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Paralisia facial: análise epidemiológica em hospital de reabilitação
Facial paralysis: epidemiological analysis in a rehabilitation hospital
Original Article -
Year2011 -
Volume26 -
Issue
4
Kátia Torres Batista
RESUMO
INTRODUÇÃO: A paralisia facial é a perda temporária ou permanente dos movimentos da mímica facial em decorrência do acometimento do nervo facial. São vários os fatores que influenciam a evolução das lesões do nervo facial. Este estudo teve como objetivo avaliar os aspectos epidemiológicos e a frequência de sequelas após paralisia facial em um serviço de reabilitação.
MÉTODO: Estudo retrospectivo dos pacientes com paralisia facial atendidos em hospital de reabilitação no período de janeiro de 2001 a janeiro de 2005. As sequelas foram avaliadas quanto a sexo, idade, etiologia, graduação funcional conforme a escala de House-Brackmann, tempo de evolução, seguimento e intervenções cirúrgicas. Para realização da análise estatística utilizou-se o programa Epi-Info versão 3.2.2.
RESULTADOS: Foram admitidos para programa de reabilitação 285 pacientes portadores de paralisia facial, sendo 157 do sexo masculino e 128 do feminino. Todos os pacientes se submeteram a programa de reabilitação e 29 (10,2%), a cirurgia. Dentre os pacientes analisados, 80% foram admitidos a partir da terceira semana do surgimento da paralisia, e 121 (42,5%) tiveram recuperação gradual em 3 meses, espontaneamente, com tratamento clínico ou fisioterápico. Por outro lado, 119 (41,8%) pacientes permaneceram com paralisia facial parcial ou completa e irreversível.
CONCLUSÕES: Os casos admitidos foram mais frequentes em pacientes com menos de 20 anos de idade, com causas diversas e quando admitidos em graus menores segundo a escala de House-Brackmann, pois muitos deles se associavam a déficits neurológicos consequentes a paralisia facial de origem central ou congênita.
Palavras-chave:
Paralisia facial. Traumatismos do nervo facial. Doenças do nervo facial.
ABSTRACT
BACKGROUND: Facial paralysis is characterized by permanent or temporary loss of facial expression due to facial nerve injury. Several factors influence the development of facial nerve lesions. The purpose of this study was to evaluate the epidemiological aspects and incidence of sequelae after facial paralysis at a rehabilitation institution.
METHODS: We performed a retrospective study of facial paralysis patients admitted to a rehabilitation hospital between January 2001 and January 2005. Sequelae were analyzed according to gender, age, etiology, functional status as measured by the House-Brackmann scale, evaluation time, follow-up, and surgical procedures. Statistical analyses were performed with Epi-info 3.2.2 software.
RESULTS: A total of 285 facial paralysis patients, 157 male and 128 female, were admitted for a rehabilitation program. All subjects followed a rehabilitation program, and 29 (10.2%) underwent surgery; 80% were admitted during the 3rd week of the paralysis or later, and 121 (42.5%) showed gradual recovery after 3 months, either spontaneously or after clinical or physical therapies. Nevertheless, 119 (41.8%) sustained irreversible partial or complete facial paralysis.
CONCLUSIONS: The prevalence of facial paralysis was greater among patients younger than 20 years. Among these patients, paralysis had different causes, and these patients were admitted with lower House-Brackmann grades. Most cases were associated with neurological deficits leading to facial paralysis of central or congenital origin.
Keywords:
Facial paralysis. Facial nerve injuries. Facial nerve diseases.
INTRODUÇÃO
O nervo facial é vulnerável a lesões e à consequente paralisia facial. Diversas causas são apresentadas na literatura, e em dois terços dos casos a causa é desconhecida, denominada paralisia idiopática ou de Bell1,2. Na paralisia facial, a depender do nível da lesão do nervo facial, ocorrem alterações nos músculos da mímica facial. Na maioria dos casos, é um fenômeno reversível espontaneamente ou após tratamento, clínico ou cirúrgico; todavia, cerca de 20% dos casos evoluem com algum tipo de sequela, que varia do grau leve até a paralisia completa uni ou bilateral dos movimentos dos músculos faciais3,4.
Ainda hoje as alterações apresentadas na paralisia facial são de difícil tratamento e podem ocasionar alterações na mímica e na expressão facial, com graves prejuízos emocionais5. Para minimizar as sequelas é importante conhecer a etiologia e os fatores que poderiam influenciar a evolução da doença.
Este artigo teve como objetivo analisar os aspectos epidemiológicos e a frequência de sequelas após paralisia facial em um serviço de reabilitação.
MÉTODO
Estudo retrospectivo dos pacientes portadores de paralisia facial admitidos na Rede SARAH de Reabilitação, em Brasília (DF, Brasil), entre janeiro de 2001 e janeiro de 2005. As informações quanto a sexo, idade, etiologia, tempo de evolução, seguimento, recividas, sequelas e intervenções foram obtidas a partir dos prontuários dos pacientes. Para determinar o grau de disfunção utilizou-se a escala de House-Brackmann6 na admissão e na alta. O trabalho foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição.
Programa de Reabilitação
Os pacientes foram admitidos por equipe multidisciplinar. O programa consistiu de diagnóstico, incluindo exames de imagem e eletroneuromiografia, tratamento clínico com corticosteroide e antivirais naqueles casos de origem idiopática ou Ramsay-Hunt, e medidas preventivas para lesão de córnea, com uso de óculos, colírios, pomadas oftálmicas e oclusão do olho, além da realização de exercícios de fisioterapia orientados7.
Para os casos de graus V e VI na escala de House-Brackmann, irreversíveis, com mais de dois anos de evolução, com nível cognitivo para compreensão e aceitação, sem contraindicações clínicas, indicou-se a reabilitação cirúrgica da face por neurorrafia, transferência de nervo e muscular ou cantoplastia palpebral.
Análise Estatística
Para realização da análise estatística empregou-se o STATCALC do programa Epi-Info versão 3.3.2, considerando o intervalo de confiança de 95%. Avaliou-se o risco relativo com valores de P < 0,05 e aplicou-se o teste exato de Fisher.
RESULTADOS
No período de janeiro de 2001 a janeiro de 2005, foram admitidos 285 (157 homens e 128 mulheres) pacientes portadores de paralisia facial em hospital de reabilitação em Brasília. Os dados foram obtidos dos prontuários, estando incompletas as informações de 45 (15,8%) pacientes. As causas e a faixa etária da paralisia facial estão descritas na Tabela 1. Foram observados 122 (42,8%) casos de paralisia com características de paralisia idiopática ou de Bell, 48 (16,8%) de paralisia congênita, 17 (6%) decorrente de traumatismo cranioencefálico, 54 (18,9%) por acidente vascular cerebral, 9 (3,2%) por traumatismo facial, 9 (3,2%) decorrentes de tumores, 7 (2,4%) em decorrência de neurinoma do acústico, e 19 (6,7%) por outras etiologias (Tabela 1).
Na Tabela 2, é apresentada a incidência de sequelas, segundo a etiologia da paralisia facial.
Dentre os pacientes admitidos com paralisia facial de etiologia idiopática, 79 (64,8%) foram classificados, segundo a escala de House-Brackmann, como graus V e VI, 24 (50%) das etiologias congênitas apresentavam grau II, e 7 (77,8%) casos de tumores, 7 (100%) casos de neurinomas do acústico e 9 (47,4%) de causas diversas apresentavam graus V e VI (Tabela 3).
Foram admitidos 228 (80%) pacientes a partir da terceira semana do início dos sintomas e sinais de paralisia facial, com tempo de acompanhamento médio de 18 meses. Desses pacientes, 121 (42,5%) apresentaram recuperação gradual em 6 meses a 12 meses, por tratamento clínico, corticosteroide, antivirais, fisioterapia ou espontaneamente, e em 119 (41,8%) a recuperação foi parcial ou a paralisia facial foi irreversível (Tabelas 4 e 5), dos quais 58 (20,4%) apresentaram paralisia facial total, 6 casos apresentaram mais de um episódio de paralisia e evoluíram sem sequelas.
As variáveis que influenciaram a evolução das sequelas foram: faixa etária, risco relativo (RR) de 0,58 (0,45; 0,74) com P = 0,00002 e grau de admissão II e III, RR de 1,5 (1,17; 1,96) com valor de P = 0,007, e em causas congênitas e por sequela de acidente vascular cerebral.
Todos os pacientes foram submetidos a programa de reabilitação e para 29 (10,2%) indicou-se reabilitação cirúrgica. Em 12 casos de paralisia parcial em paciente com déficit cognitivo, contraindicações clínicas ou psicológicas, ou quando o paciente não desejou realizar o procedimento de reanimação cirúrgica optou-se pela cantoplastia lateral para a proteção ocular.
Reabilitação cirúrgica foi indicada nos casos de paralisias irreversíveis, com evolução de mais de dois anos. Microneurorrafia término-terminal foi executada em 2 pacientes, anastomose hipoglossofacial foi realizada em 4, transposição do músculo temporal em 7, cantoplastia em 12, e procedimentos complementares em 4 casos. Dentre os casos operados, 27 recuperaram pelo menos um grau na classificação de House-Brackmann, e apenas 3 casos mantiveram-se na classificação V (pacientes com mais de 60 anos de idade, lesões tardias pós-ressecção de neurinoma do acústico e sequela de acidente vascular cerebral).
DISCUSSÃO
Conforme observado neste estudo, e corroborando os dados da literatura, a causa mais comum de paralisia facial é a de início súbito, precedida de disestesia, epífora, hiperacusia e alterações lacrimais, também denominada paralisia idiopática ou de Bell1,2,6,7.
Descreve-se na literatura que a incidência de paralisia idiopática é de 20 casos por 100 mil por ano2. Nesta casuística encontrou-se incidência de 122 casos em 5 anos, ou 20 casos, em média, por ano. Nesses casos, observou-se 80% de recuperação da função facial em menos de um ano. Dados semelhantes foram encontrados por Peitersen8, em estudo que incluiu 2.570 casos, demonstrando que em 85% dos pacientes a função retornou em 3 semanas e em 15%, após 3 meses a 5 meses. Observou, ainda, sequela leve em 12% dos casos, moderada em 13%, e grave em 4%. Nesta casuística, a incidência de graus V e VI na escala de House-Brackmann foi de 67%, 20% dos pacientes se mantiveram nessa classificação, ou seja, na forma grave, e a cirurgia foi indicada em 10% desses casos.
Não foi possível analisar os efeitos do tratamento clínico ou da descompressão cirúrgica, pois 95% dos casos foram admitidos a partir da terceira semana do início dos sintomas e já havia sido aplicado tratamento clínico em outros serviços, sem protocolo terapêutico definido. Não está estabelecido, mas estudos sugerem que, em pacientes adultos, o uso de corticosteroides associados a aciclovir está relacionado a melhor recuperação funcional. Esse tratamento poderia ser prescrito nos primeiros 7 dias do início, sendo os melhores resultados observados quando utilizado até o quarto dia7-12.
Os outros dois grupos principais de causas de paralisia facial foram aquelas consequentes a lesões cerebrais e as congênitas. Os 48 casos de paralisia de origem congênita foram observados em pacientes com menos de 20 anos de idade. Nesta casuística, assim como na avaliada por Kobayashi (apud Stamm13), o tipo mais comum de paralisia facial congênita foi a unilateral isolada do lábio inferior. A paralisia facial congênita bilateral, menos frequente, pode ser decorrente da síndrome de Moëbius, que, além do VII par, acomete outros nervos cranianos, tais como o oculomotor, o trigêmeo e, especialmente, o nervo hipoglosso14, neste relato observada em 4 casos.
O terceiro grupo foi formado por causas centrais. A principal causa da paralisia facial central é vascular, decorrente de acidente vascular cerebral4. Para o diagnóstico diferencial entre paralisia facial central e paralisia facial periférica, considera-se a presença de outros sintomas neurológicos e alterações no exame físico, com comprometimento principal do terço inferior da face. É difícil realizar o seguimento prolongado desses casos, pois muitos são admitidos para reabilitação da lesão cerebral, treino familiar e depois mantêm o acompanhamento clínico em outro serviço.
Dentre as causas diversas encontram-se as síndromes raras, com malformações associadas e com maior chance de sequelas. Na síndrome de Ramsay Hunt, observada em 6 pacientes, o tempo de remissão foi superior a 12 meses, e houve 4 casos com sequela, o que coincide com as observações de Sweeney & Gilden15, segundo as quais esses pacientes têm menor recuperação.
Todos os pacientes foram admitidos no programa de fisioterapia. O real valor da fisioterapia pode não ter sido demonstrado em vários estudos, mas parece ter efeito benéfico no acolhimento, para evitar deformidades e manter a flexibilidade e a elasticidade muscular durante o período de paralisia, principalmente nos casos de paralisia de Bell. Os exercícios específicos podem ser indicados quando se observa esboço de movimento da musculatura envolvida e no acompanhamento pós-operatório de transferências de nervo ou muscular, com auxílio de aparelhos de biofeedback. Embora não interfiram na velocidade de recuperação, podem melhorar a função e, além disso, fornecem suporte emocional durante as fases evolutivas da paralisia16.
A reabilitação cirúrgica está indicada para casos de paralisia irreversível e com mais de dois anos de lesão. Embora a reabilitação cirúrgica tenha sido possível em 10% dos casos, segundo Labbé et al.17, restaurar a plenitude da expressão facial simétrica é quase impossível, mesmo utilizando protocolo cirúrgico único. Vários fatores podem influenciar os resultados, como idade, condições clínicas, etiologia, grau de lesão, vascularização dos tecidos e, sobretudo, nível da lesão e duração da paralisia.
CONCLUSÕES
Trata-se de estudo retrospectivo em que foram evidenciados 49% dos casos com paralisia facial irreversível. As variáveis que influenciaram a evolução das sequelas foram: faixa etária, graus de admissão II e III, casos de etiologias congênitas e por sequela de acidente vascular cerebral.
REFERÊNCIAS
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Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, cirurgiã plástica da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Brasília, DF, Brasil.
Correspondência para:
Kátia Torres Batista
SMHS - Quadra 301 - Bloco A
Brasília, DF, Brasil - CEP 70335-901
E-mail: katiatb@terra.com.br
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 2/6/2011
Artigo aceito: 11/10/2011
Trabalho realizado na Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Brasília, DF, Brasil.
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