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Debate Sobre Complicações em Lipoaspiração
Debate Sobre Complicações em Lipoaspiração
Debate -
Year2005 -
Volume20 -
Issue
2
Evaldo A. D´Assumpção, Luiz Pimentel, Rolf Gemperli, Ricardo Baroudi
INTRODUÇÃO
Sem dúvida a lipoaspiração se constitui num dos procedimentos cirúrgicos realizados em maior número no mundo inteiro, seja isoladamente, seja associada a outras cirurgias, seja como complementação de outros tratamentos. Costumamos afirmar, sem medo de errar, que a lipoaspiração foi uma das maiores contribuições que a cirurgia plástica recebeu no século passado. Tivemos a felicidade de conhecê-la em sua primeira apresentação no Brasil, ocorrida durante o Congresso da SBCP em Fortaleza, no ano de 1980, publicando nossa experiência com este procedimento num dos primeiros trabalhos brasileiros a este respeito, em 1983. Contudo, sua aparente simplicidade de realização, tem levado muitos cirurgiões a erros graves, por subestimarem os seus riscos ou por desconhecerem a técnica em todos os seus aspectos, em todas as suas minúcias.
Como fator complicante, com freqüência é apresentada, de forma absurdamente antiética, nos meios de comunicação. Muitas vezes é apontada como solução mágica para o emagrecimento, como cirurgia isenta de complicações, como procedimento tão simples que pode ser realizado impunemente em consultórios ou ambientes totalmente desprovidos de recursos mínimos de segurança. Tudo isso faz com que os maus resultados se multipliquem e as complicações apareçam cada vez mais graves. Muitos médicos de outras especialidades vêm a lipoaspiração com desconfiança e até mesmo com desprezo, contra-indicando-a formalmente. Muitos potenciais pacientes se recusam a se submeter a ela, pois a entendem como "muito perigosa".
Por tudo isso, torna-se de vital importância que sejam discutidos alguns de seus pontos controversos, colocando-a em seu exato lugar.
Dentro deste pensamento, convidamos três renomados especialistas, dois deles pioneiros na introdução da lipoaspiração no Brasil (Pimentel e Baroudi), e um professor da USP (Gemperli) para responderem, de modo prático e objetivo, a algumas questões muito importantes ligadas às complicações nas lipoaspirações.
Com este debate estamos inaugurando esta seção em nossa revista, procurando trazer, sempre, temas realmente de interesse para todos os nossos leitores.
1) Quais os métodos de prevenção pré,per e pós-operatórios de acidente tromboembólico (ATE) você utiliza rotineiramente em suas lipoaspirações?
LP = Faço, no pré-operatório das lipoaspirações, como em qualquer outra cirurgia, a clássica avaliação dos graus de risco para ATE pelo sistema de pontos de Weinman. Não opero pacientes que apresentem risco elevado. Nunca fiz nenhuma medicação pré ou per ou pós-operatória preventiva. Fazemos compressão contínua ou intermitente de MM.II., mobilização precoce e meia elástica.
RG = Realizamos a anamnese cuidadosa, principalmente quanto ao uso de medicamentos, tais como, anticoncepcionais, fitoterápicos, entre outros e antecedentes pessoais e familiares. Além disto, exames de sangue rotineiros e exame clínico rigoroso.
Na prevenção pré-operatória, em pacientes jovens até os 40 anos de idade, em que o ato operatório da lipoaspiração se resume a poucas áreas e em pequena quantidade, nenhum cuidado especial é tomado, com exceção da hidratação adequada.
Em pacientes com idade já mais avançada, ou pacientes com volume maior a ser retirado, utilizamos meias elásticas nas pernas, movimentação passiva durante o ato operatório e deambulação precoce.
No pós-operatório, recomendamos fisioterapia ativa e passiva precoce, compressão elástica e hidratação rigorosa.
RB = Não utilizo nenhuma terapêutica farmacológica desde o pré ao pós-operatório. Não uso meias elásticas de contenção no transoperatório.
Determino sempre a deambulação precoce, assim que as condições anestésicas permitirem.
Estando em casa, o paciente tem igual orientação para deambular e ter repouso alternados, em função do volume e do número de regiões aspiradas.
2) Qual a incidência porcentual de ATE em sua casuística de lipoaspiração? Quantos com óbito?
LP = A incidência de ATE desde 1980 até hoje, em mais de 3000 pacientes submetidos a puras hidrolipoaspirações, e também nas áreas adjacentes ou combinadas a cirurgias convencionais foi igual a zero.
RG = Nenhum caso de ATE relatado até os dias atuais. Nenhum caso de óbito.
RB = Um único caso há cerca de 10 anos, numa combinação cirúrgica de mini lipo + abdominoplastia + histerectomia, em que houve mudança de decúbito no transoperatório. Sintomas e sinais ocorreram após seis dias. O tratamento instituído foi o específico sob cuidados de especialista. A paciente evoluiu para a cura completa, sem qualquer seqüela.
3) Nos casos em que tenha tido ATE, foi feito o diagnóstico diferencial entre tromboembolia e embolia gordurosa? Como ele foi feito?
LP = Como não tive qualquer caso de ATE, não houve qualquer necessidade de diagnóstico diferencial. Também é importante ressaltar que não acredito em embolia gordurosa por lipoaspiração. Penso que a lipo executada com delicadeza em regiões intumescidas apenas suga células e não propicia a embolia gordurosa. No entanto, admito essa possibilidade em lipoenxertia , principalmente intramuscular com uso de agulhas, pela possibilidade de injeção intravascular. Uso cânulas com orifício lateral, mas já fiz muitas com agulhas grossas e, felizmente, sem a ocorrência de embolias.
RG = Na ausência de casuística de ATE em nossas lipoaspirações, a resposta para esta questão fica prejudicada. Contudo, podemos dizer que o diagnóstico de tromboembolismo dos membros inferiores é realizado através de sinais clínicos ( edema, dor, aumento de volume, etc.) e ultrasonografia dos membros.
RB = A discussão entre especialistas não foi conclusiva quanto ao diagnóstico diferencial entre doença tromboembólica e embolia gordurosa.
4) Nesses casos você havia seguido sua rotina preventiva?
LP = Resposta prejudicada pela ausência de casos de ATE em nossa casuística.
RG = Resposta prejudicada pela ausência de casos de ATE em nossa casuística
RB = Após este caso, não mais temos associado cirurgias intracavitárias com abdominoplastias e lipoaspiração, com ou sem mudança de decúbito. Um único caso é suficiente para evitar outros riscos, além daqueles inerentes às cirurgias. Cirurgia intracavitária (histerectomia, omentectomia, salpingotripsia, cistos, etc.) e abdominoplastias estéticas ainda são associadas num único tempo operatório desde que não hajam fatores contrários a esta indicação.
5) Em caso de resposta positiva à questão anterior, a que você atribui a ocorrência do ATE?
LP = Resposta prejudicada pela ausência de casos de ATE em nossa casuística.
RG = Resposta prejudicada pela ausência de casos de ATE em nossa casuística
RB = A resposta a esta questão fica inserida nas duas anteriores. No nosso modesto parecer, cremos que a lipoaspiração é tanto mais agressiva quanto maior o número de regiões e o volume de gordura aspirado. Com base neste conceito, a ocorrência de ATE está diretamente proporcional às megalipos. A estatística mundial tem confirmado este fato. Sempre tivemos o critério de não ultrapassar 2.500ml de gordura flutuante aspirada num único tempo operatório.
6) Quando você recebe um paciente que teve uma lipoaspiração feita excessivamente e de forma assimétrica, no abdome, o qual apresenta grandes irregularidades de superfície, com pontos de aderência da pele à aponeurose, qual a sua conduta?
LP = Recebo, com freqüência, pacientes com seqüelas de lipoaspiração irregular. Quando existem pontos de aderência da pele à aponeurose fica claro que houve uma "lipectomia" completa do subcutâneo, portanto incluindo fascia superficialis e tecido conjuntivo, e não uma verdadeira lipoaspiração, que deve apenas aspirar células gordurosas e, de preferência, da camada profunda. Nesses casos recomendo aguardar até um ano ou mais e fazer sessões de massagens tipo endermologia. Havendo possibilidade, depois, faço lipoenxertia nesses pontos localizados, e, nos casos em que a lipo foi mal indicada por excesso de pele e seqüelas de gravidez, uma abdominoplastia.
RG = Se houver a possibilidade de igualar as áreas mais densas realizamos lipoaspiração complementar. Nos casos com aderências intensas, libera-se com cânula seletivamente as áreas e interpõe-se tecido gorduroso. A experiência demonstrou que tanto no primeiro tipo de procedimento, quanto no segundo, os resultados são insatisfatórios, pelo alto índice de recidiva das aderências, bem como manutenção das assimetrias.
Em alguns casos foi tentado o descolamento cuidadoso do retalho cutâneo da parede abdominal, com retirada do seu excesso e ressecção do tecido gorduroso excedente.
RB = A primeira opção é a de não aceitar o caso para tratamento, dadas as limitações na qualidade do resultado em função da extensão dos problemas. Encaminhar a quem executou o procedimento parece ser o mais lógico. A quem se propor a tratar, torna-se imperativo esclarecer previamente os limites e as possibilidades do resultado, assim como se em um ou mais tempos operatórios. A extensão da flacidez da pele, as assimetrias de espessura das diversas regiões do abdome pós-lipo e os graus de aderência da pele à aponeurose, vão determinar procedimentos específicos, assim resumidos:
1 - Nova lipoaspiração seletiva para uniformizar a espessura do panículo adiposo, combinada com injeções de gordura nas áreas de adesões em um ou mais tempos operatórios.
2 - Lipoaspiração para uniformizar a espessura adiposa combinada como nova abdominoplastia. Esta última visa diminuir ou eliminar eventual flacidez de pele.
3 - Seguir os procedimentos do item 2, aguardando um tempo mínimo de 4 a 6 meses para iniciar as injeções de gordura nas áreas de aderências. Este último tipo de procedimento implica em liberar as aderências com estiletes próprios, seguido de injeções de gordura.
4 - Se falham as injeções de gordura, são indicadas ressecções cutâneas segundo as "linhas de força". As cicatrizes chamam menos a atenção. Tivemos somente um caso onde realizamos este tipo de procedimento.
7) Quando um paciente operado em seu serviço retorna com queixas de pequenas irregularidades da região lipoaspirada, decorrentes de cicatrização assimétrica e não por falhas cirúrgicas, você cobra honorários por esta correção? Considerando que a falta de cobrança pode parecer reconhecimento de culpa, mas a cobrança pode ser mal recebida, como explica ao paciente a sua conduta a respeito de honorários?
LP = Felizmente não têm ocorrido casos de "cicatrização assimétrica", mas de ondulações decorrentes de acomodação cutânea. Esses casos sempre consigo prever e costumo avisar que poderão ocorrer, obtendo da paciente uma declaração de que foi avisada dessa possibilidade. Mas costumo evitá-los, pois em sua maioria ocorrem em abdomens anteriormente grávidos, e, geralmente, não os aspiro simplesmente, sempre indicando também ressecções de pele. Nos casos em que ocorre alguma ondulação por excesso localizado de gordura aspirada insuficientemente, tenho corrigido sob anestesia local, com a paciente em pé, e não cobro honorários.
Os pacientes sempre são avisados da possibilidade dessa ocorrência. A região trocantérica também é alvo, mais raramente, dessas correções. A única maneira de evitarmos completamente tais ondulações será operar somente pacientes jovens, com volumes pequenos, com pele elástica sem estrias, e com gordura tensa. Mas essa não é a realidade que todos os colegas têm que enfrentar. A verdade é que seria muito bom se todos fossem mais seletivos em suas indicações de lipoaspiração.
RG = Em todo procedimento cirúrgico deve-se deixar claro que existe a possibilidade de correções futuras de assimetrias ou cicatrizes inestéticas. Sob o nosso ponto de vista, faz parte do procedimento primário, portanto, não deve ser cobrado. De maneira alguma implica em reconhecimento de erro ou culpa.
RB = Sempre considerei que os procedimentos cirúrgicos que executamos são um tipo de "contrato de trabalho". Como tal, somos responsáveis pelo que prometemos.
Vivemos da nossa profissão e quando a "vendemos", devemos executar este ato com a maior dignidade moral e ética. Partindo da premissa que não houve imperícia, assim como de que a cliente sempre tem razão, não cobro retoques no prazo de um ano pós-operatório. Após este tempo, sim, como se fosse uma nova cirurgia. Esta regra tem exceções em função do relacionamento médico-paciente. A paciente paga somente o hospital e não a equipe médica. Ela já pagou para ficar bem, mesmo que sejam necessárias nova ou novas intervenções. Para tal, ela já foi avisada antes, evitando o nosso desculpar depois. A lipoaspiração é atualmente a cirurgia de maior cobrança de resultados, fruto da banalização do procedimento na mídia, das promessas de qualidade e da "fantasia" que cada um carrega. Sobre estes aspectos, agrega-se o problema da estreita margem de segurança entre qualidade X problema, com conseqüências de difícil reparação, pelo fato das injeções de gordura não serem ainda reproduzíveis em todas as "mãos". Finalmente, outro limite de difícil avaliação é o de sentir quando estamos sendo usados ou não. Não há regra. Cada caso é um caso.
COMENTÁRIOS DO COORDENADOR
Diante das respostas dos debatedores, podemos tirar algumas conclusões interessantes. Inicialmente constatamos que o índice de ATE (acidentes tromboembólicos), na vasta experiência de cirurgiões que há muito lidam com a lipoaspiração, é praticamente zero. Isso está de acordo com muitos outros profissionais que também possuem grande experiência neste campo. E isso também nós confirmamos com nossos casos. Outro dado curioso é que nenhum deles - e também nós - utiliza medicações preventivas para tais acidentes. A preferência geral é por outras condutas, especialmente a movimentação precoce dos pacientes, que é considerada mais eficaz. Isso fica comprovado pela não ocorrência de ATEs em nossas clínicas.
Sobre as complicações oriundas de outros serviços, chamou-nos a atenção a proposta do Dr. Baroudi: na medida do possível, não operar tais casos, devolvendo-os ao cirurgião original. Tal comportamento pode parecer pouco solidário, porém nos soa repleto de razões. Quase sempre as tentativas de correção, mesmo dando resultados satisfatórios, ficam muito aquém do que poderíamos ter proporcionado ao paciente num procedimento primário. Por isso mesmo, quase sempre não haverá uma completa realização para quem faz a correção, como poderá haver uma insatisfação do paciente, se este fazia uma expectativa maior do nosso trabalho. Por outro lado, se ele ficar satisfeito, com certeza irá apresentar o resultado para seus amigos, fazendo-o como sendo somente do cirurgião que fez a correção, quase nunca se referindo ao autor do primeiro procedimento. O resultado precário certamente ficará como se fosse o comum de quem apenas assumiu uma tentativa de correção.
Finalmente, a questão da cobrança de honorários por uma correção do próprio trabalho, toma um caminho comum: todos consideram os retoques como parte do tratamento inicial, não cobram nada por eles. Essa é uma atitude que nos parece um tanto complexa, pois não receber pela correção abre caminho para que os custeios hospitalares sejam também cobrados do cirurgião. Se ele não trabalha em clínica própria, com certeza enfrentará gastos significativos. Por outro lado, uma cobrança poderá não ser bem aceita pelo paciente, podendo gerar conflitos que terminarão em processos judiciais. Às vezes, um mal acordo é melhor do que uma boa briga.
Consideramos que, nessas circunstâncias, um relacionamento médico-paciente bem conduzido será vital para o cirurgião. Se não houve erro, será essencial mostrar isso com serenidade para o paciente, propondo-se até mesmo a não cobrar nada a título de honorários, porém deixando claro que as despesas hospitalares correrão por conta do paciente. Contudo, se houve um erro médico, por menor que seja, será bastante sábio procurar não criar qualquer área de atrito, tentando resolver o problema do paciente sem que este tenha qualquer gastos. Assim, estará evitando uma ruptura de relacionamento que só trará prejuízos para o cirurgião.
Por tudo isso, é fundamental que se tenha um "Consentimento informado" bem feito, sempre assinado pelo paciente e uma testemunha, depois de explicações minuciosamente dadas, sem omissão de qualquer complicação possível, pelo medo de perder o paciente.
COORDENADOR: EVALDO A. D´ASSUMPÇÃO - BELO HORIZONTE
DEBATEDORES: LUIZ PIMENTEL - RIO DE JANEIRO, ROLF GEMPERLI - SÃO PAULO, RICARDO BAROUDI - SÃO PAULO
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