INTRODUÇÃO
As reconstruções da parede torácica são procedimentos desafiadores e complexos. Desde
a sua primeira descrição conhecida no século XVIII, melhorias na técnica cirúrgica
reconstrutora e na anestesia, permitiram a realização de ressecções extensas com
morbidade e mortalidade aceitáveis1.
As indicações mais comuns para a ressecção da parede torácica incluem neoplasias
primárias ou metastáticas, tumores contíguos de câncer de mama ou pulmão, necrose
de
radiação, defeitos congênitos, trauma ou processos infecciosos de osteomielite ou
esternotomia mediana1,2.
A escolha de músculos locais para confecção de retalho musculares ou miocutâneos são,
frequentemente, a primeira opção dentro do arsenal reconstrutivo da região
torácica3. O retalho de músculo peitoral
maior é, geralmente, a primeira linha para a reconstrução de defeitos no esterno.
O
retalho de transposição do reto abdominal também é utilizado com frequência, mas
requer uma artéria mamária ipsilateral íntegra4.
O uso de retalho de omento para cobertura de defeitos esternais foi descrita pela
primeira vez por Lee, em 1976. Desde então, ele tem sido usado para várias
condições, principalmente no tratamento de infecções profundas da ferida esternal
após cirurgia cardiotorácica, que corresponde a uma fonte significativa de morbidade
pós-cirúrgica2.
O omento é composto de gordura visceral e vasos sanguíneos, apresentando dois
pedículos dominantes (artérias gastroepiploicas direita e esquerda) que surgem da
curva maior do estômago. A maior vantagem deste retalho é o comprimento do pedículo,
que pode ser facilmente alongado com a divisão de arcadas internas, permitindo a
cobertura de feridas no mediastino, parede torácica anterior, lateral e
posterior3,5,6.
O retalho de transposição de omento tem se mostrado eficaz na reconstrução esternal,
especialmente em defeitos irregulares ou quando os retalhos musculares falharam4.
RELATO DO CASO
Paciente A.L.P.L., gênero feminino, 44 anos, portadora de neoplasia de mama
bilateral, sem outras comorbidades. Nega tabagismo ou etilismo.
Apresenta história de surgimento da neoplasia inicialmente em mama direita, sendo
realizado tratamento cirúrgico com setorectomia e esvaziamento axilar, além de
terapia adjuvante com radioterapia e quimioterapia há 14 anos.
Cerca de oito anos após o término do tratamento, foi diagnosticado novo câncer
primário em mama esquerda, optando-se pela realização de mastectomia radical com
esvaziamento axilar. Realizou novas sessões de quimioterapia e radioterapia
adjuvantes. Dois anos após ressecção oncológica, optou-se pela reconstrução tardia
com retalho musculocutâneo transverso do reto abdominal (TRAM) em outro serviço.
Após três anos do último procedimento cirúrgico, foi diagnosticada com metástase
óssea em região do esterno, sendo realizada nova reabordagem com esternectomia e
reconstrução com prótese de metilmetacrilato e tela de Márlex.
Há cerca de dois anos, a paciente evoluiu com infecção de prótese de esterno, sendo
necessárias múltiplas internações para uso de antibiótico venoso e câmera
hiperbárica, porém, sem sucesso no fechamento adequado da ferida e controle do
quadro infeccioso (Figura 1). Desse modo,
devido a impossibilidade do uso de retalhos cutâneos e musculares da região,
optou-se pela retirada da prótese e reconstrução de região esternal com retalho de
omento.
Figura 1 - Imagem frontal do pré-operatório.
Figura 1 - Imagem frontal do pré-operatório.
Durante ato operatório, foi realizada ressecção de cicatriz cirúrgica de esternotomia
prévia, com exposição da tela de Márlex e prótese esternal. Após retirada das
mesmas, foi identificada grande quantidade de fibrina e moderado volume de secreção
purulenta, sendo realizado desbridamento cuidadoso dos tecidos desvitalizados e
lavagem abundante de leito operatório com soro aquecido (Figura 2).
Figura 2 - A: Placa de prótese de metilmetacrilato sendo retirada;
B: Aspecto da ferida.
Figura 2 - A: Placa de prótese de metilmetacrilato sendo retirada;
B: Aspecto da ferida.
Após manipulação da ferida torácica, realizou-se uma incisão supraumbilical para
identificação e confecção de retalho de grande omento bipediculado com liberação do
cólon transverso em plano avascular. Realizada transposição do retalho para região
torácica com tunelização em plano subcutâneo e cobertura do mesmo com enxerto de
pele parcial (Figuras 3A e 3B).
Figura 3 - A: Retalho de omento transposto para cobertura da ferida
torácica; B: Aspecto final pós-operatório; C:
Aspecto do enxerto de pele no 12º DPO, com boa integração.
Figura 3 - A: Retalho de omento transposto para cobertura da ferida
torácica; B: Aspecto final pós-operatório; C:
Aspecto do enxerto de pele no 12º DPO, com boa integração.
A paciente foi encaminhada à unidade de terapia intensiva, sendo realizada troca de
curativo tie-over no 5º dia de pós-operatório, com boa integração
do enxerto. Apresentou boa evolução pós-operatória, sem intercorrências durante
período de internação, recebendo alta hospitalar. Retornou ao ambulatório uma semana
após, sem intercorrências e enxerto com boa integração (Figura 3C).
DISCUSSÃO
O retalho do músculo peitoral maior é considerado como a primeira escolha para a
reconstrução cirúrgica da mediastinite pós-esternotomia em muitas instituições6,7. Embora o retalho de omento tenha sido descrito na literatura antes do
músculo peitoral maior para o tratamento de feridas esternais, geralmente ele é um
retalho utilizado como último recurso, devido à necessidade de laparotomia e receio
de complicações abdominais8.
No entanto, o omento apresenta uma rede linfática robusta que auxilia no combate à
infecções, e uma rica rede vascular que serve para transportar células inflamatórias
e fatores angiogênicos, promovendo a revascularização dos tecidos vizinhos, além de
facilitar a atuação de antibióticos nos leitos de tecido isquêmico. Por essas
razões, o omento é amplamente utilizado em infecções de difícil resolução e em
feridas isquêmicas6-8.
Além disso, a flexibilidade e o amplo eixo de rotação o tornam uma opção atraente
para o fechamento da ferida esternal, além de possibilitar o preenchimento do espaço
morto após o desbridamento agressivo6,7,9.
Uma variedade de estratégias pode ser usada para fornecer cobertura do retalho
omental e, devido a sua ampla vascularização, aceitam prontamente um enxerto de pele
de espessura parcial sem requerer um atraso adicional para esperar pelo tecido de
granulação. Um problema com os retalhos omentais, além das possíveis complicações
abdominais, é o potencial de necrose gordurosa irregular4,5.
No caso relatado em nosso estudo, houve o comprometimento dos músculos peitoral maior
e reto abdominal, consequente à cirurgia oncológica e reconstrutora prévias, o que
impossibilitou o uso de retalhos cutâneos e musculares da região. Além disso, a
paciente intercorreu com infecção crônica de difícil controle, com medidas clínicas
em local de ferida operatória de esternotomia. Desse modo, o retalho de grande
omento mostrou-se como uma boa opção diante de suas propriedades vasculares,
linfáticas, imunológicas e de adesão ao sítio receptor.
CONCLUSÃO
Em virtude de suas propriedades, o uso do retalho de omento na reconstrução de
defeitos esternais cronicamente infectados, mostrou-se um modo eficaz e seguro,
sendo bastante útil em cirurgias de resgate em que não é possível o uso de retalhos
locais para cobertura de defeitos da região torácica.
REFERÊNCIAS
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2. Hörner C, Sogorski A, Goertz O, Ring A, Harati K, Lehnhardt M,
Kolbenschlag J. Sternal reconstruction with the omental flap - acute and late
complications, predictors of mortality, and quality of life. J Reconstr
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3. Neligan PC, Rodriguez ED. Cirurgia plástica: extremidade inferior,
tronco e queimaduras. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015.
4. Ghazi BH, Carlson GW, Losken A. Use of the greater omentum for
reconstruction of infected sternotomy wounds. Ann Plast Surg 2008;
60(2):169-73.
5. Tavares FMO, Menezes CMGG, Moscozo MVA, Xavier GRS, GM Oliveira,
Marcos, Amorim MAP, Gama WN. Retalho de omento: uma alternativa em cirurgia
reparadora da parede torácica. Rev Bras Cir Plást. 2011;
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6. Levashev YN, Akopov AL, Mosin IV. The possibilities of greater
omentum usage in thoracic surgery. Eur J Cardio-Thoracic Surg. 1999;
15(4):465-8.
7. Stump A, Bedri M, Goldberg NH, Slezak S, Silverman RP. Omental
transposition flap for sternal wound reconstruction in diabetic patients. Ann
Plast Surg. 2010; 65(2):206-10.
8. Acarturk TO, Swartz WM, Luketich J, Quinlin RF, Edington H.
Laparoscopically harvested omental flap for chest wall and intrathoracic
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9. Spindler N, Etz C, Misfeld M, Josten C, Mohr FW, Langer S. Omentum
flap as a salvage procedure in deep sternal wound infection. Ther Clin Risk
Manage. 2017; 13(1):1077-83.
1. Hospital da Baleia, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Minas Gerais, MG, Brasil.
3. Sociedade Brasileira de Cirurgia
Torácica.
4. Instituto Mário Penna, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
5. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
Endereço Autor Camila Carvalho Cavalcante
Marinho Rua Alagoas, nº66 - Belo Horizonte, MG, Brasil CEP 30130-160
E-mail: camila_ccavalcante@hotmail.com