ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Perspectivas do uso de células-tronco em Cirurgia Plástica
Stem cell perspectives in Plastic Surgery
Review Article -
Year2011 -
Volume26 -
Issue
1
Rogério Schutzler Gomes
RESUMO
Introdução: A recente descoberta que tecidos adultos têm células-tronco com capacidade pluripotencial deu início a uma série de pesquisas, pois descarta questões ético-religiosas e imunológicas. A Cirurgia Plástica despertou interesse recentemente para o tema, e participa nas pesquisas de células-tronco a partir do momento que o tecido adiposo e a pele tornaram-se fontes de obtenção e diferenciação de células-tronco, abrindo novas perspectivas de tratamento para deformidades congênitas e adquiridas, com finalidade reparadora ou estética. Objetivo: Mostrar o estágio atual das pesquisas publicadas com células-tronco adultas ou somáticas, com ênfase nas derivadas da gordura e da pele, e as perspectivas de terapia celular com células-tronco que mostrem relação com a Cirurgia Plástica. Método: Utilizamos o sistema Medline, via website da Biblioteca Virtual em Saúde (http://www. bireme.br/php/index.php), pesquisando artigos no período de 1997-2009, o sistema LILACS pelo mesmo endereço eletrônico e no mesmo período e, por último, o programa de busca Google, para o mesmo período (www.google.com.br). Resultados e Conclusões: Os estudos recentes publicados sobre células-tronco relacionados à Cirurgia Plástica demonstram novas perspectivas para correção de deformidades adquiridas e congênitas, alterações cicatriciais, queimaduras, estrias, manchas hiper e hipocrômicas, bem como participação na obtenção e no preparo de material (gordura e pele) para uso em outras especialidades médicas. Os estudos se multiplicam em todo o mundo, e é importante que a especialidade Cirurgia Plástica esteja envolvida e atenta a esta promissora área de pesquisa e tratamento.
Palavras-chave:
Células-tronco. Tecido adiposo. Engenharia tecidual.
ABSTRACT
Introduction: The recent discovery that adult tissues have pluripotent stem cells has spurred a series of studies on such cells, because the discovery dismisses ethical, religious, and immunologic issues. SCs have recently attracted attention in plastic surgery, because the use of adipose tissue and skin as sources of SC production and differentiation has opened new avenues for the restorative or esthetic treatment of congenital and acquired deformities. Objective: The aim of this review is to discuss the current published research on adult or somatic stem cells, with emphasis on those derived from adipose tissue and skin, and the prospects of stem cell therapy in plastic surgery. Methods: The Medline and LILACS databases through the Virtual Health Library (http://www.bireme.br/php/index.php) and Google (www.google.com.br) were searched for articles published in 1997-2009. Results and Conclusions: Recently published studies on stem cells related to plastic surgery reported on new avenues for the use of adipose tissue and skin as sources of stem cell production and differentiation to correct congenital and acquired deformities, scarring, burns, stretch marks, and hyperchromic and hypochromic spots. The online search also provided information on obtaining and preparing material (fat and skin) for use in other medical specialties. The innumerable studies on stem cells worldwide emphasize the need to focus on this promising area of research and treatment in plastic surgery.
Keywords:
Stem cells. Adipose tissue. Tissue engineering.
INTRODUÇÃO
A recente explosão de interesse em pesquisas com células-tronco (SC) em praticamente todas as áreas da Medicina é decorrente, em grande parte, ao reconhecimento que uma ampla variedade de tecidos adultos contém SC1 e que essas células são pluripotenciais, ou seja, além de serem precursoras de células do tecido de origem, podem, em condições específicas de cultura, produzir outros tipos celulares. Essa pluripotencialidade coloca a questão do uso médico dessas células em bases totalmente novas. São eliminadas não só as questões ético-religiosas envolvidas no emprego das células-tronco embrionárias (ESC), mas também os problemas de rejeição imunológica, já que SC do próprio paciente adulto podem ser usadas para regenerar seus tecidos ou órgãos lesados2.
As células-tronco adultas ou somáticas (SSC) são as que se desenvolvem a partir das células especializadas do ectoderma (células epidérmicas da pele, neurônios e células pigmentadas), mesoderma (células do músculo cardíaco, músculo estriado, músculo liso, tubulares do rim, sanguíneas, tecido adiposo), endoderma (células pancreáticas, da tireoide, alveolares pulmonar) e células germinativas (óvulo e espermatozoide) (Figura 1).
Figura 1 - Células-tronco adulto ou somáticas, derivadas dos 3 folhetos embrionários e células germinativas, a partir da gastrulação.
Atualmente, vários grupos de estudos, entidades e empresas, no Brasil (Quadro 1) e exterior (Quadro 2), estão envolvidos e empenhados em pesquisar SC, seja nos seus estágios embrionários ou adultos (ou somáticos).
A Cirurgia Plástica despertou interesse recentemente para o tema, e participa nas pesquisas de SC a partir do momento que o tecido adiposo (AT) e a pele tornaram-se fontes de obtenção e diferenciação de SC, abrindo novas perspectivas de tratamento para deformidades congênitas e adquiridas, com envolvimento do sistema muscular, esquelético, nervoso e alterações cutâneas com finalidade reparadora ou estética.
O objetivo deste trabalho é demonstrar, por meio de revisão narrativa, o estágio atual das pesquisas publicadas com SC adultas ou SSC, com ênfase nas derivadas da gordura (ADSC) e da pele (sSC), e as perspectivas de terapia celular com SC que mostrem relação com a Cirurgia Plástica.
MÉTODO
Foi utilizado o sistema Medline, via Biblioteca Virtual em Saúde (http://www.bireme.br/php/index.php), pesquisando artigos no período de 1997-2009, com as palavras-chaves: adipose e stem cells, e posteriormente, skin e stem cells. Foram selecionados os artigos relacionados com Cirurgia Plástica, totalizando 23 artigos.
Em seguida, utilizamos o sistema LILACS, pelo mesmo endereço eletrônico, empregando a palavra-chave células-tronco. Por último, utilizamos o programa de busca na Internet Google (www.google.com.br), com as palavras-chaves células-tronco (31.700.000 resultados), células-tronco gordura (440.000 resultados) e células-tronco pele (87.300 resultados), sendo analisados os artigos científicos disponibilizados para acesso, sites de instituições universitárias, hospitalares e instituições criadas para estudo de células-tronco, nacionais e internacionais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As SSC derivadas do mesoderma (MSC), encontradas em muitos tecidos adultos, são atualmente as mais utilizadas em pesquisas de regeneração tecidual, por serem células indeferenciadas, capazes de autorrenovação, com alta capacidade proliferativa e pelo potencial de diferenciação3.
Fontes de MSC
Embora a medula óssea (BM) seja hoje a principal fonte para isolamento de MSC3, a obtenção de BM é um procedimento altamente invasivo, doloroso, sob anestesia geral ou bloqueio regional. Além disso, há uma pequena quantidade de SC (aproximadamente 1 MSC por 105 células do estroma aderente)4, menor potencial de diferenciação e tempo de vida máximo que diminui com o passar da idade3. Assim, é preciso uma expansão ex vivo para obter um número de células adequado para pesquisa ou tratamento, o que exige 2 a 3 meses de preparo e, consequentemente, risco maior de contaminação e perda das células4. Com isso, fontes alternativas para isolar MSC têm sido objeto de intensa investigação4,5.
Uma dessas fontes é o sangue do cordão umbilical (UCB), que pode ser obtido por um método menos invasivo, sem prejuízo para a mãe ou a criança6, mas em momento único da vida. Possui características semelhantes às SC da BM em relação a quantidade e potencial de diferenciação. Não encontramos em nossa revisão estudos publicados que comprovem a possibilidade de uso deste material armazenado após vários anos com viabilidade e eficácia terapêutica. No Brasil, são poucas as empresas que comercializam e armazenam UCB.
Outra fonte é o AT, que utiliza um método menos invasivo (lipoaspiração) e disponível em maiores quantidades de material que a BM. Tem-se demonstrado que o AT obtido de lipoaspiração contém SC em concentrações semelhantes à BM por grama de tecido7. As células-tronco derivadas de tecido adiposo (ADSL) podem ser isoladas do material lipoaspirado em grande número e crescem facilmente sob condições habituais de cultura tecidual. A diferenciação em outros tecidos também já foi confirmada5,7,8.
Estudos recentes comparativos de SC derivadas de BM, UCB e AT demonstraram que estas possuem semelhanças em relação a morfologia, fenótipo imune, sucesso no índice de isolamento de SC, frequência de formação de colônias e capacidade de diferenciação em outros tecidos3.
O procedimento cirúrgico simples para o cirurgião plástico, a possibilidade de acesso fácil e reprodutível, e o procedimento descomplicado de isolamento baseado em enzimas, faz que o AT seja atrativo para pesquisadores e clínicos8.
Inoculação e Migração (Homing)
É importante ter conhecimento das vias de inoculação das SC e mecanismos que regulam a sua migração para a microcirculação do tecido-alvo (denominado homing nos artigos pesquisados), para melhor compreender as possibilidades terapêuticas e como melhorar o desempenho das SC.
A via de inoculação das MSC influencia o alcance dos órgãos-alvos. Administração sistêmica pode ser feita por via endovenosa (IV), intraperitoneal (IP), intra-arterial (IA) e intracardíaca (IC).
A via IV é a menos invasiva, entretanto as vias IC e IA têm levado a melhores índices de integração aos tecidos-alvo que a IV, em certos modelos de infarto miocárdico9. Estudos experimentais em tecido cerebral de ratos demonstram que a via IA, próxima do tecido-alvo, aumenta a presença de MSC na massa encefálica se comparada com injeção IV distante, mas também leva a aumento da probabilidade de oclusão microvascular (impedimento passivo). A via IP é raramente usada, ficando restrita a alguns modelos experimentais com ratos. Outra via em estudo, com boa perspectiva, é a infusão local (diretamente no local desejado), mas foi observado que, em determinados sítios, pode ocorrer limitação na difusão de nutrientes e oxigênio, sem ocorrer resposta cicatricial adequada. Já em outros locais, como cérebro e coração, não é possível o uso clínico, pelo alto grau de invasividade9.
O momento clínico da liberação nos tecidos, número de células liberadas e local de infusão das MSC podem influenciar a eficiência da integração ao tecido-alvo e o destino das MSC. O acúmulo de evidências sugere que as MSC têm papel significativamente maior em regular a cicatrização de feridas e doenças inflamatórias que anteriormente pensado. Estudos que tentam otimizar a liberação de MSC revelam que o maior número de MSC, bem como a liberação de MSC precocemente após episódio de isquemia, resultaram em maiores índices de homing, embora diferenças nos resultados funcionais ainda não tenham sido observadas9.
Os estudos atuais indicam que o homing ocorre de forma mais eficiente, por inflamação ou trauma, atingindo alvos específicos de tecidos9. Nestes tecidos-alvo, há dados que sugerem mediação por meio de quimiocinas, receptores de quimiocinas e pela adesão de moléculas ao endotélio, semelhante ao que ocorre com os leucócitos através de P-selectina e VCAM-1 (Figura 2)10. As quimiocinas são glicoproteínas envolvidas em vários processos biológicos, como tráfego de leucócitos, hematopoiese, angiogênese e organogênese. Há aproximadamente 50 quimiocinas humanas agrupadas em 4 categorias baseadas na posição da cisteína dentro da sequência de aminoácido primário, assim nominadas: CC, CXC, CX3C e XC. Os receptores de quimiocinas são nomeados pelo tipo de quimiocinas, seguidas da letra R (receptor) e um número que indica a ordem de descoberta10. Estudos adicionais podem permitir o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para aumentar o recrutamento de MSC em tecidos traumatizados ou doentes. Isto pode levar a várias possibilidades terapêuticas, como suporte a tecidos em regeneração, correção de desordem hereditárias, regulando inflamação crônica e usando estas células como veículos para liberação de agentes biológicos10.
Figura 2 - Mecanismo de homing, semelhante ao realizado pelos leucócitos. Fonte: Chamberlain et al.10.
O melhor conhecimento do homing deve também reduzir significativamente o número de células necessárias para alcançar efeito terapêutico, e presumivelmente oferecer melhor recuperação para os pacientes9. Considerando-se a natureza sistêmica de muitas doenças e o desejo de ter terapias minimamente invasivas, a infusão sistêmica de MSC que possam promover regeneração tecidual e efeito imunossupressivo representa uma modalidade terapêutica atrativa9.
Ação Parácrina
Outra via a ser explorada é o potencial de ação parácrina na regeneração mediada por MSC, em especial o adipócito2. Se este provar ser um princípio geral, SC poderiam ser produzidas para expressar aumento nos níveis de fatores parácrinos (hormonais), agindo como alvos, prontamente administrados por sistemas de liberação de moléculas terapêuticas, o que cria uma nova fase para a terapia genética, especialmente em doenças degenerativas e malformações congênitas.
Com a evolução das pesquisas também surgem novas questões e obstáculos, que apesar de parecerem dúvidas acadêmicas, são fundamentais para o futuro das terapias com SSC. Alguns dos problemas e questões mais comumente citados na literatura a serem esclarecidos: a heterogeneidade das MSC dentro dos estudos e comparação com outros estudos; falta de métodos padronizados para determinar o homing e correção com impacto funcional; dificuldade para determinar quais tipos celulares se instalaram no tecido-alvo (especialmente se uma população heterogênea de células é infundida sistemicamente); prematuridade para construir uma definição de MSC homing; falta de métodos padronizados para determinar a presença de MSC no sangue periférico; se as MSC injetadas localmente podem entrar na corrente sanguínea durante infusão, considerando que muitos locais anatômicos são altamente vascularizados; ausência de anticorpos apropriados para controle e provar que interações entre receptores específicos e adesão são necessárias para instalação em tecidos-alvo9.
SC e Neoplasia
Outra linha de pesquisa demonstra que existe semelhança entre as células metastáticas tumorais e as SC. Sabe-se que as células metastáticas se dissociam do tumor, procuram alvo específico por ação de quimioreceptores. O que foi descoberto é que muitos quimioreceptores de superfície do tumor são iguais aos quimioreceptores das SC. Dentro dessa linha, a metástase pode ser considerada o lado negro da regeneração2. É preciso que se estabeleça melhor a relação entre tumor e SC, se existe semelhança entre elas ou se são células com funções diferentes e com mecanismos de disseminação semelhantes. Se forem semelhantes, é necessário definir os parâmetros para tratamento sem ocorrer diferenciação oncológica.
Uma pergunta a ser respondida é sobre o potencial das SC chamadas de tumorais no tratamento oncológico. Para muitos investigadores, o campo das células-tronco tumorais (TSC) parece ainda muito confuso11. De um lado há quem considere a descoberta de TSC muito longe de poder curar câncer, mas que o melhor conhecimento destas células é tremendamente importante. De outro lado, outros questionam a existência de TSC e argumentam que a importância relativa desta população é desprezível11.
Na verdade, não está bem estabelecida a presença de subpopulação de TSC em todos os tecidos com neoplasia maligna12. O fato de existirem em alguns tecidos pode sugerir que os tumores evoluam de SC; entretanto, a exata origem da célula tumoral, o potencial papel de diferenciação e a plasticidade no desenvolvimento do tumor são amplamente desconhecidos12. Estudos mais aprofundados poderão correlacionar a adequada relação entre SC e tumores.
Um modelo de tumor maligno para estudo do processo oncológico é o melanoma12. É relativamente bem conhecido o comportamento biológico dos melanócitos, os pigmentos celulares, como eles se diferenciam, degeneração benigna e maligna na superfície da pele, permitindo observação direta de achados de crescimento, detecção precoce e remoção. Este pronto acesso a estágios iniciais do tumor vai facilitar o estudo do processo oncológico inicial e o papel das SC teciduais12. Melanoma, assim como outros tipos de câncer, possuem uma subpopulação de TSC. Estas TSC tiveram acesso a programas de desenvolvimento embriológico, incluindo capacidade de se diferenciar em várias linhagens celulares12. O modelo TSC continua evoluindo, mas a existência de TSC tem grande significado para o desenvolvimento do tumor, diagnóstico, prognóstico e tratamento do melanoma e outros tumores12.
Existem grupos de estudo que estudam a possibilidade de terapia tumoral através das TSC, focando na descoberta dos mecanismos que regulam a auto-renovação e subsequente desenvolvimento de terapias que seletivamente atinjam as vias de auto-renovação. Sabe-se que as SC normais têm relevância clínica potencial pela resistência natural a toxinas xenobióticas, que é a fonte de várias formas de quimioterapia11. Outro exemplo de biologia das SC que pode ser relevante para as TSC é o mecanismo pelo qual as SC regulam as propriedades do tipo reparo de DNA, o estado oxidativo, entre outras funções11.
Dentro do conceito de terapia tumoral, um trabalho13 utilizando MSC de medula óssea, retirada e expandida in vitro, injetadas IV e intratumoral, obteve boa resposta intratumoral, mas temporária. Não manifestou efeitos debilitantes da quimioterapia e não foi observado homing em tecidos sãos.
De importância para a Cirurgia Plástica, existe um trabalho publicado14 que identificou MSC em hemangioma infantil, e que poderiam contribuir para a adipogênese durante a fase involutiva.
ADSC
As ADSC podem ser facilmente isoladas do AT humano. O método mais descrito na literatura é o de Zuk et al.4 que, de forma resumida, utiliza técnica convencional de lipoaspiração úmida, onde 300 ml deste volume é submetido a limpeza com soro fisiológico, digestão extracelular com colagenase 0,075% em banho-maria e centrifugação a 1200g, para posterior preparo e obtenção do pellet onde se encontram as ADSC. A técnica de Yoshimura et al.5 utiliza o mesmo método e sugere a presença de ADSC na fração não-gordurosa centrifugada, apesar de ser em menor quantidade, o que pode ser mais bem estudado para aplicação clínica futura em casos específicos que exijam quantidades maiores de ADSC.
Características das ADSC obtidas de estudos experimentais dizem que nem o tipo de cirurgia (dermolipectomia ou lipoaspiração), nem o local anatômico do AT afetou o número total de células viáveis que podem ser obtidas15,16. Há relatos que a lipoaspiração úmida, com seringa ou aparelho, ou ressecção em bloco de gordura, são superiores à lipoaspiração ultrassônica8,15,16. A capacidade de proliferação é melhor em pacientes mais jovens, mas a capacidade de diferenciação não modificou com a idade8. Sabe-se que a relação de adipócitos e ADSC é constante em humanos, independente do índice de massa corporal17. ADSC pode variar entre pacientes pela região doadora, tempo de armazenamento e duração de ação da colagenase5. O maior número de adipócitos pode ser obtido de culturas colocadas em baixa densidade. Durante o preparo do AT, diferentes lotes de colagenase e velocidade de centrifugação podem levar ao isolamento de diferentes subgrupos celulares, e assim uma detalhada caracterização molecular das células isoladas precisa ser realizada8.
O adipócito tem o potencial de se diferenciar não só em células especializadas do mesoderma, como osteócitos, condrócitos, tendões, adipócitos8, mas também células de outros folhetos embrionários, com potencial neurogênico, angiogênico18, cardiomiogênico19, hepático5 e cutâneo20.
A engenharia de tecidos permite fazer projeções de uso clínico em várias áreas da Medicina, de acordo com o tipo de diferenciação celular (Quadro 3)8. A literatura é categórica em afirmar a grande expectativa com as futuras pesquisas8,18.
Atualmente, na literatura existem relatos de uso de ADSC em Cirurgia Plástica para enriquecimento dos enxertos de gordura (Figura 3), em modelos experimentais com coelhos21, ratos22, casos clínicos de pele irradiada pós-mastectomia23, casos clínicos de mamaplastia de aumento24, todos com bons resultados. Há também um trabalho que utilizou ADSC humanas injetadas em cérebro de ratos induzidos a lesão neuronal do tipo coreia de Huntington, onde foi demonstrada melhora clínica, da forma e do tamanho dos neurônios25. No Brasil, no Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica de 2008, foi apresentado resultado inicial de estudo clínico realizado no Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, de enriquecimento de enxertos de gordura com ADSC, e seguimento de até 1 ano, demonstrando os efeitos das ADSC na integração da gordura enxertada, onde após perda de volume inicial, observou-se crescimento após 4-6 meses e melhora estética significativa.
Figura 3 - Modelo esquemático de enriquecimento de enxerto de gordura, obtido através de lipoaspiração, com células-tronco derivadas de tecido adiposo (ADSC).
Outros potenciais de diferenciação específicos para Cirurgia Plástica vêm sendo desenvolvidos, como o de células epidérmicas da pele26 e células pigmentadas20, que podem ocorrer desde que se desenvolvam as condições adequadas de cultura20. Isto permite imaginar o uso futuro de ADSC em doenças e condições estéticas relacionadas à pele, como rugas, manchas hiper e hipocrômicas, estrias, cicatrizes inestéticas, hipertróficas e queloides. Para se ter uma ideia, um trabalho recente26 examinou a influência das ADSC no processo regenerativo da pele, do ponto de vista da engenharia de tecidos, utilizando matrizes extracelulares humanas, endogenamente produzidas por fibroblastos da derme ou ADSC indiferenciadas, sem material exógeno ou sintético. Queratinócitos humanos foram plantados e cultivados nestas matrizes, tendo como resultado um substituto de pele de 2 camadas, com junção dermo-epidérmica bem definida, o que não acontece com substitutos sintéticos de pele derivados de colágeno tipo I bovino e fibroblastos. Foi identificada a presença de colágeno tipo I, III e IV, além de fibronectina, presentes na matriz extracelular humana. Estes achados sugerem que as ADSC podem substituir de forma adequada o fibroblasto dérmico. Também foi produzido, no mesmo trabalho26, um substituto de pele mais completo com 3 camadas: epiderme, derme e hipoderme, esta última possível pelo potencial adipogênico das ADSC, com possibilidade de uso em defeitos e traumatismos que comprometam a derme e o subcutâneo, bem como as queimaduras e cicatrizes patológicas.
Outra informação é que a criopreservação de tecido adiposo lipoaspirado mantém uma quantidade significativa de células processadas para posterior diferenciação, por pelo menos 2 semanas8.
As ADSC isoladas podem ser criopreservadas e expandidas in vitro e sob condições conhecidas, essas células desenvolvem uma morfologia semelhante ao fibroblasto8.
SC Derivadas da Pele e Fibroblastos
Muitas pessoas só pensam na atividade do folículo piloso quando precisam cortar o cabelo, barbear ou depilar-se, mas a pele contém uma população de células na epiderme que possui a habilidade de ser reprogramada, se transplantada para um meio embriônico em taxas maiores que 95%27. Isto sugere que a pele, que é o maior órgão do organismo e potencialmente possui o maior número de SC, pode ser uma fonte de fácil obtenção, que possui a capacidade de ser reprogramada1.
É sabido há várias décadas que a epiderme da pele contém uma subpopulação de células basais que exibem propriedades esperadas para SSC: ciclo celular lento, alto potencial proliferativo, localizada em nicho protegido, capacidade de manter e reparar o tecido que reside e espectro de vida longo1.
A quantidade SC em 1g de derme é maior que 1g de AT, apesar deste último ter a vantagem de disponibilidade maior, o que faz alguns autores sugerirem o uso combinado de pele e pequenas quantidades de gordura para reconstrução de pele26.
O nicho de SC no adulto é a papila dérmica do folículo piloso (Figura 4), que é uma condensação discreta de fibroblastos dérmicos especializados, situados na base do folículo piloso, denominado bulge, e que se distribuem ao longo do comprimento do folículo27. Elas são auto-renováveis e com condições de se reproduzir em número finito de divisões celulares antes de se diferenciar e deixar o compartimento proliferativo basal, o que é uma propriedade similar às SC em outros tecidos de renovação contínua1.
Figura 4 - sSC localizadas no bulge, que sob determinados estímulos neuro-mecânicos, produz atividade renovadora para o folículo piloso (movimento descendente) e para renovação da pele (movimento ascendente). Fonte: Jahoda & Reynolds26.
As células-tronco derivadas da pele (sSC) podem ser mantidas em cultura por longo período de tempo, preservando o potencial de diferenciação neural (neurônios, glia, células de Schwann)28.
Outra referência mais recente29 descreve que é mais difícil isolar as SC da pele humana adulta que de um neonato, além de precisar ser definido o volume mínimo de pele adulta para gerar um número suficiente de SC para uso futuro, o que sugere que com a idade ocorra diminuição das sSC. Um método indireto de identificar sSC é a dosagem de marcadores moleculares intracelulares, como a beta1-integrina, que são necessários para desenvolvimento normal dos folículos pilosos, e estão elevados na presença de sSC27.
MSC e Fibroblastos
Existe pelo menos um trabalho que demonstra a dificuldade de diferenciar MSC e os fibroblastos (possuem características histológicas e propriedades semelhantes), e que muitas células primárias semelhantes ao fibroblasto derivadas de vários tecidos humanos, como pulmão, pele, cordão umbilical e membrana amniótica, contêm células capazes de diferenciar em pelo menos uma linhagem mesenquimal, incluindo osteoblastos, condrócitos e adipócitos30.
Já é conhecido o isolamento de células precursoras da pele (derme) multipotentes obtidas de couro cabeludo humano (fibroblastos)31-33 com potencial de diferenciação mesenquimal e neurogênico. Tem grande importância porque estas células podem ser prontamente obtidas e expandidas, o que pode levar ao interesse geral para uso terapêutico.
Atualmente uma empresa de bioengenharia de células e tecidos sediada em Petrópolis (RJ), a Excellion (www.excellion.com.br), criada em 2005 por incentivo do Hospital Pró-Cardíaco e apoios da FAPERJ (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), da prefeitura de Petrópolis, e um grupo de 3 pesquisadores, atua oferecendo obtenção e cultura de queratinócitos, fibroblastos, células mesenquimais da gordura e medula óssea, manipulação e criopreservação de SC hematopoiéticas da medula óssea, com aplicações em restauração de deformidades cutâneas (cicatrizes de acne, cicatrizes fibrosas, etc), retirada de tatuagens, tratamento de queimaduras, enxerto autólogo de medula óssea, lesões ósseas, osteonecrose asséptica, isquemia e úlceras de extremidades e terapia gênica. Comercializa fibroblasto obtido por biopsia de pele e devolvida em seringas prontas para preenchimento a ser realizado em 3 etapas, com intervalos de 2-3 semanas, para uso em rugas finas, cicatrizes depressivas e cicatrizes de acne, com relatos de bons resultados em casos clínicos acompanhados31-33.
O que se pode projetar é que as sSC e os fibroblastos cultivados irão melhorar a perspectiva para troca de pele, engenharia de tecidos baseada em pele, tratamento de câncer de pele, terapia genética27, rugas finas, cicatrizes depressivas e cicatrizes de acne31-33.
CONCLUSÕES
Os estudos atuais de SC demonstram resultados animadores em todas as áreas da Medicina, e na Cirurgia Plástica desenvolvem-se novas perspectivas para correção de deformidades adquiridas e congênitas, alterações cicatriciais, queimaduras, estrias, manchas hiper e hipocrômicas, bem como participação na obtenção e no preparo de material (gordura e pele) para uso em outras especialidades médicas. Os estudos se multiplicam em todo o mundo e acreditamos que, em breve, a terapia celular com SC fará parte do dia-a-dia do cirurgião plástico. É importante que a especialidade Cirurgia Plástica esteja envolvida e atenta a esta promissora área de pesquisa e tratamento.
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Cirurgião Plástico da Clínica Beiramar Cirurgia Plástica, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Florianópolis, SC, Brasil.
Correspondência para:
Rogério Schutzler Gomes
Av. Osvaldo Rodrigues Cabral, 1570 conj.302 - Centro
Florianópolis, SC, Brasil - CEP 88015-710
E-mail: rogério@rogeriogomes.com.br
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP
Artigo recebido: 6/12/2010
Artigo aceito: 4/2/2011
Trabalho realizado na Clínica Beiramar Cirurgia Plástica, Florianópolis, SC, Brasil.
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