ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Partial tongue reconstruction with microsurgical flap
Reconstrução parcial da língua com retalho microcirúrgico
Original Article -
Year2009 -
Volume24 -
Issue
4
Breno Bezerra Gomes de Pinho PessoaI
ABSTRACT
Background: The reconstruction for head and neck cancer had a notorious upgrade with the microsurgical flap transplantation. Objetive: This article purpose is present the experience in lateral tongue reconstruction and evaluate its functional recovery. Method: From November 2006 to July 2009, eight patients had espinocelular carcinoma diagnosed in the hemitongue (T1 to T3 stage). Hemiglossectomy with neck dissection followed by microsurgical flap reconstruction was chosed as therapy. The flaps employed were the antebraquial (n=7) and anterolateral thigh flap (n=1). The functions evaluated were: speech and deglutition. Results: All the flaps survived and intelligible speech with regular oral diet was noted in all patients except one. Conclusions: The microsurgical flaps fulfil the criteria for functional reconstruction of the tongue.
Keywords:
Microsurgery. Surgical flaps. Glossectomy. Tongue/surgery.
RESUMO
Introdução: A reconstrução em cirurgia oncológica de cabeça e pescoço teve grande avanço com o uso de retalhos microcirúrgicos. Objetivo: O objetivo desse trabalho é relatar a casuística de reconstrução da região lateral da língua e avaliar se os retalhos microcirúrgicos possibilitaram reconstrução funcional da mesma. Método: No período de novembro de 2006 a julho de 2009, oito pacientes tiveram como diagnóstico carcinoma espinocelular (CEC) na região lateral da língua (estadiamento T1 a T3). A indicação cirúrgica foi a hemiglossectomia com esvaziamento cervical e reconstrução com retalho microcirúrgico. Os retalhos utilizados foram o antebraquial (n=7) e o ântero-lateral da coxa (n=1). Foram avaliadas duas funções da língua: a fala e a deglutição. Resultados: Não houve perdas totais ou parciais de retalhos nesta casuística e observou-se um bom resultado funcional em sete pacientes. Conclusão: O uso de retalhos microcirúrgicos preenche os pré-requisitos para reconstrução funcional da língua.
Palavras-chave:
Microcirurgia. Retalhos cirúrgicos. Glossectomia. Língua/cirurgia.
INTRODUÇÃO
Desde a década de 60, os retalhos microcirúrgicos vêm sendo empregados nas mais diversas reconstruções. A princípio, eram reservados como opção de resgate para outras tentativas de reconstrução que não logravam êxito. Porém com a crescente melhora dos resultados cirúrgicos, têm se tornado a primeira opção para a reconstrução de diversos segmentos do corpo1.
A cirurgia oncológica de cabeça e pescoço é uma das áreas que mais se beneficiaram da reconstrução microcirúrgica. Os tumores desta região e sua ressecção acarretam prejuízos para diversas funções, como fala, deglutição, respiração e da própria estética do paciente. O reparo destes defeitos necessita de diversos tipos de tecidos especializados. Retalhos finos e que permitam mobilidade das regiões operadas são pré-requisitos frequentes nestas reconstruções2.
Nesse contexto, a reconstrução da língua tem particularidades que devem ser observadas para um bom resultado. Sendo esta uma estrutura móvel, o retalho utilizado deve ser fino e não ter pedículo que restrinja sua movimentação3. Na literatura, os retalhos mais empregados na reconstrução parcial da língua são o antebraquial, o ântero-lateral da coxa (ALC) e o cutâneo lateral do braço4,5.
O objetivo deste trabalho é relatar a casuística de reconstrução da região lateral da língua com retalhos microcirúrgicos e avaliar a função de deglutição e fala após o procedimento.
MÉTODO
No período de novembro de 2006 a julho de 2009, oito pacientes tiveram diagnóstico de carcinoma espinocelular (CEC) de língua. A idade média dos pacientes foi 53 anos (28 a 83 anos). Todas as lesões acometiam a região lateral da língua, sendo sete lesões do lado esquerdo e uma do lado direito. Os tumores tinham como estadiamento clínico T1 a T3, sendo a cirurgia indicada a hemiglossectomia com esvaziamento cervical em todos os casos (Figura 1).
Figura 1 - Hemiglossectomia e esvaziamento cervical(acesso por mandibulotomia).
Em seis casos, foi utilizada mandibulotomia para-sinfisária como acesso cirúrgico e, em dois casos, ressecção foi tipo pull through6. Em quatro pacientes, a glossectomia compreendeu 50% da língua, em dois pacientes, 30% da língua e, em dois casos, 70% da língua foi ressecada, com preservação do nervo hipoglosso em todos os casos.
Os retalhos empregados na reconstrução foram o antebraquial em sete casos (Figura 2) e o ântero-lateral da coxa em um caso. As anastomoses arteriais foram realizadas com a artéria facial término-terminal em seis pacientes e com a carótida externa término-lateral em dois. As anastomoses venosas estão apresentadas na Tabela 1.
Figura 2 - Retalho antebraquial suturado ao remanescente da língua.
A avaliação funcional dos pacientes constou da inteligibilidade da fala pelo cirurgião assistente e da ingesta de dieta sólida ou pastosa. O resultado foi considerado bom, quando observada ingesta sem episódios de aspiração pulmonar repetitiva, ou ruim, na presença dessa complicação.
RESULTADOS
Não houve perda ou sofrimento total ou parcial do retalho em nenhum caso. Dois pacientes apresentaram hematoma cervical, sendo que um necessitou de reintervenção para drenagem. Um paciente foi a óbito na segunda semana pós-operatória, em decorrência de sepse pulmonar.
O tempo cirúrgico foi em média 5 horas (variando de 4 a 7 horas) e o de internação hospitalar de 14 dias (entre 7 e 21 dias).
Em todos os casos em que o retalho antebraquial foi empregado, a zona doadora foi enxertada, tendo boa integração do enxerto em cinco casos e epidermólise em dois. A zona doadora do retalho ALC foi fechada primariamente.
No seguimento após seis meses, sete pacientes reassumiram dieta normal por via oral e fala inteligível. O paciente que foi a óbito recuperou somente a fala (Tabela 2). Todos os sete pacientes receberam radioterapia pós-operatória.
DISCUSSÃO
Os retalhos livres para cirurgia de cabeça e pescoço têm se tornado a primeira opção para reconstrução dos defeitos do tipo mandibulectomia, glossectomia e ressecções crânio-faciais2. Isso se deve à sua versatilidade e segurança. Atualmente, índice de sucesso superior a 90% deve ser almejado pelo microcirurgião que atua nessa área7. A melhora na qualidade do instrumental e fios de sutura, bem como pelo fato do leito cervical ser abundante em boas opções para anastomoses microvasculares, tornam cada vez mais seguras as transferências de tecidos para reconstrução de cabeça e pescoço. A escolha de retalhos com bons vasos doadores e a anastomose de mais de uma veia (realizada em três retalhos antebraquiais desta casuística) também contribuem para um melhor resultado quanto à viabilidade dos retalhos8.
A escolha pelo retalho antebraquial, na maioria dos casos, deve-se às características da pele dessa região, que é fina e maleável, o que possibilita, ao se reconstruir a língua, que a mesma mantenha seus movimentos. Isso está de acordo com a literatura, que ainda cita como vantagens do emprego deste retalho seu padrão vascular constante, rapidez na dissecção, pouco acometimento por aterosclerose e potencial para reinervação9.
Nessa casuística, sete pacientes reassumiram dieta por via oral e fala inteligível após o primeiro mês pós-operatório. Esses dados comprovam a melhor função da língua reconstruída com retalhos microcirúrgicos, o que não era obtido com as reconstruções clássicas que consistiam em suturar o restante da língua à mucosa da bochecha ou o uso de retalhos pediculados do tórax10,11 (Figura 3). O único paciente que não voltou a se alimentar por via oral foi o de número 7, que foi a óbito na segunda semana pós-operatória. Mesmo assim a função de fala foi preservada no período em que o paciente ainda não estava em sepse. A excelente mobilidade da língua proporcionada por estes retalhos permanece mesmo após a radioterapia, como foi observado em sete casos.
Figura 3 - Ressecção de 30% da língua reconstruída com retalho antebraquial, mostrando excelente mobilidade do órgão após tratamento radioterápico.
A opção pelo retalho ALC no caso 6 foi determinada pela extensão da ressecção que foi julgada muito grande para o emprego do retalho antebraquial. A desvantagem do uso deste retalho em ressecções maiores é a sequela estética importante no antebraço e a zona de parestesia e disestesia na mão. Porém, com uma dissecção meticulosa (preservando os nervos sensitivos radiais) ainda optou-se por este retalho como primeira escolha mesmo em ressecções alargadas (caso 8). Reserva-se o retalho ALC para os casos onde há vasculopatia nos membros superiores. No entanto, a literatura aponta o emprego do retalho ALC desengordurado como vantajosa em comparação com a utilização do retalho antebraquial12,13.
CONCLUSÃO
O retalho antebraquial é uma opção segura para a reconstrução da hemilíngua. O retalho microcirúrgico proporciona uma reconstrução funcional a língua.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao amigo Dr. Márcio Crisóstomo, pela revisão atenciosa desse manuscrito e pela doação do livro citado na referência 6. Agradeço a toda equipe de cirurgia de cabeça e pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará e da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, com os quais, ao longo destes últimos quatro anos, tenho desfrutado de uma convivência harmoniosa e repleta de retalhos livres.
REFERÊNCIAS
1. Nakatsuka T, Harii K, Asato H, Takushima A, Ebihara S, Kimata Y, et al. Analytic review of 2372 free flap transfers for head and neck reconstruction following cancer resection. J Reconstr Microsurg. 2003;19(6):363-8.
2. Kim EK, Evangelista M, Evans G. Use of free tissue transfers in head and neck reconstruction. J Craniofac Surg. 2008;19(6):1577-82.
3. Bokhari WA, Wang SJ. Tongue reconstruction: recent advances. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;15(4):202-7.
4. Hsiao HT, Leu YS, Lin CC. Tongue reconstruction with free radial forearm flap after hemiglossectomy: a functional assessment. J Reconstr Microsurg. 2003;19(3):137-42.
5. Faria JCM, Rodrigues ML, Brandão F, Kowalski LP. Lateral arm flap: "work horse" for microsurgical head and neck soft-tissue reconstruction. J Reconstr Microsurg. 2004;20(6):492-3.
6. Bertelli AP. Operação "pull through" técnica. São Paulo:Editora Manole;1979.
7. Chen KT, Mardini S, Chuang DC, Lin CH, Cheng MH, Lin YT, et al. Timing of presentation of the first signs of vascular compromise dictates the salvage outcome of free flap transfers. Plast Reconstr Surg. 2007;120(1):187-95.
8. Ichinose A, Terashi H, Nakahara M, Sugimoto I, Hashikawa K, Nomura T, et al. Do multiple venous anastomoses reduce risk of thrombosis in free-flap transfer? Efficacy of dual anastomoses of separate venous systems. Ann Plast Surg. 2004;52(1):61-3.
9. Santamaria E, Wei FC, Chen IH, Chuang DC. Sensation recovery on innervated radial forearm flap for hemiglossectomy reconstruction by using different recipient nerves. Plast Reconstr Surg. 1999;103(2):450-7.
10. Hsiao HT, Leu YS, Lin CC. Primary closure versus radial forearm flap reconstruction after hemiglossectomy: functional assessment of swallowing and speech. Ann Plast Surg. 2002;49(6):612-6.
11. Su WF, Hsia YJ, Chang YC, Chen SG, Sheng H. Functional comparison after reconstruction with a radial forearm free flap or a pectoralis major flap for cancer of the tongue. Otolaryngol Head Neck Surg. 2003;128(3):412-8.
12. Huang CH, Chen HC, Huang YL, Mardini S, Feng GM. Comparison of the radial forearm flap and the thinned anterolateral thigh cutaneous flap for reconstruction of tongue defects: an evaluation of donor-site morbidity. Plast Reconstr Surg. 2004;114(7):1704-10.
13. Hsiao HT, Leu YS, Liu CJ, Tung KY, Lin CC. Radial forearm versus anterolateral thigh flap reconstruction after hemiglossectomy: functional assessment of swallowing and speech. J Reconstr Microsurg. 2008;24(2):85-8.
1. Cirurgião plástico; Membro especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica; Preceptor.
Trabalho realizado na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, Fortaleza, CEEste artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Correspondência para:
Breno Bezerra Gomes de Pinho Pessoa
Av. Pinto Bandeira, 1030 - Eng. Luciano Cavalcante
Fortaleza, CE, Brasil - CEP 60165-050
E-mail: breno_gpp@yahoo.com.br
Artigo recebido: 1/9/2009
Artigo aceito: 23/10/2009
All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license