INTRODUÇÃO
O tratamento das seqüelas de rinoplastia e as reconstruções do nariz têm despertado o interesse do cirurgião plástico e ensejado abundante produção de trabalhos científicos.
A reconstrução nasal aparentemente originou-se na Índia, no período de 3.000 a.C., utilizando a pele da região frontal e, em outros tempos e lugares, os retalhos para a reconstrução nasal foram provenientes do braço (Tagliacozzi, 1597), pescoço, abdome e ombro. Os métodos mais modernos evoluíram para três linhas básicas: (1) o método indiano, com a utilização do retalho médio frontal; (2) o método francês, utilizando retalhos laterais da região nasolabial e da face; e (3) o método italiano, envolvendo o retalho braquial. Atualmente, contamos também com os retalhos microcirúrgicos e a utilização de dermoexpansores(1).
Converse propôs a realização de um retalho cutâneo axial ("scalp flap"), baseado na artéria temporal superficial, que utiliza o tegumento da região frontal em avanço para a região nasal. O pedículo deste retalho inclui um segmento do couro cabeludo que, após o período de integração, é devolvido à sua posição original, e a zona cruenta remanescente é reparada com enxerto livre de pele(2,3).
Na prática clínica, uma das dificuldades encontradas é a escolha do material ideal, orgânico ou inorgânico, para substituir tecidos e corrigir defeitos nasais. Sheen(4) apresentou extensa casuística na utilização de cartilagem autógena do septo nasal e da concha auricular em rinoplastia secundária, relatando ser essa cartilagem o material ideal para reparação de perda de substância e estrutura de suporte, com bons resultados.
APRESENTAÇÃO DOS CASOS
São apresentados três casos clínicos de pacientes vítimas de acidente com traumatismo nasal, submetidos a tratamentos prévios em outros serviços.
Caso nº 1
Paciente, vítima de acidente automobilístico, com fraturas múltiplas do nariz e submetida a várias intervenções cirúrgicas realizadas por diferentes cirurgiões, no intuito de reparar as lesões do trauma (Figs. 1 e 2).
Fig. 1 - Fotografia pré-operatória da paciente do caso nº 1, demonstrando os limites do enxerto ósseo da glabela até a ponta nasal.
Fig. 2 - Fotografia pré-operatória da paciente do caso nº1, em perfil.
Dentre os procedimentos previamente realizados, em uma das operações foi realizada enxertia óssea autógena de um segmento da tíbia para reparação do dorso nasal. O enxerto ósseo foi introduzido sob pressão ("encavilhado") na região glabelar, e sua extremidade inferior situava-se na ponta nasal (Figs. 3 e 4).
Fig. 3 - Intra-operatório do caso nº 1 mostrando o enxerto ósseo tibial atingindo a região da ponta nasal.
Fig. 4 - Tomografia computadorizada em 3D mostrando o enxerto ósseo tibial observado cirurgicamente na Fig. 3.
A paciente queixava-se do aspecto inestético e da dureza da ponta nasal. Foi submetida a tratamento a céu aberto ("open rhinoplasty"), com secção do enxerto na sua parte média, e o fragmento distal foi transferido para o lado direito do fragmento proximal (fixo), em íntimo contato com este e fixado com fio de aço. As regiões do terço médio do nariz e da ponta foram reparadas com enxerto autógeno de cartilagem auricular, de modo a se conseguir ponta móvel e esteticamente melhor. Apesar de todo o dorso nasal ter sido recoberto por enxerto de fáscia temporal, no pós-operatório de sete meses a paciente apresentou irregularidades do dorso nasal (Fig. 5). Optou-se, finalmente, pela utilização do polietileno poroso (Medpor®), em forma de canaleta e, no mesmo ato cirúrgico, retiraram-se os enxertos cartilaginosos parcialmente absorvidos, obtendo-se uniformidade da região (Fig. 6). As figuras 7 e 8 apresentam o resultado pós-operatório de 12 meses após a inclusão do polietileno poroso.
Fig. 5 - Fotografia da paciente do caso nº 1, apresentando irregularidades do dorso nasal no período de sete meses após a última cirurgia.
Fig. 6 - Intra-operatório do caso nº 1, demonstrando a inclusão do polietileno poroso em forma de canoa, a ser introduzido no dorso nasal.
Figs. 7 e 8 - Fotografias da paciente do caso nº 1, no período pós-operatório de 12 meses após a inclusão do polietileno poroso.
Caso nº 2
Paciente, vítima de acidente automobilístico, com múltiplos ferimentos faciais, incluindo perda de toda a cobertura cutânea e das cartilagens da ponta nasal. No primeiro atendimento, realizamos remoção de todos os tecidos desvitalizados e procedemos à enxertia de pele parcial para cobertura da área cruenta e prevenção de infecção (Fig. 9).
Fig. 9 - Paciente do caso nº 2 apresentando ferimentos múltiplos na face e perda total da cobertura nasal, no período de 10 dias após o trauma.
O relatório do cirurgião que a atendeu na urgência descrevia um desluvamento na região frontal. Este fato, associado ao exame clínico da paciente, demonstrava lesão dos pedículos vasculares e contra-indicava a execução do retalho médio frontal ("retalho indiano"). Por esta razão, optou-se pela utilização de um retalho de Converse baseado na artéria temporal superficial direita, com migração da porção média da região frontal para revestimento do dorso, ponta e columela, realizado dois meses após a enxertia de pele. As perdas cartilaginosas foram reparadas com enxertos autógenos de cartilagem auricular (Fig. 10). As figuras 11, 12, 13 e 14 mostram a paciente no período pós-operatório de 24 meses, aguardando a cirurgia de reconstrução orbitopalpebral.
Fig. 10 - Fotografia da paciente do caso nº 2, no vigésimo-primeiro dia de pós-operatório da reconstrução com retalho de Converse, por ocasião da liberação do pedículo.
Figs. 11, 12 & 13 - Fotografias da paciente do caso nº2, em perfil, oblíqua e de frente no pós-operatório de 24 meses.
Fig. 14 - Fotografia da paciente do caso nº 2, utilizando-se de óculos escuros para o convívio social, enquanto aguarda a cirurgia de reconstrução orbitopalpebral.
Caso nº 3
Paciente, vítima de acidente automobilístico, com perda de parte da ponta e do terço inferior do nariz. Em outro serviço, foi submetida a duas tentativas de reparação com retalho de Converse, bilateralmente, que evoluíram para o insucesso por falta de pedículo vascular adequado, com necrose e perda da cobertura tegumentar da região frontal e do couro cabeludo da porção anterior da cabeça. A figura 15 mostra a paciente no período de três semanas após a segunda tentativa de rotação de retalho de Converse, durante o ato operatório de cobertura da área cruenta.
Fig. 15 - Fotografia da paciente do caso nº 3 demonstrando lesão tegumentar da região frontal e do terço anterior do couro cabeludo.
As lesões foram inicialmente tratadas com enxerto autógeno de pele parcial para fechamento das feridas e melhora clínica da paciente (Fig. 16). Em tempos operatórios subseqüentes, foram realizadas a expansão do couro cabeludo para reparação da cabeça e a expansão do dorso nasal para correção da ponta (Fig. 17).
Fig. 16 - Fotografia da paciente do caso nº 3, com enxerto de pele integrado na região frontal. 0 nariz apresenta lesão da ponta nasal, com perda de pele, cartilagens e forro.
Fig. 17 - Fotografia da paciente do caso nº 3 no período de expansão cutânea da região do dorso nasal, com região pilosa frontal já reconstruída após grande expansão do couro cabeludo.
As perdas cartilaginosas foram reparadas com cartilagem da concha auricular. A figura 18 mostra um resultado parcial da reparação, restando corrigir a junção dos lóbulos das asas nasais com o tecido expandido da ponta. O resultado final obtido, no pós-operatório de 20 dias, é apresentado nas figuras 19 e 20. Eventualmente, procedimentos complementares poderão ser realizados em tempo oportuno.
Fig. 18 - Fotografia da paciente do caso nº 3 demonstrando a expansão obtida, no período pós-operatório de 30 dias, aguardando etapa cirúrgica complementar.
Figs. 19 e 20 - Fotografias da paciente do caso nº 3 no pós-operatório precoce de 20 dias após o último procedimento.
DISCUSSÃO
O nariz apresenta problemas específicos para a utilização de qualquer tipo de material orgânico ou aloplástico, pois a pele fina e a região suscetível às ações de força determinam irregularidades ou complicações tardias. A flexibilidade do material empregado também é fator importante, pois um tecido muito rígido ou uma inclusão inelástica determinam uma aparência artificial, enquanto materiais muito flexíveis podem acarretar deformações a longo prazo(5).
No caso nº1, a pele fina da região nasal permitiu a observação de deformidades decorrentes da irregularidade dos enxertos ósseos e cartilaginosos. Dessa forma, optamos pela utilização de um material inorgânico, o polietileno poroso, em forma de canaleta, proporcionando um dorso nasal regular em toda a sua extensão.
O polietileno poroso (Medpor®) tem sido utilizado em cirurgias estéticas, assim como em correções de deformidades traumáticas e congênitas. Caracteriza-se por ser um material que permite o crescimento tissular para o interior dos seus poros, e mesmo a penetração de tecido ósseo(6,7), apresentando baixos índices de complicação.
A reparação da ponta nasal não deve ser realizada com material rígido, e a cartilagem auricular constitui-se no material ideal para substituir as perdas dessa região. Peer(8), Jovanovic & Berghaus(9) e outros enfatizaram a longa sobrevida do enxerto autógeno cartilaginoso, a facilidade de sua obtenção e a possibilidade de ser esculpido.
O uso de retalhos cutâneos para substituir perdas do tegumento nasal deve priorizar sempre os tecidos da vizinhança, que possuem coloração e espessura adequadas ao revestimento do nariz. A execução dos retalhos com pedículos axiais exige conhecimento anatômico e preparo técnico do cirurgião, pois os insucessos dessas cirurgias levam a seqüelas de difícil resolução.
No caso nº 2, a impossibilidade da realização do retalho médio frontal ("indiano") levou-nos a indicar o retalho de Converse. A vantagem deste retalho é que ele possui tecido suficiente para reconstruir a porção lobular do nariz e a columela e, além disto, seu comprimento possibilita obter tamanho adequado e projeção da ponta nasal. A cobertura cutânea ideal deve respeitar a unidade estética do nariz.
O uso de expansores de tecidos no dorso nasal têm indicação bastante restrita mas, no caso nº3, pareceu-nos ser a opção mais plausível, pois as outras alternativas acrescentariam cicatrizes às regiões nasolabiais ou implicariam o uso de retalhos a distância, com resultados estéticos menos favoráveis.
BIBLIOGRAFIA
1. BARTON JR FE, BYRD HS. Acquired deformities of the nose. In: MCCARTHY JG. Plastic Surgery. Vol. 3, Philadelphia : WB Saunders, 1990. p. 1924-1987.
2. CONVERSE JM. New forehead flap for nasal reconstruction. Proc. R. Soc. Med. 1942;35:811-812.
3. CONVERSE JM, MCCARTHY JG. The scalping forehead flap revisited. Clin. Plast. Surg. 1981;8(3):413-34.
4. SHEEN JH. Problems in secondary rhinoplasty. In: Aesthetic Rhinoplasty. 2. ed. Missouri : CV Mosby, 1987. p. 1135-1188.
5. GOODMAN WS, GILBERT RW. Augmentation in rhinoplasty - a personal view. J. Otolaryngol. 1985;14:107-112.
6. WELLISZ T. Clinical experience with the Medpor porous polyethylene implant. Aesth. Plast. Surg. 1993;17:339-344.
7. MINAMI E, FERREIRA JCR, FADUL JRR, FERREIRA LM. Estudo experimental e clínico do polietileno poroso em cirurgia plástica. In: XXXIV Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica, São Paulo, 1997. p. 40.
8. PEER LA. Cartilage grafting. Surg. Clin. North America. 1944;24:404-419.
9. JOVANOVIC S, BERGHAUS A. Autogenous auricular conchal cartilage transplant in corrective rhinoplasty. Practical hints and critical remarks. Rhinology. 1991;29:273-280.
I. Doutor em Medicina e Mestre em Cirurgia Plástica pela Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Secretário-Geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Craniomaxilofacial.
II. Pós-graduada, com Doutorado e Mestrado na Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Endereço para correspondência:
José Carlos R. Ferreira
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