INTRODUÇÃO
A reconstrução nasal é amais antigas cirurgias plásticas descritas. Há relatos de
que
já era praticada por sacerdotes em torno de 30 séculos antes da Era Cristã; relatos
hindus já descreviam a reconstrução nasal com retalho frontal 600 a.C. e, mais
recentemente, Gillies, Converse e Millard foram pioneiros nesta modalidade de
cirurgia no Ocidente1.
As sequelas secundárias ao tratamento cirúrgico de tumores cutâneos nasais, em
especial o carcinoma basocelular e o epidermoide, constituem a principal indicação
clínico-cirúrgica das reconstruções nasais. Estas lesões resultam em defeitos
estéticos funcionais complexos, com deformidades estigmatizantes1,2. O reparo cirúrgico envolve inúmeras opções técnicas para reconstrução
cutânea, óssea e cartilaginosa, necessitando um planejamento cirúrgico completo
para
uma reconstrução anatômica.
Pereira et al.3 descreveram uma técnica que
possibilita a reconstrução total da cartilagem alar, com a reprodução da forma
e
dimensões quase perfeitas, com o uso de um enxerto em bloco da cartilagem auricular,
incluindo a retirada do cavo conchal, a coleta do istmo e lâmina do trago. A técnica
dispensa o uso de suturas para moldagem do enxerto, tornando o procedimento mais
rápido, simples e o resultado mais confiável, uma vez que é utilizada em bloco.
A
área doadora permanece com estrutura cartilaginosa suficiente para minimizar
deformidades secundárias.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é apresentar uma modificação da técnica de Pereira et al.,
realizada por Collares, e a sua aplicação no protocolo de reconstrução nasal total
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS.
MÉTODOS
Realizou-se um estudo retrospectivo em que foram avaliadas a modificação da técnica
Max Pereira e sua inserção no protocolo de reconstrução nasal total. A sequência
de
tratamento de dez pacientes foi revisada. A reconstrução cartilaginosa foi realizada
utilizando a técnica Max Pereira modificada por Collares (Figuras 1 a 3).
Figura 1 - Modificação da técnica de Max Pereira por Collares.
Figura 1 - Modificação da técnica de Max Pereira por Collares.
Figura 2 - Modificação de Técnica Max Pereira por Collares - Enxerto.
Figura 2 - Modificação de Técnica Max Pereira por Collares - Enxerto.
Figura 3 - Modificação de Técnica Max Pereira por Collares - Molde.
Figura 3 - Modificação de Técnica Max Pereira por Collares - Molde.
O prolongamento é perpendicular à anti-hélice em direção ao ramo da hélice e após
indo em direção caudal, contornando o canal auditivo preservando 1 mm de cartilagem.
A modificação termina na transição tragus-antitragus (onde será a transição da
“neocartilagem” do ramo lateral e da ramo medial da cartilagem alar maior). Com
esta
extensão, é obtido um enxerto em bloco, simulando uma fusão do ramo lateral da
cartilagem alar maior com a cartilagem triangular.
Uma incisão de lateral a medial onde há transição do ramo lateral da cartilagem alar
para a triangular é realizada, devido a uma queda natural da concha auricular,
o
segmento que irá substituir a cartilagem triangular é discretamente abaixo e com
um
ângulo mais fechado em relação ao ramo medial da cartilagem alar quando comparado
ao
segmento que substituirá o ramo lateral da cartilagem alar maior.
Essa alteração na angulação entre os segmentos do enxerto simula a diferença de
posicionamento anatômico da cartilagem triangular e ramo lateral da cartilagem
alar
maior presente na válvula nasal interna que é observada durante uma rinoscopia.
Essa
modificação resultará em um enxerto com mais volume para estruturar o nariz.
Portanto, este enxerto substitui a cartilagem triangular e alar maior (ramo medial
e
lateral), proporcionando, além da projeção adequada da ponta nasal já obtida com
a
técnica original, a reconstrução anatômica da válvula nasal interna.
Nos dez casos foi realizado o protocolo de reconstrução nasal total do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre. Para a reconstrução da pele nasal, foi realizado um
retalho frontal; para a reconstrução do forro nasal e dos enxertos cartilaginosos,
retalhos nasogenianos bilaterais; finalmente, para cobrir o enxerto ósseo, um
retalho de pericrânio em cambalhota. A reconstrução óssea foi realizada com enxerto
ósseo de espessura parcial da calota craniana fixado com placa e parafuso na glabela
(Figura 4).
Figura 4 - Reconstrução óssea realizada com enxerto ósseo parcial de calota
craniana.
Figura 4 - Reconstrução óssea realizada com enxerto ósseo parcial de calota
craniana.
RESULTADOS
Após análise dos 10 casos sequenciais descritos, encontramos uma forma adequada da
ponta nasal (Figuras 5 a 8). Pacientes relataram função nasal preservada e ao exame
físico, reconstrução da válvula nasal interna satisfatória, sem evidências de
pinçamentos. Não houve evidências, nem queixa de deformidade auricular secundária
à
retirada do enxerto (Figura 9).
Figura 5 - Pré-operatório, sequela de rinectomia total por carcinoma
espinocelular.
Figura 5 - Pré-operatório, sequela de rinectomia total por carcinoma
espinocelular.
Figura 6 - Pós-operatório.
Figura 6 - Pós-operatório.
Figura 7 - Pré-operatório - Perfil.
Figura 7 - Pré-operatório - Perfil.
Figura 8 - Pós-operatório - Perfil.
Figura 8 - Pós-operatório - Perfil.
Figura 9 - Orelha sem deformidades após retirada de enxerto.
Figura 9 - Orelha sem deformidades após retirada de enxerto.
DISCUSSÃO
Uma reconstrução nasal anatômica baseia-se em um contraste favorável entre o nariz
e
os tecidos circunjacentes, bordas cicatriciais discretas, coloração e textura
que
mimetizam os tecidos adjacentes e simetria bilateral. Assim, a associação de
retalhos e enxertos que devolvam os aspectos estruturais e funcionais do nariz
torna-se fundamental na reconstrução nasal total4.
Considerações quanto ao tamanho, localização anatômica e profundidade do defeito
resultante da ressecção tumoral influenciarão no planejamento do tratamento. A
restauração do suporte ósseo-cartilaginoso nasal é fundamental para a excelência
do
resultado estético e funcional.
A projeção nasal, a consistência fibroelástica, a mobilidade e a permeabilidade ao
fluxo aéreo são dependentes das cartilagens alares, tendo os defeitos nessa
estrutura impactos estéticos e funcionais. Enxertos de cartilagem septal, auricular
e costal são os mais utilizados para essa finalidade, seja com enxerto livre ou
composto5.
A cartilagem costal foi utilizada com sucesso na reconstrução nasal complexa descrita
por Hafezi et al.6. Os autores relatam um caso
no qual o enxerto foi modelado para reconstrução da estrutura nasal completa,
permanecendo sem alteração de forma e sem reabsorção após acompanhamento de um
ano.
Mesmo com a necessidade de intervenções cirúrgicas adicionais para correções de
detalhes de forma, o procedimento foi bem-sucedido e recomendado para casos de
defeitos resultantes de trauma, neoplasias e anomalias congênitas.
Porém, existe a necessidade de diversas suturas para moldagem e os enxertos de
cartilagem costal são passíveis de, no pós-operatório tardio, gerar algum tipo
de
assimetria pela memória da cartilagem. Para evitar as alterações da cartilagem
a
longo prazo, é possível esculpir a cartilagem costal utilizando apenas sua porção
interna. Entretanto, com este método se elimina o pericôndrio, dificultando a
integração do enxerto e aumentando a chance de reabsorção.
Holmström et al.7 descreveram o uso de enxertos
ósseos de crista ilíaca para reconstrução da ponta nasal. Porém, a inflexibilidade,
risco de fratura e reabsorção são as limitações desta técnica.
Peck8 descreveu a substituição completa das
cartilagens alares bilateralmente, utilizando enxerto de cartilagem auricular
e
septo nasal. Não obstante, não são enxertos em bloco, necessitando diversas suturas
e enfraquecimentos em alguns locais para moldar e mimetizar as cartilagens alares.
Logo, estão sujeitos a uma maior probabilidade de se moverem e perderem a forma
no
pós-operatório imediato durante a retração cicatricial.
Pereira et al.3 realizaram um estudo anatômico
em cadáveres com o objetivo de avaliar e comparar as dimensões e formas das
cartilagens alares com as estruturas inferiores das cartilagens auriculares, das
quais eram realizadas a ressecção em bloco da lâmina do trago, istmo e cavo conchal,
correspondendo, respectivamente, à crura medial, junção das cruras medial e lateral,
e crura lateral. Apesar das variações anatômicas, houve similaridade de todas
cartilagens removidas em bloco, apresentando formato similar à cartilagem alar
homolateral.
O procedimento pode ser utilizado para reparos de seções independentes da estrutura
nasal, reconstrução bilateral total das alares e também para casos de deformidade
congênita em que há deficiência na projeção da ponta nasal, problema frequentemente
confrontado por cirurgiões plásticos, como na síndrome de Binder9.
A técnica tem como vantagens um enxerto em bloco, sem necessidade de pontos ou
enfraquecimento da cartilagem para moldagem. Isso reduz a possibilidade de
deformidades secundárias a retração no pós-operatório tardio, tem baixa taxa
reabsorção e a flexibilidade é similar às cartilagens nasais. Além disso, a forma,
o
tamanho e a espessura são ideais para substituir a cartilagem alar.
Com a retirada dos enxertos bilateralmente e junção através de pontos inabsorvíveis
na sua porção medial, obtém-se a forma extremamente similar as cruzes medias e
laterais. Graças à rigidez e resiliência deste enxerto, a estrutura medial após
os
pontos fica semelhante a um “strut” vertical; logo, permite que a
projeção nasal seja mantida com baixa probabilidade de alterações no formato,
além
de ser mantido o pericôndrio, facilitando a integração do enxerto9.
Portinho et al.10 também já descreveram o uso
da técnica em pacientes recém-nascidos, comprovando a versatilidade da técnica
e sua
eficiência a longo prazo.
Neste artigo, descrevemos uma modificação da técnica de Pereira et al. que busca
restaurar ainda mais as propriedades anatômicas do nariz, por meio do prolongamento
da ressecção de concha, com o objetivo anexar ao enxerto em bloco um novo segmento
de cartilagem que irá substituir a cartilagem triangular. Com esta modificação
se
consegue um enxerto com mais volume de cartilagem, possibilitando maior estruturação
da reconstrução cartilaginosa nasal.
A incisão na região superolateral do enxerto descrita acima visa produzir a diferença
entre as angulações das cartilagens alares e triangulares, permitindo que o enxerto
tenha não somente o volume e tamanho necessários para reconstruir mais uma região
anatômica, mas também acompanhe as nuances anatômicas nasais. Com esse prolongamento
é possível reconstruir de forma anatômica a válvula nasal interna, a qual não
encontramos na literatura nenhuma descrição técnica para sua reconstrução na
sequência de tratamento de deformidades secundárias à rinectomia total.
O prolongamento da ressecção não agregou morbidade na área doadora, nem no
pós-operatório imediato, nem resultou em sequelas no pós-operatório tardio,
demonstrando nesta série de casos que o remanescente cartilaginoso foi suficiente
para manter a estrutura cartilaginosa auricular necessária para evitar
deformidades.
A inserção da modificação da técnica de Max Pereira no protocolo de reconstrução
nasal total do Hospital de Clínicas de Porto Alegre não aumentou significativamente
o tempo de ressecção dos enxertos, não alterou as rotinas quanto aos cuidados
da
zona doadora e permitiu a reconstrução adequada da válvula nasal interna nos casos
avaliados.
CONCLUSÃO
Descrevemos a implementação da modificação da técnica de reconstrução da cartilagem
alar maior de Max Pereira proposta por Collares no protocolo de reconstrução nasal
total do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
COLABORAÇÕES
MVMC
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação
final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das
operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de
seu conteúdo.
|
JM
|
Análise e/ou interpretação dos dados; concepção e desenho do estudo;
realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou
revisão crítica de seu conteúdo.
|
CPP
|
Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão
crítica de seu conteúdo.
|
ACPO
|
Realização das operações e/ou experimentos.
|
MMF
|
Realização das operações e/ou experimentos.
|
DEM
|
Realização das operações e/ou experimentos.
|
LKR
|
Realização das operações e/ou experimentos.
|
DD
|
Análise e/ou interpretação dos dados.
|
REFERÊNCIAS
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1. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto
Alegre, RS, Brasil.
2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, RS, Brasil.
Autor correspondente: Marcus Vinicius Martins
Collares
Rua Ramiro Barcelos, 2350, 6 andar
Porto Alegre, RS,
Brasil CEP 90035-903
E-mail: collares.cmf@gmail.com
Artigo submetido: 17/09/2017.
Artigo aceito: 17/05/2018.
Conflitos de interesse: não há.