ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2003 - Volume18 - Issue 1

RESUMO

O número de pacientes fissurados atendidos no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem crescido muito nos últimos anos. Tendo como base a experiência deste Serviço, foram observadas particularidades técnicas, em relação à cirurgia tradicional, que facilitaram o per-operatório e o acompanhamento pós-operatório de modo expressivo. Esses "complementos" não costumam ser descritos detalhadamente nos artigos publicados e muitas vezes despertam mais dúvidas do que a técnica cirúrgica propriamente dita. Sendo assim, optamos pela elaboração de um texto que possa complementar os conhecimentos normalmente passados pelas publicações, ressaltando-se cuidados per e pós-operatórios e material utilizado em cirurgias.

Palavras-chave: Fissura palatina - reabilitação; lábio fissurado - reabilitação; fissura palatina - cirurgia; lábio fissurado - cirurgia

ABSTRACT

The number of patients with clefts seen at Rio de Janeiro Federal University's Clementino Fraga Filho University Hospital (HUCFF) has increased greatly in recent years. Based on the experience at our Service, we have observed technical specificities in relation to traditional sugery that have made the intraoperative and postoperative follow-up periods significantly easier. These "complements" are not usually described in detail in published articles and frequently lead to more questions than the sugical technique itself. We have therefore chosen to write a text aimed at complementing the knowledge usually given in publications, especially intra and postoperative care and the material used for sutgeries.

Keywords: Palate cleft - rehabilitation; lip cleft - rehabilitation; palate cleft - surgery; lip cleft - surgery


INTRODUÇÃO

O tratamento das fendas labiopalatais é hoje multidisciplinar, realizado por equipe de cirurgiões plásticos, dentistas e fonoaudiólogos, entre outros profissionais. O número de pacientes fissurados atendidos no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem crescido muito nos últimos anos, o que nos fez criar uma subdivisão responsável pelo tratamento de portadores de malformações congênitas, principalmente fendas labiopalatais e microtia, chamada de Projeto Fendas (Pró-Fendas HU). Dentro desta Unidade, organizamos a participação de todas as especialidades necessárias para o adequado acompanhamento.

Tendo como base a experiência deste Serviço, foram observadas particularidades técnicas, em relação à cirurgia tradicional, que facilitaram o per-operatório e o acompanhamento pós-operatório de modo expressivo.

Estas particularidades podem ser aplicadas por todos e, em nosso ambiente, traduzem-se em menos complicações e maior facilidade nos cuidados com o paciente.

Notamos que muitos dos detalhes técnicos incorporados à nossa rotina são observados pelos residentes e visitantes com interesse maior. Esses "complementos" não costumam ser descritos detalhadamente nos artigos publicados e muitas vezes despertam mais dúvidas do que a técnica cirúrgica propriamente dita.

Para o cirurgião plástico iniciante no atendimento a fissurados, é imprescindível a capacidade de observação dos meios utilizados pelos mais experientes, para obtenção de um bom resultado. Além de aprender os tempos cirúrgicos, é fundamental saber como realizá-los de forma adequada.

Sendo assim, optamos pela elaboração de um texto que possa complementar os conhecimentos normalmente passados pelas publicações.


TÉCNICA OPERATÓRIA

Anestesia

Em todos as cirurgias de fendas labiopalatais, utilizamos anestesia geral com entubação orotraqueal. É dada preferência ao tubo aramado graças à sua flexibilidade e à menor possibilidade de colabamento. Deve ser posicionado na linha média da boca, sem desvios da língua ou das comissuras labiais.

Associadamente, o cirurgião infiltra solução de lidocaína 0,5% com adrenalina a 1/200.000, no lábio, e a 1/100.000, no palato.

Preparo do paciente

Após autorização do anestesista, o paciente é colocado em posição supina, com o pescoço em hiperextensão e a mesa em Trendelenburg (posição de Rose). Um coxim sob os ombros auxilia no posicionamento do corpo.

Nenhum movimento deve ser feito bruscamente ou sem o conhecimento do anestesista, visto que, na maioria dos casos, trata-se de pacientes de tenra idade nos quais são utilizados tubos orotraqueais sem balonete. A extubação acidental pode ocorrer facilmente e deve ser evitada.

Utilizamos, de rotina, o tamponamento de orofaringe.

A anti-sepsia é feita com clorexidina degermante seguida de clorexidina alcoólica, na face, e com clorexidina degermante, na cavidade oral. Toda a face fica exposta, inclusive em palatoplastias. As pálpebras devem ser mantidas em oclusão com o auxílio de fitas adesivas.

Fenda Labial Unilateral

A técnica de Millard(1) foi eleita a de nossa preferência. É a técnica mais utilizada mundialmente e apresenta resultados muito bons. Como rotina, associamos o descolamento e reposicionamento nasal preconizado por McComb(2).

A marcação das incisões cutâneas deve ser bem planejada para que haja adequada coaptação das bordas e equilíbrio do lábio. Para delimitação da incisão cutânea, medimos a crista filtral normal com um pedaço de fio preso a duas pinças Halstead (mosquito) e transferimos para a marcação do retalho C. Esta mesma medida é utilizada para marcar também o retalho lateral de avançamento (Fig. 1).


Figs. 1a-c -A maleabilidade do fio preso às pinças facilita a marcação dos retalhos cutâneos, que tem a mesma medida da crista filtral normal.



Os tempos cirúrgicos seguem a descrição de Millard, sendo o descolamento da base nasal feito em plano subperiostal até o nível da fossa piriforme.

O descolamento do dorso nasal atinge praticamente todo o hemidorso comprometido pela fenda, sendo feito em plano subcutâneo(2).

As sínteses mucosa e muscular são feitas com fio monofilamentar absorvível de poliglecaprone 25 (monocryl®), variando a espessura entre 4-0 e 5-0.

Após o reposicionamento dos retalhos, faz-se a síntese cutânea com fio 6-0 de poliglicatina 910 (vicryl rapide®) ou aplica-se adesivo cutâneo composto de 2-octil cianocrilato (dermabond®).

As agulhas são cortantes e medem entre 1,1 cm e 1,5 cm.

Os pontos captonados de sustentação nasal, descritos por McComb, são feitos com algumas modificações. Utilizamos agulha reta, montada com fio vicryl rapide® 4-0, que entra pela narina, atravessa a cartilagem alar próximo ao domo e sai na pele na altura da raiz nasal. Este fio retorna, através do mesmo orifício cutâneo, transfixa a cartilagem alar em outra parte e sai dentro da narina. Novo ponto semelhante é feito no sentido de suspender a porção lateral da asa nasal. Ao se amarrarem os nós, a alça do fio é tracionada e invaginada no subcutâneo. Não utilizamos qualquer tipo de acolchoamento deste fio (Fig. 2).


Fig. 2a-b - Os pontos nasais preconizados por McComb sofreram pequena modificação. A agulha retorna pelo mesmo orifício de saída. O fio é invaginado no subcutâneo e não há necessidade de acolchoados captonados.



Fenda Labial Bilateral

Utilizamos a técnica de Spina(3), em tempo único, ou a técnica de Millard, em dois tempos, de acordo com a apresentação do caso.

Os detalhes técnicos relevantes são semelhantes aos descritos para a fenda unilateral, quais sejam: fios utilizados, descolamentos e pontos de sustentação.

Palatoplastia

Após a anti-sepsia e colocação dos campos cirúrgicos, posicionamos o abridor de boca. O tubo orotraqueal deve estar centralizado em relação à língua e encaixado dentro da canaleta existente no abridor de boca.

Um pedaço de tubo de borracha, de aproximadamente 3,0 cm de comprimento, é colocado entre o abaixador de língua e os dentes.

Pontos tracionam as úvulas ao abridor de boca, mantendo o palato firme (Fig. 3).


Fig. 3 - Detalhes que se traduzem em segurança e comodidade durante a palatoplastia: tamponamento de orofaringe; tubo de borracha entre o abridor de boca e os dentes; e fio tracionando a úvula em sentido contrário.



Não infiltramos o palato todo de uma só vez, e sim o lado em que estamos prestes a trabalhar.

As técnicas utilizadas para fechamento do palato variam de acordo com a apresentação de cada caso, sendo mais utilizadas a de Veau e a de Wardill-Kilner para as fendas completas e a de Von Langenbeck para as incompletas.

O descolamento dos tecidos é feito com descoladores de diferentes tipos e formas (Fig. 4).


Fig. 4 - A utilização de descoladores adequados facilita a liberação dos retalhos labiais e palatais.



Normalmente, suturamos a mucosa nasal logo após sua liberação, antes do descolamento dos retalhos laterais, utilizando pontos simples de monocryl® 5-0.

A musculatura é liberada completamente, reposicionada e aproximada com pontos simples ou em U. A mucosa oral é descolada conforme a técnica utilizada e suturada com pontos em U. O fio utilizado para estes dois últimos casos é o monocryl® 4-0.

Todos os fios são usados em palatoplastias com agulha cortante com forma 3/8 ou 1/2 círculo. Na porção anterior do palato preferimos agulha semicircular com curvatura composta, sendo o terço anterior da agulha mais angulado (Fig. 5).


Fig. 5 - Agulha com curvatura composta propicia maior facilidade na surura da porção anterior do palato.



Quando realizada a liberação de retalhos mucoperiostais que deixem área cruenta na cavidade oral, realizamos o tamponamento dessas partes com hemostático absorvível composto de celulose regenerada (surgicel®) (Fig. 6).


Fig. 6 - A: Tamponamento com surgicel ao final da cirurgia. B: Aspecto com 24 horas. C: Aspecto com 7 dias de pós-operatório.



Nas palatoplastias realizadas em pacientes adultos, costumamos acrescentar curativo compressivo composto de gaze dobrada, em contato com o palato, fixada através de ponto de seda 2-0, em X, cruzando o palato (Fig. 7). Esse curativo é retirado no dia seguinte à cirurgia.


Fig. 7 - Em pacientes adultos submetidos a palatoplastia utilizamos tamponamento, com gaze, nas primeiras 24 horas de pós-operatório.



Cuidados no pós-operatório

No pós-operatório imediato, o paciente deve ser mantido em decúbito lateral, para drenagem de eventual secreção sanguinolenta.

A hidratação venosa é mantida até que o paciente esteja aceitando dieta oral. Esta é liberada, conforme aceitação e solicitação do paciente, a partir de 2 horas após o procedimento, em crianças, e 4 a 6 horas, em adultos.

A dieta deve ser líquido-pastosa no primeiro dia de pós-operatório. Em caso de fendas labiais, pode ser liberada dieta branda após o segundo dia de pós-operatório. Nas palatoplastias, a dieta pastosa é mantida até o sétimo dia de pós-operatório, evoluindo, gradativamente, até dieta livre a partir do 21º dia de pós-operatório. Após cada refeição, a higiene oral deve ser feita com água limpa, em crianças menores, e bochecho com anti-sépticos orais, para as maiores. A escovação dos dentes deve ser mantida e feita com delicadeza.


DISCUSSÃO

O tratamento multidisciplinar dos fissurados é considerado o ideal. Cada vez mais faz-se necessário o conhecimento dos conceitos e procedimentos ligados às diferentes especialidades que trabalham com o intuito de melhorar as condições dos portadores de fendas labiais e/ou palatais(4,5).

O crescimento no número de pacientes atendidos e de especialistas ligados a esse atendimento, dentro do HUCFF, tem possibilitado o aprimoramento na qualidade dos resultados obtidos. Além disso, a aplicação de detalhes técnicos que outrora não eram utilizados tem facilitado o manuseio dos tecidos e reduzido a agressão per e pós-operatória.

O cirurgião plástico costuma ser visto pelos familiares e portadores de fendas como o responsável pelo tratamento em geral(5). Aquele que, de fato, atua sobre a deformidade em si. De certa forma, é verdade, mas não devemos desconsiderar a participação e opinião dos outros especialistas, caindo no erro de perder a interdisciplinaridade necessária para o adequado acompanhamento.

No per-operatório, devemos estar atentos aos fatos que possam interferir no bom andamento da cirurgia.

A fixação do tubo orotraqueal deve ser feita de forma a não desviar as comissuras, o que pode interferir na marcação dos retalhos labiais. Nas palatoplastias, o tubo deve acompanhar a linha média da língua até a valécula, pois, se assim não for feito, ao se posicionar o abridor de boca, pode haver desvio da língua e sua queda sobre o campo operatório. O posicionamento da borracha entre o abaixador de língua e os dentes reduz a pressão sobre a língua e evita que o tubo seja comprimido, principalmente se não estivermos utilizando tubo aramado.

A posição de Rose e o tamponamento de orofaringe reduzem as possibilidades de descida de sangue e secreções pela traquéia(6).

Não podemos esquecer que o manuseio anestésico das crianças é muito mais suscetível a variações que o do adulto. As possibilidades de complicações são maiores e reais, o paciente é mais instável e o anestesista não tem acesso direto às vias aéreas. Tudo isso concorre para aumentar o estresse e a atenção necessária ao procedimento. Sendo assim, o respeito à essa condição faz-se vital para o entendimento da equipe e controle do paciente.

A infiltração anestésica na queiloplastia não deve ser demasiada, caindo no risco de se deformar o lábio e finalizar o procedimento com assimetrias.

Há quem não infiltre nenhuma solução durante a queiloplastia e apresente resultados muito bons, evidentes já no pós-operatório imediato. Nesses casos, apesar da ausência de vasoconstritor, não observamos aumento exagerado no sangramento.

A técnica de Millard, para queiloplastia unilateral, tem se mostrado como boa opção. Mesmo em fendas amplas, conseguimos adequada mobilização dos tecidos e simetria final.

Para se atingir boa simetria, é necessário que a marcação inicial dos retalhos seja bem feita. É melhor perder um pouco mais de tempo na conferência dessa marcação, do que passar dificuldades para obter equilíbrio depois que os retalhos já foram incisados. Uma forma prática de medir os retalhos a serem confeccionados foi a utilização do fio reparado em pinças Halstead. Utilizamos um pequeno segmento da extremidade distal do mesmo fio que será utilizado para os pontos de McComb (vicryl rapide® 4-0). Medimos a crista filtral normal e transferimos essa marcação. É interessante notar que, com a mobilização adequada das pinças, o fio apresenta curvatura que mimetiza a marcação dos retalhos. Além disso, seguimos de forma fiel a extensão da crista filtral a ser reconstruída quando comparada à crista normal.

Quando prevemos dificuldades em atingir a altura adequada do lábio a ser reconstruído, podemos optar pela técnica de Millard II e/ou acrescentar pequeno retalho triangular, próximo ao vermelhão, que se interporia no retalho de rotação, alongando-o.

Os retalhos são incisados, liberados e mobilizados de forma convencional, ressaltando-se o descolamento subperiostal na base da narina fissurada, o qual possibilita grande mobilização da base narinária, facilitando seu equilíbrio. O descolamento do dorso nasal segue o plano subcutâneo, como preconizado por McComb.

A utilização de fios com agulhas cortantes, pequenas, delicadas e resistentes facilitou o reposicionamento e a sutura das estruturas. O padrão das agulhas se enquadra exatamente nas necessidades existentes na cirurgia de fissurados, ressaltando-se que, quanto mais precisão e menos agressão imposta aos tecidos, melhor sua recuperação.

O uso de material de síntese absorvível facilitou, enormemente, os cuidados pós-operatórios. Todos os que trabalham com crianças sabem das dificuldades existentes na retirada de pontos e limpeza das feridas, principalmente de bebês.

Os fios usados na pele são de absorção rápida e começam a se soltar em uma semana, evitando marcas externas. Em contrapartida, a sutura mucosa, feita com monocryl®, tem absorção mais lenta, apresentando força tênsil considerável (30 %) aos 14 dias, e os pontos se soltam a partir de 3 semanas.

Em boa parte dos casos, quando não há tensão considerável na síntese cutânea, aplicamos o adesivo cutâneo (dermabond®). Este se mostrou mais uma boa opção de uso. É de fácil e rápida aplicação e costuma deixar os familiares do paciente surpresos, positivamente. A película sobre a ferida confere, ainda, limpeza e proteção externa. Mesmo em crianças mais ativas, não observamos deiscências. Deve ser dada atenção para não molhar excessivamente o adesivo, mas a rotina diária não necessita mudanças.

Os pontos de sustentação nasal, descritos por McComb, constituem um detalhe importante. Como há invaginação da alça de fio, que ficaria externamente, não utilizamos qualquer tipo de acolchoamento cutâneo. Alguns autores usam pontos captonados, porém a presença de um segmento de gaze, freqüentemente endurecido por sangue, pode comprimir a pele e provocar ulcerações. Evitamos, assim, a possibilidade de sofrimento cutâneo. Na face interna da narina, também não usamos pontos captonados. O nó fica em contato direto com a pele. É importante que não haja tensão demasiada sobre o fio, pois isso pode levar à lesão da pele subjacente. A finalidade dos pontos de sustentação é manter as estruturas na posição atingida após descolamento cutâneo, e não tracionar a narina. Como o fio utilizado é de absorção rápida, após 10 a 14 dias ele começa a se soltar. Mais uma vez, não há necessidade de se submeter a criança à retirada dos pontos.

Atenção especial deve ser dada à coaptação das bordas cutâneas, principalmente na junção cutâneo-mucosa. A infiltração anestésica, o edema e o tamanho exíguo das estruturas podem levar à sutura assimétrica, não percebida de imediato, mas constrangedora no pós-operatório tardio. Se necessário, deve-se usar lupa de aumento para melhor visualização. Alguns cirurgiões utilizam-se desse artefato durante toda a cirurgia.

Na palatoplastia, infiltramos um volume um pouco maior de anestésico para proporcionarmos expansão dos tecidos e facilitação de aproximação destes. Preferimos infiltrar o segmento que vai ser manipulado, em vez de infiltrar, de uma só vez, todo o palato. Dessa forma, infiltramos a mucosa nasal e a descolamos; seguimos com infiltração da área de descolamento muscular e o realizamos; e, por fim, infiltramos o retalho oral em toda a sua extensão e o liberamos. Na área de infiltração sobre o palato duro, preferimos utilizar seringa de Carpule que proporciona facilidade e uniformidade do volume infiltrado. Com essa rotina, aproveitamos a expansão mecânica proporcionada pelo anestésico para facilitar o descolamento dos retalhos. Não observamos aumento do sangramento pelo fato de não esperarmos algum tempo para que se dê o efeito vasoconstritor da adrenalina.

Preferimos suturar a mucosa nasal antes do descolamento total do palato, principalmente se for necessário o descolamento amplo de retalhos mucoperiostais. Após o descolamento completo do palato, as estruturas apresentam maior sangramento e se sobrepõem com facilidade, atrapalhando a síntese. Suturando a mucosa nasal, logo após seu descolamento, evitamos isso e proporcionamos tensão ao palato mole, o que facilita a liberação da musculatura.

Os descolamentos devem ser feitos com firmeza, mas, também, com delicadeza. As estruturas podem estar firmemente aderidas aos planos profundos e, ao mesmo tempo, serem de pouca resistência. Os descoladores, de formatos variados, são utilizados de acordo com a área a ser mobilizada e devem ter bom fio, possibilitando descolamento fácil sem, contudo, correr o risco de cortar, inadvertidamente, as estruturas.

A utilização de fio monofilamentar absorvível, com agulha pequena e cortante, facilitou em muito a sutura palatal. O tamanho da agulha se mostrou adequado para utilização em espaço tão exíguo. Detalhe especial foi a disponibilidade de agulha com curvatura composta. Principalmente em fendas palatais completas em palatos ogivais, em que o acesso e a síntese da porção anterior sempre representa maior dificuldade técnica. Essa dificuldade é bem mais facilmente contornada com aquela agulha.

O tamponamento palatal com hemostático absorvível (surgicel®) melhorou consideravelmente as condições de hemostasia e higiene oral pós-operatória. O surgicel® é de fácil manuseio, confere boa hemostasia, evita o odor fétido no pós-operatório e não precisa ser retirado, já que é absorvido em poucos dias. Essas condições diferem bastante do passado, não muito distante, em que utilizávamos tamponamento com gaze vaselinada, que deixava hálito característico e desagradável e precisava ser retirado após alguns dias. Em pacientes de maior idade, em que o sangramento palatal é mais abundante e pode se traduzir em problemas, acrescentamos o curativo compressivo no palato. Nesses casos, devemos atentar para o fato de não utilizarmos volume muito grande de gaze comprimindo o palato, pois esta pode se manter como um estímulo ao vômito. A compressão também não deve ser demasiada, para não provocar isquemia aos retalhos palatais.

Com esses detalhes técnicos incorporados à nossa rotina, observamos melhor controle do paciente no per-operatório, incremento na facilidade de manipulação dos tecidos, e os cuidados pós-operatórios ficaram mais simples, principalmente para os familiares. As crianças certamente agradeceriam se soubessem do que foram poupadas.

Os avanços tecnológicos têm nos fornecido facilidades que antes não estavam disponíveis. A qualidade dos resultados obtidos tem melhorado. Provavelmente, isso se deve, sobretudo, ao aumento no número de pacientes atendidos e profissionais ligados a esse atendimento. Mas não podemos negar o fato de que, com material adequado, estamos capacitados a trabalhar melhor.

Cabe, enfim, ao iniciante na especialidade avaliar as informações obtidas e aplicá-las da melhor forma. O ideal seria trabalhar com medicina baseada em evidências, ou seja, fazer o que está provado cientificamente ser melhor. O problema é que, com relação ao tratamento de fissurados, há várias evidências com bons resultados. Algumas delas conflitantes. Devemos associar às evidências nossas observações e a capacidade de aplicá-las.


BIBLIOGRAFIA

1. Millard DR Jr. The primary camouflage of the unilateral harelip. In: Skoog T and Ivy RH, eds. Transactions of the International Society of Plastic Surgeons, 1st Congress, Stockholm, 1955. Baltimore: Williams & Wilkins. 1957;160-6.

2. McComb HK, Coghlan BA. Primary repair of the unilateral cleft lip nose: completion of a longitudinal study. Cleft Palate Craniofac J. 1996 Jan;33(1):23-30.

3. Rocha, DL. Fissuras bilaterais: tratamento cirúrgico pela técnica de Spina. In: Carreirão S, Lessa S, Zanini SA. Tratamento das fissuras labiopalatinas. 2. ed. Rio de Janeiro : Revinter; 1996.

4. Franco T, Franco D, Cintra H. Malformações congênitas. In: Franco T, Franco D, Gonçalves LFF. Princípios de cirurgia plástica. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2002. p. 301-54.

5. Oliveira DFV. Fendas labiopalatais: tratamento multidisciplinar [Dissertação Mestrado]. Rio de Janeiro: UFRJ; 2000.

6. Garambone MA, Sardenberg KM, Ferreira EC, Kreimer G. Anestesia para Operações de Lábio e Palato. In: Tratamento das fissuras labiopalatinas. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Revinter;1996.










I. Membro do Serviço; TSBCP; TCBC; FICS; Mestre em Cirurgia Plástica pela UFRJ.
II. Residente do Serviço.

Endereço para correspondência:
Praia de Botafogo, 528 apto. 1304-A
Rio de Janeiro - RJ - 22250-040
e-mail: diogo@openlink.com.br

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

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