ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Retalho Radial do Antebraço: Experiência em 15 Casos de Reconstrução Microcirúrgica de Face e Pescoço
Radial Forearm Flap Experience in 15 Cases of Microsurgical Face and Neck Reconstruction
Articles -
Year1999 -
Volume14 -
Issue
1
Edgard Rocha SilvaI, Roberto Zimmer PradosII, Alberto Gonçalves CamargosIII, Diva Novy Barbosa ChavesIV, Lucília Brigato PaviatoV
RESUMO
Por apresentar pele clara, de textura fina, com poucos pêlos e tecido subcutâneo pouco espesso, o retalho radial do antebraço tem sido largamente utilizado nas reconstruções da face e do pescoço. Fizemos uma análise retrospectiva dos nossos pacientes submetidos a reconstruções de face e pescoço com esse retalho. Durante o período de 1994 a 1998, operamos quatorze pacientes, sendo oito mulheres e seis homens. A idade deles variou de 13 a 63 anos. Um paciente foi operado duas vezes, totalizando 15 retalhos. A a. facial e sua veia comitante foram utilizadas em 87% das anastomoses microvasculares. Em todos os casos estabelecemos fluxo reverso. A área doadora foi coberta com enxerto de pele parcial da coxa. Obtivemos sucesso em 93% das anastomoses microvasculares. Houve apenas duas complicações (13%). Em um caso ocorreu trombose venosa com necrose do retalho, sendo a área reconstruída com o retalho contralateral, que se manteve viável. Outra paciente sofreu perda parcial do enxerto de pele no antebraço, evoluindo com cicatrização por segunda intenção. Os resultados obtidos reforçam a escolha do retalho radial do antebraço como um dos melhores nas reconstruções microcirúrgicas de face e pescoço. Seu principal inconveniente é a cicatriz evidente na área doadora.
Palavras-chave:
Antebraço; retalhos cirúrgicos; relato de caso; reconstrução de cabeça e pescoço
ABSTRACT
Due to its fair, fine texture and hairless skin, and its thin subcutaneous tissue, the radial forearm flap has been largely utilized in face and neck reconstructions. We analized retrospectively our patients who had been submitted to face and neck reconstructions with this flap. From 1994 to 1998) we operated on fourteen patients, including eight women and six men. Their ages ranged from 13 to 63 years old. One patient was operated on 2 times) totalizing 15flaps. The facial vessels were utilized for 87% of the microvascular anastomosis. In all of the cases we set on a reverse flux. The donor site was covered with a thigh split thickness skin graft. The microvascular anastomosis was successful in 93% of the cases. There were only two complications (13%). In one case the venous anastomosis trombosed and the flap suffired total necrosis. The area was successfully reconstructed with the contralateral flap. Another patient suffired a parcial necrosis of the split thickness skin graft at the donor site, which was closed by secondary intention. These results stress the choice of the radial forearm flap as one of the best in face and neck microsurgical reconstructions. The main shortcoming is the unpleasant scar in the donor site.
Keywords:
Forearm; surgical flaps; case report; head and neck reconstruction.
INTRODUÇÃO
O retalho radial do antebraço foi descrito originalmente como um retalho livre por Yang e cols., em 1978, na China(1,2). Daí ser conhecido como "retalho chinês". Em 1982, Song e cols. publicaram os bons resultados obtidos com a sua utilização em 31 pacientes com contraturas pós-queimaduras em face e pescoço(3). A partir de então, seu uso popularizou-se no Ocidente, favorecido pelas diversas aplicações clínicas. Atualmente, ele é largamente utilizado na reconstrução da face e do pescoço, incluindo cavidade oral, nariz e faringe e esôfago.
Apresenta múltiplas vantagens. Seu pedículo vascular é longo e os vasos têm diâmetros que facilitam as anastomoses vasculares. As veias comitantes junto à artéria radial não têm válvulas, o que permite que o retalho seja anastomosado com o fluxo reverso. Pode ainda ser utilizado como retalho composto incluindo nervo, osso ou tendão vascularizados(4). Além disso, a pele do antebraço é semelhante à da face, pois é clara, de textura fina, com poucos pêlos, e o tecido subcutâneo subjacente é pouco espesso. Essas características tornam o retalho radial do antebraço uma cobertura ideal para a face e o pescoço.
Fizemos uma análise retrospectiva de nossos pacientes para mostrar os resultados e as complicações associadas ao uso desse retalho nas reconstruções de face e pescoço.
PACIENTES E MÉTODOS
Durante o período de 1994 a 1998, quatorze pacientes foram submetidos a ressecções extensas de lesões diversas na face ou no pescoço.
Em todos eles, optamos pela reconstrução com o retalho radial do antebraço, através de microanastomoses vasculares.
A técnica cirúrgica foi a mesma descrita por Song et al.(1) (Fig. 1), porém com algumas modificações. Sempre retiramos o retalho da região mais proxirnal do antebraço, para reduzir a morbidade associada à exposição de tendões. Distalmente apenas incisamos a pele em sentido longitudinal para a obtenção de um pedículo mais longo, e suturamos primariamente a ferida linear resultante. Por esse motivo, em todos os retalhos estabelecemos fluxo reverso.
Fig. 1 - Retalho radial do antebraço conforme descrito por Yang e cols. em 1978, com drenagem através da veia cefálica.
As anastomoses microvasculares término-terminais foram feitas com a a. facial ou a a. temporal superficial e as respectivas veias comitantes. Escolhemos de acordo com o local da lesão e o tamanho do pedículo do retalho, porém nossa preferência é pela a. facial, devido ao seu maior calibre e menor tortuosidade. A veia cefálica não foi utilizada em nenhuma de nossas anastomoses.
A área doadora no antebraço foi coberta com um enxerto de pele parcial extraído da coxa. Sobre ele, fizemos um curativo tipo "tie-over" e imobilizamos o membro com tala gessada.
RESULTADOS
Os casos estão descritos na tabela 1. As Figuras 2 a 7 mostram fotos de pré e pós-operatórios de alguns desses casos. Foram operados quatorze pacientes, totalizando quinze retalhos. A idade deles variou de 13 a 63 anos, sendo oito mulheres e seis homens. A anastomose microvascular foi feita com a a. facial e veia comitante em 13 dos 15 casos (87%). Em apenas dois casos utilizamos a a. temporal superficial e sua veia comitante. Em todos os casos estabelecemos fluxo reverso.
Fig. 2 - Casos 1 e 2: Carcinoma espinocelular do lábio inferior. A. Pré-operatório. B. Três meses após a segunda intervenção cirúrgica.
Fig. 3 - Caso 3: Nevus pigmentado piloso na fronte. A. Pré-operatório. B. Resultado final após três meses.
Fig. 4 - Caso 4: Hemangioma de lábio superior; recidivado. A. Pré-operatório. B. Pós-operatório após seis meses.
Fig. 5 - Caso 5: Carcinoma basocelular recidivado em mento. A. Pré-operatório. B. Três meses após a cirurgia.
Fig. 6 - Caso 6: Hemangioma plano ulcerado na fronte. A. Pré-operatório. B. Pós-operatório aos três meses.
Fig. 7 - Caso 12: Contratura cervical pós-queimadura. A. Pré-operatório. B. Pós-operatório recente. C. Aspecto da área doadora no antebraço aos seis meses de pós-operatório.
Todos os pacientes mostraram-se satisfeitos com o resultado estético da reconstrução, exceto duas mulheres que se queixaram da espessura do retalho. Uma delas foi submetida a ressecção parcial e estiramento do retalho com bom resultado. A outra aguarda o mesmo procedimento. Uma paciente queixou-se da cicatriz resultante no antebraço esquerdo.
Um paciente apresentou trombose venosa da microanastomose e conseqüente necrose total do retalho. Ele foi submetido a outra reconstrução microcirúrgica com o retalho radial do antebraço contralateral, que se manteve viável. Em ambas as cirurgias confeccionamos um retalho composto, incluindo o tendão do m. palmar longo. Este foi ancorado no m. orbicular da boca, conferindo melhor sustentação ao retalho e boa continência oral. Os casos 1 e 2 da tabela I correspondem a esse paciente (Fig. 2).
Uma paciente sofreu perda parcial do enxerto no antebraço, expondo o tendão do m. flexor radial do carpo numa área de 2x2 cm. A ferida evoluiu com a formação de tecido de granulação e cicatrização por segunda intenção. Nos demais pacientes obtivemos um resultado razoável na área doadora do antebraço (Fig. 7c).
DISCUSSÃO
Com o progresso da cirurgia microvascular, têm sido apresentadas taxas de sucesso de até 96 a 98% na sobrevivência dos retalhos microcirúrgicos(5). Nossa experiência com o retalho radial do antebraço mostrou sua confiabilidade, pois obtivemos sucesso em 93% dos casos. Esses resultados aumentam a popularidade dos retalhos microcirúrgicos, tornando suas indicações menos restritas. Atualmente, em muitas circunstâncias, a transferência de retalho livre é o tratamento preferido, mesmo com a disponibilidade de retalhos convencionais locais ou a distância.
A morbidade da área doadora constitui o principal inconveniente na utilização desse retalho(6,7). A exposição de tendões, principalmente na extremidade distal do antebraço, dificulta a "pega" do enxerto, pois muitas vezes o peritendão é removido juntamente com o retalho. Em nossa casuística essa complicação aconteceu apenas em uma paciente (7%), mas sua incidência pode alcançar até 79% dos casos(8). Esse problema pode ser contornado através de uma dissecção cuidadosa, preservando-se o peritendão, ou protegendo-se os tendões com os ventres musculares adjacentes. Outros recursos descritos são enxertos de pele total do abdome, expansão prévia da pele adjacente(6) e realização de enxertia prévia sobre a fáscia do retalho, preservando-se a pele do antebraço(9).
A perda parcial do enxerto pode ser tratada conservadoramente através de curativos e desbridamentos, cicatrizando-se por segunda intenção. Outra alternativa é colocar um segundo enxerto sobre a área cruenta. Esse problema não constitui, portanto, um fator de morbidade a longo prazo.
O retalho radial do antebraço é uma das melhores opções para a reconstrução microcirúrgica de face e pescoço, devido a suas características funcionais e estéticas, aliadas à alta confiabilidade das anastomoses vasculares e à baixa morbidade da área doadora.
BIBLIOGRAFIA
1. YANG G, BAOQUI C, YUZHI G. Free forearm skin transplantation. Natl. Med. J. China 1981; 61:139-41.
2. YANG GF, CHEN PI, GAO YZ, LIU XY, LI I, JIANG SX, HESP. Forearm free skin flap transplantation. Br.J. Plast. Surg. 1997; 50: 162-5.
3. SONG R, GAO Y, SONG Y, YU Y, SONGY. The forearm flap. Clin. Plast. Surg. 1982;9:21-6.
4. SERLETTI JM, TAVIN E, MORAN SL, CONIGLIO Ju. Total lower lip reconstruction with a sensate composite radial forearm-palmaris longus free flap and a tongue flap. Plast. Reconstr. Surg. 1997; 99:559-61.
5. KROLL SS, SCHUSTERMAN MA, REECE GP, MILLER MJ, EVANS GR, ROBB GL, BALDWIN BJ. Choice of flap and incidence of free flap success. Plast. Reconstr. Surg. 1996; 98:459-63.
6. SHOELLER T, OITO A, WECHSELBERGER G, LILLE S. Radial forearm flap donor-site complications and morbidity. Plast. Reconstr. Surg. 1998; 101:874-5.
7. SUOMINEN S, SHOVUO J, ASKOSELJAVAARA S. Donor site morbidity of radial forearm flap. Scand.J. Plast. Reconstr. Hand Surg. 1996; 30:57-61.
8. RICHARDSON D, FISHER SE, VAUGHAN ED, BROWN JS. Radial forearm flap donor-site complications and morbidity. Plast, Reconstr. Surg. 1997; 99:109-15.
9. WOLFF KD, ERVENS J, HOFFMEISTER B. Improvement of the radial forearm donor site by prefabrication of fascial-split-thickness skin grafts. Plast. Reconstr. Surg. 1996; 98:358-61.
I - Professor da Faculdade de Medicina da UFMG.
II - Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital da Baleia da Fundação Benjamin Guimarães.
III- Professor de Cirurgia Plástica da Faculdade de Ciências Médicas - Belo Horizonte - MG.
IV - Residente de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da UFMG.
V - Residente de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da UFMG.
Endereço para correspondência:
Edgard Rocha Silva
R. Paulo Freire de Araújo, 30 Belo Horizonte - MG 30450-600
Fone: (031) 344-9925 - Fax: (031) 296-9076
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