ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Resultados da descompressão e anteriorização do nervo ulnar no cotovelo
Results of ulnar nerve decompression and anterior transposition at the elbow
Original Article -
Year2011 -
Volume26 -
Issue
1
Kátia Torres Batista1; Hugo José de Araújo2; Aloysio Campos da Paz Júnior3
RESUMO
Introdução: A compressão do nervo ulnar no cotovelo é a segunda causa mais frequente de neuropatia compressiva no membro superior. Na maioria dos casos, a compressão ocorre no canal cubital, vulnerável à compressão extrínseca, intrínseca ou idiopática. O tratamento cirúrgico é controverso. Método: Os autores descrevem os resultados da descompressão e transposição anterior do nervo ulnar realizadas em 58 pacientes. Resultados: Identificou-se como causa principal a fratura de cotovelo e a hanseníase. Na Rede Sarah, entretanto, têm sido frequente (15%) também as indicações por compressão causada por ossificação heterotópica em casos de lesados medulares e/ou cerebrais. Realizamos 57% de procedimentos associados à retinaculotomia dos flexores, descompressão no canal de Guyon e transferência tendínea para músculos intrínsecos. Obteve-se 80% de bons e excelentes resultados, 20% de complicações, dor neuropática, distrofia simpática reflexa e manutenção dos sintomas, observadas em pacientes diabéticos e portadores de hanseníase.
Palavras-chave:
Síndromes de Compressão Nervosa. Síndrome do Túnel Ulnar. Nervo Ulnar.
ABSTRACT
Introduction: Ulnar nerve compression is the second most frequent compressive neuropathy. It mostly occurs in the cubital tunnel at the elbow, and its surgical treatment is controversial. Here, we aim to describe the results of subcutaneous decompression and anterior transposition of the ulnar nerve performed by the Plastic Surgery Team of the Sarah Brasilia Hospital over a 6-year period. Methods: We assessed the results of decompression and anterior transposition of the ulnar nerve performed in 58 patients between 2001 and 2007 according to the modified McGowan classification. Results: Elbow fracture and leprosy were the most frequent causes of ulnar nerve compression, followed by heterotopic ossification due to spinal cord and/or brain injury. Flexor muscle retinaculotomy, Guyon's canal decompression, and tendon transfer for intrinsic muscles were performed in 57% of the patients. Overall, 80% of the patients demonstrated good or excellent results; the remaining 20%, especially those with diabetes or leprosy, exhibited complications such as neuropathic pain, complex regional pain, and persistence of symptoms. Conclusion: Decompression and anterior transposition of the ulnar nerve at the elbow reduces tension and neuritis. Moreover, it is possible to obtain 80% good or excellent results in patients with Grade II and Grade III compression.
Keywords:
Nerve Compression Syndromes. Cubital Tunnel Syndrome. Ulnar Nerve.
INTRODUÇÃO
A compressão do nervo ulnar é a segunda causa mais frequente de neuropatia compressiva. Ocorre no cotovelo, na arcada de Struthers, no septo intermuscular, no epicôndilo medial, na cabeça medial do tríceps, no túnel cubital com a banda de Osborne e na aponeurose do pronador e flexores, arcada do flexor ulnar do carpo1-3, resultando em isquemia e neurite crônica. A sua etiologia inclui anormalidades ósseas, fraturas, tumores, gânglios, constrição fascial, subluxação do nervo no epicôndilo medial durante os movimentos de flexão do cotovelo e ossificação heterotópica4,5. O diagnóstico é clínico e complementado pelo exame eletroneuromiográfico1-3,6.
O tratamento conservador pode ser efetivo, e quando não há melhora clínica realiza-se a descompressão do nervo ulnar no canal cubital. Em 1930, Learmonth7 popularizou a técnica para descompressão e transposição do nervo ulnar no cotovelo. Desde então, vários procedimentos têm sido descritos, muito embora, com controvérsias quanto a melhor opção.
O objetivo desse artigo é descrever os resultados da descompressão e transposição subcutânea anterior do nervo ulnar, realizados pela Equipe de Cirurgia Plástica do Hospital Sarah Brasília, durante seis anos.
MÉTODO
Os pacientes submetidos a descompressão e transposição anterior do nervo ulnar no cotovelo, operados no Hospital Sarah Brasília, entre 2001 a 2007, foram avaliados quanto à idade, ao sexo e à causa. Os sintomas e sinais sensitivos, motores, subjetivos e objetivos foram obtidos no pré e pós-operatório, conforme a classificação de McGownan2,4 modificada (Quadro 1). O programa Epi-info versão 3.4.3 foi utilizado para análise dos dados.
A cirurgia foi indicada para os pacientes que apresentavam: persistência dos sintomas após tratamento conservador (medidas de proteção, uso de órtese, amitriptilina e antinflamatório, por 4 a 12 meses); achados objetivos da redução da sensibilidade avaliada pelo Teste de Semmeis-Weiss e motora, conforme a Medical Research Council; exame eletroneuromiográfico confirmando o comprometimento do nervo ulnar no segmento do canal cubital e exame de imagem evidenciando compressão extrínseca, como nos casos de hanseníase e ossificação heterotópica (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Vista de paciente no pré-operatório com sinais de paralisia do nervo ulnar; exame radiológico e transoperatório apresentando abscesso caseoso por neurite hansênica do nervo ulnar. Transoperatório de descompressão e anteriorização do nervo ulnar no canal cubital.
Figura 2 - Paciente portador de sequela de trauma cranioencefálico apresentava deformidade em flexão do cotovelo devido a ossificação heterotópica associado à compressão do nervo ulnar no canal cubital visto ao exame radiológico do cotovelo e no estudo da condução motora do nervo ulnar.
Técnica Cirúrgica
Os pacientes foram submetidos à anestesia bloqueio de plexo, axilar ou geral e ao esvaziamento do membro superior com faixa de Esmarch. Incisão de dez a 12 cm foi realizada na porção medial do cotovelo (Figura 3). Dissecção dos tecidos e do nervo proximal e distal, preservando-se o ramo cutâneo medial do antebraço e os ramos do nervo ulnar. Após a abertura do septo intermuscular e arcada de Struthers, realizou-se a transposição anterior no subcutâneo, preservando-se a vascularização. Ao final, flexionou-se o cotovelo para avaliar eventuais constrições ao movimento ou luxação do nervo. Procedeu-se à sutura subcutânea com monocryl 3-0 e imobilização com tala posterior, mantendo o cotovelo flexionado durante duas a três semanas.
Figura 3 - Sequência operatória: marcação, descompressão e transposição anterior do nervo ulnar no cotovelo.
Pós-operatório
Os pacientes foram acompanhados no programa fisioterápico e ambulatorial, utilizou-se o protocolo de McGownan4 no pré e no pós-operatório, em média após um ano. Foram afastados do trabalho por, no mínimo, oito semanas.
RESULTADOS
Foram estudados 58 pacientes entre 2001 e 2007, seis operados bilateralmente. Todos apresentavam neuropatia compressiva do nervo ulnar no cotovelo, evidenciaram-se alterações subjetivas, objetivas e foram submetidos à descompressão e transposição anterior no subcutâneo.
Um paciente abandonou o tratamento no terceiro mês de pós-operatório. O tempo de seguimento foi em média de um ano (seis meses a seis anos). Observou-se o predomínio no sexo feminino, entre 40-60 anos de idade (Figura 4).
Figura 4 - Distribuição quanto ao sexo e à idade.
A causa da compressão foi fratura de cotovelo em onze pacientes, hanseníase em nove, ossificação heterotópica em portadores de lesões cerebrais e/ou medulares em nove, compressão extrínseca por gota ou ganglion e não identificada em oito pacientes (Figura 5). Outras síndromes compressivas foram encontradas, tais como a síndrome do túnel do carpo em 18 pacientes e do canal de Guyon, em nove.
Figura 5 - Condições associadas.
O critério para elegibilidade do procedimento cirúrgico baseou-se na persistência dos sintomas de parestesia e dor, apesar do tratamento conservador e/ou do tempo de evolução da compressão, nos achados objetivos (alteração sensitiva e motora) e nos resultados do exame eletromiográfico, sendo este último considerado menos importante na indicação cirúrgica, muito embora utilizado para confirmação diagnóstica da compressão neural no cotovelo, com achados mielínicos e/ou axonais. Em relação aos resultados do exame eletroneuromiográfico realizado entre 8 e 12 meses de pós-operatório, identificou-se melhora em 28 pacientes, com a normalização no exame em 12, inalterado em 12, sequelar em 5 e piora em 3, não realizado nos demais. Os casos que apresentaram piora tinham diagnóstico de hanseníase.
A biopsia do epineuro evidenciou processo inflamatório inespecífico em 38 (64%) pacientes, 10 (17%) apresentavam fibrose, três (5%) hanseníase, um caso de hemorragia recente do nervo, um de processo granulomatoso, um de tofo gotoso (Figura 6) e um de ganglion.
Figura 6 - Paciente apresentando compressão extrínseca do nervo ulnar por tofo gotoso no cotovelo.
A maioria dos pacientes (56 casos) foi classificada no pré-operatório nos Graus II e III de McGownan4 (Tabela 1). Esses pacientes apresentavam alterações objetivas da sensibilidade e motora no pré-operatório, constrição do nervo no canal cubital observada no transoperatório. Dos nove pacientes diagnosticados como hanseníase, oito apresentavam Grau III.
Em 28% dos casos, realizou-se somente a descompressão e a transposição anterior e, em 35 (57%), foram realizados procedimentos associados: biopsia de epineuro, ressecção de ossificação heterotópica, descompressão no canal de Guyon e do nervo mediano no canal carpiano e outros procedimentos (abertura de compartimento extensor, abertura de polia) (Tabela 2).
Em 53% dos pacientes, observou-se a normalização dos sintomas e sinais apresentados no pré-operatório e, em 16 (27,6%), melhora em relação ao pré-operatório (Grau I). O procedimento foi efetivo em 80% dos casos (Tabela 3) e 20% apresentaram como complicações dor neuropática, dor complexa regional e persistência dos sintomas (Tabela 4). Em quatro daqueles pacientes classificados como Grau III, realizou-se a transferência tendínea, utilizando-se o tendão flexor superficial do IV ou V, conforme a Cirurgia do Laço de Zancolli, obtendo-se melhora da função da mão (Tabela 5).
DISCUSSÃO
O tratamento cirúrgico da neuropatia compressiva do nervo ulnar no cotovelo é ainda controverso, possível de recidivas ou mesmo de falha1,3. Os procedimentos cirúrgicos descritos são descompressão, transposição e epicondilectomia1-3. Em uma revisão sistemática, Dellon5 revisou 50 artigos, totalizando 2000 pacientes operados, observou que a preferência pessoal da equipe permanece como principal critério para seleção do procedimento cirúrgico. Nas compressões moderadas e graves, a descompressão e a transposição muscular oferecem os melhores resultados, com menos recorrência. Segundo Nathan et al.8, a descompressão simples é um procedimento relativamente descomplicado, que preserva a anatomia normal, mas com maior suscetibilidade a traumatismos e alongamento do nervo e possibilidade de subluxação em 2,4% dos casos. Nos casos de epicondilectomia, Popa & Dubert1 descreveram como vantagens a preservação do suprimento sanguíneo e dos tecidos em torno do nervo, mas pode ocorrer a instabilidade medial devido à desinserção do ligamento colateral ântero-medial, a perda da proteção do epicôndilo medial, a dor no pós-operatório devido a osteotomia, a subluxação do nervo sobre o epicôndilo e a contratura em flexão do cotovelo.
O procedimento descrito nesse estudo foi preconizado em 19307, com modificações. Partindo da nossa experiência e de outros autores, empregou-se a descompressão e a transposição do nervo ulnar no tecido subcutâneo. Essa técnica tem sido defendida por alguns autores13, devido à melhora clínica que apresenta e criticada por outros pela desvascularização que proporciona no nervo9,10 e à possibilidade de criar um novo sítio de compressão. Entretanto, é possível preservar a vascularização extrínseca do nervo11,12 e, tendo-se o cuidado e habilidade técnica, também, prevenir nova compressão. Em relação à fibrose proporcionada no nervo, consideramos que todas as técnicas evoluem com algum grau de fibrose devido ao descolamento do nervo. A qualidade do resultado depende do tempo do início dos sintomas e da etiologia8,9. As complicações observadas foram a dor neuropática e a distrofia simpático-reflexa, sobretudo em pacientes portadores de diabetes mellitus e mal de Hansen. Observaram-se seis casos de disestesia sem distrofia simpático reflexa, possivelmente devido à lesão por tração do ramo cutâneo medial do antebraço, nenhum paciente se queixou da posição mais superficial do nervo e quatro apresentaram a manutenção dos sintomas compressivos do nervo semelhante ao que é apresentado na literatura8-10. Vale ressaltar nessa casuística a frequência de procedimentos cirúrgicos associados, dentre esses a ressecção de ossificação heterotópica, cujo resultado foi de ganho funcional de amplitude de flexo-extensão do cotovelo e melhora clínica.
Os autores concordam que realizar a descompressão simples tornaria o nervo mais suscetível, passível de compressão, de traumatismos e manteria o alongamento do nervo durante os movimentos de flexão do cotovelo. Todavia, a utilização da descompressão e anteriorização do nervo ulnar no cotovelo reduz o alongamento no seu sulco14, consequentemente diminuindo a tensão e a neurite. Além disso, foi possível 80% de bons e excelentes resultados em pacientes classificados como grau II e III.
CONCLUSÃO
A descompressão e a anteriorização do nervo ulnar permitiram o alívio dos sintomas e sinais subjetivos e objetivos de neuropatia compressiva do nervo ulnar no canal cubital em 80% dos pacientes. As complicações foram observadas em 20% dos pacientes e relacionadas na maioria dos casos à hanseníase.
REFERÊNCIAS
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1. Membro titular; Médica, cirurgiã plástica do Hospital Sarah Brasília, Brasília, DF, Brasil.
2. Membro titular; Médico, cirurgião plástico do Hospital Sarah Brasília, Brasília, DF, Brasil.
3. Doutor em Ortopedia; Cirurgião-chefe da Rede Sarah de Hospitais, Brasília, DF, Brasil.
Correspondência para:
Kátia Torres Batista
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Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP
Artigo recebido: 3/1/2011
Artigo aceito: 15/2/2011
Trabalho realizado na Rede Sarah de Hospitais, Brasília, DF, Brasil.
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