ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Estudo Anatômico do Pedículo Superior do Retalho Cutâneo Retroauricular
Anatomical Study of the Superior Pedicle of Retroauricular Skin Flaps
Articles -
Year2003 -
Volume18 -
Issue
3
Oscar PortoI, Yara JulianoII, Neil Ferreira NovoII, Marcos Brasilino de CarvalhoIII, Walter Soares PintoIV
RESUMO
Desde a descrição do retalho proposto por Washio em 1969, foram idealizados diversos modelos de pedículo vascular para o retalho retroauricular, visando principalmente à diminuição da espessura do pedículo a fim de migrar o retalho de forma ilhada. Apesar desses avanços, existem ainda problemas tais como estase venosa e perda parcial do retalho.
Em estudo cadavérico, foram dissecados vinte pedículos procurando estabelecer a presença ou ausência de veias na região, comprimento máximo do pedículo e pontos de reparo anatômicos para uma dissecção segura.Todos os pedículos foram localizados, e a distribuição venosa encontrada, não descrita em outros estudos, poderia explicar os problemas de drenagem venosa.
Palavras-chave:
Retalho retroauricular; pedículo vascular
ABSTRACT
Since the description of the flap proposed by Washio in 1969, several vascular pedicle models have been designed for the retroauricular flap, aiming chiefly to reduce the thickness of the pedicle so as to migrate the flap as an island. In spite of those advances, there are still problems such as venous stasis and partial loss of the flap. In a study in cadavers, twenty pedicles were dissected in order to find the presence or absence of veins in the region, maximum length of the pedicle and anatomical reference points for a safe dissection. All pedicles were located. The venous distribution found, that was different from that described in other studies, could account for the problems in venous drainage.
Keywords:
retro auricular flap; vascular pedicle
INTRODUÇÃO
As reconstruções de face com retalhos cutâneos locais sempre representaram um problema para a cirurgia reparadora. Isso porque, além da necessidade de se conseguir pele fina, de coloração compatível com a pele da face e sem pêlos, somavam-se as cicatrizes da área doadora, que, por mais camufladas que fossem, sempre constituíram mais um fator inestético grave com o qual o cirurgião tinha que se deparar.
Em 1969, Washio(1) descreveu um retalho retroauricular pediculado na artéria temporal superficial, através da artéria auricular superior, que pareceu resolver os problemas acima mencionados. Esse retalho prometia levar uma área sem pêlos de até 40 cm2, que possibilitava corrigir com bons resultados grande parte dos defeitos faciais adquiridos. Apesar disso, notamos que o pedículo do retalho de Washio, por conter pele e possuir 6,0 cm ou mais de largura(2), ainda causa uma seqüela estética ao paciente submetido a essa cirurgia(3).
Tentando resolver esse problema, Guyuron(4), em 1985, descreveu um pedículo subcutâneo mais fino e relatou reconstruções de órbitas com sucesso.
Kolhe & Leonard(5) também sugeriram opções com retalhos pediculados na artéria auricular posterior, ramo da carótida externa, embora o pedículo de aproximadamente 7 cm possuísse alcance limitado para a reconstrução de áreas mais distantes.
Outros autores que trabalharam com retalhos incluindo a região retroauricular, com pedículo superior, foram Kobayashi et al. (6) e Song et al.(7). O primeiro grupo descreveu, em 1995, uma técnica com pedículo subcutâneo e cuja parte cutânea incluía áreas pilosas e glabras, servindo assim, principalmente, para a reconstrução da área frontal. O segundo grupo descreve, em 1996, a esqueletização do pedículo e demonstra, como Guyuron, excelentes reconstruções de órbitas.
Apesar de todas essas alternativas (Fig. 1), Kobayashi(8) relata que elevou dez retalhos retroauriculares pediculados na artéria temporal superficial, obtendo, na maior parte dos casos, sinais de congestão devido ao fato de a veia auricular superior proporcionar uma drenagem venosa insuficiente e sugere mais estudos a respeito.
Fig. 1 - Alternativas propostas na utilização do retalho retroauricular.
Este trabalho, através da dissecção de cadáveres, procura identificar as causas dos problemas referidos e definir parâmetros anatômicos para a realização deste retalho com mais segurança.
MATERIAL E MÉTODO
Sete cadáveres, com óbito inferior a 12 horas, foram dissecados no serviço de verificação de óbitos da FMUSP, procurando-se observar a anatomia vascular da região retroauricular, com ênfase nas anastomoses entre a artéria auricular posterior e a artéria temporal superficial que compõem o pedículo superior do retalho retroauricular.
Identificada a anatomia do pedículo, foram realizadas medidas para determinação de seu comprimento, distância entre um ponto de reparo anatômico (borda superior do conduto auditivo externo) e espessura da artéria auricular superior. As medidas foram tiradas com régua cirúrgica e paquímetro. Para maior precisão, a medida de espessura da artéria foi feita com lupa de magnificação (aumento de 3 vezes).
Foram ainda utilizados seis cadáveres formolizados da Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro (Unisa), onde realizamos dissecções pré-auriculares em uma orelha de cada cadáver.
A análise estatística foi feita através do teste de correlação de Spearman (Siegel, 1988), fixando-se em 0,05, ou seja, 5%, o nível de rejeição da hipótese de nulidade.
RESULTADOS
Analisando as dissecções realizadas chegamos aos resultados da Tabela I.
Todos os pedículos procurados foram encontrados e sua posição ocorre de 1,0 a 1,5 cm acima do orifício do conduto auditivo externo (Fig. 2). Média de 1,3 cm e desvio-padrão de 0,17.
Fig. 2 - Seta indica ramo vascular da atéria temporal superficial que serviria de pedículo a um retalho retroauricular.
A medida do pedículo representada pelo comprimento da artéria auricular superior, somada ao comprimento da artéria temporal superficial ligada e seccionada após a origem da artéria auricular posterior, variou entre 4,0 cm e 8,0 cm, apresentando uma média de 6,0 cm (Fig. 3) e desvio-padrão de 1,28.
Fig. 3 - Fotografia mostrando a mensuração do comprimento de um pedículo.
A espessura da artéria auricular superior variou de 0,07 a 0,1 cm, com média de 0,085 cm e desvio-padrão de 0,0105.
Notamos ainda que, nos vinte pedículos examinados, existiu a predominância (10:1) de um padrão venoso composto por três a seis veias com disposição periarterial, entremeado por tecido celular subcutâneo sobre o padrão artéria e veia concomitante. Quanto ao número de veias encontradas por pedículo, obtivemos 45% dos casos com 1 artéria e 3 veias. O modelo com 1 artéria e 4 veias apareceu em 25% dos casos, e os modelos com 1 artéria e 5 veias, 1 artéria e 6 veias e 1 artéria e 1 veia, em 10% dos casos.
Submetendo os grupos ao teste de correlação de Spearman, observamos que não houve significância na correlação entre comprimento do pedículo e espessura da artéria (R=0,28).
Entre os grupos de comprimento do pedículo e distância entre este e o ponto de referência não houve correlação significativa (R=0,035).
Testando a correlação entre espessura da artéria do pedículo e distância entre este e o meato auditivo (ponto de referência), também não obtivemos correlação significante (R=0,0106).
Quanto ao comprimento do pedículo em relação ao número de veias, obtivemos R=0,26 (não significante) e número de veias em relação à espessura da artéria R=0,08 (não significante).
DISCUSSÃO
Os dados obtidos sugerem que o retalho retroauricular, dissecado e rodado pela técnica proposta por Song et al., apresenta congestão venosa (Fig. 4) e possível necrose, porque seu pedículo vascular é composto, na maioria das vezes (90%), por uma artéria de satisfatório fluxo sangüíneo para o tamanho do retalho e um conjunto de veias finas de porte insuficiente para a drenagem venosa, podendo acontecer, assim, edema e má circulação.
Fig. 1 - Retalho retroauricular congesto.
É natural que essas veias sejam, de certa forma, hipoplásicas, pois a drenagem natural da região retroauricular se dá até por facilitação gerada pela força gravitacional para a veia auricular posterior, que corre caudalmente, acompanhando a artéria auricular posterior, e desemboca na veia jugular externa.
Acreditamos que o retalho retroauricular possa ser realizado com sucesso se observarmos três recomendações: a primeira, quanto à posição do pedículo a ser dissecado, que deverá ser localizado de 1,0 a 1,5 cm acima do meato auditivo e não necessariamente acima da implantação da orelha. A segunda é que, sabendo que o alcance do pedículo é em média 6,0 cm, não se indique cobertura para áreas mais distantes a fim de não exercer tração em suas estruturas vasculares. Outra recomendação é a autonomização do retalho oito dias antes de sua rotação (técnica já preconizada no trabalho de Kobayashi), para que se aumente o fluxo venoso do pedículo e se evite a insuficiência de drenagem pós-operatória.
Este conceito é relativamente novo, visto que a autonomização é geralmente usada para aumentar o aporte sangüíneo arterial.
CONCLUSÕES
Com base na dissecção de 20 peças do pedículo superior do retalho cutâneo retroauricular, podemos concluir que:
1. O pedículo foi encontrado em uma região que dista verticalmente 1,0 a 1,5 cm acima do meato auditivo.
2. Esse retalho está indicado para cobertura de áreas que distem até 6,0 cm do trago.
3. A autonomização do retalho deve ser realizada previamente como medida de segurança.
BIBLIOGRAFIA
1. Washio H. Retroauricular temporal flap. Plast Reconstr Surg. 1969;43:162-6.
2. Washio H. Further experiences with the retroauricular temporal flap. Plast Reconstr Surg. 1972;50:160-2.
3. Maillard G, Montandon D. The Washio tempororetroauricular. Plast Reconstr Surg. 1982;70:550-9.
4. Retroauricular island flap for eye socket reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1985;76(4):527-30.
5. Kolhe P, Leonard A. The posterior auricular flap: Intra-oral reconstruction. Br J Plast Surg. 1987;40:570-81.
6. Kobayashi S, Yoza S, Kakibuchi M, Sekiguchi J, Ohmori K. Retroauricular hairline flap transfer to the face. Plast Reconstr Surg. 1995;96:42-7.
7. Song R, Song Y, Qi K, Jiang H, Pan F. The superior auricular artery and retroauricular arterial island flaps. Plast Reconstr Surg. 1996;98:657-69.
8. Kobayashi S. Discussion. Plast Reconstr Surg. 1996;98:668-9
I. Preceptor do Serviço de Cirurgia Plástica da Universidade de Santo Amaro.
II. Professor Titular da Disciplina de Saúde Coletiva da Universidade de Santo Amaro.
III. Cirurgião do Serviço de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis, Diretor das Clínicas Cirúrgicas do Hospital Heliópolis.
IV. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade de Santo Amaro.
Universidade de Santo Amaro - Serviço de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis - Serviço de Verificação de Óbitos da F.M.U.S.P.
Endereço para correspondência:
Oscar Porto
Rua Prof. Artur Ramos, 183 - cj. 113
São Paulo - SP - 01454-011
Fone: (11) 3813-0688
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