ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Reports - Year1998 - Volume13 - Issue 2

RESUMO

Paciente de 25 anos de idade, sexo feminino, vítima de avulsão total de couro cabeludo, incluindo grande parte da pele da região frontal, decorrente de trauma provocado por uma máquina rotativa. Conseguiu-se, com sucesso, o reimplante através de microcirurgia.

Palavras-chave: microcirurgia; escalpo total; reimplante microcirúrgico

ABSTRACT

A 25 year-old woman, victim of a total avulsion of the scalp including a large portion of the forehead, when the rotative machine caught her hair. Successfu1 reimplantation was carried out using microsurgery. Reimplantation should be attempted in all scalp avulsions.

Keywords: microsurgery; total scalp; microsurgical reimplantation.


INTRODUÇÃO

Em nosso meio, onde a atividade agropecuária é predominante, a mecanização, além da evolução tecnológica, trouxe também certos tipos de acidentes, sobretudo os provocados por eixos rotatórios.

Estes eixos utilizados nos implementas agrícolas, quando se prendem nas vestimentas largas ou cabelos longos, acabam por amputar algum segmento corporal.

O mecanismo de avulsão do couro cabeludo nos acidentes por máquinas rotativas ocorre geralmente ao nível subgaleal. Na avulsão total muitas outras estruturas podem estar envolvidas, tais como: porção cutânea da região frontal, pálpebras e orelhas. Nestas regiões os músculos frontal e occipital apresentam menor resistência que a gálea.

As seqüelas resultantes dessas grandes avulsões, com exposição da calota craniana, apresentam grandes dificuldades de reconstrução acarretando geralmente deformidades estéticas irreparáveis.

É de concordância universal que em uma avulsão de couro cabeludo, o reimplante microcirúrgico é atualmente o tratamento de escolha (1, 2, 3, 4, 5).

O primeiro reimplante de couro cabeludo foi realizado em 1974 e publicado em 1976 por Miller e colaboradores.


RELATO DO CASO

Paciente C. G. Q., 25 anos, sexo feminino, branca, solteira, lavradora, religião evangélica, admitida duas horas após o trauma pelo setor de emergência do Hospital de Base de Bauru (SP), no dia 28 de outubro de 1990.

A paciente teve o seu cabelo preso porum eixo rotativo da tomada de força de um trator agrícola que causou um arrancamento total de seu couro cabeludo.

Ao exame físico, apresentava-se em regular estado geral, com exposição de toda a calota craniana pela avulsão do couro cabeludo.

No segmento amputado observava-se todo o couro cabeludo, uma porção cutânea da região frontal da face, os supercílios e parte das pálpebras superiores. Este segmento foi lavado com solução salina, enrolado em gaze e colocado em um saco plástico para ser resfriado em uma cuba com gelo.

Os exames laboratoriais e radiológicos (raio-X de crânio) estavam normais.

A paciente foi submetida a cirurgia sob anestesia geral, cerca de uma hora após o atendimento.

Realizou-se limpeza com água e sabão neutro, e debridamento dos tecidos desvitalizados.

O couro cabeludo foi tricotomizado e lavado novamente em solução salina. Seguiu-se a identificação de uma artéria e uma veia de bom calibre para uma anastomose microcirúrgica.

Dissecou-se a artéria temporal superficial esquerda que se encontrava em melhores condições, visto que os demais vasos encontravam-se danificados.

Realizou-se a anastomose microcirúrgica término-terminal da artéria temporal superficial utilizando nylon 10.0. Após a liberação do fluxo arterial, aguardou-se o sangramento para melhor identificação venosa. O coto distal da veia temporal superficial esquerda foi anastomosado com o coto proximal da mesma.

Suturou-se o couro cabeludo com nylon 5.O e a pele da face com nylon 6.0 e foram realizados drenagem com drenos de Penrouse, curativo com chumaço de algodão e enfaixamento suave com ataduras.

Utilizaram-se antibiótico (cefalosporina 3g/dia), antiagregador plaquetário (ácido acetilsalicílico 1g/dia) e anticoagulante (Liquemine).

O tempo cirúrgico foi de aproximadamente quatro horas e o pós-operatório transcorreu sem qualquer intercorrência.

O crescimento do cabelo foi normal e não sofreu qualquer alteração.


DISCUSSÃO

O fato da paciente em questão possuir cabelos longos, decorrente de sua crença religiosa, aliado ao descuido de não os prender e ao próprio despreparo no manuseio dessa máquina com eixo rotativo, foram fatores preponderantes para a ocorrência desse tipo de trauma.

O mecanismo de avulsão nesses acidentes consiste de um movimento giratório contínuo que provoca uma tração intensa e que, por conseqüência, resulta no arrancamento da estrutura atingida.

O uso da rede para prender os cabelos longos tem sido eficaz na prevenção desse tipo de acidente, sugerindo que nas indústrias esse procedimento preventivo deveria ser adotado em caráter obrigatório.

A utilização da técnica microcirúrgica vem permitindo uma reparação adequada (figs. 1, 2, 3, 4 e 5), pois promove um retorno imediato da circulação. Em geral, para restituir a circulação do couro cabeludo basta a anastomose de uma artéria e uma veia (fig. 3), mas se deve procurar restaurar o maior número de vasos possíveis.


Fig. 1 - Pré-operatório (vista anterior da paciente 2 horas após o trauma).


Fig. 2 - Pré-operatório (vista lateral esquerda mostrando a laceração da orelha esquerda).


Fig. 3 - Pré-operatório (seguimento avulsionado, em solução salina após tricotomia e limpeza dos corpos estranhos).


Fig. 4 - Pré-operatório (seguimento avulsionado em posição anterior onde se visualizam as sobrancelhas).


Fig. 5 - Trans-operatório (detalhes das microanastomoses, arterial e venosa (únicas) da artéria e da veia temporal superficial esquerda).


Fig. 6 - Trans-operatório (detalhes das suturas após o reimplante vascular).


Fig. 7 - Pós-operatório de 30 dias (vista anterior, mostrando integração total do seguimento avulsionado, sem sofrimentos)


Fig. 8 - Pós-operatório 30 dias (vista lateral direita).


Fig. 9 - Pós-operatório de 6 anos e 10 meses (vista anterior mostrando o crescimento dos cabelos).


Fig. 10 - Pós-operatório de 6 anos e 10 meses (vista lateral esquerda mostrando seqüelas cicatriciais de orelha esquerda e face)


Fig. 11 - Pós-operatório de 30 dias (vista posterior).


Fig. 12 - Pós-operatório de 6 anos e 10 meses (mostrando o tamanho dos cabelos) devido à crença religiosa).



As grandes avulsões parecem ser as mais catastróficas, porém são as que apresentam os melhores prognósticos, face à presença de grandes vasos remanescentes no segmento avulsionado.


BIBLIOGRAFIA

1. GATTI, JE and LAROSSA, D. Scalp Avulsions and Review of Successful Reimplantation. Ann. Plast. Surg. 1981; 6:127.

2. MILLER, GDH, AMSTEE, EJ, SNELL, JA. Sucessful Reimplantation of an Avulsed Scalp by Microvascular Anastomosis. Plast. Reconst. Surg. 1976; 58:133.

3. NAHAI, F, HURTEAU, J, VASCONES, LO. Reimplantation of an Entire Scalp and Ear by Microvascular Anastomosis of only one Artery and one Vein. Br. J. Plast. Surg. 1978; 31:339.

4. SAKAI, S, SOEDAS, S, ISHII, Y. Avulsion of the Scalp wich one is the best Artery for Anastomosis? Ann. Plast. Surg. 1990; 24:350.

5. STRATOUDAKIS, AC and SAVITSKY, LB. Microsurgical Reimplantation of Avulsed Scalp. Ann. Plast. Surg. 1981; 7:312.





I - Membro Associado da SBCP. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da Associação Hospitalar de Bauru.
II - Membro Titular da SBCP. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva. Responsável pelo Centro Brasileiro de Cirurgia Plástica e Clínica Dandreia e Miura (Programa de Residência em Cirurgia Plástica).

Endereço para Correspondência:
Clínica de Cirurgia Plástica - Dr. Carlos Augusto Cameschi
R. Capitão Gomes Duarte 10-5 - Altos da Cidade
Bauru - SP - 17040-020
Telefax: (014) 234-5550

 

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