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Efeito das Técnicas Operatórias de Autonomização no Retalho Musculocutâneo Transverso do Músculo Reto do Abdome. Estudo Experimental em Ratas
Effect of Autonomization Surgical Techniques on Transverse Rectus Abdominis Myocutaneous Flaps - Experimental Study in Female Rats
Articles -
Year2002 -
Volume17 -
Issue
2
Rui Lopes FilhoI, Alcino Lázaro da SilvaII
RESUMO
Estudou-se o efeito das técnicas operatórias de autonomização utilizadas no retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome monopediculado de ratas. Os animais do grupo A (controle) foram submetidos à operação do retalho proposto para o estudo, que consistiu na incisão, remoção do fragmento na área 3 e descolamento do retalho até o abdome inferior, seguido de sutura no próprio leito. Os animais dos grupos B, C, D, E, F, G e H foram submetidos a diferentes técnicas operatórias de autonomização, sete dias antes da operação do retalho proposto para o estudo. Avaliou-se a porcentagem de área de necrose em relação à área total do retalho em cicatrização, utilizando-se uma folha milimetrada padronizada, uma caneta Pilot® de ponta fina e um molde transparente. Um estudo histológico, por microscopia de luz, foi realizado nos fragmentos removidos da extremidade contralateral ao pedículo vascular do retalho. A técnica operatória de autonomização que realizou divisão bilateral cranial dos músculos retos do abdome e cauterização de ambos os vasos epigástricos superiores profundos utilizada nos animais do grupo C foi a mais eficaz na redução da área de necrose do retalho estudado, não determinando alterações histológicas nos fragmentos examinados.
Palavras-chave:
Autonomização; retalho; necrose de pele; histologia
ABSTRACT
A study was conducted on the effect of autonomization surgical techniques on monopediculated transverse rectus abdominis mycutaneous flaps in female rats. Animals in Group A (control) were submitted to the flap procedure proposed for the study, consisting of an incision, removal of the fragment in area 3 and detachment of the flap up to the lower abdomen, followed by on site suture. Animals in groups B, C, D, E, F, G, and H were submitted to different autonomization surnical techniques, seven days before the flap procedure proposed for the study. The area of necrosis in relation to the total flap healing area was assessed by using a sheet of standard graph paper, a fine point Pilot® pen and a transparent cast. A light microscopy histological study was performed on the fragments removed from the contra lateral end of the vascular pedicle of the flap. The autonomization surgical technique that divided the cranial portion of rectus abdominis muscles bilaterally and cauterized both upper deep epigastric vessels used on group C animals was more effective in reducing the area of necrosis of the flap studied, and did not result in histological changes in the fragments examined.
Keywords:
Autonomization; flap; skin necrosis; histology.
INTRODUÇÃO
O retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome foi descrito por Hartrampf et al. (1982)(1) e Gandolfo (1982)(2), sendo considerado um excelente retalho para a reconstrução mamária, após mastectomia.
O comprometimento vascular e a necrose do retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome com pedículo vascular não dominante foram mais freqüentes nas pacientes que apresentaram obesidade, tabagismo, cicatrizes no abdome, doenças pulmonares crônicas, doenças cardiovasculares graves, problemas psicológicos e a inexperiência do cirurgião, como fatores de risco(3).
A autonomização operatória determinou uma isquemia intencional e programada, provocando o aumento da vascularização interna e a redução da área de necrose dos retalhos cutâneos(4) e musculocutâneos com fluxo sangüíneo deficiente, de acordo com estudos anteriores realizados em animais(5,6,7,8,9).
O modelo de retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome em ratos foi escolhido para o estudo. Este modelo experimental de retalho foi proposto por Ögzentas et al. (1994)(6), apresentando importantes semelhanças com o retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome do homem, tais como a presença das perfurantes musculocutâneas e a nutrição proveniente do pedículo vascular não dominante.
MATERIAL E MÉTODO
Foram utilizadas oitenta ratas da linhagem Wistar, pesando entre 250 g e 300 g, que foram mantidas sob as mesmas condições no laboratório experimental do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
A anestesia foi administrada pela via intramuscular, associando-se 10 mg/kg do Cloridrato de cetamina (Ketalar®) com 0,1 mg/kg do Cloridrato de 2-(2,6-xilidino) 5,6-dihydro-4H-1,3 tiazina (Rompun®).
Utilizou-se um modelo de retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome retangular, medindo 4,2 cm x 2,1cm, que foi dividido em áreas 1, 2 e 3 (Fig. 1).
Fig. 1 - Desenho do retalho musculocutêneo transverso do músculo reto do abdome com as áreas 1, 2 e 3. Projeção do músculo reto do abdome em vermelho. A seta indica o segmento que será enviado para exame histológico.
A operação do retalho consistiu em incisão, remoção do fragmento na área 3 e descolamento do retalho até o abdome inferior (Figs. 2 e 3). Após o total descolamento do retalho, nutrido pelos vasos epigástricos inferiores profundos e músculo reto do abdome, o retalho foi suturado com fio de náilon monofilamentar 4-0 no próprio leito.
Fig. 2 - Fragmento da área 3 sendo removido durante o ato operatório.
Fig. 3 - Retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome descolado e rebatido até o abdome interior.
Os animais do grupo A (controle) foram submetidos apenas à operação do retalho proposto para o estudo. Os animais dos grupos B, C, D, E, F, G e H foram submetidos a diferentes técnicas operatórias de autonomizações (Tabela I) (Figs. 4 e 5). Após o período de autonomização de sete dias, os animais foram submetidos à operação do retalho, semelhante àquela realizada nos animais do grupo A (controle).
Fig. 4 - Técnicas operatórias de autonomização utilizadas nos animais dos grupos B, C, D e E.
Fig. 5 - Técnicas operatórias de autonomização urilizadas nos animais dos grupos F, G e H.
A medida da área de necrose dos retalhos foi realizada no quinto dia pós-operatório, utilizando-se um molde transparente, uma caneta Pilot® de ponta fina e uma folha milimetrada padronizada, sendo obtida a porcentagem de área de necrose em relação à área total do retalho em cicatrização.
Os fragmentos removidos da área 3 dos retalhos foram fixados em blocos de parafina, submetidos a cortes histológicos no micrótomo manual com a calibragem de cinco micra e corados pela hematoxilina e eosina (H. E.) para estudo à microscopia de luz.
RESULTADOS
Alterações Macroscópicas
As áreas de necrose iniciaram-se com 48 horas e definiram-se no quarto dia pós-operatório (Fig. 6).
Fig. 6 - Área de necrose no retalho musculocutâneo transversa do músculo reto do abdome.
Os animais do grupo A (controle) apresentaram necrose nas áreas 2, 3 e parte lateral da área 1.
Os animais do grupo B apresentaram necrose na área 3 e parte da área 2.
Os animais do grupo C apresentaram necrose apenas na parte lateral da área 3. Seis ratas apresentaram sobrevida total do retalho.
Os animais do grupo D apresentaram necrose na área 3 e na parte lateral da área 2. Três ratas apresentaram sobrevida total do retalho.
Os animais do grupo E apresentaram necrose na área 3 e parte da área 2. Seis ratas apresentaram sobrevida total do retalho.
Os animais do grupo F apresentaram necrose na área 3 e parte da área 2. Três ratas apresentaram sobrevida total do retalho.
Os animais do grupo G apresentaram necrose na área 3 e parte da área 2. Uma rata apresentou sobrevida total do retalho.
Os animais do grupo H apresentaram necrose na área 3 e parte da área 2. Uma rata apresentou sobrevida total do retalho.
Análise estatística
O teste F indicou a existência de diferença significante entre os grupos e o teste para diferenças significativas mínimas (DSM) possibilitou a comparação múltipla entre cada grupo (Tabela II). A representação gráfica da porcentagem de área de necrose em cada grupo encontra-se no histograma (Fig. 7).
Fig. 7 - Porcentagem de área de necrose em cada grupo.
Alterações Microscópicas
Os fragmentos removidos dos animais dos grupos A, B, C e G mostraram tecidos sem alterações histológicas (Fig. 8).
Fig. 8 - Cortes histológicos dos grupos A, B, C e G, corados pela H. E. (40x).
Os fragmentos removidos dos animais dos grupos D, E, F e H mostraram tecidos com esteatonecrose, tecido de granulação, infiltrado inflamatório numeroso, neovascularização na fáscia e abscessos (Fig. 9).
Fig. 9 - Cortes histológicos dos grupos D, E, F e H, corados pela H. E. (40x).
DISCUSSÃO
O retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome com pedículo vascular não dominante, habitualmente utilizado para a reconstrução mamária, determinou maior incidência de complicações como a necrose de pele. As operações de autonomização reduzem a necrose de pele dos retalhos conforme estudos anteriores(4,5,6,7,8,9).
Uma desvantagem quanto à utilização de ratas neste estudo foi a frouxidão dos tecidos e o pequeno tamanho das estruturas da parede do abdome dos animais, que exigiram cuidados técnicos e a utilização de lupa com aumento de 2,5 vezes.
A anestesia utilizada mostrou-se satisfatória, associando-se o efeito analgésico do Cloridrato de cetamina (Ketalar®) com a ação analgésica e relaxante muscular do Cloridrato de 2-(2,6-xilidino)-5,6-dihidro-4H-1,3-tiazina (Rompun®)(10).
O período de autonomização escolhido para a observação dos animais foi de sete dias, período responsável por alterações significantes na redução da área de necrose do retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome de ratos(8).
O teste F da análise de variância (ANOVA) indicou a existência de diferença significante entre os grupos e o teste para diferenças significativas mínimas possibilitou a comparação múltipla entre cada grupo(11,12).
A operação de autonomização utilizada nos animais do grupo H, que descolou a área 2 e cauterizou as perfurantes musculocutâneas nessa área, associada à incisão nos limites do retalho, foi a menos eficaz na redução da área de necrose do retalho, ao contrário do que foi constatado na literatura(9).
Os fragmentos examinados dos animais dos grupos D, E, F e H determinaram alterações histológicas compatíveis com reação inflamatória e cicatrização tecidual, de acordo com estudos histológicos em tecidos de ratos descritos na literatura(13,14).
O estudo experimental permitiu concluir que a operação de autonomização realizada nos animais do grupo C é a mais eficaz na redução da área de necrose do retalho musculocutâneo transverso do músculo reto do abdome com pedículo vascular não dominante e não determina alterações histológicas nos tecidos dos fragmentos examinados.
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I. Membro Titular da SBCP. Mestre em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais.
II. Professor Titular Doutor da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Endereço para correspondência:
Rui Lopes Filho
R. Cônego Rocha Franco, 133 - ap. 302
Belo Horizonte - MG - 30430-000
Fone: (31) 3337-8597
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