, que foi aumentando
nos meses seguintes, sendo necessária uma nova intervenção cerca de 1 ano após
a
confecção do retalho omental, a fim de permitir o fechamento do orifício e secção
dos pedículo vascular que, a essa altura, já recebia aporte sanguíneo dos próprios
tecidos vizinhos na parede torácica. Uma ressonância nuclear magnética da parede
torácica assegurou a adequada adesão do retalho à parede torácica neste momento.
Não
houve formação de fístulas na parede torácica durante todo o período de
follow-up.
Figura 4 - Trans-operatório evidenciando fechamento de comunicação com abdome; e omento posicionado em região de deiscência de esternotomia previa.
Figura 4 - Trans-operatório evidenciando fechamento de comunicação com abdome; e omento posicionado em região de deiscência de esternotomia previa.
DISCUSSÃO
Apesar de infrequente (incidência de 0,5% a 4%), a mediastinite pós-operatória de
cirurgias cardíacas requer tratamento multidisciplinar rápido e coordenado entre
as
várias equipes envolvidas no intuito de reduzir as altas taxas de morbidade e
mortalidade (em torno dos 50% dos casos)15,
através de controle da infecção, estabilização da parede torácica e cobertura
cutânea da ferida o mais breve possível.
Várias técnicas já foram descritas (retalhos musculares, procedimentos
microcirúrgicos, emprego de materiais aloplásticos, etc.) e podem ser utilizadas
para buscarmos os melhores resultados em cirurgias reparadoras do tórax. Vários
fatores influenciam a escolha da técnica; estes dependem de indicações e
complicações específicas, e razoavelmente bem estabelecidas na literatura, além
de
critérios clínicos, experiência do cirurgião, opinião do paciente e da equipe
multidisciplinar.
Ao se deparar com casos de mediastinite, o cirurgião plástico deve inicialmente
priorizar a realização de procedimentos de caráter higiênico, como limpeza e
debridamento de coleções purulentas e de tecidos desvitalizados, além de orientar
curativos próprios para cada caso. Após obtenção de estabilização clínica e de
uma
ferida torácica limpa, poderá ser feito um planejamento cirúrgico apropriado,
tratando de forma individualizada cada tipo de lesão a ser abordada. Lesões menores
podem ser reconstruídas com retalhos cutâneos ou fasciocutâneos locais, da própria
vizinhança. Já feridas maiores necessitarão de retalho com aporte circulatório
mais
confiável, como retalhos musculares e miocutâneos do músculo peitoral maior ou
do
músculo grande dorsal16.
Em relação a abordagem específica com retalho de omento, este apresenta propriedades
que propiciam melhor revascularização dos tecidos vizinhos e combate às infecções,
como uma rede linfática e vascular que permite o transporte de células
inflamatórias, fatores angiogênicos e atuação de antibióticos nos leitos de tecido
isquêmico ou com infecções de difícil resolução. Além disso, a flexibilidade,
amplo
eixo de rotação e possibilidade de preenchimento do espaço morto amplo, tornam
este
retalho uma ótima opção para fechamento da ferida esternal17.
Devemos ponderar também que algumas complicações da utilização de retalho do grande
omento são descritas na literatura, como hérnia abdominal, obstrução de intestino
delgado, hemorragias, necrose gordurosa irregular e outras5,8,13.
CONCLUSÃO
Apesar de ainda não haver um consenso sobre o melhor tipo de reconstrução nos
extensos defeitos da parede torácica anterior, o retalho de grande omento utilizado
no caso relatado se mostrou como uma boa opção em virtude de sua versatilidade
cirúrgica e propriedades vasculares.
REFERÊNCIAS
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liver cured by operation. Br Med J. 1896,2:728.
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1. Hospital São Lucas da Pontifícia, Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Brasil.
Endereço Autor: Paulo Eduardo Macedo Caruso,
Avenida Alberto Bins, 456 , Centro Histórico, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP
90030-140. E-mail: marcelokolling91@gmail.com