ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2010 - Volume25 - Issue 1

RESUMO

Introdução: O plexo dérmico da face foi investigado com angiografia dos vasos subdérmicos. Uma linha vascular alongada se forma com a anastomose dos vasos subdérmicos e coincide com as linhas de tensão na superfície da pele, as linhas de Kraissl. Tomando como base o estudo de pesquisa de células tumorais nos gânglios-sentinela da axila para tumores da mama, adaptamos o mesmo raciocínio para estagiamento dos tumores malignos da pele. Método: A drenagem do tumor é feita por meio do sistema vascular e linfático que estão situados profundamente às linhas de força da pele. Acreditamos que as células tumorais no processo de disseminação do tumor poderão ser encontradas dentro deste sistema vascular e linfático, e o seu trajeto pode ser visualizado pela reação avermelhada que se forma ao redor do tumor e ao longo das linhas de tensão. Os limites desta vermelhidão nos serviram para guiar e marcar os prováveis limites de ressecção do tumor e para controle foram realizados exames de congelação durante a cirurgia. Resultados: Nos cinco casos operados com esta técnica comprovamos mais distantes a presença de células tumorais ao longo das linhas de Kraissl. A ressecção lateral do tumor foi bem menor, o que evidencia a facilidade de disseminação das células tumorais no sistema vascular e linfático. Denominamos estas linhas de tensão de linhas sentinelas da face.

Palavras-chave: Face/irrigação sanguínea. Cirurgia plástica. Sistema linfático. Neoplasias.

ABSTRACT

Introduction: The subdermal plexus of the face was angiographically investigated. A kind of line by anastomoses of the subdermal vessels was observed and almost coincided with the relaxed skin tension lines. Methods: In the skin maligned tumors, the drainage is by the vascular and lymphatic system situated under this skin lines. We observed in the tumor region, an adjacent hyperemic reaction who extended in Kraissl lines trajectory. The red lines can be the limits for surgical resection, a guide for tumor cells research with histopatological analysis. In lateral side of the surgical wound the resection was short, and this can demonstrated the facilitated vascular metastasis in subdermal plexus. We nominated this tension lines: the sentinel lines of the face.

Keywords: Face/blood supply. Plastic surgery. Lymphatic system. Neoplasms.


INTRODUÇÃO

Um estudo tridimensional da anatomia arterial de todo o corpo humano foi realizado por Hak Chung et al., da Universidade de Keio, no Japão, e por Houseman e Taylor, da Universidade de Melbourne, na Austrália. Utilizaram técnicas de angiografia e ressonância magnética associadas a injeções de um composto radiopaco gelatinoso de óxido de chumbo no sistema vascular de dez cadáveres frescos. Classificaram os vasos subdérmicos em três tipos diferentes, de acordo com seu trajeto e conformação da rede arterial em seus territórios vasculares na pele. Conseguiram visualizar e fotografar com detalhes a microanatomia dos diferentes territórios vasculares da pele da face e do pescoço.

O plexo arterial subdérmico ou plexo subpapilar é o mais superficial na pele, situa-se na borda da camada papilar e reticular da derme. Esta rede subdérmica está situada na junção entre a porção reticular profunda da derme e a parte inferior da camada de tecido gorduroso subcutâneo. Partem daí numerosas arteríolas que se dirigem para a porção superior para formar os diferentes tipos de vascularização dérmica e seus territórios.

Na pele, as artérias terminais dos plexos dérmicos do tipo 1 se irradiam longitudinalmente com a forma de uma elipse (Figura 1). O tipo 2 (Figura 2) tem uma artéria terminal central que se irradia com seus ramos em todas as direções (spot light) e o tipo 3 apresenta várias artérias profundas de curto trajeto e que se irradiam em pequenos círculos (Figura 3). Estes tipos de plexos dérmicos formam diferentes territórios vasculares na face e constituem um conhecimento valioso para a confecção dos retalhos.


Figura 1 - Tipo 1: longitudinal.


Figura 2 - Tipo 2: spot light.


Figura 3 - Tipo 3: pequenos círculos.



A anastomose ou o alongamento dos vasos destes plexos dérmicos adjacentes formam uma linha vascular que coincide na superfície da pele com as linhas de tensão descritas por Kraissl (Figuras 4 e 5). Acreditamos que os retalhos cutâneos da face devem ser desenhados ao longo das linhas de tensão, de forma a obter melhor suprimento de sangue e resultado estético.


Figura 4 - Drenagem venosa da face.


Figura 5 - Linhas de Kraissl.



MÉTODO

Na nossa rotina cirúrgica, observamos em alguns pacientes que, ao redor das feridas de tumores malignos da face se forma uma reação hiperemiada que se estende distalmente ao longo das linhas de tensão da pele. Como a drenagem das lesões malignas é feita através deste complexo venoso e linfático, que existe sob as linhas da pele, propusemos a realização da ressecção completa destes tumores malignos seguindo visualmente estas linhas vermelhas para configurar os limites da ressecção e pesquisa de células tumorais. Isto foi comprovado durante as cirurgias com exames de congelação, que nos indicaram a necessidade de alongar as ressecções cirúrgicas seguindo as linhas de tensão até o limite de encontrar bordos livres de células tumorais. Comprovamos que, na parte lateral da ferida operatória, ao longo das linhas de tensão da face, os bordos se mantiveram livres a curta distância, o que comprovou a facilidade de disseminação vascular do tumor através dos vasos do plexo dérmico existentes sob as linhas da face. Assim, resolvemos denominar estas linhas de tensão da pele como linhas sentinelas da face.

As linhas sentinelas da face teriam um papel semelhante na avaliação do estágio tumoral, como têm o gânglio-sentinela da axila para localização metastática de células tumorais e estagiamento do carcinoma mamário. As linhas sentinelas da pele apresentariam ainda vantagens, por não necessitarem de injeção de substâncias radioativas na área do tumor para indicar o trajeto das células tumorais, auxiliado e acompanhado por um aparelho manual que detecta as emissões radioativas, técnica atualmente usada na pesquisa de metástases da mama nos gânglios axilares. Seguimos visualmente o trajeto das linhas vermelhas, que nos indicaram a mais provável direção da drenagem do tumor e a localização onde deveríamos intensificar os exames para a pesquisa de células tumorais.

As linhas de Kraissl normalmente correm perpendiculares à direção da contração dos músculos da face. Este sentido transversal dos vasos à contração muscular é fisiologicamente importante, porque mantém a nutrição vascular no músculo e na pele durante o esforço físico, com a contração transitória ou espasmódica.


RESULTADOS

Aplicação prática do conceito de linhas sentinela da face


Carcinoma epidermóide da face - Visualização da direção de drenagem da linfangite carcinomatosa ao longo das linhas de força. Zona hiperemiada (Figura 6). A zona avermelhada se estende à região palpebral e se alarga ao redor do tumor. Notamos um pequeno direcionamento da vermelhidão para a região temporal acima da orelha. Em toda a área vermelha ao redor do tumor a ressecção cirúrgica foi alargada e se estendeu ao longo do plexo vascular seguindo as linhas de força da pele até à região lateral das pálpebras, quando as biópsias de congelação revelaram ausência de células tumorais. O tempo intermediário da cirurgia mostra uma parte das bordas da ferida já aproximadas com suturas profundas nas extremidades (Figuras 7 e 8). Um retalho de Linberg foi confeccionado na região pré-auricular para facilitar e complementar o fechamento sem tensão da ferida cirúrgica na sua área central. A Figura 9 ilustra o aspecto pós-operatório tardio aos seis meses. Como a incisão cirúrgica acompanhou as linhas de força da pele, preservou-se a vascularização artério-venosa e a drenagem linfática, com excelente cicatrização. Não foi observado edema residual pós-operatório na face.


Figura 6 - Carcinoma epidermóide da face: zona hiperemiada.


Figura 7 - Carcinoma epidermóide da face: bordas da ferida já aproximadas com suturas profundas nas extremidades.


Figura 8 - Carcinoma epidermóide da face: detalhe do peri-operatório.


Figura 9 - Carcinoma epidermóide da face: pós-operatório de 6 meses.



Carcinoma basocelular ulcerado no canto interno da órbita, com comprometimento da região nasal e orbitária inferior - Visualização da área avermelhada pela hiperemia na linfangite carcinomatosa ao longo das linhas sentinelas da face, na parede lateral do nariz e região infra-orbitária, que irão delimitar aproximadamente a área de ressecção tumoral que incluirá periósteo (Figura 10). O carcinoma basocelular de canto interno da órbita se estende à região palpebral e orbitária inferior. Os limites de ressecção cirúrgica do tumor serão controlados com exames de congelação na sala operatória, para controle de presença de células tumorais nos bordos da ferida cirúrgica e ao longo das linhas sentinelas da face. Neste caso, o tumor ulcerado envolve dois territórios vasculares distintos, nasal e infra-orbitário, que serão reconstruídos com dois tipos diferentes de retalhos. O retalho fronto-nasal, com pedículo arterial em sua base frontal, tem nutrição arterial terminal do tipo 1 e o retalho zigomático em ilha, com pedículo arterial profundo e terminais arteriais do tipo 2. Os dois retalhos dirigem-se para a região do canto interno da órbita e região nasal e oferecem ampla cobertura para reconstrução nesta área da face (Figuras 11 e 12). Na Figura 13, observa-se no pós-operatório tardio edema linfático residual, que permaneceu por longo tempo, porque os vasos linfáticos nesta região da face seguem a direção superficial das linhas de Kraissl, uma localização diferente do pedículo artério-venoso profundo do retalho em ilha com terminais arteriais do tipo 2. Os vasos linfáticos foram seccionados em todas as direções na confecção do retalho em ilha e sua função de drenagem da região foi interrompida. Para que a drenagem do sistema linfático se reorganize, é necessário um longo tempo, como se observa no paciente da Figura 14, que foi submetido à ressecção de um extenso carcinoma basocelular da face e semelhante conduta cirúrgica de reconstrução com a confecção de um retalho em ilha da hemiface direita com cinco anos de pós-operatório. A ressecção cirúrgica segue a direção das linhas sentinelas da face até a borda do nariz. Houve regressão completa do edema linfático.


Figura 10 - Carcinoma basocelular ulcerado no canto interno da órbita, com comprometimento da região nasal e orbitária inferior.


Figura 11 - Carcinoma basocelular ulcerado no canto interno da órbita, com comprometimento da região nasal e orbitária inferior: aspecto intra-operatório de marcação do tumor.


Figura 12 - Carcinoma basocelular ulcerado no canto interno da órbita, com comprometimento da região nasal e orbitária inferior: detalhe do peri-operatório, após sutura do retalho.


Figura 13 - Pós-operatório tardio onde se observa presença de edema linfático residual após ressecção de carcinoma basocelular ulcerado no canto interno da órbita, com comprometimento da região nasal e orbitária inferior.


Figura 14 - Pós-operatório tardio (5 anos) de paciente submetido à ressecção de carcinoma basocelular da face, com regressão completa do edema linfático.



CONCLUSÃO

As linhas sentinelas da face constituem um método simples de observação para marcação dos limites prováveis da extensão e localização da disseminação de células tumorais em virtude da drenagem linfática na pele dos tumores malignos. A visualização da reação avermelhada na pele, resultado da drenagem dos tumores, facilita e guia a localização na pesquisa de células tumorais.


REFERÊNCIAS

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5. Taylor GI, Palmer JH. The vascular territories (angiosomes) of the body: experimental study and clinical applications. Br J Plast Surg. 1987;40(2):113-41.

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7. Houseman ND, Taylor GI, Pan WR. The angiosomes of the head and neck: anatomic study and clinical applications. Plast Reconstr Surg. 2000;105(7):2287-313.

8. Altinyollar H, Kapucuoglu N, Pak I, Berberoglu U. Lymphatic mapping and sentinel lymphadenectomy in early stages breast carcinoma. J Exp Clin Cancer Res. 2000;19(2):141-4.











1. Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, CBC, ISAPS, FICS, FILACAP; Cirurgião plástico.
2. Membro associado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica; Cirurgião plástico.

Trabalho realizado na clínica privada do autor, Rio de Janeiro, RJ.

Artigo submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.

Artigo recebido: 10/9/2009
Artigo aceito: 7/1/2010

Correspondência para:
José Goulart Furtado
Rua Getúlio das Neves, 10 - Jd. Botânico
Rio de Janeiro, RJ - CEP 22461-210
E-mail: josefurtado@infolink.com.br

 

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