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Original Article - Year2011 - Volume26 - Issue 4

RESUMO

INTRODUÇÃO: A obesidade classe III é uma doença endêmica em todo o mundo. Trata-se de problema de saúde pública em decorrência de sua incidência progressiva. A cirurgia bariátrica oferece alternativa de redução ponderal, visando ao melhor controle das doenças que têm a obesidade como fator de risco e à melhoria da qualidade de vida. O tratamento cirúrgico das deformidades secundárias a grandes emagrecimentos é um novo desafio ao cirurgião plástico. O objetivo deste trabalho é apresentar uma nova técnica para abdominoplastia do paciente ex-obeso, portador de cicatriz abdominal mediana decorrente de gastroplastia.
MÉTODO: Foram analisados 28 homens e 72 mulheres, submetidos a dermolipectomia abdominal pós-gastroplastia, segundo a técnica do "peixinho", apresentada neste trabalho.
RESULTADOS: A técnica apresentada demonstrou-se satisfatória, resultando em novo contorno corporal, com baixo índice de complicações.
CONCLUSÕES: A abdominoplastia com marcação em peixe é mais uma opção no arsenal do cirurgião plástico para tratamento do excedente cutâneo do abdome de pacientes submetidos a cirurgia bariátrica.

Palavras-chave: Cirurgia plástica/métodos. Abdome/cirurgia. Gastroplastia. Cirurgia bariátrica.

ABSTRACT

BACKGROUND: Morbid obesity is a worldwide endemic disease. Its growing incidence makes it a public health problem. Bariatric surgery is an alternative weight loss method with the objective of controlling obesity-associated diseases and improving quality of life. The surgical treatment of the deformities resulting from significant weight loss is a new challenge for plastic surgeons. This paper presents a new technique for abdominoplasty in formerly obese patients with a midline abdominal scar resulting from gastroplasty.
METHODS: A total of 28 men and 72 women who underwent abdominoplasty after gastroplasty by the "fish" technique described in this study were analyzed.
RESULTS: The results obtained with the technique presented were satisfactory, resulting in a new body contour and a low complication rate.
CONCLUSIONS: Abdominoplasty with markings forming a fish shape is successful for the removal of excess abdominal skin in patients who underwent bariatric surgery.

Keywords: Surgery, plastic/methods. Abdomen/surgery. Gastroplasty. Bariatric surgery.


INTRODUÇÃO

A obesidade classe III é uma doença endêmica em todo o mundo, relacionada a fatores genéticos, endócrinos, comportamentais e ambientais. O grande obeso tem risco aumentado de adquirir diabetes e doenças cardiovasculares e de morte. Há, nos Estados Unidos, cerca de 15 milhões de obesos, dentre os quais aproximadamente 5 milhões de obesos classe III. No Brasil, estima-se que haja 10 milhões de obesos, dentre os quais 100 mil pertencentes à classe III. A cirurgia bariátrica surgiu com o objetivo de reduzir esse fator de risco para doenças decorrentes dessa enfermidade e de melhorar a qualidade de vida desses indivíduos.

Centros especializados e equipes multidisciplinares criaram protocolos específicos de tratamento, com acompanhamento cirúrgico, nutricional e psicológico. O candidato a cirurgia deve ter índice de massa corporal (IMC) > 40 ou IMC a partir de 35 associado a comorbidades. A cirurgia bariátrica evoluiu e as técnicas disabsortivas foram substituídas por técnicas mistas (restritivas e disabsortivas), que oferecem melhor prognóstico nutricional ao paciente1.

Cabe ao cirurgião plástico o tratamento do excedente cutâneo decorrente do grande emagrecimento2. Geralmente, encontra-se flacidez de pele tanto vertical como horizontal, além de cicatriz mediana supraumbilical decorrente da gastroplastia. Inicialmente, o cirurgião plástico deve tratar a grande expectativa do paciente ex-obeso3 em relação ao resultado das cirurgias plásticas por meio de orientações. Deve enfatizar o caráter reconstrutor das cirurgias, a criação de novas cicatrizes e as limitações da abdominoplastia clássica4,5.

A abdominoplastia para tratamento do excesso de pele de pacientes ex-obesos iniciou-se com Kelly6, no começo do século XX. Na década de 1960, surgiram variações apresentadas por vários autores, como Castañares & Goethel7, que propuseram ressecção vertical e horizontal, conferindo aspecto de âncora à cicatriz final. Na década de 1970, Regnault8,9 preconizou a retirada do excedente cutâneo com marcação em "flor de lis". Pitanguy10 desenvolveu o método de abdominoplastia transversa, com grande descolamento do retalho abdominal e plicatura dos músculos retos abdominais para correção da diástase. Essas técnicas encontram-se ainda em uso pela maioria dos cirurgiões. Procedimentos combinados à dermolipectomia, em que se realizam grandes descolamentos, são preconizados para melhora do excedente cutâneo corpóreo. Pela sua magnitude, necessitam de duas equipes de cirurgiões com alto treinamento e têm como resultantes grandes cicatrizes, circulares e vertical11-13.

Em 2003, introduzimos nova opção de abdominoplastia pós-cirurgia bariátrica com o objetivo de promover melhora do contorno corporal, com menos cicatrizes, minimizando as perdas sanguíneas14,15. O objetivo deste trabalho é apresentar essa técnica para abdominoplastia do paciente ex-obeso, portador de cicatriz abdominal mediana decorrente de gastroplastia.


MÉTODO

Realizamos abdominoplastias em 100 pacientes ex-obesos, portadores de cicatrizes medianas xifoumbilicais decorrentes de gastroplastias. Todos haviam sido operados pela mesma equipe de cirurgia geral, pela técnica de Fobi-Capella. Participaram do estudo 28 homens e 72 mulheres, operados no período de junho de 2003 a junho de 2008. A média de idade dos pacientes à época da cirurgia plástica foi de 34 anos. A média da perda ponderal foi de 51 kg.

Os pacientes apresentavam peso estabilizado por tempo superior a 5 meses e IMC < 34. A abdominoplastia foi realizada, em média, 17 meses depois da cirurgia bariátrica.

Técnica Cirúrgica

A marcação cirúrgica foi realizada com o paciente em ortostatismo. Traçou-se uma linha transversal com a cicatriz umbilical ao centro e estimou-se o excedente cutâneo horizontal nesse nível por meio de pinçamento bidigital (Figura 1A). Essa medida variou, em média, de 20 cm a 30 cm. Anotou-se a distância entre a cicatriz umbilical e o início da cicatriz vertical decorrente da laparotomia prévia, próxima ao apêndice xifoide. Dividiu-se esse segmento em três partes iguais, cada uma medindo cerca de 5 cm. Traçou-se uma linha transversal na divisão entre os segmentos inferior e intermediário, tendo como centro a linha mediana, com 70% do comprimento da linha traçada na altura da cicatriz umbilical (Figura 1B).


Figura 1 - Em A, marcação do excedente cutâneo através de pinçamento bidigital. Em B, marcação da área a ser ressecada por meio de linhas horizontais.



Traçou-se nova linha transversal na divisão entre os segmentos intermediário e superior, tendo como centro a linha mediana, com 70% do comprimento da última linha traçada (por exemplo, 1ª = 20 cm, 2ª = 14 cm, 3ª = 9,8 cm).

Na prega natural do abdome, cerca de 6 cm acima do púbis, traçou-se uma linha com a mesma medida da linha mais cranial já traçada (Figura 2A). Todas essas linhas horizontais foram unidas pelas extremidades até o ponto mediano no início da cicatriz vertical próxima ao apêndice xifoide, para delimitar a região a ser removida. Dois triângulos entre o púbis e a fossa ilíaca delimitaram a região de remoção complementar para correção das orelhas e da flacidez pubiana, quando existente (Figura 2B).


Figura 2 - Em A, marcação da linha inferior na prega natural do abdome. Em B, marcação das orelhas e ascensão do púbis.



O desenho final dessa marcação assemelha-se ao formato de um peixe, que nomeia essa técnica. As medidas foram confirmadas com o paciente em decúbito dorsal (Figura 3).


Figura 3 - Marcação final: esquema resumido do procedimento.



Os pacientes foram operados sob anestesia peridural, profilaxia antimicrobiana com 2 g de cefazolina e profilaxia antitromboembólica com 20 mg de heparina de baixo peso molecular, administrada desde a véspera da cirurgia até o 5o dia de pós-operatório. Infiltrou-se o tecido celular subcutâneo ao longo da marcação com solução de adrenalina e soro fisiológico, em concentração de 1:200.000. A cicatriz umbilical foi isolada do retalho abdominal e mantida fixa à aponeurose. Os vasos sanguíneos rompidos foram cauterizados concomitantemente à remoção do excesso dermogorduroso, para minimizar a perda sanguínea. O excesso removido foi pesado. Realizou-se a plicatura dos músculos retos abdominais, aproximando-os à linha mediana em dois planos de sutura contínua com náilon 1-0. A cicatriz umbilical foi fixada à aponeurose abdominal com pontos separados de náilon 3-0. Após revisão da hemostasia, iniciou-se a síntese com pontos separados de Vicryl® 2-0 na fáscia de Scarpa. A região púbica foi fixada na linha mais caudal previamente traçada. Nesse momento, avaliou-se a flacidez de pele do púbis e a necessidade de correção do excesso de pele do abdome inferior, que foram retirados pelos dois triângulos de compensação previamente demarcados. Priorizou-se a retirada no púbis, de forma que a cicatriz resultante contornasse o mesmo, sem se estender lateralmente nas coxas ou fossas ilíacas, adquirindo um aspecto final de "Y" invertido. Nos casos de lipodistrofia pubiana acentuada, procedeu-se à lipoaspiração com cânula tipo "Mercedes", de 3 mm de calibre. A pele periumbilical foi suturada à aponeurose com 4 a 6 pontos separados de náilon 3-0, para evitar a tração umbilical e o consequente alargamento cicatricial. A pele da cicatriz umbilical isolada foi então suturada à pele abdominal com pontos separados de náilon 4-0. Prosseguiu-se à síntese em 3 planos com pontos separados de Vicryl® 3-0, Vicryl® 4-0 incolor subdérmico e sutura intradérmica de náilon 4-0 em sequência. Finalizou-se com curativo de gazes estéreis e fita hipoalergênica. Malha compressiva foi utilizada por 30 dias.


RESULTADOS

O peso do excedente dermogorduroso variou entre 200 g e 6.000 g, sendo em média de 2.017 g. Todos os pacientes receberam alta hospitalar no primeiro dia de pós-operatório, sendo acompanhados semanalmente durante 30 dias e revistos em 6 meses e 12 meses após a cirurgia (Tabela 1).




As complicações compreenderam alargamento cicatricial, em especial da cicatriz umbilical, em 9% dos pacientes (observado nos primeiros casos, nos quais não se fixava a pele abdominal periumbilical à aponeurose), seroma em 6%, e hematoma em 1% dos casos.

Todos os pacientes consideraram a cicatriz de tamanho aceitável e se manifestaram satisfeitos com o resultado global, e 8% afirmaram que gostariam de ser submetidos a retoque das cicatrizes para torná-las mais estéticas.

Todos os pacientes encontravam-se aptos a realizar suas atividades habituais 20 dias após a operação.

Como resultado final, obteve-se novo contorno corporal, cicatriz vertical xifopúbica e cicatriz em forma de "Y" invertido na região suprapúbica.

As Figuras 4 a 9 ilustram alguns casos de pacientes incluídos no estudo.


Figura 4 - Em A e B, pré-operatório. Em C e D, pós-operatório de 2 anos, perda ponderal de 53 kg, retalho de 22 cm x 29 cm, de 1.100 g.


Figura 5 - Em A e B, pré-operatório. Em C e D, pós-operatório de 3 anos, perda ponderal de 40 kg, retalho de 33 cm x 23 cm, de 1.450 g.


Figura 6 - Em A e B, pré-operatório. Em C e D, pós-operatório de 1 ano. Em E e F, pós-operatório de 5 anos, perda ponderal de 58 kg, retalho de 30 cm x 45 cm, de 4.500 g.


Figura 7 - Em A e B, pré-operatório. Em C e D, pós-operatório de 2 anos, perda ponderal de 51 kg, retalho de 33 cm x 24 cm, de 1.750 g.


Figura 8 - Em A e B, pré-operatório. Em C e D, pós-operatório de 17 meses. Em E e F, pós-operatório de 6 anos, perda ponderal de 55 kg, retalho de 700 g.


Figura 9 - Em A, B e C, pré-operatório. Em D, E e F, pós-operatório de 8 meses, perda ponderal de 50 kg, retalho de 20 cm x 28 cm, de 1.200 g.



DISCUSSÃO

A significativa perda de peso do paciente submetido a cirurgia bariátrica causa grande distorção no contorno corporal. Dificuldades de movimentação e de higiene pessoal podem causar infecções cutâneas. A abordagem cirúrgica torna-se de necessidade tanto funcional como estética.

A abordagem cirúrgica proposta neste estudo é indicada quando a cirurgia bariátrica deixa cicatriz vertical e grande flacidez de tronco. Essa abordagem tem como vantagem a menor criação de cicatrizes e possibilidade de perda sanguínea reduzida em decorrência do menor descolamento, se comparada às técnicas habitualmente utilizadas.

Esta técnica mostrou-se satisfatória, mesmo em pacientes com abdome em avental. A compensação e a ascensão do púbis, que tem como resultante cicatriz sobre púbis (ao invés de compensação horizontal), é discutível, mas muito bem aceita pelos pacientes.

As complicações observadas nessa série de pacientes foram comparáveis àquelas encontradas com outras técnicas, conforme a literatura médica16,17.


CONCLUSÕES

A abdominoplastia com marcação em peixe é mais uma opção no arsenal do cirurgião plástico para tratamento do excedente cutâneo do abdome de pacientes submetidos a cirurgia bariátrica.


REFERÊNCIAS

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2. Rohrich RJ. Body contouring after massive weight loss supplement. Plast Reconstr Surg. 2006;117 Suppl. 1:1S-86S.

3. Kaluf R, Júnior DF, Nascimento CL. Perfil psicológico dos pacientes submetidos à terapia cirúrgica para obesidade. In: Heck JN, Ribeiro BG, eds. Estudos vida e saúde: Universidade Católica de Goiás. Goiânia: Editora da Universidade Católica de Goiás; 2005.

4. Kaluf R, Azevêdo FN, Rodrigues LO. Sistemática cirúrgica em pacientes ex-obesos. Rev Soc Bras Cir Plást. 2006;21(3):166-74.

5. Furtado IR, Nogueira CH, Lima Júnior EM. Cirurgia plástica após gastroplastia redutora: planejamento das cirurgias e técnicas. Rev Soc Bras Cir Plást. 2004;19(2):35-40.

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14. Lage RR. In: Uma nova opção de abdominoplastia pós-cirurgia bariátrica. In: XII Jornada Mineira de Cirurgia Plástica, III Simpósio de Abdominoplastia; 2003 Out 16-18; Araxá, MG, Brasil.

15. Lage RR. In: Abdominoplastia pós-cirurgia bariátrica: uma nova opção. In: XXV Jornada Paulista de Cirurgia Plástica; 2005 Jun 9-11; São Paulo, SP, Brasil.

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1. Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), membro especialista da Associação Brasileira de Cirurgia Craniomaxilofacial (ABCCMF), coordenador médico do Centro de Tratamento e Reabilitação de Fissuras Labiopalatais e Deformidades Craniofaciais (CENTRARE), cirurgião plástico, regente e coordenador do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital da Baleia, Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Membro titular da SBCP, cirurgião plástico do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil.
3. Membro especialista da SBCP, cirurgião plástico do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.
4. Membro especialista da SBCP, membro especialista da ABCCMF, cirurgião plástico do corpo clínico do Hospital Santa Genoveva, Uberlândia, MG, Brasil.
5. Membro especialista da SBCP, cirurgião plástico do corpo clínico do Hospital da Baleia, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Correspondência para:
Renato Rocha Lage
Rua Domingos Vieira, 319 - sala 701 - Santa Efigênia
Belo Horizonte, MG, Brasil - CEP 30150-240
E-mail: renatorochalage@hotmail.com

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 1º/7/2011
Artigo aceito: 31/10/2011

Trabalho realizado na Clínica Vitória, Belo Horizonte, MG, Brasil.

 

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