INTRODUÇÃO
As deformidades dentofaciais (DDF) são definidas como alterações esqueléticas graves
que estão associadas às alterações de oclusões dentárias1,2. Essas
deformidades causam modificações no sistema miofuncional de acordo com o tipo de
desproporção, como desvios nas funções de mastigação, deglutição, respiração e fala;
disfunções temporomandibulares (DTM), alteração na postura habitual dos lábios e
língua e assimetrias musculares3. As
modificações no Sistema Miofuncional Orofacial (SMO) são decorrentes de respostas
musculares necessárias para o funcionamento do Sistema Estomatognático (SE),
nominadas de adaptações musculares2,3.
A literatura aponta também que alterações esqueléticas e oclusais podem ser causadas
por alterações do sistema miofuncional orofacial, sendo que este último poderia
direcionar o crescimento ósseo da face4,
aproximando ainda mais as ciências fonoaudiológica e Cirurgia Plástica.
A cirurgia ortognática (CO) é realizada para corrigir as desproporções ósseas
maxilomandibulares e, consequentemente, proporcionar o equilíbrio entre as funções
estomatognáticas e a harmonia entre as estruturas anatômicas5. O planejamento para realização desse procedimento é realizado
em conjunto com cirurgião e ortodontista, e a contribuição do fonoaudiólogo nessa
etapa é fundamental, pois esse profissional identifica as alterações miofuncionais
orofaciais presentes e permite a realização de uma possível reabilitação a fim de
promover maior estabilidade nos resultados cirúrgicos2.
O papel do fonoaudiólogo na equipe responsável por pacientes com indicação ao
procedimento cirúrgico para reposicionamento das bases ósseas é importante, mas
ainda é um campo que está sendo conquistado. O fonoaudiólogo que atua na área de CO
contribui para favorecer uma melhor reorganização neuromuscular após o procedimento
cirúrgico, corrigindo a forma e remodelando os tecidos moles, visando o equilíbrio
entre as funções anatômicas e o SE.
Por estes motivos, os serviços fonoaudiológicos dentro da equipe interdisciplinar
são
necessários para auxiliar a realização de um adequado prognóstico e contribuir para
a execução das funções do SE de forma harmônica2,5,6.
O fonoaudiólogo, quando inserido na equipe interdisciplinar da CO, realiza funções
importantes como avaliação do SE no período pré-operatório e pós-operatório a fim
de
que, nos diferentes momentos, possa oferecer ao paciente e à equipe a comparação
entre as avaliações, verificando as características, compensações e adaptações
apresentadas2.
A atuação fonoaudiológica no pré e pós-operatório é realizada conforme o serviço que
a mesma está inserida e de acordo com as características especificas de cada
paciente2. Os autores sugerem que em cada
um desses momento de intervenção o fonoaudiólogo desempenha um importante papel,
sendo que é oportuno que comece pela fase pré-operatória e que possa dar
continuidade ao trabalho no pós-operatório.
Estudos explicam cada período de intervenção fonoaudiológica detalhando os seus
objetivos2,5. Na fase pré-operatória são recomendados que
as intervenções sejam realizadas de um e três meses antes da cirurgia, com objetivo
de fornecer orientações e esclarecimentos sobre a percepção dos mecanismos e padrões
musculares corretos, durante a realização das funções orais e repouso. Esse momento
da atuação é muito importante, pois essas informações irão contribuir no momento
pós-operatório para que os impulsos sensitivos, ao serem enviados para o sistema
nervoso central, constituam um novo sistema proprioceptivo5.
No período pós-cirúrgico o fonoaudiólogo pode iniciar o seu acompanhamento
imediatamente após a cirurgia ou com aproximadamente 20 a 60 dias após o
procedimento, dependendo do serviço onde está inserido e liberação do cirurgião. A
atuação pode ser dividida em dois momentos: o pós-operatório imediato (período de
bloqueio intermaxilar e restrição) e a terapia propriamente dita.
No primeiro momento este profissional deve reforçar as orientações, realizar um
trabalho preventivo para identificar as estruturas do SE que possam causar
instabilidade no pós-operatório. Após essa fase, pode-se iniciar a terapia
propriamente dita, na qual deverão ser avaliadas as características apresentadas
pelo paciente como possíveis alterações e/ou adaptações nos tecidos moles,
distúrbios posturais, musculares e funcionais, e, a partir dessa avaliação, pode-se
iniciar a realização de exercícios musculares, reintrodução gradual da alimentação,
trabalhos de sensibilização e outros que sejam elencados conforme a necessidade do
paciente2,5.
A atuação fonoaudiológica em CO requer que os pacientes sejam dedicados e contribuam
na execução dos objetivos propostos. Com a realização adequada e automatização das
funções do SE, a alta fonoaudiológica poderá ser determinada, passando a ser
necessárias somente sessões mais espaçadas para que o fonoaudiólogo se certifique
de
que não possam ocorrer quadros de recidivas5.
OBJETIVO
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi identificar, com base na
literatura arbitrada, a relação entre a Fonoaudiologia e a Cirurgia Ortognática.
MÉTODO
Para o estabelecimento do método de pesquisa foram seguidos os preceitos do Cochrane
Handbook7.
Realizou-se a localização e a seleção dos estudos por meio de levantamento dos textos
publicado, sem período específico, nas bases de dados PubMed,
SciELO e BVS. Na base de dados PubMed, os artigos
foram selecionados, limitando-se a pesquisas realizadas em seres humanos, na língua
inglesa e portuguesa, utilizando-se os descritores: “Orthognathic surgery
and clinical protocols and speech therapy”, “Orthognathic
surgery and therapy and speech therapy”, “Orthognathic surgery
and therapeutics and speech therapy”.
Na base de dados SciELO e BVS foram utilizados os descritores: “Cirurgia ortognática
e protocolos clínicos”, “Cirurgia ortognática e terapia”, “Cirurgia ortognática e
terapêutica”, limitando-se a pesquisas realizadas em seres humanos, na língua
portuguesa ou inglesa.
A busca dos textos nos bancos de dados foi realizada independentemente pelos
pesquisadores, visando minimizar perdas de citações. A análise de cada uma das
citações recuperadas no banco de dados também foi realizada independentemente pelos
pesquisadores. Inicialmente, foi realizada a análise dos títulos e resumos das
citações, visando à pertinência da sua seleção e inclusão no estudo. Citações em
línguas que não o inglês e o português foram excluídas, bem como as repetidas por
sobreposição das palavras-chave. Foram excluídas também aquelas referentes a
revisões de literatura, cartas ao editor e as que não se vincularam diretamente ao
tema.
Em um segundo momento, foram analisados os textos completos das citações selecionadas
pelos pesquisadores que, efetivamente, relacionavam-se à proposta da pesquisa.
Aquelas cujos conteúdos completos/integrais não puderam ser recuperados por meio do
Portal de Periódicos da CAPES e/ou site oficial do periódico também foram
excluídas.
Todas as etapas do estudo foram conduzidas independentemente pelos pesquisadores e,
quando houve discordância entre eles, a posição final foi consensual. A Figura 1 apresenta o percurso da seleção dos
artigos para este estudo.
Figura 1 - Percurso de seleção dos artigos.
Figura 1 - Percurso de seleção dos artigos.
O Quadro 1 apresenta a síntese do motivo de
exclusão das citações.
Quadro 1 - Citações excluídas conforme os critérios de seleção
estabelecidos.
Artigos excluídos |
Nº |
Artigos de revisão de literatura |
08 |
Artigos com temática não principal |
170 |
Artigos sem resumo |
08 |
Artigos não disponibilizados gratuitamente |
22 |
Quadro 1 - Citações excluídas conforme os critérios de seleção
estabelecidos.
Os 15 artigos selecionados foram avaliados de forma crítica quanto ao tipo de estudo,
objetivos, número e gênero dos participantes, faixa etária, critérios e métodos,
resultados e conclusões. Em relação aos critérios e métodos, buscou-se verificar e
descrever a metodologia empregada em cada um dos artigos estudados, no intuito de
analisar se existia homogeneidade entre os mesmos. Nos resultados e conclusões, foi
realizada a descrição geral da seção, conforme exposto pelos artigos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados gerais do estudo encontram-se sumariamente descritos no Quadro 2.
Quadro 2 - Análise resumida dos artigos.
Referência |
Objetivos |
Métodos |
Resultados/Conclusão |
Migliorucci et al., 20178 |
Apresentar uma proposta de programa de terapia
miofuncional para indivíduos submetidos à cirurgia ortognática.
|
3 etapas distintas: 1) Elaboração do programa inicial
a partir da revisão de literatura sobre o processo terapêutico após
a cirurgia; 2) Aplicação do programa inicial em 21 pacientes;
resultou em uma segunda versão do programa; 3) Análise do conteúdo
por três fonoaudiólogas e novas modificações foram realizadas.
|
O programa foi elaborado com base em 38 trabalhos
científicos. Após as sugestões das especialistas, a versão final foi
constituída de 12 sessões – avaliação + 10 sessões de terapia uma
vez por semana (exercícios miofuncionais, estimulação sensorial e
treino funcional) + reavaliação. Foi possível desenvolver um
Programa de Terapia Miofuncional Orofacial para pacientes submetidos
à cirurgia ortognática.
|
Lima et al., 20152 |
Descrever o caso de paciente submetida à CO e seu
acompanhamento fonoaudiológico nos períodos pré e pós-operatórios,
além de avaliar o impacto da deformidade dentofacial na qualidade de
vida.
|
Estudo de caso de paciente com má oclusão do tipo
Classe III. A avaliação foi realizada por meio do Protocolo de
Avaliação MBGR com escores. A intervenção fonoaudiológica ocorreu em
período pré-operatório (por três meses) e pós-operatório iniciado no
20º dia de pós-operatório (por três meses). Investigou-se o impacto
da deformidade dentofacial na qualidade de vida da paciente, por
meio do Oral Health Impact Profile – versão
reduzida.
|
Obteve-se melhora da mobilidade muscular, diminuição
da dor à palpação, equilíbrio do tônus, mastigação mais eficiente,
bilateral alternada, apropriação do padrão de deglutição e adequação
da produção da fala, além da melhoria na qualidade de vida.
|
Palomares, 20141 |
Avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal
e específica dos pacientes orto-cirúrgicos levando em consideração
os seguintes aspectos: - autopercepção estética dos pacientes; -
características clínicas das más oclusões; - gênero, idade, status
socioeconômico.
|
254 pacientes foram divididos em quatro grupos, de
acordo com a etapa de tratamento: inicial (pré-tratamento), em
preparo ortodôntico para CO, em finalização ortodôntica
pós-cirúrgica e contenção (após conclusão do tratamento). Os mesmos
foram entrevistados em três grandes centros do Rio de Janeiro. A
qualidade de vida foi avaliada pelos questionários OHIP-14 e OQLQ. A
gravidade da má oclusão e a auto percepção estética foram avaliadas
com base no índice de Necessidade de Tratamento Ortodôntico (IOTN) e
pelo Índice de Estética Dental (DAI).
|
Os pacientes que concluíram todas as etapas de
tratamento ortocirúrgico apresentaram melhora na qualidade de vida
específica e relacionada à saúde bucal, de forma significante em
relação aos demais grupos. A autopercepção estética dos grupos
contenção e pós-cirúrgico foi mais positiva do que nos demais
grupos. Características clínicas que podem ser correlacionadas com
impactos negativos na qualidade de vida: apinhamento, mordida
cruzada, mordida aberta. A concordância entre os instrumentos
OHIP-14 e o OQLQ foi moderada, o que confirma que estes avaliam
aspectos diferentes da qualidade de vida relacionada à saúde oral. O
OQLQ demonstra maior sensibilidade em detectar alterações na
qualidade de vida de pacientes orto-cirúrgico do que o OHIP-14.
|
Alves e Silva et al., 20139 |
Comparar as mudanças relacionadas, a autoestima e
satisfação com a aparência entre as fases pré e pós-operatórias em
pacientes submetidos à CO e avaliar a qualidade de vida desses
pacientes seis meses após a cirurgia.
|
Estudo realizado com 15 pacientes, selecionados
aleatoriamente, com deformidades dentofaciais, que realizaram CO no
Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco. O
estudo teve um período de seguimento de seis meses, com duas fases:
1) Pré-operatória (dia de hospitalização): aplicação de questionário
para avaliar a satisfação dos pacientes com a aparência e as
relações sociais; e 2) no pós-operatório (seis meses após a
cirurgia), aplicação do Formulário I que avaliou as mesmas variáveis
do pré e o WHOQOL-Bref.
|
Os resultados mostraram que 13,3% dos pacientes
tiveram melhoria da autoestima, especialmente em relação à
satisfação da aparência. Melhorias também foram observadas nas
relações sociais, profissionais e familiares. No que diz respeito à
avaliação da qualidade de vida, de acordo com o Questionário da
Organização Mundial de Saúde, as médias de melhorias mais baixas
corresponderam ao controle ambiental.
|
Jakobsone et al., 201310 |
Analisar as mudanças no perfil facial do tecido mole
após a cirurgia bimaxilar para correção de Classe III, com o
objetivo de determinar se uma diminuição ou aumento da altura da
face afeta as mudanças de perfil, com ênfase na direção
anteroposterior.
|
Amostra composta por 84 pacientes operados -
osteotomia Le Fort I + osteotomia bilateral sagital com fixação
rígida. A cirurgia foi realizada no Oslo University Hospital,
Ullevaal, entre 1990 e 2003. Os pacientes foram monitorados ao longo
de 3 anos - T1: uma semana antes da cirurgia; T2 uma semana após a
cirurgia; T3, T4 e T5: 2, 6 e 12 meses após a cirurgia, e T6: 3 anos
após a cirurgia. A cefalometria de 81 pacientes (55 homens e 26
mulheres foram avaliadas. Os pacientes foram divididos em três
subgrupos de acordo com a alteração na altura anterior da face
durante a cirurgia (1= grupo não mudança – menos de 2mm de mudança
na altura anterior da face; 2= grupo diminuição – diminuição de 2 ou
mais mm na altura anterior da face; 3= grupo aumento – aumento de 2
ou mais mm na altura anterior da face. Os cálculos das relações de
tecido mole e duro foram baseados na resposta a longo prazo do
tecido mole em relação ao reposicionamento cirúrgico.
|
Os tecidos moles e duros seguiram o mesmo padrão de
mudanças em pacientes do sexo masculino e feminino, com exceção do
ponto B no tecido mole. O reposicionamento cirúrgico horizontal
variou, dependendo se a altura anterior da face foi aumentada ou
diminuída. Para a proeminência do lábio superior, o padrão de
mudança a longo prazo foi o mesmo, independentemente da mudança na
altura da face. Em todos os grupos, a espessura do lábio superior
diminuiu tanto a curto quanto a longo prazo, particularmente em
pacientes com aumento cirúrgico na altura da face. A espessura
inferior dos lábios aumentou no curto prazo, mas diminuiu durante o
período de seguimento. Houve associações significativas entre os
tecidos moles e as correspondentes alterações do tecido duro, com
exceção do ponto A do tecido mole e do lábio superior, quando a
altura da face aumentou. As proporções foram maiores para as
variáveis mandibulares do que para as variáveis maxilares,
particularmente para o ponto B e pogônio quando a altura da face
anterior diminuiu. As diferentes mudanças nos padrões de tecido mole
devem ser levadas em consideração durante o planejamento das
quantidades de avanço maxilar e recuo mandibular.
|
Rustemeyer & Martin, 201311 |
Avaliar a resposta dos tecidos moles faciais em
pacientes com padrão facial Classe II e III tratados por CO
bimaxilar, avaliados cefalometricamente e por meio de fotogrametria
2-D; Comparar a capacidade dos exames preverem resultados
pós-operatórios.
|
28 pacientes que tinham sido submetidos à cirurgia
bimaxilar para uma correção de Classe II, e 33 pacientes que haviam
sido submetidos à cirurgia bimaxilar para a correção da Classe III.
Foram analisados o cefalograma lateral e um fotograma lateral em
dois momentos – antes do tratamento dentário e após 9 meses da
cirurgia.
|
Não foram encontradas diferenças significativas entre
homens e mulheres, com os achados das cefalometrias ou
fotogrametrias. Ângulos dos tecidos duros mudaram significativamente
na comparação entre o pré e o pós-operatório nas cirurgias de Classe
II e Classe III. As medidas pré e pós-operatórias dos tecidos moles
não diferiram entre os métodos de avaliação. Este estudo revelou que
a cefalometria e a fotogametria 2-D fornecem informações
complementares para melhorar a precisão na previsão de mudanças dos
tecidos moles em cirurgia ortocirúrgicas, especialmente em pacientes
da Classe II esquelética.
|
Chen et al., 201212 |
Investigar alterações no perfil facial após
osteotomia no ramo vertical para corrigir o prognatismo
mandibular.
|
30 pacientes (20 do sexo feminino e 10 do sexo
masculino, com idade média de 20,7 anos) que necessitavam de
correção cirúrgica para prognatismo mandibular foram tratados no
Hospital Universitário de Kaohsiung Medical de janeiro de 1993 a
dezembro de 1998. O tempo médio para acompanhamento desses pacientes
foi de 27,2 meses (12 e 102 meses). Para avaliar as mudanças no
perfil após a cirurgia, foram utilizados dois momentos de registro
de cefalometria - T1 pré-operatório e T2 um ano após o procedimento
cirúrgico, na qual foram realizadas marcações, e as mesmas foram
comparadas.
|
Foram observadas mudanças horizontais significantes
em relação ao T1 e T2. A média horizontal de recuo do ponto pogônio
(Pog) foi de 11,7mm. A razão do recuo dos pontos “labrale inferior”
(Li)/incisivo inferior (Li), sulco labiomentoniano (Si)/ponto B, e
tecido mole (PogS)/pogônio foram 0,98, 0,99 e 0,95, respectivamente.
Não foram identificadas diferenças em relação ao sexo. Um plano de
tratamento satisfatório para as pessoas com prognatismo mandibular
não corrige somente a má oclusão, mas considera também a melhora
facial.
|
Bergamo et al., 201113 |
Apresentar o tratamento da má oclusão de Classe III
esquelética com alteração transversal e assimetria facial, cuja
magnitude exigiu tratamento ortodôntico-cirúrgico.
|
Paciente do sexo masculino com 15:1 anos, acompanhado
na Clínica de Ortodontia de Ribeirão Preto da Faculdade de
Odontologia, USP, com queixa principal de alteração oclusal. Análise
facial indicou assimetria facial acentuada, ossos faciais
ligeiramente côncavos, hipoplasia maxilar, aumento do terço inferior
da face, Classe III, maxila estreita, mordida aberta posterior,
desvio de linha média de maxila para a direita.
|
Ao final do tratamento foi observado oclusão
funcional, sobressaliência, sobremordida e intercuspidação
adequadas. O prognatismo mandibular e assimetria facial foram
eliminados. No caso apresentado, o tratamento ortocirúrgico foi bem
indicado, promovendo adequada função mastigatória e estética facial
adequada.
|
Gornic et al., 201114 |
Avaliar e quantificar, por meio da cefalometria, as
alterações causadas nas vias aéreas em decorrência da cirurgia
ortognática que envolva recuo mandibular.
|
Foram selecionados 17 pacientes submetidos a
tratamento ortocirúrgico para correção de Classe III. Entre os
pacientes avaliados, 14 submeteram-se à cirurgia ortognática
combinada de avanço maxilar e recuo mandibular; enquanto nos demais
foi realizado recuo mandibular isolado. Foram avaliadas as
radiografias cefalométricas de perfil pré-operatórias, de até 7
meses antes da cirurgia, e pós-operatórias imediatas, de até uma
semana após a cirurgia.
|
A mandíbula sofreu recuo médio de 7,32mm após a
cirurgia. O impacto no espaço aéreo foi evidenciado por redução
média de 0,97mm ao nível da orofaringe e 3,41mm ao nível da
hipofaringe. O diâmetro inicial médio desses espaços era de 16,88mm
e 13,05mm, respectivamente. Essa redução foi estatisticamente
significativa apenas na região da hipofaringe (p =
0,025).
|
Quadro 2 - Análise resumida dos artigos.
Com base nos objetivos, para que se siga a análise e discussão desta seção, será
adotado o agrupamento dos estudos em quatro grupos, a saber: 1) Grupo Fonoaudiologia
(GF) = estudos que abordavam a intervenção e/ou aspectos fonoaudiológicos
diretos2,8; 2) Grupo Mudanças (GM) = estudos que relatavam as mudanças
estéticas e funcionais do tecido duro e mole1,6,9-16; 3) Grupo Técnicas (GT) = estudos que descrevem exames e/ou métodos
específicos para verificar as mudanças nos tecidos duros e moles17,18 e 4) Grupo Outros (GO) = estudos que não se enquadrava nos objetivos
dos grupos anteriores19 (Figura 2).
Figura 2 - Estudos agrupados com base nos objetivos.
Figura 2 - Estudos agrupados com base nos objetivos.
Quanto ao tipo dos estudos, a maioria são estudos descritivos longitudinais
(46,5%)5,8-11,13,16, seguidos por descritivos transversais
(26,5%)1,16,18,19 e relatos de
casos (20%)2,13,15. O tipo
descritivo teórico foi abordado por apenas um estudo (7%)8.
As Figuras 3 e 4 detalham a média de idade em cada grupo, assim como o gênero mais
prevalente nos estudos. Cabe salientar que alguns estudos não realizaram tais
classificações, por isso os dados não foram apresentados nas tabelas.
Figura 3 - Média de idade dos participantes dos estudos.
Figura 3 - Média de idade dos participantes dos estudos.
Figura 4 - Classificação geral quanto ao gênero dos participantes dos
estudos.
Figura 4 - Classificação geral quanto ao gênero dos participantes dos
estudos.
Em relação à idade dos participantes dos estudos, no geral foram elencados indivíduos
adultos, com crescimento craniofacial concluído. A literatura preconiza que a
indicação para a cirurgia ortognática deve ser realizada após a finalização do
crescimento craniofacial, com associação dos recursos ortodônticos e cirúrgicos, a
fim de corrigir as deformidades dos ossos da região maxilar e/ou mandibular, visto
que somente com tratamento ortodôntico seria improvável fazer tal correção20.
Foi possível verificar que houve prevalência de mulheres que realizaram a cirurgia
ortognática nos estudos selecionados. Este achado pode ser relacionado com estudos
prévios que afirmam que existe prevalência de mulheres buscando a cirurgia
ortognática21, em geral porque as
mulheres apresentam maior preocupação com a saúde e estética, além de buscarem
tratamento com mais frequência22.
A análise dos artigos quanto a metodologia empregada, de acordo com a divisão dos
grupos, aponta que no GF um estudo2 é um
relato de caso, e o outro artigo8 é um estudo
descritivo teórico que se aplica a elaboração de um programa terapêutico
fonoaudiológico para pacientes submetidos à CO e o processo de sua validação de
conteúdo. Para GM, a maioria dos artigos utilizaram a metodologia de estudo
descritivo longitudinal6,9-12,14, sendo que
destes a maioria realizou suas pesquisas em hospitais universitários do país e/ou
exterior, ou hospitais de referência nacional. Ainda neste grupo, dois artigos13,15 utilizaram o relato de caso.
No GT, o estudo que utilizou a abordagem descritiva longitudinal foi realizado no
Reino Unido e o outro, com desenho transversal, não especificou o local de sua
realização. No GO, foi identificado um estudo descritivo longitudinal que ocorreu
em
uma Escola de Medicina do estado de São Paulo.
De forma geral, a maioria dos estudos foi realizada em hospitais universitários. A
literatura traz que esses espaços devem realizar a integração entre pesquisa, ensino
e assistência, e esta premissa está presente na definição oficial de hospital
universitário, divulgada pelo site do MEC, um dos órgãos reguladores e mantenedores
dos hospitais universitários do Brasil23.
Esse achado pode se relacionar com os princípios dos hospitais universitários do
Brasil, conforme defendido na literatura23,
que explica que os principais hospitais no mundo são reconhecidos não somente como
centros de ensino e assistência, mas, sobretudo, como centros produtores de
conhecimento.
De acordo com os resultados e conclusões dos estudos, no GF, os pesquisadores
encontraram melhora na qualidade de vida, nas funções do sistema estomatognático,
na
mobilidade e tonicidade da musculatura, podendo ser confirmado por meio de protocolo
clínico padronizado2. Em um dos estudos8, os pesquisadores conseguiram elaborar e
validar o conteúdo de um programa de atuação fonoaudiológica que contém avaliação,
terapia (envolvendo exercícios miofuncionais orofaciais, estimulação sensorial e
treino funcional) e reavaliação.
No GM, os pesquisadores encontraram, de forma geral: 1) melhora após realização da
CO
em relação a autoestima, principalmente em relação à satisfação com a aparência; 2)
melhorias nas relações sociais, profissionais e familiares; 3) redução significativa
na altura do rosto devido ao reposicionamento mandibular; 4) diminuição da espessura
do lábio superior, tanto a curto quanto a longo prazo, particularmente em pacientes
com aumento cirúrgico na altura do rosto; 5) aumento da espessura do lábio inferior
a curto prazo, mas diminuição no seguimento; 6) vários estudos constataram que não
houve diferenças significativas de mudanças nos tecidos mole ou duro comparando o
sexo feminino e masculino, escolaridade e renda familiar; 7) mudanças nos pontos de
marcação do tecido mole na comparação pré e pós; e 8) melhorias na estética
facial.
No GT, pesquisadores17 não mostraram diferença
estatística significativa entre os dois métodos de superposição, Registro Voxel e
Avaliação 3-D. No entanto, o registro à base de superfície mostrou alta
variabilidade nas distâncias médias entre as superfícies correspondentes em
comparação com o registro em Voxel, especialmente em tecidos moles. Dentro de cada
método, houve diferença significativa entre as superposições dos modelos de tecido
duro e mole. Pesquisadores18 relatam que o
método proposto auxiliou significativamente o diagnóstico, o prognóstico, o ensino
dos parâmetros para análise facial em ortodontia e CO e no auxílio de orientações
e
acompanhamento dos pacientes.
O GT pode ser associado ao GM para esta análise, visto que para verificação das
mudanças anatômicas, em tecidos duro, mole, estéticas e funcionais os pesquisadores
utilizaram várias técnicas e/ou exames em suas pesquisas, como, por exemplo, a
imagem tomográfica, exame eletromiografia de superfície (EMG), exame de sistema de
medição de pressão, modelos de gesso, análise facial radiografia periapical, 2-D
fotogrametria e, a mais utilizada, a cefalometria.
Dessa forma, ambos os grupos abordam exames e/ou procedimentos objetivos, que
buscaram avaliar as mudanças em tecido mole e duro, avaliar função mastigatória, nos
momentos pré e pós-operatório para comparação e verificação de mudanças,
estabilidade e recidivas. Com base na literatura, podemos afirmar que os exames e
procedimentos utilizados nesses dois grupos são importantes para que os
fonoaudiólogos, ortodontistas e cirurgiões bucomaxilofaciais possam utilizar
parâmetros necessários para realização de um adequado diagnóstico, avaliação pré e
pós cirúrgica e tratamento. Esses dados necessitam ser precisamente documentados
para garantir o melhor resultado possível para cada paciente24.
CONCLUSÃO
Esta revisão teve como objetivo identificar a relação entre a Fonoaudiologia e a
Cirurgia Ortognática. Durante a busca da literatura, pouco se encontrou sobre a
intervenção fonoaudiológica direta, sendo a maioria dos estudos direcionada às
mudanças estéticas e funcionais do tecido duro e mole de pacientes submetidos à
cirurgia ortognática. Houve também estudos que abordaram métodos e/ou exames
específicos para verificar as mudanças nos tecidos moles e duros do perfil facial
dos pacientes submetidos à cirurgia ortognática e estudo que detalhou o perfil dos
indivíduos que realizaram tratamento para deformidade dentofacial e síndrome da
Apneia e Hipopneia do Sono.
COLABORAÇÕES
MFNS
|
Análise e/ou interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo;
realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou
revisão crítica de seu conteúdo.
|
LDMT
|
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito;
concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou
experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu
conteúdo.
|
REFERÊNCIAS
1. Palomares NB. Impacto das etapas do tratamento orto-cirúrgico na
qualidade de vida de pacientes portadores de deformidades dentofaciais
[Dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro: Faculdade de Odontologia,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2014.
2. Lima JAS, Luna HB, Pessoa LSF, Alvez GAS. Ganhos funcionais
mensurados pelo MBGR e impacto na qualidade de vida em sujeito submetido à
cirurgia ortognática: relato de caso. Rev CEFAC. 2015;17(5):1722-30. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151751015
3. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções
estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática
e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética.
Rev CEFAC. 2011;13(6):1086-94. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011000600015
4. Moss ML. The functional matrix hypothesis revisited. 3. The genomic
thesis. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1997;112(3):338-42. PMID: 9294365 DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/S0889-5406(97)70265-8
5. Aléssio CV, Mezozono CL, Körbes D. Intervenção Fonoaudiológica nos
casos de pacientes classe III com indicação à Cirurgia Ortognática. Arq Odontol.
2007;43(3):102-10.
6. Almeida RCC. Avaliação tridimensional da alteração estabilidade do
tecido mole decorrentes da cirurgia de avanço mandibular [Dissertação de
mestrado]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro;
2009.
7. Higgins JPT, Grenn S. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of
Interventions Version 5.0.2, updated September 2009 [acesso 2017 Maio 8].
Disponível em: http://training.cochrane.org/handbook
8. Migliorucci RR, Passos DCBOF, Berretin-Felix G. Programa de terapia
miofuncional orofacial para indivíduos submetidos à cirurgia ortognática. Rev
CEFAC. 2017;19(2):277-88. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620171921317
9. Alves e Silva AC, Carvalho RA, Santos Tde S, Rocha NS, Gomes AC, de
Oliveira e Silva ED. Evaluation of life quality of patients submitted to
orthognathic surgery. Dental Press J Orthod. 2013;18(5):107-14. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S2176-94512013000500018
10. Jakobsone G, Stenvik A, Espeland L. Soft tissue response after Class
II bimaxillary surgery. Angle Orthod. 2013;83(3):533-9. DOI: http://dx.doi.org/10.2319/043012-356.1
11. Rustemeyer J, Martin A. Soft tissue response in orthognathic surgery
patients treated by bimaxillary osteotomy: cephalometry compared with 2-D
photogrammetry. Oral Maxillofac Surg. 2013;17(1):33-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s10006-012-0330-0
12. Chen CM, Lai S, Lee HE, Chen KK, Hsu KJ. Soft-tissue profile changes
after orthognathic surgery of mandibular prognathism. Kaohsiung J Med Sci.
2012;28(4):216-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.kjms.2011.10.018
13. Bergamo AZ, Andrucioli MC, Romano FL, Ferreira JT, Matsumoto MA.
Orthodontic-surgical treatment of Class III malocclusion with mandibular
asymmetry. Braz Dental J. 2011;22(2):151-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-64402011000200011
14. Gornic C, Nascimento PP, Melgaço CA, Ruellas ACO, Medeiros PJD,
Sant'Anna EF. Análise cefalométrica das vias aéreas superiores de pacientes
Classe III submetidos a tratamento ortocirúrgico. Dental Press J Orthod.
2011;16(5):82-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S2176-94512011000500013
15. Dalla-Bona DE, Matsumoto E, Tanaka E, Tanne K. Tratamento
ortognático de um paciente com assimetria mandibular severa e disfunção dos
músculos mastigatórios -Relato de um caso clínico. Rev Fac Odontol.
2005;46(1):80-9.
16. Veronez FS, Tavano LDA. Modificações psicossociais observadas
pós-cirurgia ortognática em pacientes com e sem fissuras labiopalatinas. Arq
Ciênc Saúde. 2005;12(3):133-7.
17. Almukhtar A, Ju X, Khambay B, McDonald J, Ayoub A. Comparison of the
accuracy of voxel based registration and surface based registration for 3D
assessment of surgical change following orthognathic surgery. PLoS One.
2014;9(4):e93402. DOI: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0093402
18. Maniglia JV, Molina FD, Marques CG. Proposta de análise fotográfica
do perfil facial em cirurgia ortognática. Rev Med. 2009;88(3/4):168-74. DOI:
http://dx.doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v88i3/4p168-174
19. Marques CG, Maniglia JV, Molina FD. Service profile of Orthognathic
Surgery of a medical school. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(5):600-4. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/S1808-86942010000500011
20. Mamani MH. Preparo ortodôntico em casos de cirurgia ortognática
[Monografia]. Piracicaba: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Odontologia de Piracicaba; 2013.
21. Faber J, Faber APMH. Percepções das deformidades dentofaciais: do
bem-estar psíquico à indicação de cirurgia. Dental Press J Orthod.
2010;15(4):13-4. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S2176-94512010000400002
22. Zaroni FM. Características de 485 cirurgias ortognáticas realizadas
em um serviço de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial [Dissertação de
mestrado]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2015.
23. Araújo KM, Leta J. Os hospitais universitários federais e suas
missões institucionais no passado e no presente. Hist Ciênc Saúde.
2014;21(4):1261-81.
24. Yoshida MM, Câmara PRP, Goldenberg DC, Alonso N. Padronização de
avaliação em cirurgia ortognática. Rev Soc Bras Cir Craniomaxilofac.
2007;10(4):125-32.
1. Faculdade de Ceilândia, Universidade de
Brasília, Ceilândia, DF, Brasil.
*Autor correspondente: Laura Davison Mangilli Toni,
Faculdade de Ceilândia, Centro Metropolitano, Conjunto A, Lote 1 - Brasília, DF,
Brasil. CEP 72220-900. E-mail:
davisonmangilli@yahoo.com.br
Artigo submetido: 30/1/2018.
Artigo aceito: 5/9/2018.
Conflitos de interesse: não há.