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HIPERTERMIA MALIGNA EM PACIENTE SUBMETIDA À CORREÇÃO DE GIGANTOMASTIA: RELATO DE CASO
Malignant hyperthermia in patient submitted to gigantomastia correction: case report
Case Reports -
Year2007 -
Volume22 -
Issue
2
João Vicente Rodrigues Maia VasconcelosI, Fernando Hiromitsu SuguitaI, Andréa Ramos CardosoII, Antônio Roberto BozolaIII
RESUMO
A hipertermia maligna é uma doença genética rara, desencadeada por anestésicos halogenados ou succinilcolina. É mais comum em crianças e adultos jovens. Reconhecê-la precocemente pelos seus sinais clínicos e introdução imediata do tratamento específico com dantrolene sódico diminuem sua morbidade e mortalidade. Os autores relatam um caso da doença em uma paciente de 25 anos, hígida, que foi submetida à correção de gigantomastia bilateral, alertando os cirurgiões de sua existência, pois se trata de caso raro.
Palavras-chave:
Hipertermia maligna. Dantroleno. Cirurgia plástica. Suscetibilidade à doença
ABSTRACT
Malignant hyperthermia is a rare genetic disease, unleashed by halogenate anesthetics or succinylcholine. It is more frequent in children and young adults. Recognize it early by its clinical signs and prompt introduction of specific treatment with sodium dantrolene decrease morbidity and mortality. The authors report a case of the disease in a 25 years old, healthy patient submitted to a gigantomastia correction, warning surgeons of its existence.
Keywords:
Malignant hyperthermia. Dantrolene. Surgery, plastic. Disease susceptibility
INTRODUÇÃO
A hipertermia maligna é uma doença hereditária autossômica dominante, rara, caracterizada por resposta hipermetabólica aos anestésicos voláteis (tais como halotano e isoflurano) e succinilcolina. Há uma alteração da homeostase intracelular do cálcio, causando hiperatividade contrátil, aumento do consumo de oxigênio e da produção de gás carbônico, hipertermia e lise celular. Seu diagnóstico precoce e a introdução imediata do tratamento podem evitar o óbito do paciente. O objetivo do trabalho é descrever um caso da doença em uma paciente jovem, previamente hígida, submetida à correção de gigantomastia bilateral.
RELATO DO CASO
Paciente de 25 anos, sexo feminino, apresentava-se com quadro de gigantomastia e queixa de dor em coluna vertebral; negava alergias, comorbidades, cirurgias prévias e tabagismo. Relatava cãimbras aos esforços físicos; exames pré-operatórios sem alterações.
Submeteu-se a sua primeira cirurgia e anestesia, sob anestesia geral com isoflurano, O2, sufentanil, propofol e atracúrio. A cirurgia proposta foi correção de gigantomastia bilateral, com cicatriz em "T". Após 1 hora e 40 minutos de ato anestésico-cirúrgico, apresentou taquicardia, sudorese, queda de saturação de O2, rigidez muscular e hipertermia (41,5ºC). Foram feitos diagnóstico imediato e tratamento precoce para hipertermia maligna, sendo suspenso o isoflurano, hidratação e estímulo da diurese, dantrolene sódico 2,5 mg/kg, resfriamento ativo (Figura 1) e levada à UTI após rápido término da cirurgia. Chegou à UTI sob ventilação mecânica, com infusão de dantrolene 1,0 mg/kg endovenoso, por 48 horas. Desenvolveu complicações, tais como síndrome compartimental (Figura 2) em perna direita; insuficiência renal aguda (Figura 3), sendo necessária hemodiálise diária; e pneumonia. Realizada traqueostomia aos 20 dias e alta da UTI com 30 dias. Após 10 dias no quarto, recebeu alta hospitalar e não foi mais necessária a hemodiálise. A cirurgia da mama não apresentou nenhuma complicação. A cânula de traqueostomia foi retirada após 7 dias da alta.
Figura 1 - Resfriamento ativo externo por meio de compressas com gelo por todo o corpo da paciente.
Figura 2 - Síndrome compartimental em perna direita, que foi tratada com fasciotomia (3 incisões longitudinais).
Figura 3 - Evolução da creatinina sérica e da CPK, do 1º para o 2º dia de UTI, coincidindo com o início da Insuficiência Renal Aguda.
DISCUSSÃO
A hipertermia maligna foi primeiramente descrita, em 1960, por Denborough1,2 e, em 1968, um paciente de 16 anos de idade desenvolveu a doença após anestesia para correção de fratura de mandíbula e de perna direita3. É uma doença autossômica dominante rara, que tem como características principais a resposta hipermetabólica a halogenados ou a succinilcolina, a destruição muscular e a hereditariedade4. Suas manifestações iniciais são taquicardia (96%), taquipnéia (85%), instabilidade hemodinâmica (85%), rigidez muscular (83%) e cianose (71%). Nem sempre a hipertermia é manifestação inicial (30% casos). Destacam-se, ainda, o aumento do nível de potássio, CPK (algumas crises acima de 20.000 UI/L), creatinina e distúrbios da hemostasia, tendo complicações como hipertensão arterial, insuficiência renal aguda, síndrome compartimental5, choque e arritmias.
A doença tem incidência de 1 para 15.000 crianças e de 1 para 50.000 - 100.000 adultos, com mortalidade em torno de 10%. Os fatores de risco conhecidos são doenças musculares, história de cãimbras, estrabismo e ptose palpebral, entre outros. O diagnóstico definitivo é realizado por meio de biópsia muscular associada com teste de contração halotano-cafeína, que tem sensibilidade e especificidade de 85%. O prognóstico piora quanto maior o tempo para diagnóstico e introdução do tratamento, o qual deve consistir da interrupção dos agentes desencadeantes, hiperventilação, iniciar o dantrolene sódico na dose de 2,5 mg/kg para reversão da acidose (Figura 4), correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, resfriamento ativo, estímulo da diurese e tratamento das arritmias.
Figura 4 - Reversão da acidose metabólica após o início da administração do dantrolene sódico.
Esta afecção tem grande importância dentro da cirurgia plástica, já que a maior freqüência é em pacientes jovens e incide com relativa freqüência (38% dos casos relatados) em cirurgia de cabeça e pescoço6. O cirurgião plástico poderá ser o primeiro a perceber o início do quadro pela visibilização de sangue escuro no campo cirúrgico, pele cianótica, sudorese e hipertermia do paciente7. Portanto, saber reconhecê-la e tratá-la precocemente é de extrema importância.
Os pacientes suscetíveis à doença podem ter uma cirurgia plástica segura, evitando-se o uso dos anestésicos desencadeantes, monitorizando a temperatura central e uso de capnografia, disponibilizando dantrolene na sala de operação e uma boa observação pós-anestésica. Em 1988, Wackynn et al.8 tiveram cinco pacientes suscetíveis anestesiados com segurança, sem qualquer intercorrência, em cirurgias na Universidade da Califórnia (UCLA), utilizando as medidas de prevenção anteriormente citadas.
CONCLUSÃO
A hipertermia maligna pode ocorrer em pacientes jovens e hígidos, e o objetivo deste trabalho é alertar cirurgiões e anestesiologistas da necessidade de diagnóstico e tratamento precoces.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Denborough MA, Forster JF, Lovell RR, Maplestone PA, Villiers JD. Anaesthetic deaths in a family. Br J Anaesth. 1962;34:395-6.
2. Denborough MA. Malignant hyperthermia. Lancet. 1998;352(9134):1131-6.
3. Davis DG. Malignant hyperthermia and plastic surgery. Case report. Plast Reconstr Surg. 1969;44(5):495-9.
4. Amaral JLG, Carvalho RB. Hipertermia maligna. In: Manica J, et al., eds. Anestesiologia: princípios e técnicas. 3ª ed. Rio de Janeiro:Artmed;2004. p.1207-24.
5. O' Donnell CJ, Beck DH, Taylor BL, Smith GB. Upper limb compartment syndromes: a complication of malignant hyperthermia in a patient with ill-defined myopathy. Br J Anaesth. 1995;74(3):343-4.
6. Eichhorn JH. Malignant hyperthermia revisited. Plast Reconstr Surg. 1988;82(5):883-5.
7. Dohlman LE. Malignant hyperthermia: a consideration for plastic surgeons. Plast Reconstr Surg. 1982;69(3):547- 51.
8. Wackynn PA, Dubrow TJ, Abdul-Rasool IH, Lesavoy MA. Malignant hyperthermia in plastic surgery. Plast Reconstr Surg. 1988;82(5):878-82.
I. Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.
II. Médica residente de Cirurgia Geral do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.
III. Professor Doutor em Cirurgia Plástica pela UNIFESP, Membro Titular da SBCP e chefe do Serviço deCirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.
Correspondência para:
Antonio Roberto Bozola
Clínica Imagem de Cirurgia Plástica. Av. José Munia, 7075 - São José do Rio Preto
SP - CEP: 15085-350
Telefax: 0xx17 3227-9200
E-mail: bozola.imagem@riopreto.com.br / bozola@bozola.com.br
Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP.
Artigo recebido: 23/04/2007
Artigo aprovado: 30/05/2007
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