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Tratamento cirúrgico dos defeitos complexos causados por acidentes por animais peçonhentos
General -
Year2011 -
Volume26 -
(3 Suppl.1)
Rafael Galli; Rachel Rossine Baptista; Guilherme Cardinali Barreiro; Juliana Oliveira Gomes dos Reis; Fernando Sartor Guimarães Fortes; Marcus Castro Ferreira
INTRODUÇÃO
Os acidentes por peçonha são muito frequentes no Brasil. Os mais frequentes estão relacionados ao ofidismo, ao araneismo, ao escorpionismo e ao erucismo. Há também lesões não usuais por seres aquáticos, tais como águas vivas e caravelas, além de peixes, enguias e arraias. Estes acidentes podem gerar perdas teciduais que exigem atuação do cirurgião plástico.
OBJETIVO
Descrever uma série de casos de pacientes vítimas de acidentes com animais peçonhentos atendidos no complexo HCFMUSP, em que houve atuação da equipe de cirurgia plástica.
MÉTODOS
Avaliação retrospectiva de pacientes com acidentes por animais peçonhentos que tiveram a atuação do cirurgião plástico já no atendimento inicial. Os pacientes receberam tratamento cirúrgico reconstrutivo conforme o tipo de lesão, sendo necessários procedimentos complexos, que variaram desde retalhos locais até microcirúrgicos.
RESULTADOS
Foram analisados 7 pacientes, em idade produtiva, sendo 3 vítimas de acidentes ofídicos, 3 por aracnídeos e 1 por arraia. Foram todos tratados com reconstrução com retalhos complexos, de acordo com o tipo e extensão do defeito. Caso 1: Paciente de 23 anos, vítima de ferroada de arraia em maléolo medial esquerdo. Evolui com necrose extensa e exposição ósseo-tendínea. Foi realizado desbridamento e curativo a vácuo como ponte para o tratamento definitivo. Após preparo adequado do leito, foi realizada reconstrução microcirúrgica com retalho muscular de reto abdominal e enxertia imediata. Caso 2: Paciente de 39 anos, vítima de picada por Bothrops em dorso de mão esquerda, com necrose extensa envolvendo antebraço distal, punho e a primeira comissura. Foi realizado o preparo do leito com curativo a vácuo e reconstrução microcirúrgica com retalho fasciocutâneo ântero-lateral da coxa. Caso 3: Paciente de 35 anos, vítima de mordedura por Bothrops em perna esquerda. Evolui com necrose extensa em região ântero-lateral da perna, com exposição óssea e fratura de tíbia. Realizado fixação externa e retalho microcirúrgico de músculo quadríceps femoral e enxerto de pele parcial.
DISCUSSÃO
Os acidentes por animais peçonhentos são frequentes no Brasil, sendo muitas vezes subnotificados. As lesões tissulares acontecem secundariamente a inoculações de substâncias citotóxicas, principalmente proteases, e à queimadura gerada pelo contato com cnidoblastos, no caso das águas-vivas. Há também o efeito deletério das infecções secundárias, geralmente oriundas de mordeduras de cobra, por bactérias. A atuação do cirurgião plástico restringe-se às situações em que há necrose tissular, com comprometimento muscular e necessidade de fasciotomia de membros, e posterior de cobertura específica. Dentre os acidentes ofídicos, o acidente botrópico, além de mais frequente, correspondendo a 85% dos casos, é também o que apresenta maior afecção tissular, com extensa necrose loco-regional e repercussão clínica devido à rabdomiólise, mioglobinúria e insuficiêcia renal aguda. A mionecrose pode gerar um edema que necessita fasciotomia de urgêcia, para evitar a progressão da lesão. As demais cobras da região geram pouca reação tecidual no local da picada, com manifestações sistêmicas mais exuberantes. Já entre os acidentes aracnídeos, a única aranha que apresenta veneno capaz de gerar lesão tecidual é o gêero Loxosceles ou aranha marrom. A picada é geralmente imperceptível, e o diagnóstico é presuntivo pelo aspecto da lesão após 24 a 48 horas, com surgimento de uma placa marmórea, equimoses e necroses pontuais. A evolução é lenta, pela atuação da esfingomielinase D. O tratamento imediato destes acidentes é feito por soroterapia antiveneno intravenoso, de acordo com a classificação de gravidade do acidente, além de prevenção do tétano. Nos casos de acidente por jararaca, ou botrópico, o cuidado com a hidratação para prevenção de insuficiêcia renal e a avaliação da necessidade de fasciotomia do membro acometido, são imperativos. Dentre os casos apresentados, os acidentes botrópicos apresentaram lesões mais extensas e profundas, sendo necessárias reconstruções mais complexas, inclusive com retalhos livres. Um dos casos correspondeu a um acidente por ferrão de arraia, cujo veneno acantotóxico gerou necrose tecidual, com necessidade de retalho livre para cobertura. O tratamento inicial deve ser a colocação do membro em água quente para inativação das toxinas termolábeis.
CONCLUSÃO
A atuação do cirurgião plástico nos acidentes ofídicos restringe-se àqueles em que há lesão tecidual extensa. Na fase aguda, sua colaboração corresponde à realização de fasciotomias, mas a atuação predominante ocorre nas complicações locais, para resolução das feridas, utilizando todo seu arsenal terapêutico.
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