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Case Reports - Year2011 - Volume26 - Issue 4

RESUMO

A falange distal é funcionalmente importante e deve ser reimplantada em casos de acidente. A técnica de eleição é microcirúrgica, porém a anastomose da veia pode ser extremamente difícil ou impossível, principalmente em crianças pequenas. Este artigo reporta um caso de reimplante microcirúrgico da falange distal do dedo mínimo em uma criança de sexo masculino, de um ano de idade, que sofreu amputação da falange distal do dedo mínimo tipo "guilhotina", na porta residencial. A falange foi reimplantada 8 horas após a amputação, com anastomose de uma artéria e uma veia extremamente finas. A região apresentou congestão, que durou mais de uma semana, porém sem necrose, não necessitando condutas coadjuvantes. Neste artigo, que também faz revisão bibliográfica da conduta no retorno venoso difícil em crianças dessa faixa etária, várias técnicas foram revistas e apresentadas na solução de retorno venoso difícil, assim como os fatores que influenciam a sobrevivência da parte amputada, porém não há um estudo específico de conduta para essa faixa etária. A criança, provavelmente, tem melhor recuperação ou readaptação funcional, porém a parte amputada tem as mesmas chances de sobrevivência no reimplante, e algumas técnicas possivelmente não sejam aplicáveis. A literatura é escassa, sendo necessária a realização de um estudo para determinar uma conduta prática e eficiente especificamente para essa faixa etária.

Palavras-chave: Falanges dos dedos da mão. Reimplante. Criança.

ABSTRACT

The distal phalanx has important functions and must be replanted in case of accidental amputation. Microsurgery is the preferred technique; however, the necessary vein anastomosis can be very difficult or even impossible, especially in small children. This paper reports a case of microsurgical replantation of the distal phalanx of the fifth finger of a one-year-old male child who suffered a crush-type amputation of the fifth fingertip in a house door. The fingertip was replanted eight hours after the amputation, with anastomosis of a very thin artery and vein. The region exhibited congestion, which persisted for more than one week without necrosis; no other procedure was required after the replantation. This paper presents a literature review of the difficulty of restoring venous return in children. Several techniques for restoring venous return in difficult cases, as well as determinants of survival of the amputated part, are reviewed and presented; however, there are no specific studies on procedures for the age group in question. Children probably have better functional recovery or adaptation than do adults, but the amputated part has the same chance of survival, and some of the techniques used in adults are not applicable in children. The literature on this topic is scant, and a study on the most practical and efficient method for fingertip replantation in small children is warranted.

Keywords: Finger phalanges. Replantation. Child.


INTRODUÇÃO

O reimplante da parte distal do dedo pela técnica microcirúrgica é aceito como o procedimento mais eficiente funcional e esteticamente, e com maior taxa de sucesso. O problema do retorno venoso é responsável pela maior parte das perdas de reimplantes, e constitui um desafio para o microcirurgião, em decorrência do pequeno calibre ou da ausência de veias, principalmente nas amputações contusas.

Várias técnicas microcirúrgicas e não-microcirúrgicas foram desenvolvidas e aplicadas com sucesso; entretanto, são escassos os relatos na literatura de técnicas aplicáveis a pacientes com um ano de idade.

Este trabalho apresenta o caso de reimplante de dedo com amputação por contusão na zona I em criança de um ano de idade, com calibre dos vasos consideravelmente menor, aumentando a dificuldade técnica. A literatura é revista e discutida.


RELATO DO CASO

YLO, sexo masculino, um ano de idade, sofreu amputação incompleta da parte distal do dedo mínimo direito por prensa pela porta da casa onde reside. A criança foi atendida no serviço de emergência de um hospital pediátrico, sendo indicada amputação cirúrgica e reparação do coto.

A família do paciente contatou os autores para verificar a possibilidade de reimplante ou revascularização. Ao exame inicial, a ponta do dedo se encontrava isquêmica, totalmente amputada, salvo o tendão flexor profundo, única estrutura ainda ligada ao dedo proximal. Como o tendão é desprezível na função circulatória, a lesão foi considerada e conduzida como amputação completa.

A radiografia identificou fratura na extremidade distal da falange média, adjacente à articulação interfalangeana distal. A amputação pode ser classificada como na zona III de Yamano, segundo o padrão vascular, ou imediatamente proximal à zona II, na classificação de Tamai.

O reimplante foi indicado, por se tratar de amputação de dedo simples na zona I (classificação anatômica de tendão) e em paciente pediátrico. Após esclarecimento dos familiares quanto aos riscos cirúrgicos e possibilidade de insucesso, teve início o procedimento. Inicialmente, foi realizada exploração sob magnificação com microscópio cirúrgico (Vasconcelos) e isquemia por garrote pneumático no braço, com anestesia geral, 8 horas após o acidente. A parte amputada, durante esse período, foi mantida em isquemia "quente". Foi encontrada uma única artéria passível de anastomose, com aproximadamente 0,6 mm de diâmetro, e um nervo colateral ulnar com lesão parcial. O osso foi fixado com duas agulhas, uma longitudinal e a outra cruzada, por não haver fio de Kirchner de pequeno calibre no momento. Após a anastomose da artéria com 4 pontos simples com fio 10-0 (não havia fio 11-0 ou 12-0) e agulha de 75 mícrons de calibre, foi desfeita a isquemia para a procura da veia. A identificação da veia, porém, não foi possível, em decorrência do sangramento abundante e difuso da ponta do dedo rearterializada. Sob isquemia, uma única veia de 0,3 mm de diâmetro, lateral ao leito ungueal, foi encontrada e anastomosada com 3 pontos simples. O tendão extensor encontrava-se macerado e, portanto, sua manipulação foi evitada, para impedir traumas iatrogênicos a anastomoses vasculares. A pele foi fechada com poucos pontos simples com náilon 6-0 para drenagem e foi feito curativo oclusivo frouxo.

A cirurgia teve duração de 4 horas, e não foi empregado esquema de anticoagulante ou antiplaquetário sistêmico no pós-operatório.

No primeiro dia de pós-operatório, havia pouco sangramento no curativo, e a ponta do dedo estava toda congesta, mas com pequena área de coloração rósea na polpa digital. Nos dias subsequentes, a congestão diminuiu progressivamente e, ao final de 7 dias, o dedo não apresentava nenhuma área de sofrimento ou necrose.

As agulhas de fixação óssea foram retiradas com duas semanas de evolução, para evitar infecção. Por falta de reparo do tendão extensor, o paciente apresenta "dedo em martelo", porém com articulação livre. Foi encaminhado para fisioterapia, com posterior programação de cirurgia secundária (Figura 1).


Figura 1 - Em A e B, amputação subtotal, sendo a continuidade mantida apenas pelo flexor profundo do dedo. Em C, radiografia com o diagnóstico de amputação óssea justa-articular distal da falange média. Em D, pós-operatório de 3 semanas, com "dedo em martelo".



DISCUSSÃO

Define-se reimplante quando a amputação é completa e revascularização quando a amputação é incompleta, permanecendo alguma estrutura que contribua para a circulação. No caso apresentado, o tendão flexor profundo e o nervo colateral parcialmente lesados tiveram contribuição insignificante ou nula na circulação do dedo amputado; assim, a lesão foi conduzida como amputação completa, ou seja, foram realizadas as anastomoses arterial e venosa.

A indicação de reimplante é baseada não só na sobrevivência da parte amputada, mas principalmente em sua recuperação funcional1. A perda da ponta do dedo pode parecer irrelevante, porém é surpreendentemente incapacitante, por ser um tecido altamente especializado, contendo finos terminais nervosos e a unha.

Quando a parte amputada não se encontra disponível ou é inadequada para reimplante, vários métodos podem ser usados para fechar a ferida, como cicatrização por segunda intenção, síntese primária, enxerto cutâneo e retalhos. Entretanto, esses procedimentos podem resultar em dores persistentes, intolerância ao frio, parestesia, hipoestesia, hiperestesia, alterações atróficas, encurtamento do dedo e deformidades da unha, entre outros2. O reimplante da parte amputada com anastomose vascular microcirúrgica é a técnica de eleição nas amputações da ponta do dedo, sendo realizado rotineiramente. No entanto, a taxa de sucesso continua baixa, em decorrência do pequeno calibre dos vasos mais distais e de, frequentemente, não haver um vaso adequado para a anastomose.

Nas amputações mais proximais, o problema maior é a função musculotendinosa e articular, e nas distais, o fator crítico é vascular.

A classificação de nível de amputação do membro superior é uma combinação de zonas de tendão flexor, descritas por Verdan e Michon, em 1961, e por Kleiner, Kutz e Atasoy, em 19733, e a anatomia vascular da mão. Com base no padrão vascular, o dedo distal é dividido em zonas. Na classificação de Tamai4, a zona I compreende a polpa digital até a base da unha e a zona II, da base da unha até a articulação interfalangeana distal. Yamano5 acrescentou a zona III, que se estende da articulação interfalangeana distal à articulação metacarpofalangeana. A classificação mais minuciosa é a de Ishigawa et al.6, que subdivide a zona I de Tamai em subzonas I e II e a zona II, em subzonas III e IV (Figura 2).


Figura 2 - Em A, esquema das zonas de reimplante de dedo, segundo a classificação de Yamano, Ishigawa e Tamai, baseada no padrão vascular. Em B, classificação baseada nos tendões flexores. I = distal à articulação interfalangeana proximal; II = entre a polia A1 e a inserção do flexor superficial dos dedos na falange média; III = palma da mão; IV = túnel do carpo; V = parte tendínea dos músculos flexores; VI = parte muscular dos músculos flexores.



A falha na drenagem venosa é a responsável pela maioria dos insucessos de reimplante de ponta de dedo. Nas frequentes situações em que não há uma veia adequada para anastomose, como nas lesões por esmagamento ou lesões muito distais, várias técnicas foram desenvolvidas. A síntese da parte amputada como enxerto composto tem sucesso limitado a crianças menores e nível de amputação distal à lúnula. Os resultados em adultos são desastrosos. O enxerto composto suturado, desepitelizado e "enterrado" em um "bolso" subcutâneo tem tido algum sucesso, porém a maioria dos cirurgiões de mão não acredita nessa técnica. Kim et al.2 descrevem, com alta taxa de sucesso, a técnica de microanastomose arterial e drenagem venosa pela extremidade desepitelizada e suturada na fáscia abdominal profunda, cuja vascularização é consideravelmente superior ao subcutâneo. Akyürek et al.7 relatam reimplantes distais à zona I somente com anastomose arterial, e drenagem venosa por sangramento através de incisão em forma de "boca de peixe" por 7 dias ou com sanguessugas por 10 a 12 dias, com 76% de sucesso. Muitos autores consideram o sanguessuga o melhor tratamento não-cirúrgico da insuficiência venosa, porém não é de uso corrente no Brasil. O sanguessuga medicinal, Hirudo medicinalis, secreta um anticoagulante chamado hirudina, de potente ação local e de mínimo efeito sistêmico, que alivia a congestão. Geralmente essa terapia é realizada por 2 a 3 dias; entretanto, o uso prolongado pode ocasionar significativa perda sanguínea, a principal complicação dessa técnica. Outra potencial complicação é a infecção, causada por Aeromonas hydrophila, que pode ocorrer em 7% a 20% dos casos1,8. O "bolso" subdermal, baseado no plexo subdérmico, foi descrito por Lin et al.9 nas amputações distais à zona I, com anastomose da artéria, quando presente, ou como enxerto composto, quando não se encontra a artéria. Esses autores obtiveram, em sua série, apenas um caso de falha, por se tratar de trauma por esmagamento, que piora significativamente o prognóstico9. Entretanto, Hattori et al.10 constataram superioridade considerável nos resultados quando uma anastomose venosa foi realizada, e preconizam, sempre que possível, que se realize pelo menos uma anastomose ou enxerto de veia, apesar do prolongamento do tempo cirúrgico.

A técnica da drenagem venosa tardia foi descrita por Koshima et al.11, que reexplora os casos que evoluíram com congestão nos dias subsequentes a reimplantes realizados com técnicas ultramicrocirúrgicas. Uma nova anastomose é realizada mais facilmente com veias dilatadas pela congestão. Ito et al.12 realizaram estudo retrospectivo buscando identificar em qual nível o reimplante pode sobreviver somente com anastomose arterial. Esses autores constataram que, na subzona I de Ishigawa, o reimplante pode sobreviver sem anastomose venosa; nas subzonas II e III, há necessidade de algum procedimento de drenagem venosa por sangramento contínuo; e na subzona IV, a anastomose venosa é essencial12. Na amputação na zona I, Hsu et al.13 descreveram a técnica de anastomoses arterial e venosa proximais na divisão da bifurcação da artéria central da polpa digital, restabelecendo a drenagem venosa do dedo distal pela artéria, obtendo sucesso total. Li et al.14 analisaram 17 fatores determinantes na sobrevivência do reimplante da ponta do dedo, tais como idade, sexo, dominância, contagem de plaquetas, conservação do dedo, tempo de isquemia, tabagismo, posição do dedo, zona de amputação, mecanismo do trauma, tipo de anestesia, reparo de uma ou duas artérias, confecção de nenhuma, uma ou duas anastomoses venosas, enxerto de veia, encurtamento ósseo, neurorrafia e tabagismo após o reimplante. Constataram que sexo, idade, dominância, posição do dedo, nível da amputação e história de tabagismo não influenciam a sobrevivência do reimplante. Em casos de trauma por avulsão ou esmagamento, o reimplante tem mínimas chances de sobreviver, assim como a conservação da parte amputada em meios inadequados tende à falência. A contagem de plaquetas superior a 300 x 109 tem efeito fortemente negativo na sobrevivência do reimplante. O tipo de anestesia, um ou dois reparos arteriais, o encurtamento ósseo e o número da anastomose venosa não influenciam na sobrevivência. Os enxertos arterial e venoso aumentam a sobrevivência. O fumo após o reimplante leva à falência do reimplante14.


CONCLUSÕES

Apesar de os calibres vasculares serem consideravelmente menores em crianças pequenas, esse fato não constitui fator impeditivo de anastomose microvascular arterial e venosa, e o tempo cirúrgico prolongado se justifica. A criança tem maior capacidade de adaptação e recuperação funcional, mas aparentemente tem prognóstico igual na sobrevivência do reimplante. O fator mais importante no sucesso do reimplante parece ser o tipo de trauma. Nos casos de retorno venoso difícil, uma técnica segura e prática entre as disponíveis necessita ser adaptada a essa faixa etária.


REFERÊNCIAS

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11. Koshima I, Yamashita S, Sugiyama N, Ushio S, Tsutsui T, Nanba Y. Successful delayed venous drainage in 16 consecutive distal phalangeal replantations. Plast Reconstr Surg. 2005;115(1):149-54.

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13. Hsu CC, Lin YT, Moran SL, Lin CH, Wei FC, Lin CH. Arterial and venous revascularization with bifurcation of a single central artery: a reliable strategy for Tamai Zone I replantation. Plast Reconstr Surg. 2010;126(6):2043-51.

14. Li J, Guo Z, Zhu Q, Lei W, Han Y, Li M, et al. Fingertip replantation: determinants of survival. Plast Reconstr Surg. 2008;122(3):833-9.










1. Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), membro da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva, cirurgião do Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, preceptor da Residência Médica e coordenador da Microcirurgia e do Centro de Estudos e de Pesquisas do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Federal do Andaraí do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Membro titular da SBCP, membro titular e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva, chefe do Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Correspondência para:
Chang Yung Chia
Av. Lúcio Costa, 3.360 - Bloco 8 - ap. 2.402 - Barra da Tijuca
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 22630-010
E-mail: changplastica@gmail.com

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 28/2/2011
Artigo aceito: 31/10/2011

Trabalho realizado na clínica particular do autor, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

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