INTRODUÇÃO
As mamas, além de órgãos destinados à amamentação, são verdadeiras representantes
da
feminilidade, compondo elementos de adorno do corpo feminino e se constituem em
um
dos mais eloquentes símbolos da sua sexualidade. As anormalidades que afetam as
mamas têm repercussões catastróficas para o estado psicológico, emocional e de
bem-estar da mulher, tornando a sua reconstrução um desejo intensamente e
ansiosamente esperado pelas pacientes.
O câncer de mama é o segundo tipo mais comum de câncer entre as mulheres no Brasil
e
no mundo, perdendo somente para o de pele não melanoma, respondendo por cerca
de 28%
dos casos novos a cada ano no nosso país. O Ceará tem uma taxa estimada de
incidência para o biênio 2016-2017 de 2160 casos novos, enquanto que o Brasil
tem
uma taxa de estimada de 57.960 casos novos de câncer de mama para cada 100.000
mulheres, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA)1. A alta incidência gera um grande número de deformidades e
amputações mamárias.
As principais formas de reconstruções mamárias podem ser realizadas de forma
imediata, no mesmo ato cirúrgico que a mastectomia ou de forma tardia em um
procedimento cirúrgico posterior à mastectomia. As várias formas de reconstruções
mamárias variam desde o uso de materiais aloplásticos (próteses mamárias), incluindo
uso de expansor de pele, utilização retalho local ou à distância do músculo grande
dorsal ou do músculo reto abdominal até a utilização de tecido adiposo
(lipoenxertia).
Histórico das Técnicas de Reconstrução
O primeiro relato histórico de reconstrução mamária é de Czeni, que, em 1895,
utilizou um lipoma gigante da própria paciente para reparar uma mama amputada
por doença benigna2.
Em 1912, D’ Este descreveu o chamado retalho de Tanzini, que tem como base o
retalho miocutâneo do músculo grande dorsal, utilizado para correção de defeitos
das regiões axilar e torácica anterior após mastectomia3.
A utilização de implante protéticos para reconstrução da mama começou no início
dos anos 60, com implantes preenchidos com gel de silicone. Com o passar dos
anos, a tecnologia e as técnicas cirúrgicas dos implantes evoluíram, resultando
em uma melhora da qualidade da mama reconstruída4.
Em 9 de setembro de 1980 foi realizado com sucesso o primeiro retalho do músculo
reto abdominal para reconstrução da mama por Carl R. Hartrampf Jr. com base nos
vasos epigástricos superiores profundos isolados. Esta continua a ser a técnica
mais popular adotada por cirurgiões plásticos da América do Norte5.
O advento da técnica de lipoaspiração tem início em 1983, com Illouz. Foi
utilizada a gordura lipoaspirada de uma paciente para o preenchimento de
depressão na coxa da mesma paciente, por meio de um processo de lipoinjeção6.
Os anos seguintes foram marcados pela utilização da lipoenxertia como coadjuvante
na reconstrução mamária, corrigindo deformidades e melhorando a qualidade da
pele e/ou da cicatriz.
As formas de reconstrução apresentam características particulares, com diferentes
graus de morbidade que influenciam diretamente no desfecho dos resultados,
incluindo o tipo e a frequência de complicações.
OBJETIVO
O presente estudo tem por objetivo identificar as complicações encontradas em um
grupo de pacientes submetidos à reconstrução mamária após mastectomia total por
câncer de mama e relacioná-las com a forma de reconstrução, momento da reconstrução,
tempo cirúrgico e uso de radioterapia.
MÉTODO
Corresponde a um estudo de coorte transversal, retrospectivo, com análise realizada
por meio de revisão de prontuários de pacientes que foram submetidos à reconstrução
mamária após mastectomia total, por câncer de mama, realizadas pelo Serviço de
Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter
Cantídio (HUWC) no período de 1/1/2015 a 31/12/2017.
Como critérios de inclusão, foram consideradas as pacientes do sexo feminino, que
tiveram as mamas totalmente reconstruídas após mastectomia por câncer de mama
no
período de janeiro de 2015 a dezembro de 2017, realizadas pelo Serviço de Cirurgia
Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva do HUWC e que mantiveram um seguimento
ambulatorial de no mínimo 6 meses.
Os critérios de exclusão no estudo foram as pacientes que foram submetidas à
reconstrução da mama após mastectomia parcial ou que apresentaram seguimento
ambulatorial menor que 6 meses.
Os critério analisados foram: a forma de reconstrução (uso de material aloplástico
(expansor de pele ou prótese mamária direta), retalho do músculo grande dorsal
(RGD), retalho do músculo reto abdominal (TRAM); época da reconstrução (imediata
ou
tardia); tempo cirúrgico e uso de radioterapia.
RESULTADOS
A média de idade foi de 49,2 anos, com idade mínima de 27 e máxima de 71 anos. A
reconstrução mamária total, após mastectomia, por câncer de mama, foi realizada
em
58 pacientes, sendo 30 reconstruções realizadas de forma imediata e 28 de forma
tardia. A técnica mais frequente de reconstrução foi com a utilização de material
aloplásticos, que correspondeu a 33 casos (56,9%), sendo que em 7 pacientes (12,1%)
foi realizada com uso de expansor mamário temporário seguido de troca por prótese
mamária e 26 (44,8%) com prótese mamária direta. As reconstruções com grande dorsal
foram feitas em 15 pacientes (25,9%) e com retalho do músculo reto abdominal (TRAM)
em 10 pacientes, que corresponderam a 17,2% dos casos. (Figura 1).
Figura 1 - Percentual das técnicas de reconstrução total da mama na casuística
analisada.
Figura 1 - Percentual das técnicas de reconstrução total da mama na casuística
analisada.
Em relação ao lado reconstruído, 26 procedimentos foram realizadas em mama direita
e
32 procedimentos foram realizados em mama esquerda. O tempo cirúrgico foi maior
no
TRAM e correspondeu em média a 4horas e 35 minutos (h/min), e o menor tempo foi
realizado com a reconstrução imediata da mama com prótese direta que correspondeu
a
1h15min. O retalho do músculo grande dorsal teve um tempo médio de 4h5min, a troca
de expansor por prótese necessitou de 2h, enquanto que o uso de expansor foi de
1h30min.
O tempo cirúrgico não teve correlação com a incidência de complicações. As
complicações ocorreram em 23 pacientes. A técnica que apresentou maior incidência
de
complicações foi a prótese direta, que ocorreu em 13 pacientes (50%), seguida
da
utilização da técnica com expansor/prótese em 3 pacientes (42,8%), reconstrução
com
TRAM em 4 pacientes (40%), e com menor incidência de complicações na utilização
do
retalho do músculo grande dorsal em 3 pacientes (20%) (Figura 2).
Figura 2 - Frequência das técnicas de reconstrução total da mama na casuística
analisada e a relação com a frequência de complicações.
Figura 2 - Frequência das técnicas de reconstrução total da mama na casuística
analisada e a relação com a frequência de complicações.
A complicação mais frequente foi a contratura capsular, que ocorreu em 9 (15,5%)
pacientes, sendo 7 (12,1%) casos na reconstrução imediata e 2 (3,4%) casos na
reconstrução tardia. As outras complicações identificadas foram: prótese elevada
em
5 (8,6%) pacientes; seroma em 4 (6,9%) pacientes; necrose parcial do retalho em
2
(3,4%) pacientes; extrusão (Figura 3) em 2
(3,4%) pacientes e hematoma em 1 (1,8%) paciente (Figura 4).
Figura 3 - Extrusão da prótese em uma reconstrução imediata com uso de prótese
direta.
Figura 3 - Extrusão da prótese em uma reconstrução imediata com uso de prótese
direta.
Figura 4 - Frequência das técnicas de reconstrução total da mama na casuística
analisada e a relação com o tipo de complicação.
Figura 4 - Frequência das técnicas de reconstrução total da mama na casuística
analisada e a relação com o tipo de complicação.
Entre as complicações identificadas, as que apresentaram maior gravidade foram as
extrusões das próteses, que ocorreram em 2 pacientes (3,4% dos casos), e todas
necessitaram de reintervenção e retirada da prótese.
Não houve nenhum caso de infecção ou de óbito neste grupo de pacientes estudados.
Em
relação ao momento da reconstrução, a maior incidência de complicações ocorreu
nos
pacientes que fizeram a reconstrução imediata da mama, identificada em 16 (46%)
pacientes, enquanto que, somente 7 (25%) dos pacientes que fizeram reconstrução
tardia apresentaram complicações (Figura 5).
Figura 5 - Frequência do momento da reconstrução total da mama na casuística
analisada e a relação com a frequência de complicações.
Figura 5 - Frequência do momento da reconstrução total da mama na casuística
analisada e a relação com a frequência de complicações.
A mama com maior frequência de complicações foi a esquerda, com 56,5% dos casos,
enquanto que a mama direita apresentou somente 44,5% das complicações. A técnica
que
apresentou o maior número de complicações foi a de reconstrução imediata com uso
de
prótese direta, observada em 13 (22,4%) pacientes. De 22 pacientes que foram
submetidos à radioterapia, 10 (45,4%) tiveram complicações, enquanto que, entre
os
36 pacientes que não foram submetidos à radioterapia, somente 12 (33,3%)
apresentaram complicações (Figura 6).
Figura 6 - Frequência das complicações de reconstrução total da mama na
casuística analisada e a relação com a realização de
radioterapia.
Figura 6 - Frequência das complicações de reconstrução total da mama na
casuística analisada e a relação com a realização de
radioterapia.
DISCUSSÃO
A reconstrução mamária no tratamento do câncer de mama, nos últimos anos, vem
ganhando força devido aos comprovados benefícios para a paciente, que incluem
benefícios psicológicos e físicos, já que favorece o mais breve retorno ao convívio
social, além de aumento da imunidade, melhorando desta forma o prognóstico das
pacientes7,8.
Em nosso estudo, a porcentagem de material aloplástico, associado ou não ao retalhos
miocutâneos de músculo grande dorsal ou reto abdominal, foi de 56,9%, superior
à
realidade da maioria dos serviços de reconstrução de mama, onde a sua incidência
varia de 25,7% a 43%9-11.
A incidência de complicações totais identificadas no nosso estudo foi de
aproximadamente 39,6%, compatível com a literatura pesquisada (variação de 16,5%
a
50% - estudo A e B)12,13.
As complicações foram mais frequentes nas reconstruções imediatas, que chegaram a
56,6%, em relação às complicações encontradas nas reconstruções tardias, que
chegaram a 21,4%, semelhante à literatura pesquisada13.
O uso de material aloplástico, apesar da facilidade da reconstrução, do menor tempo
cirúrgico e de permitir a reconstrução sem necessidade de retalhos miocutâneos
à
distância, quando há preservação cutânea adequada, apresentou índice elevado de
complicações, representado principalmente pela contratura capsular, que foi
encontrada em 9 (15,5%) pacientes, semelhante a outras publicações, que descrevem
índices de 7,9 a 56%11,14,15.
O uso de retalhos à distância para reconstrução total da mama como retalho miocutâneo
do músculo grande dorsal e reto abdominal, apesar da maior complexidade para
realização do procedimento e maior tempo cirúrgico, apresentou bom resultado
estético e complicações específicas. Em nosso estudo identificamos 2 (3,4%) casos
de
necrose parcial do retalho, sendo 1 (1,8%) do músculo reto abdominal e 1 do músculo
grande dorsal (1,8%); 4 (6,8%) casos de seroma e 1 caso de hematoma (1,8%),
equivalente aos índices das literaturas pesquisadas12-14. Na tentativa de
reduzir a incidência do seroma, alguns autores descreveram a utilização de pontos
de
adesão do retalho à parede muscular16,17.
Em relação ao retalho miocutâneo que utiliza o músculo reto abdominal, não
identificamos em nosso estudo nenhum caso de hérnia ou abaulamento que poderia
ocorrer devido à fraqueza da parede abdominal, secundária á ressecção do músculo
reto abdominal.
A radioterapia influenciou no sentido de aumento do número de complicações, visto
que
45,4% dos pacientes submetidos à radioterapia tiveram complicações, enquanto que
somente 33,3% dos pacientes que não foram submetidos à radioterapia apresentaram
complicações. Estes dados são semelhantes a alguns autores que descrevem
complicações em pacientes que foram e que não foram submetidos à radioterapia,
em
torno de 45,4% e 10,1%, respectivamente13,18,19.
CONCLUSÃO
O maior número de complicações teve relação direta com a técnica de reconstrução
representada pelo uso de material aloplástico, principalmente uso de prótese direta;
com o momento da reconstrução imediata e com pacientes que foram submetidos à
radioterapia e não teve relação com o tempo cirúrgico de reconstrução da mama.
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Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
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Paulo, SP, Brasil.
Endereço Autor: Rogerio de Oliveira
Ribeiro
Av. General Osório de Paiva, nº 857, Apto 810-A - Parangaba
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