INTRODUÇÃO
A mama é considerada um símbolo de feminilidade desde os primórdios da cultura
ocidental, no qual, uma mama com alterações funcionais, de forma ou tamanho podem
gerar na mulher um sentimento de inadequação social e baixa autoestima1. Neste campo, a mamoplastia redutora vem sendo
uma das cirurgias mais realizadas no Brasil e no mundo1-3.
O complexo areolopapilar (CAP) desempenha grande importância tanto na amamentação
quanto na vida sexual das pacientes4,
consequentemente, devemos ressaltar que uma complicação potencial deste procedimento
cirúrgico é a alteração ou até a perda da sensibilidade do CAP. A inervação do mesmo
é oriunda dos ramos sensitivos cutaneolaterais do III, IV, V e VI nervos
intercostais, que desembocam lateralmente, e o IV, que emite um ramo lateral
anterior que desemboca posteriormente ao mesmo5.
Neste aspecto, Schwartzman6 descreveu, em 1930,
uma técnica de decorticação cutânea, preservando a derme periareolar, e,
consequentemente, sua rede vascular e nervosa, tentando, desta forma, assegurar uma
melhor vascularização e sensibilidade do CAP após a redução mamária. Na literatura,
existe divergência com relação à sensibilidade do CAP após a mamoplastia redutora.
Mofid et al.7 e Agostini et al.8 não encontraram alterações de sensibilidade
após o procedimento cirúrgico. DelVecchyo et al.9 e Wechselberger et al.10
concluíram, em seus respectivos estudos, que até existe uma melhora da sensibilidade
após a cirurgia. Spear2 relatou que existe uma
queda na sensibilidade, mas que a mesma melhora gradativamente dentro de 12
meses.
Atualmente, vem sendo realizada de maneira rotineira no Serviço de Cirurgia Plástica
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE), uma secção
criteriosa da derme (Figura 1) após a manobra
de Schwartzman, com o intuito de facilitar a migração e menor distorção do CAP
durante a montagem da mama, principalmente nos casos que requerem uma maior
mobilização destas estruturas, com o intuito de proporcionar um melhor resultado
estético. No entanto, existem dúvidas quanto a sua relação com a sensibilidade
mamária e a quantidade de tecido mamário ressecado.
Figura 1 - Manobra de secção dérmica.
Figura 1 - Manobra de secção dérmica.
OBJETIVO
Este estudo se propõe a avaliar a relação entre a sensibilidade do complexo
areolopapilar após mamoplastia redutora com liberação dérmica e o volume ressecado
de tecido mamário.
MÉTODOS
A pesquisa foi realizada no HC-UFPE, em Recife, PE, com autorização prévia do Comitê
de Ética e Pesquisa da instituição, sendo aprovada com o Certificado de Apresentação
para Apreciação Ética (CAAE) 05351312.3.0000.5208. O estudo é prospectivo,
randomizado, controlado e duplo cego que ocorreu entre o período de agosto de 2013
a
agosto de 2015.
Os critérios de inclusão foram mulheres que procuraram espontaneamente o ambulatório
de Cirurgia Plástica e que apresentavam indicação de mamoplastia redutora, com idade
entre 21 a 50 anos. Os critérios de exclusão foram pacientes com cirurgia mamária
prévia, anemia grave, doença neurológica, impedimento cardiovascular, diabetes,
doença autoimune, doença do colágeno, índice de massa corporal (IMC) maior que 30,
menopausadas e com distúrbios psiquiátricos (avaliadas pelo minimental). Todas as
pacientes foram operadas no HC-UFPE, pelo mesmo cirurgião, com anestesia geral e
submetidas a mamoplastia redutora à Pitanguy.
As pacientes foram operadas de maneira consecutiva, sendo realizada a cirurgia de
redução das mamas bilateralmente, no qual cada participante teve um CAP experimento
e outro controle, randomizado pelo site Random.org. No CAP experimento foi realizada
uma manobra cirúrgica de secção dérmica que facilita a ascensão da aréola na
montagem da mesma, já no CAP controle realizou-se a cirurgia convencional, sem esta
manobra.
Desta maneira, foi avaliada a sensibilidade em 5 regiões do CAP (Figura 2), sendo elas, região papilar, região areolar superior,
lateral, medial e inferior por meio de microfilamentos de Semmes-Weinstein, no qual,
o valor para a região areolar foi obtido por meio da média do valor dos quatro
pontos aferidos.
Figura 2 - Locais de avaliação da sensibilidade do complexo
areolopapilar.
Figura 2 - Locais de avaliação da sensibilidade do complexo
areolopapilar.
Os períodos de avaliação foram: pré-operatório, pós-operatório de 3 semanas, 6
semanas e 1 ano, realizada sempre pela mesma integrante da equipe de pesquisa, a
qual desconhecia qual CAP era o controle ou o experimento. Ainda, foram obtidos os
dados da quantidade de tecido mamário ressecado de cada paciente, dividindo as
pacientes em um grupo que retirou até 300g e outro acima de 300 gramas.
Os dados foram agrupados em planilha do Microsoft Office Excel 2015, analisados pelo
software SPSS versão 2.0. O teste de Wald foi utilizado para
comparar a porcentagem de sensibilidade das regiões avaliadas dos CAPs controle e
experimento, dentro dos grupos de ressecção de até 300 gramas e acima de 300 gramas.
As conclusões ocorreram considerando um nível de significância de 5%.
RESULTADOS
O estudo totalizou 39 pacientes, compondo 78 observações. A média de idade da amostra
foi de 31,7 anos, IMC médio de 25,5 kg/m2 e
nenhuma das pacientes era tabagista. As comorbidades se mostraram presentes em 5,1%
da amostra, com a hipertensão arterial sistêmica compondo a totalidade dos casos.
O
índice de complicações foi de 41%, composto de 7 casos de cicatriz inestética, 6 de
hematoma e 4 de deiscência. Não houve nenhum caso de sofrimento ou necrose do CAP
e
todas as pacientes se mostraram satisfeitas com o resultado cirúrgico ao final do
período de observação de 1 ano.
Na Tabela 1, verificamos que, quando os grupos
foram comparados entre si, em relação à sensibilidade papilar, não houve diferença
com significância estatística em nenhuma das ocasiões para as pacientes que
ressecaram até 300 gramas de tecido mamário.
Tabela 1 - Porcentagem de sensibilidade papilar nas mulheres com peso mamário
ressecado de até 300g, de acordo com a ocasião e o grupo.
|
Ocasião de medida de sensibilidade da
papila*
|
Grupo |
1 |
2 |
3 |
4 |
Controle (n=25) |
96 |
88 |
72 |
92 |
Experimento (n=21) |
90,5 |
66,7 |
85,7 |
95,2 |
p-valor |
0,188 |
0,085 |
0,343 |
0,718 |
Tabela 1 - Porcentagem de sensibilidade papilar nas mulheres com peso mamário
ressecado de até 300g, de acordo com a ocasião e o grupo.
Na Tabela 2 observamos que quando os grupos
foram comparados entre si, em relação à sensibilidade papilar, não houve diferença
com significância estatística nas ocasiões de pré- operatório e pós-operatório de
1
ano para as pacientes que ressecaram mais de 300 gramas de tecido mamário.
Entretanto, houve maior porcentagem de sensibilidade, com significância estatística,
para o grupo controle na ocasião de pós-operatório de 3 semanas e 6 semanas.
Tabela 2 - Porcentagem de sensibilidade papilar nas mulheres com peso mamário
ressecado maior que 300g, de acordo com a ocasião e o grupo.
|
Ocasião da medida de sensibilidade da
papila*
|
Grupo |
1 |
2 |
3 |
4 |
Controle (n=14) |
85,7 |
100 |
100 |
92,9 |
Experimento (n=18) |
94,4 |
83,3 |
94,4 |
88,9 |
p-valor |
0,123 |
< 0,001 |
< 0,001 |
0,877 |
Tabela 2 - Porcentagem de sensibilidade papilar nas mulheres com peso mamário
ressecado maior que 300g, de acordo com a ocasião e o grupo.
Na Tabela 3 avaliamos que quando os grupos
foram comparados entre si, em relação à sensibilidade areolar, não houve diferença
com significância estatística em nenhuma das ocasiões para as pacientes que
ressecaram até 300 gramas de tecido mamário.
Tabela 3 - Porcentagem de sensibilidade da areolar nas mulheres com peso mamário
ressecado de até 300g, de acordo com a ocasião e o grupo.
|
Ocasião de medida de sensibilidade da
aréola*
|
Grupo |
1 |
2 |
3 |
4 |
Controle (n=25) |
100 |
92 |
92 |
96 |
Experimento (n=21) |
95,2 |
81 |
95,2 |
95,2 |
p-valor |
0,338 |
0,054 |
0,779 |
0,735 |
Tabela 3 - Porcentagem de sensibilidade da areolar nas mulheres com peso mamário
ressecado de até 300g, de acordo com a ocasião e o grupo.
Na Tabela 4 contemplamos que, quando os grupos
foram comparados entre si, em relação à sensibilidade areolar, não houve diferença
com significância estatística em nenhuma das ocasiões para as pacientes que
ressecaram mais de 300 gramas de tecido mamário.
Tabela 4 - Porcentagem de sensibilidade areolar nas mulheres com peso mamário
ressecado maior que 300g, de acordo com a ocasião e o grupo.
|
Ocasião de medida de sensibilidade da
aréola*
|
Grupo |
1 |
2 |
3 |
4 |
Controle (n=14) |
100 |
100 |
100 |
100 |
Experimento (n=18) |
94,4 |
100 |
100 |
100 |
p-valor |
0,07 |
1 |
1 |
1 |
Tabela 4 - Porcentagem de sensibilidade areolar nas mulheres com peso mamário
ressecado maior que 300g, de acordo com a ocasião e o grupo.
DISCUSSÃO
O Serviço de Cirurgia Plástica do HC-UFPE tem como rotina a realização da secção
dérmica após a manobra de Schwartzmann, em mamoplastias redutoras, com o intuito de
facilitar a migração e menor distorção do CAP durante a montagem das mamas. Sua
principal indicação consiste em casos em que há necessidade de grande mobilização
do
CAP ou quando a mama apresenta um parênquima firme, com pouco deslizamento da pele
suprajacente, fazendo com que a derme periareolar imponha limitação à mobilização
do
mesmo, podendo até mesmo causar sua distorção, influenciando esteticamente no
resultado final do procedimento cirúrgico.
Não foram observados na literatura estudos avaliando a relação da sensibilidade do
CAP com manobra de secção dérmica com o volume de tecido mamário ressecado, ainda
mais, existe uma divergência na literatura com relação à sensibilidade do CAP após
a
mamoplastia redutora. Os autores que advogam uma melhora da sensibilidade atribuem
isto a uma sobreposição de dermátomos e ao alívio da tração neural crônica pelo peso
das mamas9,10. Spear2 relatou que
existe uma queda na sensibilidade, mas que a mesma melhora gradativamente dentro de
12 meses. No entanto, as variedades de metodologias adotadas prejudicam a comparação
do resultado destes trabalhos.
Como podemos avaliar nas Tabelas 1 a 4, no grupo experimento, para volumes ressecados
acima de 300 gramas, numericamente houve um efeito negativo na sensibilidade papilar
e positivo na areolar ao final do período de seguimento. Já no grupo controle, para
o volume mamário ressecado acima de 300 gramas, numericamente houve melhora da
sensibilidade tanto papilar quanto areolar.
Apesar disto, não houve diferença com significância estatística em nenhuma das
ocasiões entre os pacientes do grupo experimento e controle, tanto no grupo de
ressecção de até 300 gramas quanto acima de 300 gramas. No entanto, na região
papilar, no grupo controle com ressecção acima de 300 gramas, houve uma melhor
sensibilidade no período pós-operatório de 3 e 6 semanas, mas que se tornou
equivalente ao grupo experimento no período pós-operatório de 1 ano, assim como
propõem o estudo de Spear2, a respeito da
volta gradual da sensibilidade.
Estes achados vão de encontro com os estudos de Wechselberger et al.10 e Gonzales11, que não encontraram relação entre quantidade de tecido mamário
ressecado e alteração da sensibilidade mamária pós-operatória, no entanto, estes
artigos realizaram pontos de corte diferentes do presente estudo, sendo
respectivamente 400g e 550g. Contudo, como nesta pesquisa operamos as pacientes
consecutivamente, selecionamos o ponto de corte de 300 gramas, pois era o peso mais
prevalente; na amostra, no entanto, tivemos ressecções de até 1275 gramas e sem
prejuízo da sensibilidade.
Na literatura, encontramos críticas sobre o método de avaliação por meio dos
microfilamento de Semmes-Weinstein devido ao fato de não apresentarem valores
absolutos e pela variação inter-observador; no entanto, as avaliações foram feitas
pelo mesmo examinador, local e conjunto de filamentos, sendo um meio de comparação
fácil, confiável e reprodutível11. Quanto ao
período de observação, a maioria dos artigos publicados utiliza o período de 1 ano
de seguimento como sendo adequados2,12.
Diante da inexistência de diferença com significância estatística na sensibilidade
entre o grupo experimento e controle, tanto no grupo até 300g e acima de 300g,
associado à facilidade de ascensão do CAP e montagem das mamas, fica demonstrado que
a manobra, além de inócua à sensibilidade, pode ser utilizada com segurança nas
mamoplastias redutoras, mesmo em mamas volumosas.
CONCLUSÃO
De acordo com os resultados obtidos, levando em consideração um nível de
significância de 5%, conclui-se que a manobra de liberação dérmica não provocou
diferença na sensibilidade do complexo areolopapilar, independentemente da
quantidade de tecido mamário ressecado.
COLABORAÇÕES
JZS
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação
final do manuscrito; coleta de dados; conceitualização; concepção e
desenho do estudo; gerenciamento de recursos; gerenciamento do projeto;
investigação; metodologia; realização das operações e/ou experimentos;
redação - preparação do original; redação - revisão e edição; software;
supervisão; validação; visualização.
|
KK
|
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito;
coleta de dados; conceitualização; gerenciamento de recursos;
investigação; metodologia; realização das operações e/ou experimentos;
redação - preparação do original; redação - revisão e edição; software;
supervisão; validação; visualização.
|
RHCB
|
Análise estatística; coleta de dados.
|
ASR
|
Análise estatística; coleta de dados.
|
ATC
|
Coleta de dados; investigação; realização das operações e/ou
experimentos.
|
ACCRB
|
Aprovação final do manuscrito; redação - preparação do original.
|
REFERÊNCIAS
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techniques. Plast Reconstr Surg. 2005;115(3):743-51.
1. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de
Pernambuco, Cirurgia Plástica, Recife, PE, Brasil.
Autor correspondente: Jairo Zacchê de-Sá, Av. República do Libano,
nº 251, Bloco A, sala 903 - Pina - Recife, PE, Brasil, CEP 51110-160. E-mail:
jairozacche@gmail.com
Artigo submetido: 28/6/2018.
Artigo aceito: 4/10/2018.
Conflitos de interesse: não há.