ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2011 - Volume26 - Issue 4

RESUMO

INTRODUÇÃO: A orelha de abano é o mais comum de todos os defeitos congênitos da orelha, com incidência de 5% em caucasianos. O tratamento cirúrgico deve corrigir os ângulos auriculocefálico e escafoconchal, bem como a protrusão do lóbulo, quando presente. O objetivo deste trabalho é demonstrar a experiência de nosso serviço no tratamento da orelha de abano com a combinação de diversas técnicas disponíveis.
MÉTODO: Foram avaliados 47 pacientes, operados com a associação de técnicas já descritas anteriormente, sendo utilizados incisão cartilaginosa, pontos de Mustardé para definição de antélice e fixação da concha na mastoide. Os pacientes com menos de 15 anos de idade foram operados sob anestesias geral e local, e os demais foram submetidos somente a anestesia local. Todos os pacientes foram reavaliados no primeiro dia de pós-operatório.
RESULTADOS: Os resultados pós-operatórios foram considerados satisfatórios pelos pacientes e pela equipe cirúrgica, sem o aparecimento do estigma de orelha operada.
CONCLUSÕES: O melhor tratamento de orelhas proeminentes é obtido com a associação de diversas técnicas. A abordagem empregada nos pacientes avaliados tem apresentado resultados naturais e com baixos índices de complicação, satisfazendo a equipe cirúrgica e, principalmente, os pacientes.

Palavras-chave: Orelha externa/cirurgia. Cirurgia plástica/métodos. Otopatias/cirurgia.

ABSTRACT

BACKGROUND: Prominent ear is the most common congenital defect of the ear, with an incidence of 5% in Caucasians. Surgical treatment should correct the auriculocephalic and conchoscaphal angles as well as protrusion of the lobe when present. This paper aims to report the experience of our service in the treatment of prominent ears with a combination of several available techniques.
METHODS: Forty-seven patients operated with a combination of previously described techniques were evaluated, and cartilaginous incision, Mustardé sutures for antihelix definition, and concha-mastoid fixation were performed. Patients less than 15 years of age were operated under general and local anesthesia, while the remaining patients underwent only local anesthesia. All patients were reassessed on the first postoperative day.
RESULTS: The postoperative results were considered satisfactory by both patients and surgical staff, with no stigma development in the operated ear.
CONCLUSIONS: The best treatment of prominent ears is achieved by a combination of techniques. The approach used on the studied patients has produced natural-looking results with low complication rates, satisfying the surgical staff and, most importantly, the patients.

Keywords: External ear/surgery. Plastic surgery/methods. Ear diseases/surgery.


INTRODUÇÃO

Orelha de abano é o mais comum de todos os defeitos congênitos da orelha. A deformidade pode ser notada ao nascimento e, geralmente, torna-se mais acentuada com o passar do tempo1, sendo sua incidência de cerca de 5% em caucasianos2. Embora não acarretem alteração funcional, as deformidades da orelha podem provocar importantes distúrbios psicossociais3.

Para a correção de orelhas de abano, as alterações anatômicas devem ser diagnosticadas corretamente. As três causas mais comuns de orelha de abano podem estar presentes isoladamente ou em associação: antélice subdesenvolvida, aumentando o ângulo escafoconchal; proeminência da concha, aumentando o ângulo auriculocefálico; e protrusão do lóbulo3.

O ângulo auriculocefálico normal varia entre 25 graus e 30 graus; quando maior que 40 graus, pode ser considerado anormal. Da mesma forma, o ângulo escafoconchal normal tem aproximadamente 90 graus, e ângulos mais obtusos frequentemente requerem correção cirúrgica4,5. Além das alterações anatômicas no próprio pavilhão, pacientes com assimetria significativa entre as orelhas podem se beneficiar com a otoplastia6.

O objetivo deste trabalho é demonstrar a experiência de nosso serviço no tratamento da orelha de abano com a combinação de diversas técnicas disponíveis.


MÉTODO

Foram avaliados 47 pacientes, sendo 2 casos unilaterais, operados pela associação de técnicas descritas a seguir.

As cirurgias foram realizadas entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2010, no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Federal da Lagoa (Rio de Janeiro, RJ).

Foram operados pacientes com idade entre 7 anos e 52 anos (média de idade de 23 anos), sendo 18 do sexo feminino e 29 do masculino.

Os pacientes com menos de 15 anos de idade (25,5% dos casos) foram operados sob anestesias geral e local, e nos demais pacientes (74,5% dos casos) foi realizada somente anestesia local.

Os pacientes operados com anestesia geral receberam alta no dia seguinte ao procedimento e aqueles submetidos somente a anestesia local, no mesmo dia. Todos os pacientes foram avaliados no primeiro dia de pós-operatório.

Técnica Cirúrgica

1. Marcação com caneta dermográfica nas superfícies anterior e posterior da orelha. As marcações anteriores referem-se às áreas para a incisão cartilaginosa e as posteriores, à ressecção da ilha de pele (Figuras 1 e 2).



Figura 1 - Marcação anterior.


Figura 2 - Marcação posterior.



2. Infiltração de solução de lidocaína a 2% + adrenalina em soro fisiológico, obtendo-se solução final de lidocaína a 1% + adrenalina a 1:200.000, não se ultrapassando a dose máxima de 10 mg/kg de anestésico local.

3. Incisão e ressecção da ilha de pele posterior conforme marcação prévia, de modo que a cicatriz resultante fique posicionada no sulco retroauricular (Figura 3).



Figura 3 - Ilha de pele ressecada.



4. Descolamento posterior da orelha em plano subpericondrial até boa exposição da cartilagem auricular e descolamento da região mastoide, com ressecção do músculo auricular posterior (Figura 4).



Figura 4 - Descolamento em região posterior da orelha e região mastoide.



5. Marcação das incisões cartilaginosas por meio da introdução de agulhas de insulina conforme marcação prévia na superfície anterior da orelha.

6. Incisão da cartilagem em quatro pontos: borda externa na antélice, borda interna do ramo superior da antélice, incisão transversa entre as duas, evitando-se a união das duas primeiras incisões, e, por último, uma incisão em borda externa da concha (Figura 5).



Figura 5 - Incisões em cartilagem auricular.



7. Definição da antélice com pontos de Mustardé com fio de náilon 4.0 entre as incisões existentes, sendo o primeiro ponto entre a incisão na borda externa da antélice e a incisão na borda interna do ramo superior da antélice, para a definição do ramo superior da antélice e mais um ou dois pontos entre a incisão na borda externa da antélice e a incisão na concha para completar a definição da antélice (Figuras 6 a 8);



Figura 6 - Ponto de Mustardé.


Figura 7 - Ponto de Mustardé.


Figura 8 - Ponto de Mustardé.



8. Ressecção do excesso da cartilagem conchal, quando necessário (Figura 9).



Figura 9 - Ressecção do excesso de cartilagem conchal.



9. Rotação da cartilagem conchal e sua fixação na mastoide com fio de náilon 3.0 (Figura 10). Quando necessário, também podem ser fixados os polos superior e inferior da orelha na região mastóidea, com fio de náilon 4.0.



Figura 10 - Fixação da concha à mastoide.



10. Sutura da pele com pontos em barra grega, com fio de náilon 4.0 (Figura 11).



Figura 11 - Sutura final da pele.



11. Curativo com algodão úmido preenchendo todas as concavidades da orelha, acolchoamento com gaze e colocação de atadura de crepom, que deve permanecer por 24 horas, quando, então, o paciente é avaliado no primeiro dia de pós-operatório.


Acompanhamento Pós-operatório

No primeiro dia de pós-operatório, o curativo cirúrgico foi trocado por faixa elástica para proteção auricular, que foi mantida por 45 dias, sendo utilizada somente no período noturno nos últimos 15 dias.

Antibioticoterapia foi mantida por 7 dias e analgésicos e anti-inflamatórios não-esteroides foram prescritos conforme a necessidade.

O acompanhamento pós-operatório ambulatorial foi realizado 1 dia, 1 semana, 21 dias, 45 dias, 3 meses e 6 meses após o procedimento. Os pontos foram retirados na consulta aos 21 dias de pós-operatório.


RESULTADOS

No total, 47 pacientes foram submetidos a correção de orelhas de abano pela associação das técnicas expostas nesse trabalho. Foram utilizadas como técnicas incisão cartilaginosa, confecção de pontos de Mustardé para definição da antélice, rotação conchal e, quando necessário, ressecção de excesso de cartilagem conchal.

Os resultados pós-operatórios foram considerados satisfatórios pelos pacientes e pela equipe cirúrgica, sem o aparecimento do estigma de orelha operada.

As Figuras 12 a 15 ilustram resultados obtidos com a técnica descrita em pacientes operados em nosso serviço.


Figura 12 - Em A, pré-operatório imediato. Em B, pós-operatório imediato.


Figura 13 - Paciente 1. Em A, pré-operatório, visão posterior. Em B, pós-operatório, visão posterior.


Figura 14 - Paciente 2. Em A, pré-operatório, visão anterior. Em B, pós-operatório, visão anterior.


Figura 15 - Paciente 3. Em A, pré-operatório, perfil direito. Em B, pré-operatório, perfil esquerdo. Em C, pós-operatório, perfil direito. Em D, pós-operatório, perfil esquerdo.



DISCUSSÃO

A primeira descrição de um procedimento cirúrgico para correção de orelha de abano foi feita por Dieffenbach, em 1845, que sugeriu a ressecção de pele retroauricular. Desde então, vários autores têm estudado e proposto novas técnicas operatórias, visando sempre resultados cada vez mais naturais e duradouros7.

A orelha de abano é determinada por uma ou um conjunto de alterações anatômicas, de modo que o planejamento cirúrgico adequado deve considerar as deformidades de cada parte da orelha isoladamente, para que, quando tratadas individualmente, produzam resultado harmonioso e natural. O resultado ideal é a obtenção de orelhas que não aparentem ter sido operadas8.

A incisão cartilaginosa proporciona adequada quebra da mola cartilaginosa, tanto em pacientes com cartilagem espessa como fina, obtendo-se resultados harmoniosos e sem ocorrência da quebra da cartilagem.

Para definição de antélice, são passados de 2 a 4 pontos de Mustardé, dependendo da necessidade de cada caso, evitando-se o aperto exagerado dos pontos, para não haver prejuízo estético.

Em todos os pacientes desse estudo, foi empregada a rotação conchal, com sua fixação no periósteo da região mastoide, com cuidado para não haver fechamento importante do conduto auditivo externo9. Em alguns pacientes que apresentavam maior hipertrofia foi realizada, também, ressecção de excesso da concha.

As complicações em otoplastias são muito raras9,10, sendo as mais comuns o hematoma e a infecção no pós-operatório imediato1. No período pós-operatório tardio, pode ocorrer extrusão dos pontos e, como complicação mais significativa, a hipercorreção ou irregularidades de contorno3. Observamos um caso de extrusão de ponto em nossa casuística, dois casos de hematomas unilaterais, resolvidos prontamente com drenagem, e não houve nenhum caso de infecção.


CONCLUSÕES

O melhor tratamento de orelhas proeminentes é obtido com a associação de diversas técnicas. A abordagem empregada nos pacientes avaliados tem apresentado resultados naturais, com baixos índices de complicação, satisfazendo a equipe cirúrgica e, principalmente, os pacientes.


REFERÊNCIAS

1. Avelar MA. In: Mélega JM, ed. Cirurgia estética. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p.271-80.

2. Bardach J. Surgery for congenital and acquired malformations of the auricle. In: Cummings CW, Fredrickson JM, Harker LA, Krause CJ, Schüller DE, eds. Otolaryngology: head and neck surgery. St Louis: Mosby; 1986. p.2861.

3. Thorne CH, Beasley RW, Aston SJ, Bartlett SP, Gurtner GC, Spear SL, eds. Grabb & Smith: Cirurgia Plástica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009. p.290-304.

4. Skiles MS, Randall P. The anesthetics of ear placement: an experimental study. Plast Reconstr Surg. 1983;72(2):133-40.

5. Aygit AC. Molding the ears after anterior scoring and concha repositioning: a combined approach for protruding ear correction. Aesthetic Plast Surg. 2003;27(1):77-81.

6. Georgiade GS, Riefkohl R, Georgiade NG. Prominent ears and their correction: a forty-year experience. Aesthetic Plast Surg. 1995;19(5):439-43.

7. Calder JC, Naasan A. Morbidity of otoplasty: a review of 562 consecutive cases. Br J Plast Surg. 1994;47(3):170-4.

8. Ferreira LM. Deformidades auriculares. In: Manual de Cirurgia Plástica. São Paulo: Atheneu; 1995. p.223-8.

9. Spira M. Otoplasty: what I do now. A 30-year perspective. Plast Reconstr Surg. 1999;104(3):834-40.

10. Franco T, Rebello C. Otoplastias. In: Franco T, Rebello C, eds. Cirurgia estética. Rio de Janeiro: Atheneu; 1977. p.181-201.










1. Médico residente em Cirurgia Plástica do Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Membro especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), ex-residente em Cirurgia Plástica do Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3. Membro titular da SBCP e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Correspondência para:
Francisco de Oliveira Goulart
Rua Cinco de Julho, 349/906 - Copacabana
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 22051-030
E-mail: franciscooliveiragoulart@yahoo.com.br

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 16/6/2011
Artigo aceito: 10/10/2011

Trabalho realizado no Hospital Federal da Lagoa - Rede Federal da Saúde no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

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