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Original Article - Year 2018 - Volume 33 - Issue 4
Retalho anterolateral da coxa reverso: uma opção de reconstrução para os membros inferiores
Reverse anterolateral thigh flap: a reconstruction option for the lower limbs
RESUMO
Introdução: A reconstrução cutânea e de tecidos moles na região ao redor do joelho é
frequentemente desafiadora para o cirurgião plástico e tem como objetivo
fornecer uma boa função articular do joelho com aparência estética
aceitável. O planejamento cirúrgico requer considerar a técnica mais simples
que leve ao fechamento da ferida, com mínima morbidade na área doadora. Há
poucos relatos do uso do retalho anterolateral (ALT) reverso na literatura,
em se tratando de defeitos na fossa poplítea, joelho e porção proximal da
perna. O objetivo é descrever uma serie de casos de pacientes submetidos à
reconstrução de ferida em fossa poplítea, joelho e terço superior da perna
com retalho ALT reverso.
Métodos: Quatro pacientes, dos quais 3 eram reconstruções de fossa poplítea e 1
reconstrução de joelho e terço proximal da perna. Todos submetidos à
ressecção ampla da ferida/tumor, dissecção do retalho ALT reverso, e
transposição para o defeito.
Resultados: Follow-up de 2 a 18 meses, evidenciando-se morbidade mínima para área
doadora, com cobertura total do defeito e ótimo resultado funcional do
membro afetado, com bom resultado estético. Apenas em um dos casos
evidenciou-se sofrimento e necrose parcial (15%) do retalho devido a
hematoma e compressão do pedículo, nos demais não foi evidenciado sofrimento
dos retalhos, deiscência, seroma ou infecção.
Conclusão: O retalho ALT da coxa reverso mostrou-se uma opção viável, apresentando bom
resultado funcional e estético para a reconstrução cutânea e de tecidos
moles na região de fossa poplítea, joelho e terço superior da perna.
Palavras-chave: Retalho perfurante; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Extremidade inferior; Retalhos cirúrgicos
ABSTRACT
Introduction: Cutaneous and soft tissue reconstruction in the
region around the knee is often challenging for the plastic surgeon
and aimed at providing good knee joint function with acceptable
aesthetic appearance. Surgical planning requires considering
the simplest technique that leads to wound closure, with minimal
morbidity in the donor area. The literature has reported only
few cases of the use of the reverse anterolateral (ALT) flap for
defects in the popliteal fossa, knee, and leg proximal portion. The
objective is to describe a series of cases of patients who underwent
reconstruction with a reverse ALT flap for wounds in the popliteal
fossa, knee, and upper third of the leg.
Methods: Among four
patients, three received popliteal fossa reconstructions and one
received knee and leg proximal third reconstructions. All the
patients underwent wound/tumor extensive resection, dissection
of the reverse ALT flap, and transposition to the defect.
Results:
During follow-up for 2 to 18 months, minimal morbidity was
observed in the donor area, with a total coverage of the defect,
optimal functional result of the affected limb, and good aesthetic
result. Only one case had a partial necrosis (15%) of the flap due
to hematoma and pedicle compression. In the other patients, no
evidence of flap failure, dehiscence, seroma, or infection were found.
Conclusion: The reverse ALT flap was a viable option, presenting
good functional and aesthetic results for cutaneous and soft tissue
reconstructions in the popliteal fossa, knee, and upper third of the leg.
Keywords: Perforator flap; Reconstructive surgical procedures; Lower extremity; Surgical flaps
INTRODUÇÃO
A reconstrução cutânea e de tecidos moles na região ao redor do joelho é frequentemente desafiadora para o cirurgião plástico e tem como objetivo fornecer uma aparência estética aceitável associada a boa função articular do joelho1. Um tecido bem vascularizado é necessário para garantir boa cicatrização da ferida, estando os retalhos locais e livres entre as opções cirúrgicas.
Retalhos locais geralmente estão dentro ou próximos da lesão e possuem limitações quanto ao tamanho e comprimento do pedículo vascular, que é relativamente pequeno2. Quanto aos retalhos livres, além de ser um procedimento mais complexo na escada reconstrutiva da cirurgia plástica, existe dificuldade técnica da anastomose microvascular devido a profundidade dos vasos receptores3,4.
O planejamento cirúrgico requer considerar a técnica mais simples que leve ao fechamento da ferida, com mínima morbidade na área doadora5. O retalho fasciocutâneo anterolateral da coxa reverso , descrito pela primeira vez em 1990 por Zhang et al., parece ser uma opção efetiva e duradora na reconstrução de defeitos ao redor do joelho. Possui um longo comprimento do pedículo vascular e grande tamanho da porção cutâneo1,4,5. Desde então, alguns trabalhos têm sido publicados na literatura com sucesso do uso do retalho anterolateral (ALT) reverso no tratamento de lesões ao redor do joelho, entretanto poucos são os relatos do seu uso em defeitos localizados na fossa poplítea6.
Neste trabalho, será apresentada uma série de casos de pacientes submetidos à reconstrução de fossa poplítea e região proximal e da perna com retalho fasciocutâneo ALT reverso.
OBJETIVO
Demonstrar a experiência do serviço de cirurgia plástica reconstrutiva do Hospital do Trabalhador - UFPR, em Curitiba, PR, com o retalho ALT da coxa reverso para reconstrução de membros inferiores. Comprovar a segurança, versatilidade e reprodutibilidade desse retalho para reconstruções de grandes feridas em regiões de coxa inferior, joelho, fossa poplítea e terço proximal da perna.
MÉTODOS
Foram selecionados todos os casos de retalho ALT da coxa reverso operados nos últimos 18 meses nesse serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva, sendo um total de 4 casos, dos quais 3 foram para reconstrução de fossa poplítea e 1 para reconstrução de terço superior da perna. Realizou-se um follow-up de 2 a 18 meses desses pacientes e foram realizados questionamentos quanto à função do membro, estética e satisfação global com o procedimento. Também foram levantadas todas as complicações cirúrgicas inerentes ao procedimento e outras intervenções necessárias.
A técnica de levantamento do retalho anterolateral da coxa reverso foi realizada como o descrito nos seguintes passos: 1. A marcação da área doadora compreendeu uma elipse do tamanho da ferida previamente desbridada, no qual o centro compreendia o ponto médio de uma linha traçada entre a crista ilíaca anterossuperior e a borda lateral da patela (Figura 1). 2. Incisão da porção medial da marcação. 3. Dissecção subfascial de medial para lateral, localizando a perfurante do ramo descendente da artéria circunflexa lateral femoral (ACFL). 4. Incisão da porção lateral do retalho e descolamento do retalho fasciocutâneo. 5. Dissecar a artéria perfurante desde o tronco da ACFL até a artéria Genicular Superior Lateral (AGSL). 6. Pinçamento e secção da porção proximal da ACFL, sendo o retalho nutrido pela AGSL. 7. Confecção de túnel subcutâneo na região do joelho.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de ética e Pesquisa do Hospital do Trabalhador, sendo o número de registro: 69703617.9.0000.5225
RESULTADOS
Caso 1
Masculino, 24 anos, sofreu queda de 2 metros de altura com fratura de platô tibial, tratado cirurgicamente com colocação de duas placas por acesso posterior, que evoluiu com infecção e deiscência de ferida operatória. Após oito meses de tratamento conservador, foi proposta a utilização do retalho anterolateral da coxa reverso.
Exame físico evidenciava uma ferida instável de 3x3cm em região de fossa poplítea com contratura dos tecidos adjacentes (Figura 2).
Iniciou-se a cirurgia com a excisão da ferida e desbridamento do tecido cicatricial ao redor. O retalho foi liberado de acordo com a técnica descrita em nossa metodologia. O retalho então foi transposto para o defeito na fossa poplítea, passando através de um túnel subcutâneo criado na região medial do joelho (Figura 3). A área doadora foi fechada primariamente e foi colocada uma tala gessada, mantendo o joelho em extensão, no intuito de prevenir acotovelamento do pedículo vascular. Ficou com bom aspecto no pós operatório imediato e com 10 meses de pós operatório. (Figuras 4 e 5).
Caso 2
Feminino, 30 anos, com história de fratura exposta de tíbia proximal, tratada com fixadores externos Ilisarov, evoluiu com grande retração cicatricial e ferida instável que limitava a flexão completa da perna esquerda.
Exame físico evidenciava uma ferida instável de 2,5x2,5cm em região proximal da perna, anterolateral (Figura 6). Foi assim planejado reconstrução da região com retalho anterolateral da coxa reverso.
Iniciou-se a cirurgia com a dissecção e localização da AGLS, uma vez que esta paciente possuía retração na região anatômica da AGLS , então seguiu-se para a excisão da ferida e desbridamento do tecido cicatricial ao redor. Os próximos passos se deram como descrito na metodologia, com uma única diferença: nesse caso não foi necessária a confecção de túnel para o pedículo, visto que a incisão se comunicou com a ressecção da ferida. Ao final do procedimento foi colocado um dreno suctor na área doadora e receptora. Ficou com bom aspecto ao final (Figura 7).
Caso 3
Feminino, 40 anos, com história de ressecção de um lipossarcoma em região poplítea direita, complementada por radioterapia pós-ressecção, evolui u com grande ferida crônica e radiodermite local por um período de 3 anos.
Exame físico evidenciava uma ferida instável de 7x4cm em fossa poplítea direita (Figura 8). Foi assim planejado reconstrução da região com retalho anterolateral da coxa reverso (Figura 9).
A marcação da área doadora e liberação do retalho segui u os passos descritos na metodologia. Neste caso havia uma variação anatômica que dificultou muito a dissecção da artéria, pois a perfurante da ACFL que nutria o retalho tinha origem muito proximal, o nível da ligadura ficou quase na emergência da artéria femoral profunda. Após a confirmação do fluxo retrógrado adequado da artéria genicular superior lateral, foi realizada a ligadura com segurança da ACFL proximalmente. Em seguida, realizou-se a exérese da ferida crônica juntamente com a área de radiodermite (Figura 10), e o retalho foi transposto para o defeito na fossa poplítea, passando através de um túnel subcutâneo criado na região lateral do joelho (Figuras 11 e 12). Ficou com bom aspecto final tanto a ferida quanto área doadora (Figuras 12 e 13) e também com 3 meses de pós operatório (Figura 14)
Caso 4
Paciente, masculino, 35 anos apresentava um grande fibrossarcoma de fossa poplítea direita, com infiltração de estruturas nobres.
Exame físico evidenciava grande tumoração em fossa poplítea direita de 10x10cm, fixo à profundidade, ressonância magnética de joelho direito identificou invasão de nervo fibular comum, cápsula articular posterior do joelho e cabeças medial e lateral do músculo gastrocnêmio do membro inferior direito. Não foi identificada invasão de artéria poplítea ou artérias geniculares laterais. Foi assim planejado ressecção do tumor com reconstrução da região com retalho anterolateral da coxa reverso.
A marcação da área doadora compreendeu um fuso do tamanho da área que iria ser ressecada (Figura 15). O cirurgião oncológico iniciou a cirurgia com ressecção ampla com margens de segurança e livres de tumor, a ressecção foi profundamente até a capsula articular posterior do joelho, englobando 15 cm de nervo fibular comum e inserção das cabeças medial e lateral do músculo gastrocnêmio (Figura 16).
Em seguida, iniciou-se a reconstrução da fossa poplítea com dissecção do nervo sural para enxerto microcirúrgico e reanastomose nervosa com interposição de enxerto do nervo fibular comum. A sutura nervosa realizada foi epineural com uso de cola de fibrina. Feito o enxerto nervoso, iniciou-se a dissecção do retalho anterolateral da coxa reverso, seguindo a técnica descrita na metodologia (Figura 17).
Os pacientes dos casos 1 ao 4 foram acompanhados por 18, 11, 4 e 2 meses, respectivamente. A única complicação ocorreu no caso 2, em que houve um sofrimento de 15% da área do retalho por um hematoma no pós operatório. O retalho debridado e posteriormente enxertado com sucesso. No caso 1 foi realizado um emagrecimento do retalho com lipoaspiração. Nos casos 3 e 4 não houve outras intervenções.
Em relação à função do membro e resolução do problema de base todos os casos mostraram resultados bons. Do ponto de vista estético, o único caso que houve necessidade de reabordagem foi o caso 2, levando a um prejuízo estético reclamado pela paciente. Finalmente, os pacientes foram indagados sobre o resultado global do seu procedimento, mostrando-se todos satisfeitos.
DISCUSSÃO
A região do joelho e fossa poplítea tem características inerentes que podem fazer uma ferida pequena tornar-se um desafio. Defeitos de partes moles desta região podem vir acompanhados de osso ou tendão exposto, além de limitação na amplitude de movimentação articular do joelho1.
O aspecto cutâneo da região anterolateral da coxa tem uma rede de comunicação vascular excelente, o que permite a elevação de grandes retalhos ALT com apenas uma perfurante de bom calibre7. Neste cenário, o retalho ALT reverso é uma opção bem estabelecida quando se está diante de defeitos na região do joelho e têm crescido em popularidade8.
A base vascular deste retalho é a anastomose entre o ramo descendente da artéria circunflexa femoral lateral (ACFL) e da artéria genicular superior lateral (AGSL), que está localizada cerca de 3 a 10 cm acima da borda lateral da patela. Esta conexão mantém uma perfusão cutânea constante através do fluxo sanguíneo retrógrado, claramente descrito por Pan et al.6, que é suficiente para a sobrevivência do retalho (Figura 1).
Existem muitas vantagens do retalho ALT reverso: 1. Pedículo longo, com grande calibre e com suprimento sanguíneo suficiente; 2. Grande tamanho e grande amplitude do arco de rotação; 3 . Espessura do retalho é mais fina que de retalhos musculo cutâneo; 4. Pequena morbidade da área doadora4,9.
Dentre os inconvenientes descritos neste procedimento, estão o risco de congestão venosa devido ao longo fluxo retrógrado e o comprometimento arterial devido à compressão ou acotovelamento do pedículo4, o que aconteceu em apenas um caso (caso 2) devido a hematoma sob o retalho, nos demais casos não houve nenhuma complicação.
Por se tratar de um re talho fasciocutâneo e de possível fechamento primário da área doadora, o retalho ALT reverso gera uma sequela puramente estética. Outra opção de retalho a ser utilizado na reconstrução de lesões dessa região é o retalho do músculo gastrocnêmico, que acaba gerando uma sequela funcional do membro.
Os retalhos livres são também outra opção para reconstruções dessa região, porém para confecção destes é necessário um profissional altamente especializado, além de materiais específicos como o microscópio cirúrgico, sendo muitas vezes uma opção inviável em regiões menos favorecidas economicamente. Embora a técnica de descolamento do retalho ALT reverso seja trabalhosa, para realizar esse retalho não é necessária a utilização de nenhum material especial. Sendo assim, ela pode ser feita mesmo em regiões com poucos recursos, poupando a realização de uma microcirurgia.
CONCLUSÃO
Baseado no exposto, o retalho ALT reverso mostrou-se uma opção viável e reprodutível, apresentando bom resultado funcional e estético adequado para a reconstrução cutânea e de tecidos moles na região de fossa poplítea, região do joelho e região superior da perna.
COLABORAÇÕES
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RSF |
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JRN |
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Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; coleta de dados; concepção e desenho do estudo; gerenciamento do projeto; metodologia; redação - preparação do original |
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1. Hospital do Trabalhador de Curitiba, Curitiba,
PR, Brasil.
2. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR,
Brasil.
Autor correspondente: Guataçara Schenfelder Salles-Junior, Avenida Republica Argentina, nº 4406 - Novo Mundo, Curitiba, PR, Brasil, CEP 81050-000. E-mail: guatajr@yahoo.com.br
Artigo submetido: 8/4/2018.
Artigo aceito: 1/10/2018.
Conflitos de interesse: não há.